29/out/2021
Movimento indígena mobilizou a maior delegação de lideranças brasileiras da história da conferência do clima para pautar demarcação de terras indígenas como solução
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em conjunto com todas as suas organizações de base, mobilizaram a maior delegação de lideranças indígenas brasileiras da história da Conferência do Clima (COP26) para pautar soluções sobre a crise climática. Mais de 40 representantes dos povos originários estarão em Glasgow, na Escócia, entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro com a proposta de ocupar a Conferência para alertar o mundo sobre a necessidade de demarcar as Terras Indígenas e proteger os povos indígenas para o futuro do planeta.
“Nos colocamos contra falsas soluções baseadas em inovações tecnológicas elaboradas a partir da mesma lógica desenvolvimentista e produtivista que provoca as mudanças climáticas. Criticamos soluções que não reconheçam os povos indígenas e comunidades locais como o ponto central na defesa das florestas, da diminuição do desmatamento e das queimadas, e como essenciais para a garantir que a meta declarada de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus Celsius”, destaca trecho da mensagem da Apib aos líderes mundiais, empresários, gestores públicos e organizações que irão estar presentes na COP26.
A delegação indígena brasileira na conferência vai denunciar o genocídio indígena e o ecocídio que está em curso no Brasil agravado pela pandemia da Covid-19 e pelo projeto de morte do Governo Federal. No dia internacional dos povos indígenas, 9 de agosto, a Apib entrou com um comunicado inédito no Tribunal Penal Internacional (TPI) para denunciar o governo Bolsonaro por Genocídio.
“Moldamos e protegemos nossos biomas ao preço do sangue de milhões de parentes. O genocídio dos povos originários, a perseguição aos defensores dos territórios e a captura ilegal de nossas terras, é o maior e mais disseminado crime que a humanidade produziu ao longo de sua história. Este é um crime continuado e presente, o qual denunciamos em todas as instâncias que ocupamos”, reforça a delegação em mensagem.
De acordo com a organização da comitiva, esta é a maior delegação de lideranças indígenas brasileiras da história da COP. A Apib participa da conferência desde 2014, e havia mobilizado, em 2019, um grupo de 18 pessoas para a última COP, que era até então a maior participação de lideranças no encontro. Neste contexto de pandemia da Covid-19, que afetou bilhões de pessoas, os povos indígenas reforçam a necessidade de respeitar a biodiversidade presente nos territórios indígenas.
Para a delegação indígena a atual política do Governo Federal é nociva ao meio ambiente, ao clima e às comunidades tradicionais. A Apib e suas organizações indígenas denunciam de forma constante as invasões aos territórios, a contaminação de rios e nascentes por agrotóxicos e mercúrio, o desmatamento desenfreado da Floresta Amazônica, do Cerrado e do Pantanal. Segundo a organização, apesar desse cenário, os fundos econômicos continuam apoiando financeiramente a ganância desenfreada que destrói o planeta.
Mesmo sendo responsável pela proteção da maior parte do patrimônio florestal global e, consequentemente, da capacidade de armazenar mais de 293 gigatoneladas de carbono, um terço das terras indígenas e comunitárias de 64 países estão sob ameaça devido à ausência de demarcação.
O Brasil, que originariamente era todo Terra Indígena, hoje reserva apenas 13,8% do território nacional aos seus povos originários. E essa porção do território é a que se manteve mais preservada nos últimos 35 anos, representando menos de 1% do desmatamento no Brasil no período, apontam dados do Mapbiomas. Essa porcentagem não significa toda a extensão das florestas protegidas pelos povos indígenas e segundo a Apib, além da paralisação das demarcações de Terras Indígenas, os territórios tradicionais já demarcados encontram-se sob forte ameaça legislativa, em uma tentativa inconstitucional de negar a presença tradicional dos povos indígenas no país, e da ocupação de suas terras muito antes da formação do Estado brasileiro.
“Vamos a Glasgow para mais uma vez alertar ao mundo, e nesta ocasião com ainda mais gravidade: a humanidade está conduzindo o destino de todos nós ao caos e à morte! Nossa Mãe Terra está exaurida. O futuro do planeta e das espécies que o habitam dependem da nossa capacidade global de cooperação para defender e fortalecer os povos indígenas e comunidades locais, para garantir a seguridade dos territórios tradicionais face aos interesses econômicos predatórios, e para criar e promover soluções climáticas efetivas baseadas na natureza e nas comunidades que a protege”, reforça a delegação.
Mensagens
Leia a mensagem da Apib aos líderes mundiais, gestores de políticas públicas, empresários e organizações da sociedade civil reunidos na COP 26 aqui.
Leia a declaração dos povos indígenas da Amazônia brasileira frente à crise climática elaborado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira aqui.
29/out/2021
Nós, os povos indígenas da Amazônia brasileira, observamos há muito tempo as mudanças climáticas e seus efeitos em razão de mantermos uma relação ancestral com a Mãe Terra. Pois é dela que vem todo o nosso sustento e as explicações para os fenômenos que afetam a vida de todos os seres vivos e cosmológicos.
A crise climática está diretamente relacionada à ganância sobre as terras indígenas, aliada à erosão jurídica dos direitos indígenas e ambientais que está em trâmite no Brasil. O tempo em que estamos vivendo, no qual um vírus parou o mundo e afetou a rotina de bilhões de pessoas de todas as classes sociais e diferentes culturas, é fundamental para pensar seriamente na necessidade de respeitar a sociobiodiversidade presente em nossos territórios. Mas no Brasil, o governo atual é letal com políticas anti-ambientais, anti-climáticas e anti-indígenas. Nossos territórios, que são nossos de direito, estão sendo invadidos por garimpeiros e madeireiros; aldeias foram cercadas por fazendas de gado e soja; os rios são contaminados por agrotóxicos e mercúrio; a Floresta Amazônica está em chamas virando cinza; e governos e os fundos econômicos continuam apoiando financeiramente essa ganância desenfreada, a economia da destruição que mata e que destrói a vida e o planeta.
