STF retoma julgamento histórico  sobre o “marco temporal” nesta quarta, 1º de setembro

STF retoma julgamento histórico sobre o “marco temporal” nesta quarta, 1º de setembro

foto: @cicerone.bezerra

Sessão está prevista para iniciar às 14h, com a sustentações orais das partes envolvidas no processo; indígenas se mobilizam em Brasília e nos territórios para acompanhar o julgamento

Com sessão prevista para iniciar às 14h desta quarta-feira, 01 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento sobre a questão do “marco temporal” das demarcações de Terras Indígenas (TIs), suspenso na última quinta-feira (26) após a leitura do relatório inicial do ministro Edson Fachin. Ainda na quinta, o presidente da Corte, Luiz Fux, confirmou que o caso seria retomado como primeiro item da pauta por se tratar de um assunto “muito importante” com decisão nesta semana ou nos “dias subsequentes”.

Como já foi realizado a leitura do relatório, a sessão será retomada com as sustentações orais das partes envolvidas no processo: da Advocacia-Geral da União (AGU), representando a União; dos advogados da comunidade Xokleng, da TI Ibirama-LaKlãnõ (SC), alvo da ação original; do Instituto do Meio Ambiente do estado de Santa Catarina (IMA), que propôs a ação; além da Procuradoria-Geral da República (PGR), que se manifesta obrigatoriamente em processos envolvendo a temática indígena. AGU, PGR e as partes do processo terão, cada uma, 15 minutos de fala.

Em seguida, devem ocorrer as 34 falas dos chamados amici curiae – “amigos da Corte”, pessoas ou organizações que auxiliam as partes mais diretamente interessadas no caso e oferecem subsídios aos ministros e ministras que deverão proferir seus votos na sequência do julgamento.

Estão cadastrados para falar 21 amici curiae favoráveis aos direitos dos povos indígenas, entre organizações e instituições indígenas e indigenistas, socioambientais e de direitos humanos, e 13 contrários, ligados a representações e entidades do agronegócio. Cada fala terá até cinco minutos.

“Ter iniciado com a leitura do relatório já é um elemento extremamente importante. Foi um relatório minucioso do ministro Edson Fachin, que traz as grandes questões envolvidas na disputa processual neste recurso extraordinário, ou seja, as relações de posse com relação às áreas de ocupação tradicional indígena à luz do artigo 231 da nossa Constituição Federal”, destaca Rafael Modesto, assessor jurídico do Conselho Indigenistas Missionário (Cimi) e advogado do povo Xokleng no caso.

A expectativa é que as sustentações orais das partes, da AGU, da PGR e dos amici curiae ocorram por quase toda a tarde de quarta-feira (1º). A seguir, o primeiro ministro a proferir seu voto deve ser o relator, Edson Fachin.

Os povos originários, organizações indígenas e indigenistas esperam que o ministro relator, Edson Fachin, que já apresentou seu voto quando o processo estava em Plenário Virtual, “traga um voto idêntico ou similar ao que já havia sido apresentado, contra a tese do ‘marco temporal’, que é repelida pelos povos indígenas, pelas organizações de apoio e da sociedade civil, artistas, intelectuais, pela sociedade como um todo, e em defesa do direito originário, da ‘tese do indigenato’, que é a vontade do constituinte originário de 1988, portanto, em defesa da nossa Constituição Federal”, reforça o advogado do povo Xokleng.

Depois de Fachin, os outros nove ministros devem apresentar seus votos. Eles ainda podem solicitar uma nova suspensão do processo para analisá-lo melhor, o chamado pedido de “vistas”.

Teses em disputa
A Corte irá analisar a reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à TI Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. O caso recebeu, em 2019, status de “repercussão geral”, o que significa que a decisão servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.

No centro da disputa há duas teses:
A tese do chamado “marco temporal”, uma tese ruralista que restringe os direitos indígenas. Segundo esta interpretação, considerada inconstitucional, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Essa tese é defendida por empresas e setores econômicos que têm interesse em explorar e se apropriar das terras indígenas.