Todos precisam mais do que nunca ouvir nosso chamado, que nós, os povos indígenas estamos alertando há séculos a partir dos saberes ancestrais que orientam nosso modo de ver e entender o mundo. É neste contexto que mais uma vez chamamos a atenção para a necessidade de construir uma justiça climática inclusiva e participativa a partir das nossas cosmovisões, das salvaguardas e dos nossos territórios. É preciso ir além das metas estabelecidas nos acordos internacionais e passar a considerar o papel vital que nós, povos indígenas, desempenhamos nesse processo, e que deve ser implementado em eixos de responsabilidade socioambiental.
Chegamos ao ponto de não retorno. O recente relatório divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), intitulado Climate Change 2021: the Physical Science Basis, demonstra de forma nítida que as mudanças climáticas causadas pela ganância do homem são irrefutáveis, irreversíveis e vão se agravar nos próximos anos e décadas se não tivermos ações práticas para alterar o quadro da crise climática, ambiental e social. De igual forma, mesmo se zerássemos as emissões de gases de efeito estufa, já teríamos um aumento significativo na temperatura global, o suficiente para efeitos catastróficos.
Não há outro caminho a não ser reconhecer, fortalecer e promover o importantíssimo papel desempenhado por nós, povos indígenas, dentro dos nossos territórios. Para nós, falar em justiça climática é justamente pensar o destino das presentes e futuras gerações e dos que escolheram outras formas de sociedade, como os povos isolados e de recente contato que se encontram na Amazônia. Isto está atrelado à necessidade de se respeitar as diversidades. A cosmologia indígena que nos faz compreender os sinais da Mãe Terra impõe o dever de reconhecer o ecocídio, em que os rios, lagos, animais, florestas e seres cosmológicos que ali habitam são sujeitos de direitos como nós, seres humanos, e devem ser respeitados. Por isso, falar em crise climática requer necessariamente reconhecer a importância das terras indígenas, e de nós, povos indígenas, que damos a vida para proteger a floresta e sua biodiversidade, cumprindo um papel fundamental no equilíbrio climático, beneficiando, assim, toda a Humanidade.
Entretanto, existe um caminho prático de solução que há muito tempo nós, os povos indígenas, viemos apontando: demarcar nossos territórios, mudanças no sistema de produção, plantar mais árvores, parar de queimar combustíveis fósseis e reduzir a pressão sobre a capacidade de carga da Terra. Este deve ser um compromisso de todos: governos, empresas e indivíduos.
Territórios protegidos e direitos respeitados são a solução. Não podemos nos deixar seduzir pela falsa ideia do mercado de carbono, falsas soluções baseadas apenas na natureza e mecanismos de financiamento que não condizem com nossa realidade. Oferecemos alternativas com base em nossos saberes tradicionais associados a inovações tecnológicas. A prática da agricultura deve estar atrelada à segurança alimentar. Chamamos atenção para a responsabilidade solidária de todas as partes envolvidas. As corporações e governos são responsáveis pela destruição em curso na Amazônia brasileira, mas apenas críticas não são suficientes, é preciso mais do que nunca adotar medidas enérgicas para salvaguardar os interesses ecológicos.
É urgente e essencial fortalecer fundos indígenas e mecanismos financeiros que dialoguem com a realidade indígena, como o Fundo Indígena da Amazônia Brasileira – Podaali. Tais recursos devem promover a implementação dos planos de vida dos povos indígenas e as políticas públicas socioambientais. No entanto, nenhum desses esforços surtirá efeito até que todas as terras indígenas sejam demarcadas, que 80% do bioma Amazônico esteja protegido, e que todas as partes tenham metas ambiciosas e que sejam alcançadas. Ou seja, é necessário mudar todo o sistema político e econômico atual.
É chegada a hora em que os povos indígenas da Amazônia Brasileira através da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, sendo a maior organização indígena do Brasil, com o envolvimento de uma população estimada em mais de 480 mil indígenas, de 178 diferentes povos que ocupam 23% do território amazônico, conclama toda a sociedade do planeta a aliar-se aos povos indígenas em defesa da vida na terra.
A luta dos povos indígenas é de todo planeta!
Amazônia (Brasil), 15 de outubro de 2021
29/out/2021
Compomos uma delegação indígena brasileira, que parte rumo a Glasgow, na Escócia, como representantes dos anseios e portadores das mensagens urgentes dos mais de 305 Povos Indígenas do Brasil.
Somos homens e mulheres, descendentes de gerações milenares de guardiões e guardiãs dos biomas da América do Sul, e nos irmanamos aos povos originários de todos os cantos de nossa Mãe Terra.
Em todos os continentes, os povos originários lutam para proteger suas terras e garantir a todas as espécies o direito de viver. Nossa luta é por nossas vidas e por nossos territórios, pela defesa das últimas terras ancestrais e pelo enfrentamento à crise climática em nosso planeta. Nossa luta é pela cura da Terra. Por isso, reiteramos a urgência da demarcação de nossos territórios.
Terra Indígena é garantia de futuro para toda a humanidade. Nossa relação com o território não é de propriedade, exploração, expropriação ou apropriação, mas de respeito e manejo de um bem comum, que serve a toda humanidade como pólos de contenção das dinâmicas extrativistas que provocam a crise climática. Até hoje – e isso não dizemos nós, mas a ONU e diversos institutos de pesquisa com a reputação mais elevada que a ciência ocidental pode demandar -, somos nós, Povos Indígenas, os maiores responsáveis pela preservação dos biomas do planeta.
Ao sair de nossas aldeias e atravessar o Oceano Atlântico rumo à mais importante convenção do clima que a governança global instituiu, trazemos nas malas nossos conhecimentos tradicionais e a autoridade para afirmar que nossos territórios são oásis de biodiversidade e modelos de solução climática. Nossa cultura e nossos saberes são originalmente ambientalistas, mesmo antes de este termo ser inventado.
Muitos que nos ouvem hoje não têm dimensão de toda a força que empenhamos nesta missão. Moldamos e protegemos nossos biomas ao preço do sangue de milhões de parentes. O genocídio dos povos originários, a perseguição aos defensores dos territórios e a captura ilegal de nossas terras, é o maior e mais disseminado crime que a humanidade produziu ao longo de sua história. Este é um crime continuado e presente, o qual denunciamos em todas as instâncias que ocupamos.
É fundamental, que o mundo compreenda que não existe solução para a cura da Mãe Terra que não tenha os pés no chão. Conectar-se com a terra, sentir suas necessidades, entender seus ciclos e seus desequilíbrios é fundamental para revertermos os danos causados nos últimos séculos pela sede de acumulação e descarte irresponsável, desigual e ecocida.
O que sentimos em nossas aldeias, territórios protegidos a tanta custa, são os devastadores sintomas do apocalipse climático. O genocídio indígena e a contínua expropriação de nossos territórios por investidas legislativas e interesses predatórios é um claro sinal de que nossas terras são as últimas Reservas de Futuro. O massacre dos povos indígenas é um presságio da devastação irreversível que faz vítimas em florestas, bosques, campos, savanas, em todos os biomas por todo o mundo. Não contido, levará a todos os seres viventes um fim trágico, doloroso e injusto.
Para as autoridades e especialistas que se reúnem agora em Glasgow, pedimos que tomem ações reais para a proteção dos nossos territórios e que trabalhem incansavelmente para um sistema de produção mais justo e menos poluente para todos e todas sociedades.
Vamos a Glasgow para mais uma vez alertar ao mundo, e nesta ocasião com ainda mais gravidade: a humanidade está conduzindo o destino de todos nós ao caos e à morte! Nossa Mãe Terra está exaurida.
O futuro do planeta e das espécies que o habitam dependem da nossa capacidade global de cooperação para defender e fortalecer os povos indígenas e comunidades locais, para garantir a seguridade dos territórios tradicionais face aos interesses econômicos predatórios, e para criar e promover soluções climáticas efetivas baseadas na natureza e nas comunidades que a protege.
Por isso, nos colocamos contra falsas soluções baseadas em inovações tecnológicas elaboradas a partir da mesma lógica desenvolvimentista e produtivista que provoca as mudanças climáticas. Criticamos soluções que não reconheçam os povos indígenas e comunidades locais como o ponto central na defesa das florestas, da diminuição do desmatamento e das queimadas, e como essenciais para a garantir que
a meta declarada de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus Celsius.
Esperamos que esta mensagem chegue aos líderes globais, empresários e organizações da sociedade civil presentes na COP 26, vibre em seus corações, e refloreste suas mentes!
DEMARCAÇÃO JÁ!
Não existe solução para crise climática sem Povos e Terras Indígenas
BRASIL, 29 de outubro, 2021
29/out/2021
Foto: Sofia B. H. Lisboa
Durante a semana dos povos indígenas, em abril de 2019, três lideranças indígenas e estudantes da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), reagiram a provocações do diretor de política e assistência estudantil representante da reitoria durante um debate sobre políticas de assistência estudantil e ações afirmativas. Os discentes Auricélia Arapiun, Alessandra Munduruku e Willames Borari desde então vêm sofrendo perseguições e intimidações por parte da instituição.
O desentendimento gerou processo interno da universidade contra os alunos. Não satisfeitos só com a imposição de investigação interna, por meio de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), os representantes da administração superior da instituição acionaram a Polícia Federal, que instaurou procedimento investigativo contra os estudantes indígenas. Os alunos foram procurados pela Polícia Federal na investigação, gerando neles abalos familiares, angústia, insegurança, afastamento e descrença na capacidade crítica da universidade.
Ocorre que o desentendimento se deu no âmbito interno da universidade, em evento acadêmico tradicional dos indígenas da UFOPA, de modo que, a ocorrência interna poderia ser apurada através de processo administrativo e instâncias internas de mediação de conflitos desta natureza. Mas o reitor da instituição optou em judicializar o processo, confrontando alunos indígenas com a polícia federal, afrontando a autonomia universitária e o devido debate crítico que fundamenta a universidade. Afinal, se não for a universidade lócus privilegiado do debate crítico, duro e profundo, onde seria?
A universidade vem praticando racismo institucional em não tratar estudantes indígenas com a qualidade e atenção que eles merecem. Em denúncia, os estudantes afirmam que o reitor chegou a fazer um tribunal étnico-racial, colocando os estudantes indígenas na frente de outros estudantes da universidade para expor bolsas estudantis, em uma tentativa de demonstrar que os estudantes indígenas são privilegiados. Assim, o reitor incentivou uma rivalidade na instituição e causou transtornos e assédio.