Oposta ao marco temporal está a “teoria do indigenato”, consagrada pela Constituição Federal de 1988. De acordo com ela, o direito indígena à terra é “originário”, ou seja, é anterior à formação do próprio Estado brasileiro, independe de uma data específica de comprovação da posse da terra (“marco temporal”) e mesmo do próprio procedimento administrativo de demarcação territorial. Esta tese é defendida pelos povos e organizações indígenas, indigenistas, ambientalistas e de direitos humanos.
“A nossa história não começou em 1988, e as nossas lutas são seculares, isto é, persistem desde que os portugueses e sucessivos invasores europeus aportaram nestas terras para se apossar dos nossos territórios e suas riquezas”, reafirma o movimento indígena em nota divulgada no sábado (28). Os indígenas também asseguram seguir “resistindo, reivindicando respeito pelo nosso modo de ver, ser, pensar, sentir e agir no mundo”.

Mobilização indígena
Na semana passada, seis mil indígenas de 176 povos de todas as regiões do país estiveram presentes em Brasília, reunidos no acampamento “Luta pela Vida” para acompanhar o julgamento no STF e lutar em defesa de seus direitos, protestando também contra a agenda anti-indígena do governo Bolsonaro e do Congresso Nacional, na maior mobilização indígena dos últimos 30 anos.

Após o início do julgamento e a previsão de que fosse retomado nesta quarta-feira (1º), os indígenas decidiram manter a mobilização em Brasília e nos territórios. Assim, cerca de mil lideranças indígenas, representando seus povos, permaneceram em Brasília, e o acampamento “Luta pela Vida” foi transferido para um novo local, a Funarte.

No início da tarde desta quarta-feira (1º), os povos indígenas que permanecem em Brasília devem sair do acampamento em marcha até a Praça dos Três Poderes, onde irão acompanhar o julgamento no STF.

Seguindo os protocolos sanitários de combate à Covid-19, o grupo permanecerá até o dia 2 de setembro e posteriormente unem forças com a Segunda Marcha das Mulheres Indígenas, que acontece entre os dias 7 e 11 de setembro.

PRIMAVERA INDÍGENA: mobilização permanente pela vida e democracia

PRIMAVERA INDÍGENA: mobilização permanente pela vida e democracia

Foto: @cicerone.bezerra

Em memória dos nossos ancestrais, que entregaram as suas vidas para existirmos. Dos encantados que nos trouxeram até aqui para dar continuidade às suas lutas em defesa dos nossos corpos, terras e territórios, a nossa identidade e culturas diferenciadas, dizemos à sociedade brasileira e internacional que estamos em mobilização permanente em defesa da VIDA e da DEMOCRACIA.

A nossa luta não é apenas para preservar a vida dos nossos povos mas da humanidade inteira, hoje gravemente ameaçada pela política de extermínio e devastação da Mãe Natureza promovida pelas elites econômicas – que herdaram a ganância do poder colonial, mercantilista e feudal expansionista – e de governantes como o genocida Jair Bolsonaro.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) deu início ao acampamento Luta pela Vida, em Brasília, no dia 22 de agosto e reforça nesta carta que seguiremos mobilizados até o dia 2 de setembro de 2021 para lutarmos por nossos direitos. Hoje, essa é a maior mobilização na história dos povos originários, na Capital Federal, e reforça nosso grito: Nossa história não começa, em 1988!

Mesmo colocando nossas vidas em risco, no contexto ainda gravemente perigoso da Covid-19, estamos aqui para dizer aos invasores dos nossos territórios que não passarão, mesmo diante dos intensos ataques aos nossos direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988.

Ocupamos as redes, as ruas, as aldeias e Brasília para lutarmos pela democracia, contra a agenda racista e anti-indígena que está em curso no Governo Federal e no Congresso Nacional e para acompanhar o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), que vai definir o futuro dos nossos povos.

Durante o mês de junho de 2021, realizamos o Levante pela Terra, dando início às nossas primeiras atividades presenciais, em Brasília, para enfrentarmos o agravamento das violências contra as vidas indígenas. A partir de então, começamos um novo ciclo de jornada de lutas, que desde março de 2020, aconteceram de forma virtual e dentro dos nossos territórios, devido à pandemia.