Outra questão é que nunca foi usada metodologia por parte da universidade para uma escuta e diálogo para acolher os estudantes indígenas. Ao contrário das necessidades, os profissionais despreparados usam de violências institucionais e preconceituosas para perseguir e para desmoralizar, provocando situações como a que aconteceu com Auricélia Arapiun, que passa pelo segundo processo interno na universidade. Em 2018 foi aberto um processo que logo foi arquivado e recentemente reabriram o processo que pode reter o seu diploma de conclusão do curso.
Auricélia é estudante e liderança indígena, vice-coordenadora do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), organização que representa sociopolíticamente 13 povos da região Baixo Tapajós.
A permanência dos estudantes indígenas na universidade e a conclusão de seus cursos é um ato político e uma conquista para seu povo, sobretudo em um país onde as universidades excluem sua participação. As perseguições e intimidações precisam parar, e a segurança, e a qualidade de vida dos estudantes precisam ser asseguradas pela universidade.
28/out/2021
Foto tirada por Xuli Ribeiro na Segunda Marcha das Mulheres indígenas 2021
por Aldenora Pimentel e Kamuu Dan Wapichana
A infância não é para nós o ponto inicial. O começo está na ancestralidade e na dinâmica viva com que a memória nos constrói, fortalece e nos impulsiona para as experiências. Não é o meio e nem só o final. A infância tem a mesma relevância de contribuição em todo o processo de resiliência dos povos originários, pois é durante todo o percurso que se aprende a importância de cada indivíduo na coletividade.
As crianças não são só futuro, pois para ela existir, a responsabilidade do presente é fundamento essencial e agora, mais do que nunca, esse compromisso se torna emergencial. Por isso, não é possível separar os debates sobre cultura, educação, trabalho, brincadeiras, saúde, meio ambiente, direito e outros. Para nós, tudo está intrinsecamente interligado à nossa espiritualidade ancestral e à nossa sobrevivência.
Nosso esforço é garantir todas as existências, e isso só é possível mantendo a saúde da Mãe Terra. Todas as energias são voltadas para essa defesa, para a continuidade do legado dos guardiões da natureza, que exercem esse cuidado e que lutam diariamente para assegurar a dignidade coletiva dos seres. Todos somos protagonistas, e também as crianças cumprem um papel fundamental nesse cordão de resistência permanente, carregando no sangue e na memória a história de luta, a beleza do fortalecimento, a leveza do acreditar e do fazer.
Cada passo é um aprendizado, uma conexão. Cada ser é uma história, mas não existe história sem território. Nossa história está inteiramente vinculada ao território a que pertencemos. No entanto, não se trata apenas do espaço geográfico onde nascemos, mas também da conexão que a ancestralidade nos permite agregar, sentir, vivenciar, transmitir e compartilhar conhecimentos. Na infância se aprendem valores, mas também é ali que as crianças nos ensinam que a força não se sustenta quando estamos sozinhos, e que ganhamos experiência com a coletividade.
Estamos passando por um momento muito difícil atualmente, no qual essa conexão e esse equilíbrio estão sendo rompidos com o avanço do agronegócio e da degradação do meio ambiente, e até podendo afirmar que, em muitos lugares, as mulheres estão ficando inférteis. Como pensar em futuro sem assegurar o princípio da vida?
Não há espaço para as crianças em um contexto em que, com a cobiça pelos recursos naturais e terras indígenas, só resta a beira das estradas para muitas famílias, como é o caso dos Guarani Kaiowá e de tantos outros que foram expulsos de seus territórios ancestrais. Passam por uma situação complicada os Yanomami nas terras indígenas em Roraima, onde sofrem com a contaminação dos rios, fonte de toda existência. Com a exploração do minério em suas terras, seus corpos começam a adquirir o inimaginável e o desconhecido que trazem morte e destruição. E após as cidades invadirem nossas aldeias e avançarem para o progresso, como nós podemos falar de futuro para nossas crianças tendo um presente que fere e mata? Só nos resta ensinar aos pequeninos o fervor ao lutar por nossa própria existência?
Queremos mais que uma lembrança de um dia termos passado por essas terras. Queremos continuar tendo o direito de mantermos nossas diferenças que tanto nos igualam e nos tornam únicos coletivamente. Que nos fazem acreditar até sempre que, independente de nossas crenças, ideologias, idades e conhecimentos, podemos conviver. E indo mais além… que podemos bem viver.
Nessa relação única, os olhares indígenas infantis afirmam que somos um só, e por isso o respeito é o principal elemento que deve ser praticado diariamente, e que a sabedoria ancestral se manifesta em todas as formas de vida.
Fomos arrancados de nossos territórios e nossa própria história nos foi negada. Por isso, voltar o olhar carinhoso para as crianças se faz tão necessário, pois as mudanças geradas pela ganância e pela opressão afastam a infância ainda mais de nossas origens, costumes e tradições. O dinheiro parece continuar ter mais importância que a vida! Como permanecer com esse vínculo e com esse cuidado se continuam a nos arrancar do seio da Mãe Terra?
Agora é o momento para refletir e agir! Uma mão unida à outra nutre a alma, aquece o coração e fortalece a caminhada. Passos para o bem viver, mesmo por caminhos diferentes, sinais de respeito à vida. Experiência e cuidado manifestam aprendizado coletivo que nos constrói e nos transforma em sementes férteis, e assim não deixamos de ser crianças, continuamos a aprender e a nos relacionar bem com todos os seres.
Porque aqui usamos nós e não somente mencionamos a palavra criança? Porque a infância está em nós até o final, basta olharmos para dentro de nós para lembrar quem realmente somos. Independente de onde estivermos, esse será nosso lugar de fala e resiliência!
Aldenora Pimentel
Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Roraima (UERR) e Especialista em Residência Agrária com Habilitação em Cultura, Arte e Comunicação pela UnB. Pesquisadora na área de literatura indígena contemporânea com foco no suporte pedagógico e formação de profissionais da educação sobre a temática indígena em sala de aula.
Kamuu Dan Wapichana (Filho do Sol)
Mestre dos saberes tradicionais, estudante de Gestão Ambiental na Universidade de Brasília, escritor, contador de histórias, educador socioambiental popular, permacultor, nascido em Boa Vista-RR, de origem do Povo Wapichana.
25/out/2021
Por comunidades tradicionais e indígenas de Cumuruxatiba
O município de Prado, no extremo sul baiano, é palco dos conflitos por terra mais antigos do Brasil. Desde que esta paradisíaca costa recebeu a invasão portuguesa, expulsando os indígenas, moradores originários do local, a violência e a pistolagem é promovida por grileiros e latifundiários que ameaçam as vidas da população nativa.
Na última quarta-feira, 20 de outubro, houve mais uma tentativa de atentado. Lucas Lessa avançou o carro sobre Xawã Pataxó (Ricardo) quebrando sua moto e provocando alguns arranhões. “A gente acabou de ter um ataque aqui na comunidade, no território, onde o pessoal dos Lessa estava. Justamente o Lucas Lessa com homens no carro. A gente explicando pra ele a decisão que tem do STF, do ministro Dias Toffoli para esse território da Aldeia Kaí… Ele infelizmente jogou o carro em cima da gente, a gente teve que se defender com nosso tacape. Ele veio em direção a mim com o carro e consegui se livrar do atropelamento. Mas ele quebrou minha moto também, passou por cima da moto. Aí estamos comunicando os companheiros. A gente não vai deixar mais as nossas praias serem fechadas e nosso território ser tomado”, denunciou Xawã.
Ao tentar denunciar a violência na delegacia de polícia de Prado, alguns minutos depois, a liderança indígena se deparou com Lucas que acabava de dar um depoimento. O delegado, por sua vez, se recusou a ouvir a denúncia da vítima.
A tentativa de coerção é motivada pela disputa em torno principalmente das Praias do Moreira e do Calambrião, que vem sendo cercadas por grileiros para criar condomínios de luxo. Os acessos tradicionalmente utilizados pelas comunidades extrativistas, marisqueiros e indígenas foram cercados, impedindo a passagem destes povos e dos turistas que frequentam a região.
No último sábado, 16, as comunidades se uniram para reabrir uma das estradas, que leva à Praia da Biquinha. Um loteamento ilegal também está em curso na Praia do Moreira, que é parte da Resex Corumbau (Reserva Extrativista Marinha de Corumbau). As comunidades denunciam e tentam retirar as cercas para conter a especulação imobiliária promovida pela chegada de estrangeiros e milionários. No mesmo território encontra-se a aldeia Kaí, que segundo o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) integra o Território Indígena de Comexatibá, mais conhecido pelos turistas como Cumuruxatiba.
“Essa questão não é só de Pataxó, não é só dos pescadores que nesse momento de fome estão impedidos de pescar, de pegar o seu peixe, porque a carne esta cara. É também do interesse nacional. Foi nesse lugar que baixou o primeiro barco das caravelas através de Nicolau Coelho. Isso é um patrimônio nacional e mundial da humanidade. Esse patrimônio está sendo tomado de nós brasileiros. O que está acontecendo aqui é um verdadeiro atentado contra a memória nacional e contra a terra Pataxó e os povos indígenas do Brasil. Está tudo invadido, ninguém tem mais acesso a praia”, alerta Maria Geovanda Batista, professora e pesquisadora da Universidade do Estado da Bahia e acompanha a causa há anos.

Quem é Lucas Lessa
Lucas Lessa é filho do advogado José Carlos Lessa, envolvido no esquema de compra e venda ilegal de lotes do INCRA, de acordo as denúncias feitas pela imprensa em 2011. Ele reside em uma mansão à beira da Praia da Japara Grande e transformou o que deveria ser um lote da reforma agrária em restaurante particular. A família Lessa, natural do Rio de Janeiro, adquiriu ilegalmente uma série de lotes à beira da praia, inclusive na Praia do Calambrião, onde possuem outra mansão. Lucas é advogado, porém se passa por pescador no distrito de Cumuruxatiba.

O assentamento Cumuruxatiba foi homologado no Plano Nacional de Reforma Agrária em 1987 e abrangia 268 beneficiários. No entanto, as dificuldades para o estabelecimento das famílias assentadas com a morosidade na implantação das políticas da reforma agrária e a pressão exercida por fazendeiros e empresários, gananciosos sobre as riquezas litorâneas, gerou a mercantilização das terras públicas. Hoje o assentamento está completamente desconfigurado, há mansões construídas para veraneio e locação para pessoas ricas, já que a diária pode chegar até mil reais durante o verão.
Conflito centenário
O território que originou a vila de Cumuruxatiba, pequena área urbanizada, e o PA Cumuruxatiba, é habitado pela etnia Pataxó desde os tempos de Pindorama. Alguns documentos nos relatórios da FUNAI registram a presença destes indígenas desde 1577, numa área que abrange as praias acima da vila, a Fazenda Paraíso e a suposta Fazenda dos Lessa e segue sentido Norte até Caraíva. Durante séculos eles foram massacrados e forçados ao êxodo, tendo suas aldeias incendiadas, como é o caso conhecido como Fogo de 51. As ameaças recorrentes deixaram o povo em situação de extrema vulnerabilidade diante das diversas invasões.