Por enfrentarmos muitos vírus, incluindo a política genocida de Bolsonaro, começamos a nossa ‘Primavera Indígena’ que pretende ocupar Brasília de forma constante, em 2021, além de seguirmos nas redes sociais e nos territórios mobilizados.

Afirmamos que de 7 a 11 de setembro às mulheres indígenas estarão na linha de frente para enterrar de vez a tese do Marco Temporal, durante a 2ª marcha das mulheres indígenas: as originárias reflorestando mentes para a cura da Terra.

No dia 26, o STF iniciou o julgamento que vai definir as demarcações de Terras Indígenas (TIs). Sem previsão de término, os povos indígenas seguem mobilizados para acompanhar o desfecho das votações dos ministros e ministras do Supremo.

Lutaremos até o fim para manter o nosso direito originário às terras que tradicionalmente ocupamos e protegemos. Fazendo parte deste país, mantendo a nossa condição de povos culturalmente diferenciados, mesmo que autoridades públicas e corporações privadas nos considerem empecilhos ao desenvolvimento. Desenvolvimento esse, que desde os primórdios da invasão europeia é devastador, etnocida, genocida e ecocida e que nos tempos atuais encontrou, e não por acaso, nesse desgoverno, um protótipo para perpetuar o seu projeto de dominação.

Somos filhos da Terra! E a Terra não é Nossa, somos nós que fazemos parte dela. É o útero que nos gera e o colo que nos acolhe. Por isso damos a Vida por Ela. Na nossa tradição nunca houve essa história de regulamentar quem é ou não é dono da terra, pois a nossa relação com ela nunca foi de propriedade . A nossa posse é coletiva tal qual é o usufruto. É esse o fundamento basilar da nossa existência, que a ignorância da cultura da dita civilização ocidental não entende, mesmo após 521 anos.

Essa contradição está na base das disputas que os herdeiros ou descendentes dos invasores insistem em manter conosco. Disputam incansavelmente os nossos territórios sem trégua, tanto durante as distintas fases da formação e configuração do Estado Nacional Brasileiro quanto nos dias de hoje!

As elites neocoloniais, também promotoras e beneficiárias da ditadura militar, tomaram conta da maior parte do atual Congresso Nacional e permanecem defendendo a continuidade de seu controle hegemônico, de domínio de corpos, terras e territórios e não apenas dos povos indígenas. Pretendem nos fazer crer que vão desenvolver o Brasil, quando, na verdade, estão promovendo um Projeto de Morte da Mãe Natureza – das florestas, dos rios, da biodiversidade – e de povos e culturas detentores de sabedorias milenarmente acumuladas, na contramão de pesquisas científicas. Segundo os dados mais recentes do Painel de Mudanças Climáticas da ONU, há um incontestável aumento da temperatura do planeta, de enchentes, dentre outros desastres ambientais, provocados obviamente por esse modelo de desenvolvimento.

Por conta de tudo isso é que dizemos NÃO a toda e qualquer iniciativa que venha ignorar a nossa histórica e estratégica proteção da vida, da humanidade e do planeta. Também dizemos NÃO a todos aqueles que se propõe violar os nossos direitos por meio de centenas de medidas administrativas, jurídicas, legislativas e ações judiciais.

A nossa história não começou em 1988, e as nossas lutas são seculares, isto é, persistem desde que os portugueses e sucessivos invasores europeus aportaram nestas terras para se apossar dos nossos territórios e suas riquezas. Por isso continuaremos resistindo, reivindicando respeito pelo nosso modo de ver, ser, pensar, sentir e agir no mundo.

Sob a égide do texto Constitucional, confiamos que a Suprema Corte irá sacramentar o nosso direito originário à terra, que independe de uma data específica de comprovação da ocupação, conforme defendem os invasores. Por meio da tese do “marco temporal”, os atuais colonizadores querem ignorar que já estávamos aqui quando seus ascendentes dizimaram muitos dos nossos ancestrais, erguendo sobre os seus cadáveres o atual Estado nacional.

Amparados por nossa ancestralidade e pelo poder dos nossos povos, da nossa espiritualidade e da força dos nossos encantados que prezam pelo Bem Viver, nosso e da humanidade, dizemos não ao Marco Temporal! E conclamamos a sociedade nacional e internacional, em especial às distintas organizações e movimentos sociais que estiveram sempre conosco, e sobretudo às nossas bases, povos e organizações indígenas para que continuemos vigilantes e mobilizados na defesa dos nossos direitos.