Mesmo o projeto de assentamento, que pela lei deveria beneficiar prioritariamente os nativos, foi criado sem considerar a existência dos Pataxós. Além do INCRA, houve a sobreposição feita pelo então Ibama (hoje ICMBio), que criou Unidades de Conservação (UC) com as áreas de ocupação histórica dos Pataxó. Trata-se do Parque Nacional do Monte Pascoal, implantado sobre o Território Indígena Barra Velha do Monte Pascoal, e o Parque Nacional do Descobrimento, sobreposto ao TI Comexatibá (Cahy/Pequi).
Desde 1999 os Pataxós deflagraram a retomada de seu território e fundaram cinco aldeias no entorno da vila de Cumuruxatiba: Kaí, Pequi, Tibá, 2 irmãos e Gurita. Atualmente há uma decisão do Supremo Tribunal Federal em benefício dos Pataxó que reafirma seu direito sobre as terras, no entanto não há nenhum tipo de fiscalização do Estado que garanta a segurança e a efetividade deste direito. A atuação do governo Bolsonaro tem estimulado a violência e a ampliação dos conflitos, ao mesmo tempo em que atua no desmonte da FUNAI. As comunidades apontam a demarcação como saída para o conflito e seguem resistindo nas áreas de retomada.
“A gente precisa de apoio das autoridades porque estamos passando um momento tão difícil, a carestia taí, tem muitas pessoas que não conseguem comprar um quilo de carne, estão na fila do osso. E isso a gente não quer para o nosso povo. A gente quer melhoria, não só para nós indígenas, como para todos os brasileiros que entenderem a nossa luta”, apela o Cacique da Aldeia Tibá, José Fragoso.
21/out/2021
O 1.º Festival de Cinema Indígena Brasileiro traz para Londres uma seleção de curtas, longas, documentários e animações produzidas por onze cineastas de sete diferentes povos com filmes legendados em inglês. O programa celebra os rituais e a herança cultural dos povos indígenas e reafirma o direito por suas terras e à expressão cultural, direitos esses que estão sendo desmantelados nos últimos anos. Os cineastas abordam essas questões de forma poética e provocativa na primeira edição deste festival, que busca abrir conversas sobre nosso papel na preservação do planeta e o que podemos aprender com os povos indígenas.
Com curadoria do renomado cineasta Takumā Kuikuro, do Território Indígena do Xingu, na bacia amazônica brasileira, e Christian Fischgold, pesquisador visitante da Universidade de Manchester, o festival amplifica as vozes muitas vezes não ouvidas dos povos indígenas do Brasil. O programa está dividido em três vertentes: O Direito à Terra (sexta, 22)*, combina trabalhos sobre diferentes formas de luta indígena — simbólica, prática, política, mitológica — pelo direito à terra; A Dimensão Ritual (sábado, 23) documenta e celebra os povos Maxakali e Kisedjê no Brasil rural — e mostra que enquanto os rituais podem ser políticos, o político também pode ser ritualístico. Oralidade, Filme e História (domingo, 24)- traz perspectivas históricas, sociais e filosóficas das comunidades Parakanã, Guarani — Nhandewa e Guarani — Kaiowá.
A noite de abertura será seguida de uma conversa com os curadores do festival, cineastas e um líder indígena da APIB, Brasil. A conversa será moderada por Paul Heritage, Professor de Drama e Performance na Queen Mary University de Londres e Diretor da PPP.
Veja o programa completo aqui.
Destaques
Equilibrium, uma videoarte etno-midiática da jornalista e educadora Tupinamba Olinda Muniz Wenderley. Dois filmes de animação, A Celebração dos Espíritos e Konãgxeka: O Dilúvio Maxakali trazem as cores da natureza e as tradições de dois grupos. Nũhũ yãg mũ yõg hãm: Esta terra é nossa terra! é o vencedor do prêmio de Melhor Filme Internacional no Sheffield Doc / Fest deste ano. O festival apresenta ainda duas produções de Alberto Alvares: Sonho de Fogo, uma interpretação de um sonho – um presságio de doença, segundo as tradições Guarani Nhandewa, e Tekowenhepyrun: A Origem da Alma, que é um testemunho dos sábios da aldeia do diretor, que acredita que a alma é a ligação entre o corpo e o espírito. Alberto, um dos mais importantes cineastas indígenas da última década, teve suas obras expostas em Bienais de Artes e festivais internacionais de cinema. Ava Yvy Vera: A Terra do Povo Relâmpago, uma representação da luta dos povos Guarani-Kaiowá pelo direito à terra que ganhou reconhecimento internacional após o lançamento de uma carta conjunta em 2012, protestando contra os assaltos e avanços do agronegócio brasileiro. O provocador Zawxiperkwer Ka’a registra as atividades dos Guardiões da Floresta, grupo que luta contra a extração ilegal de madeira e trabalha pela proteção dos Awá-Guajá, um dos grupos indígenas isolados mais ameaçados do leste da Amazônia.
“O direito à terra, a proteção da floresta e a ênfase na possibilidade de um modo de vida diferente são componentes políticos dos filmes selecionados. A câmera e o cinema têm uma importância fundamental, seja como instrumento de criação etnográfica ou de proteção em zonas de conflito”. Takumā Kuikuro e Christian Fischgold
“Os povos indígenas estão liderando a luta contra as mudanças climáticas. Eles precisam
urgentemente de nosso apoio em sua resistência contra a destruição de seus modos de vida
tradicionais. ” Paul Heritage
O 1º Festival de Cinema Indígena do Brasil no Reino Unido é produzido pela People’s Palace Projects
em parceria com o ICA. Financiado pela Queen Mary University of London, University of Manchester,
Arts Council England e UK Research and Innovation através do Global Challenges Research Fund,
apoiado pela APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
19/out/2021
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) manifesta a sua solidariedade ao corpo de promotores e procuradores do Ministério Público, cuja atuação independente chancelada pela Constituição Federal de 1988, está sendo no momento ameaçada de interferência política caso seja aprovada pelo Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 5/21), que objetiva alterar o Art. 130-A da nossa Constituição Federal, que trata da composição do Conselho Nacional do Ministério Público, de forma a restringir e/ou limitar a sua atuação.