Brasília – DF, 27 de agosto de 2021.

Acampamento Luta pela Vida
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Mobilização Nacional Indígena – MNI

Mobilização Permanente: Indígenas seguem em luta na capital federal e nos territórios

Mobilização Permanente: Indígenas seguem em luta na capital federal e nos territórios

Foto: Matheus Alves

Em plenária, os 6 mil indígenas presentes no acampamento “Luta Pela Vida”, decidem manter a mobilização, de forma permanente, em Brasília e nos territórios em todo país, até o julgamento do Marco Temporal. Em memória a seus ancestrais e encantados, em defesa de seus corpos, terras e territórios, identidade e culturas diferentes, reafirmam a mobilização em defesa da vida.

Mobilizados na capital federal, desde o domingo 22 de agosto, um dos motivadores da decisão de estender a mobilização é o início do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a questão do “marco temporal” das demarcações de Terras Indígenas. A sessão foi suspensa por falta de tempo, na quinta-feira, 26, após a leitura do relatório inicial do ministro Edson Fachin. O presidente da Corte, Luiz Fux, garantiu que o julgamento será retomado na quarta-feira, dia 1º de setembro.

Em carta publicada na noite desta sexta-feira, 27, o Movimento Indígena reafirma “confiamos que a Suprema Corte irá sacramentar o nosso direito originário à terra, que independe de uma data específica de comprovação da ocupação, conforme defendem os invasores”. Amparados na ancestralidade e “pelo poder dos nossos povos, da nossa espiritualidade e da força dos nossos encantados que prezam pelo Bem Viver, nosso e da humanidade, dizemos não ao Marco Temporal”, reforçam os indígenas.

Cerca de mil lideranças indígenas, representando seus povos, irão permanecer acampados em Brasília, em um novo local: na FUNARTE. Seguindo os protocolos sanitários de combate à Covid-19, o grupo permanecerá até o dia primeiro de setembro, a continuidade da mobilização Luta Pela Vida antecede a Segunda Marcha das Mulheres Indígenas, que acontece entre os dias 7 e 11 de setembro.

“A nossa história não começou em 1988, e as nossas lutas são seculares, isto é, persistem desde que os portugueses e sucessivos invasores europeus aportaram nestas terras para se apossar dos nossos territórios e suas riquezas”, assegura o Movimento Indígena. Também, asseguram seguir “resistindo, reivindicando respeito pelo nosso modo de ver, ser, pensar, sentir e agir no mundo”.

Confira o documento, que reforça a ‘Primavera Indígena’ de mobilizaçoes permanentes, em Brasília aqui

Em ato simbólico, povos indígenas denunciam agenda anti-indígena do governo federal e do Congresso

Em ato simbólico, povos indígenas denunciam agenda anti-indígena do governo federal e do Congresso

Fotos: @mvelos2 / @midianinja

No sexto dia do acampamento “Luta pela Vida”, mais de 6 mil indígenas de 176 povos de todas as regiões do país marcharam pela Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para denunciar a agenda anti-indígena do Congresso Nacional e do governo federal. O ato ocorreu na manhã desta sexta-feira (26).

Com cantos e rituais, carregando um grande caixão que simbolizava os “projetos de morte” contra seus direitos, os povos manifestaram-se em frente ao Congresso Nacional, ao Ministério da Justiça e ao Palácio do Planalto, onde o caixão foi queimado.

“Ecocídio”, “marco temporal não”, “não é só um vírus”, “fora garimpo”, “fora grilagem” e “condenação ao genocida” foram algumas das mensagens gravadas no caixão simbólico, que também trazia uma lista dos principais Projetos de Lei (PLs) que atacam os direitos dos povos indígenas.

Com um discurso abertamente anti-indígena, o governo de Jair Bolsonaro paralisou as demarcações de terras e esvaziou os órgãos de fiscalização contra crimes ambientais, favorecendo invasores, grileiros e garimpeiros que atuam ilegalmente nos territórios tradicionais. “Fora Bolsonaro, genocida!”, cobraram os indígenas, em coro, em frente à sede do governo federal.