Manifestamos especial agradecimento a aqueles membros do Ministério Público que tiveram a coragem de enfrentar interesses escusos de setores econômicos e políticos que atentaram e atentam até hoje contra os direitos fundamentais dos nossos povos assegurados pela Constituição Federal de 1988: direito originário às terras que tradicionalmente ocupamos, e de usufruto exclusivo; alteridade sociocultural e autonomia (organização social própria, costumes, línguas, crença e tradições). Desse novo marco legal e de democracia emerge um pacto entre os nossos povos e o Estado brasileiro, ao qual cabe zelar pelos nossos interesses e aspirações, respeitando a nossa especificidade e implementando políticas públicas também específicas e diferenciadas.
Rechaçamos quaisquer tentativas de quem quer que seja de intimidar e amordaçar promotores e procuradores que mesmo enfrentando adversidades continuam a defender e aplicar com todo rigor o mandato constitucional vigente.
Dessa forma, solicitamos aos membros do Parlamento que juraram ao início de seu mandato respeitar a Carta Magna que votem pela rejeição da PEC 5/21, pois se for aprovada a decisão constituirá mais um golpe à Democracia, um grave retrocesso, em favor daqueles que acham que estão acima de Lei e violam dia a dia os direitos humanos, sobretudo de setores da população secularmente marginalizados, explorados e discriminados, como são os nossos povos e comunidades.
Por um Brasil mais democrático e justo, Não à PEC 5!
Brasília – DF, 18 de outubro de 2021.
17/out/2021
Poucos dias depois da nossa maior celebração de força indígenas mulheres na II – Marcha das Mulheres realizada em setembro de 2021.
Nós, Mulheres Indígenas, nos deparamos ontem, hoje e amanhã com a tamanha violência ocorrida com as nossas parentas no sul do Brasil.
A violência é nosso inimigo e adversário de bem-estar das mulheres dentro dos seus territórios, somos em muitas lutas em âmbito nacional e internacional. Somos sementes plantadas através de nossos cantos por justiça social, por demarcação de território, pela floresta em pé, pela saúde.
Somos mais de 305 Povos, falantes de 274 línguas. Somos aproximadamente 900 mil pessoas, sendo 448 mil mulheres. Nós, Mulheres Indígenas, lutamos pela demarcação das terras indígenas, contra a liberação da mineração e do arrendamento dos nossos territórios, contra a tentativa de flexibilizar o licenciamento ambiental, contra o financiamento do armamento no campo. Enfrentamos o desmonte das políticas indigenista e ambiental.
Nós, Mulheres Indígenas, também somos a Terra, pois a Terra se faz em nós. Pela força do canto, nos conectamos por todos os cantos, onde se fazem presente os encantos, que são nossas ancestrais. A Terra é irmã, é filha, é tia, é mãe, é avó, é útero, é alimento, é a cura do mundo.
Por isso nos manifestamos a nossa solidariedade a todas as irmãs kaingang da comunidade/aldeia serrinha que não ficaremos caladas. Como calar diante de um ataque? Diante de um Genocídio que faz a Terra gritar mesmo quando estamos em silêncio? Porque a Terra tem muitos filhos e uma mãe chora quando vê, quando sente que a vida que gerou, hoje é ameaçada. Mas ainda existe a chance de mudar isso, porque nós somos a cura da Terra!
Em virtude das constantes violações e violência com os corpos território das mulheres e seus direitos, aprofundadas no contexto do arrendamento de terras indígenas, é urgente fortalecer o cuidado com a saúde e defesas de vidas, das parentas através de rede de apoio e parceiros. Convocamos MPFs e demais autoridades, que comparecem e clamamos por justiça em favor da vida dos parentes.
Somos muitas, somos múltiplas, somos mil-lheres, cacicas, parteiras, benzedeiras, pajés, agricultoras, professoras, advogadas, enfermeiras e médicas nas múltiplas ciências do Território e da universidade. Somos antropólogas, deputadas e psicólogas. Somos muitas transitando do chão da aldeia para o chão do mundo.
Mulheres terra, mulheres água, mulheres biomas, mulheres espiritualidade, mulheres árvores, mulheres raízes, mulheres sementes e não somente mulheres guerreiras da ancestralidade.
#MarcotemporalNÃO
#PeloDireitodeViver
#DemarcaçãoJá
17/out/2021
Nota do Instituto Kaingang
A Organização Indígena Instituto Kaingáng – INKA, vem a público, repudiar veementemente todo e qualquer ato de violência física, cárcere privado, intimidações, tortura, morte e toda a forma de opressão contra velhos, crianças, mulheres e homens indígenas do povo Kaingáng, moradores da Terra Indígena Serrinha (RS) onde a sede do INKA está localizada e atua pacificamente com educação e cultura indígena na região há quase 20 anos.
O INKA não compactua com nenhuma forma de mal e vem buscando durante sua caminhada a revitalização, o fortalecimento e a valorização da cultura Kaingáng, onde nessa base encontra-se o respeito aos nossos velhos, onde reside a sabedoria do povo Kaingáng.