Durante a manifestação, os povos indígenas também ocuparam o espelho d’água do Ministério da Justiça (MJ), responsável por uma das principais etapas do processo de demarcação de terras indígenas.

Sob o governo Bolsonaro, mais do que estagnar, as demarcações retrocederam: ainda em 2020, o Ministério Público Federal (MPF) identificou pelo menos 27 procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas que aguardavam a emissão da Portaria Declaratória, sob responsabilidade do MJ, e foram devolvidas à Funai para serem revisadas com base na tese do marco temporal.

Congresso anti-indígena
No Congresso Nacional, os povos manifestaram-se contra as diversas propostas legislativas que buscam restringir seus direitos. Entre elas, destaca-se o PL 490/2007, recentemente aprovado na CCJC da Câmara, que flexibiliza o usufruto exclusivo das terras indígenas pelos povos originários, garantido pela Constituição, e na prática inviabiliza demarcações de terras indígenas.

Entre as restrições às demarcações de terras indígenas que o PL 490 busca impor está a tese do marco temporal, que está sendo analisada no processo de repercussão geral que está em análise no Supremo Tribunal Federal (STF). Os povos indígenas acompanham o julgamento, que iniciou ontem (26) e deve ser retomado no dia 1/09.

Além do PL 490/2007, outras propostas legislativas que buscam restringir ou retirar os direitos dos povos indígenas foram listadas como “PLs da morte” no caixão e simbolicamente queimadas junto com ele.

Um dos projetos denunciados foi o PL 191/2020, de autoria do governo Bolsonaro, que libera a mineração, a geração hidrelétrica, a exploração de petróleo e gás e a agricultura em larga escala nas terras indígenas.

Os PLs 2633/2020 e 510/2021, conhecidos como PLs da Grilagem de Terras, ampliam as áreas passíveis de regularização como propriedade privada – e, portanto, abrem caminho para a legalização de áreas griladas. O PL 510, além disso, pretende alterar a data limite para que invasões de terras públicas sejam legalizadas, passando o prazo de 2011 para 2014.

O PL 3729/2004, que agora tramita no Senado com o número 2159/2021, desmonta o licenciamento ambiental, ao isentar 13 tipos de atividades e permitir o “autolicenciamento” para uma série de projetos.

Também integrava a lista de “PLs da Morte” o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 177/2021, que pretende retirar o Brasil da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), principal instrumento de direito internacional para a proteção dos direitos indígenas. Entre outras coisas, a Convenção 169 garante aos povos indígenas o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada sobre projetos que afetem suas vidas, direitos e territórios.

“Esse ato representou o genocídio que está sendo causado aos povos indígenas do Brasil, com todas essas armadilhas e questões que estão tramitando dentro do Congresso que tiram os direitos dos povos indígenas à terra, à vida”, explica Paulo Tupiniquim, coordenador da Articulação dos Povos e Organizações indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).

“O povo indígena sem terra, sem meio ambiente, sem floresta, não tem vida. Então significa o genocídio causado pelos poderes Legislativo e Executivo do país, que estão matando as populações indígenas”, afirma a liderança.

Indígenas realizam marcha contra os projetos anti-indígenas em trâmite no Congresso Nacional e no governo federal, nesta sexta (27)

Indígenas realizam marcha contra os projetos anti-indígenas em trâmite no Congresso Nacional e no governo federal, nesta sexta (27)

Foto: Marina Oliveira – CIMI

Os mais de 6 mil indígenas de 176 povos de todas as regiões do país que estão no acampamento “Luta Pela Vida”, em Brasília, realizam uma marcha contra a agenda anti-indígenas do Congresso Nacional e do governo federal. 

Além de paralisar as demarcações de terras indígenas e esvaziar os órgãos de fiscalização, favorecendo invasores, o governo federal vem adotando uma série de medidas que atacam os direitos dos povos indígenas. No Congresso Nacional, diversas proposições buscam restringir os direitos territoriais indígenas.

Entre elas, destaca-se o PL 490/2007, recentemente aprovado na CCJC da Câmara, que flexibiliza o usufruto exclusivo das terras indígenas pelos povos originários, garantido pela Constituição, e na prática inviabiliza demarcações de terras indígenas.