Episódios de violência aberta e deliberada de caráter político interno na Terra Indígena Serrinha vem se estendendo por meses, acirrada com a morte do cacique Ronaldo Claudino em julho de 2020, ainda que muitas medidas tenham sido tomadas na forma de denúncias realizadas pelas vítimas desse atos, quer pela mídia, pelo clamor popular de indígenas durante esse tempo ou pelo acionamento jurídico e de direito contra essas forças, além do alerta junto a organizações como a Funai, Ministério Público Federal, Justiça Federal e outras tenha sido declarado, a violência e a truculência do poder político interno permanece se impondo na Terra Indígena Serrinha, onde a própria sede do INKA no local já mostra indícios de depredação.
O INKA é gerido exclusivamente por mulheres indígenas Kaingáng e dessa forma, por razões, inclusive de gênero, vem tornar público que membros do INKA, mulheres, idosas e crianças foram alvo das chamadas “transferências”, atos cruéis, coordenados a mando da liderança culturalmente corrompida do local onde indígenas são forçados a saírem de suas casas, abrindo mão de sua dignidade, muitos apenas com a própria roupa do corpo, com seus bens atirados em caminhões, debaixo de humilhações e sofrendo inclusive risco de morte, como de fato ocorreu em Serrinha nesta data.
Dentre os indígenas de Serrinha expulsos, está a presidente do INKA e coordenadora do Ponto de Cultura Kanhgág Jãre, a educadora indígena Andila Kaingáng, anciã do povo Kaingáng e uma das últimas matriarcas da grande família Inácio, que participou ativamente da retomada de Serrinha e que reivindica na justiça a concessão de medida de segurança a fim de retirar móveis e pertences pessoais como também da Organização Indígena que preside.
Também foram expulsos alguns integrantes da diretoria do INKA entre profissionais da Saúde, Direito, Educação, e artistas e artesãos que atuam em projetos desenvolvidos pela instituição e que contribuem em ações educativas em prol do povo Kaingáng há vários anos no local, entre mulheres, crianças e jovens como Vãngri Kaingáng, Siratan Katir, Susana Kaingáng, Fernanda Kaingáng, Tenh Inácio Sales, Arian Kãgfér, Camila Candinho, Joféj Candinho, Elisane Loureiro e outros.
No início de 2021, o INKA, juntamente com alguns destes indígenas, que em sua maioria trabalham com artesanato na Serrinha, estiveram realizando o trabalho “Expressões Culturais Tradicionais do Povo Kaingáng”, onde também estavam presentes muitos dos velhos que ainda sobrevivem guardando as tradições e valores Kaingáng, como a nossa anciã Alsira Inácio, que faleceu adoecida, pouco tempo depois na Terra Indígena Serrinha pelas pressões exercidas e agravadas pelos conflitos internos que poderiam ter sido evitados pela justiça, que no Brasil é falha e tardia.
Outros agentes culturais que integraram diversos trabalhos educativos do INKA sofreram agressões físicas, tendo sua liberdade privada na aldeia Serrinha, sofrendo espancamentos nas conhecidas “cadeias”, como o indígena chamado por Gueli, Valdir Mig Carvalho, artesão kaingáng na Terra Indígena Serrinha, preso no banheiro do ginásio da aldeia, usado como cárcere, nesta última quarta (13), junto com sua esposa Patrícia Candinho e Sidinei Inácio, também artesãos. Estes locais degradantes continuam a ser defendidos como culturais, inclusive recentemente pela liderança de Serrinha em discurso para mídia local, sustentando tal argumento perverso mesmo sendo convocado para explicar a morte de jovens indígenas Kaingáng queimados vivos na comunidade onde ele não reside.
O INKA, até mesmo em suas ações para distribuição de cestas básicas para o povo indígena da Serrinha durante a pandemia, inadmissível em uma terra com milhares de hectares em perfeitas condições de plantio, realizou as entregas sob o olhar de integrantes do poder político interno em tom perfurante.
O INKA, mesmo cerceado nesse tempo, permanece acreditando no poder transformador da cultura e da educação indígena e mesmo não atuando de maneira direta com temas como o combate à violência, crimes e outras formas de opressão que vem ocorrendo na Terra Indígena Serrinha, buscou de inúmeras formas, principalmente a partir de seus membros, redes de apoio, denúncias e toda espécie de ajuda para auxiliar os indígenas vítimas de toda a sorte de males no local.
É assim que o INKA vem manifestar-se, usando da publicação desta nota em sua página oficial na internet, para clamar por justiça e repudiar todos os atos de violência e morte contra indígenas do povo Kaingáng na Terra Indígena Serrinha, contra toda a forma de mal que vem sendo empregada, contra a corrupção de lideranças indígenas no lugar, contra a opressão à mulheres indígenas, idosos, crianças e homens que tem clamado por paz e pela divisão justa e equitativa das terras na aldeia Serrinha, onde o INKA tem se firmado pela força da educação e da cultura indígena Kaingáng, com uma atuação de frutos visíveis para todos aqueles que se dispuserem a buscar e acessar informações sobre o trabalho do INKA, que por meio do Ponto de Cultura Kanhgág Jãre, o 1⁰ Ponto de Cultura em uma Terra Indígena do Brasil, tem levado a cultura Kaingáng por onde vai, há quase 20 anos.
Gratidão a Topẽ que tem nos mantido vivas nesse tempo e lamentamos profundamente todos estes acontecimentos. Pedimos que compartilhem esta nota se assim desejarem.
Organização Indígena Instituto Kaingáng, 16 de outubro de 2021.