Entre as restrições às demarcações de terras indígenas que o PL 490 busca impor está a tese do marco temporal, que está sendo analisada no processo de repercussão geral que está em análise no STF. Os povos indígenas acompanham o julgamento, que iniciou ontem (26) e deve ser retomado no dia 1/09.

A marcha está prevista para iniciar às 9h30, saindo da Praça da Cidadania/Brasília. Os povos indígenas irão realizar manifestações culturais e políticas no Ministério da Justiça, Palácio do Planalto e Congresso Nacional. 

Após leitura de relatório, julgamento do ‘marco temporal’ no STF é suspenso; caso será retomado na quarta (1/9)

Após leitura de relatório, julgamento do ‘marco temporal’ no STF é suspenso; caso será retomado na quarta (1/9)

Análise do caso que pode definir o futuro das demarcações de Terras Indígenas seguirá com apresentação de voto do ministro Fachin

O julgamento sobre a questão do “marco temporal” das demarcações de Terras Indígenas (TIs) foi suspenso, após a leitura do relatório inicial do ministro Edson Fachin, no final da tarde de hoje (26).

Mais de seis mil indígenas que acompanhavam o julgamento, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), tiveram de voltar ao Acampamento Luta pela Vida, instalado ao lado da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, sem saber qual a decisão final do caso.

A mobilização começou na segunda e vai até o próximo sábado (28), reunindo 176 povos diferentes de todas as regiões do país. Mobilizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o acampamento é a maior mobilização indígena em 30 anos e, além de acompanhar o processo no STF, protesta contra a agenda anti-indígena do governo Bolsonaro e do Congresso.

O julgamento estava marcado para ontem, mas teve de esperar a análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.696, sobre a lei que prevê a autonomia do Banco Central. A discussão terminou só hoje, por volta das 16:30. Após um intervalo de descanso, só foi possível a Fachin ler seu relatório, documento que resume o histórico do processo. A sessão foi encerrada às 18h.

Antes disso, o presidente do tribunal, Luiz Fux, confirmou que o caso será retomado na próxima quarta (1/9), como primeiro item da pauta. No início da sessão de ontem, Fux já havia afirmado que ambos os assuntos eram “muito importantes” e seriam decididos nesta semana ou nos “dias subsequentes”.

O voto de Fachin foi protocolado em junho. Nele, o ministro rejeitou de forma categórica o chamado “marco temporal”, afirmando que sua existência seria o mesmo que fechar a porta aos indígenas “para o exercício completo e digno de todos os direitos inerentes à cidadania”. O ministro defendeu a chamada teoria do “indigenato” e reafirmou que o direito indígena à terra é “originário” e “fundamental”.

A teoria do indigenato é umas das teses que estão sendo discutidas no caso. De acordo com ela, o direito indígena à terra é “originário”, ou seja, é anterior à constituição do próprio Estado brasileiro, independe de uma data específica de comprovação da posse da terra (“marco temporal”) e mesmo do próprio procedimento administrativo de demarcação territorial.

Próximos passos

Na semana que vem, com o relatório do processo já lido, começam as sustentações orais: da Advocacia-Geral da União (AGU), representando o governo federal; dos advogados da comunidade Xokleng, da TI Ibirama-LaKlãnõ (SC), alvo da ação original; do governo de Santa Catarina, que a propôs; e da Procuradoria-Geral da República.

Na sequência, conforme informado por Fux, ocorrerão as 34 falas previstas para os chamados amici curiae (“amigos da causa”), pessoas ou organizações que auxiliam as partes mais diretamente interessadas no caso.

É neste momento queA Apib, Coiab, Conselho Terena, Cir, Aty Guasú e demais organizações indígenas e indigenistas realizam suas sustentações orais. Só depois Fachin deverá ler seu voto propriamente dito, com sua posição sobre as questões de mérito. O relator então será seguido pelos demais ministros, que proferirão seus votos. Eles ainda podem solicitar uma nova suspensão do processo para analisá-lo melhor, o chamado pedido “vistas”.

“O julgamento começou com uma atmosfera interessante, no sentido de que o ministro Edson Fachin exaltou o caráter ‘originário’ dos direitos indígenas e a importância da teoria do indigenato. De certa maneira, isso é um recado aos povos indígenas no sentido de reconhecimento dos seus direitos”, afirma Maurício Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

“Queremos que o STF conclua o julgamento e enterre a tese do ‘marco temporal’, para que possamos viver o nosso bem-viver, a nossa cultura e nossa ancestralidade com paz”, continua Maurício Terena. “Seguimos firmes na nossa mobilização e os ministros estão atentos a isso. Isso pode sensiblizá-los”, conclui.

“Estamos muito felizes com o primeiro voto, a favor da vida dos povos indígenas e contra o marco temporal”, diz Enok Taurepang, da coordenação do Conselho Indígena de Roraima (CIR). “O voto do ministro foi favorável, bem pautado, respeitando a realidade e a Constituição cidadã. Vamos continuar firmes e fortes na luta, aqui em Brasília e nos estados”, ressaltou.

Repercussão geral

Na prática, o STF analisa a reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à TI Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. Em 2019, o tribunal deu status de “repercussão geral” ao processo, o que significa que a decisão servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.

No centro da disputa está a discussão em torno do chamado “marco temporal”, uma tese ruralista que restringe os direitos indígenas. Segundo a interpretação, considerada inconstitucional, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

Alternativamente, se não estivessem na terra, precisariam estar em disputa judicial ou em conflito material comprovado pela área na mesma data. A tese é injusta porque desconsidera as expulsões, remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos indígenas até a promulgação da Constituição. Além disso, ignora o fato de que, até 1988, eles eram tutelados pelo Estado e não podiam entrar na Justiça de forma independente para lutar por seus direitos.

“Sabendo que a conclusão do julgamento ficou para quarta-feira, dia 1.º, seguiremos acompanhando”, garante Brasílio Priprá, liderança do povo Xokleng. “Ainda temos esperança que o STF julgue e reconheça os direitos do povo Xokleng e de todos os povos indígenas do Brasil. Sem os povos indígenas, não terá água boa, não terá meio ambiente tranquilo, e isso é para todos os brasileiros”.

“Estamos aqui na expectativa, confiando que essa questão possa ser resolvida de uma vez por todas, não só para o povo Laklãnõ-Xokleng, mas para todos os povos de todo o Brasil. O marco temporal é uma lei genocida. Pedimos que o STF veja o lado dos povos indígenas”, afirma o cacique-geral do povo Xokleng, Nilton Ndili.

Quinto adiamento em dois meses

Em dois meses, a análise do caso foi adiada cinco vezes. No dia 11 de junho, o julgamento chegou a iniciar em plenário virtual, mas foi suspenso por um pedido de “destaque” do ministro Alexandre de Moraes, um minuto após começar. O julgamento foi remarcado para o dia 30 de junho, mas os ministros e ministras não chegaram a iniciar por falta de tempo e adiaram para o dia 31. Ainda naquela semana, a análise do caso foi remarcada pelo presidente da Corte, o ministro Luiz Fux, que incluiu o julgamento sobre demarcações de terras indígenas na pauta do dia 25 de agosto.

NOSSA POLÍTICA: candidaturas indígenas, políticas públicas e modelos alternativos de governo dão o tom para o quinto dia de acampamento

NOSSA POLÍTICA: candidaturas indígenas, políticas públicas e modelos alternativos de governo dão o tom para o quinto dia de acampamento

Daniela Huberty/@comin.oficial

No quinto dia do Acampamento Luta Pela Vida, a programação foi pautada pelo debate sobre políticas públicas e candidaturas  indígenas. Com duas plenárias dedicadas ao tema, mais de 28 representantes políticos e outras dezenas de lideranças trouxeram falas sobre análise de conjuntura do Brasil e América Latina

 

As  Plenárias NOSSA POLÍTICA e CAMPANHA INDÍGENA, que ocorreram na manhã desta quinta-feira (26), contaram com a presença de várias lideranças, homens e mulheres que integram o sistema político institucional como prefeitos, vereadores e deputados, e também de indígenas que pretendem lançar candidaturas na próxima eleição. Foi um momento de falas contundentes, mostrando que já existem representantes dos povos na política, mas que ainda é preciso mais. 

 

“Optamos por fazer as duas discussões juntas (NOSSA POLÍTICA e CAMPANHA INDÍGENA), porque uma está atrelada a outra. Sabemos que uma política pública para acontecer, ela está atrelada ao político. Por isso focamos na questão de candidaturas indígenas, com a presença de vários vereadores de todas as regiões do país e vários estados com a presença do nosso prefeito Marcos Xukuru, a candidata à presidência Sônia Guajajara, com a deputada Shirley Pankará e com vários outros representantes políticos”, Marcos Sabaru, articulador político da APIB. 

 

Sônia Guajajara lembrou de sua candidatura como vice-presidente em 2018, um momento crucial para o movimento indígena ganhar projeção no país. E, com números, mostrou esse crescimento. Em 2020, o Brasil teve 2.212 candidatos indígenas, 27% a mais que em 2016. “Nossa presença na política agora é inevitável. Não vai ter um passo para trás. É daqui até a Presidência da República”, disse Sônia. 

 

Ao longo da plenária, foi falado da importância de que os parentes votem nos parentes, mas lembrando das dificuldades relacionadas à entrada e ao apoio de partidos. Célio Fialho, cacique do seu povo e que já foi candidato a vereador, propôs a criação de um partido indígena, como uma forma de unir as pautas e candidaturas. “Se juntarmos 6 mil aqui e temos nosso apoio na base, a gente consegue chegar longe”, disse.

 

Preto Capinauá, de Buíque (PE), ressaltou que a participação dos indígenas está só no começo. Em 2016, ele perdeu a eleição para vereador em seu município, mas em 2020 foi o sétimo candidato mais votado. “Nenhum vereador nunca foi em nossa aldeia. Mas hoje temos um indígena representante na Câmara”, disse.

 

Também esteve presente Noel Henrique, do povo Galibi Marworno, representante da juventude, que participa das movimentações políticas no  Amapá. A Plenária terminou com uma fala de Shirley Pankará, que ressaltou a presença das mulheres e fez um chamado para a Marcha das Mulheres em setembro.

Um dos presentes da plenária CAMPANHA INDÍGENA foi Marcos Xukuru, prefeito eleito em Pesqueira (PE), mas impedido de assumir, no que é considerado um ato de racismo institucional. 

 

Ele contou que, “quando se tornou uma liderança, em 2020, houve uma pesquisa em Pesqueira apontando que 70% da população era contrária a um governo do povo Xukuru. Aos poucos seu povo foi tomando espaços de poder, na Câmara dos Vereadores, trabalhando para participar mais da política. Até que, em 2020, ele foi eleito prefeito com 51,6% dos votos. Hoje o processo para que ele assuma a prefeitura está no TSE, mas ele ainda está trabalhando pelo município,  mesmo que tenha sido impedido de assumir. “Se o Estado do Brasil não sabe legislar, nós sabemos governar”, terminou falando. 

 

 

 

Mobilização continua: STF adia para amanhã (26) julgamento histórico sobre terras indígenas

Mobilização continua: STF adia para amanhã (26) julgamento histórico sobre terras indígenas

Foto: Daniela Huberty/Comin

Pela quarta vez, em dois meses, STF não julga processo que pode definir futuro dos povos indígenas; julgamento deve iniciar nesta quinta-feira 26

O julgamento do caso de repercussão geral sobre demarcações de terras indígenas, que estava marcado para entrar na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira, 25, foi adiado para amanhã, quinta-feira, 26. Essa é a quarta vez, em dois meses, que o processo que pode definir o futuro dos povos indígenas é pautado e não é julgado pela Suprema Corte.

A mobilização dos povos indígenas continua, na expectativa de que o processo seja finalmente votado, o STF reafirme os direitos constitucionais indígenas e afaste qualquer possibilidade de restrição ou reversão do que foi garantido pela Constituição Federal de 1988.

Os cerca de 6 mil indígenas que estão em Brasília, no acampamento Luta pela Vida, desde o dia 22 de agosto, seguem mobilizados para acompanhar o julgamento na Suprema Corte e protestar contra a agenda anti-indígena, no Congresso Nacional e no governo federal. 

A sessão de hoje do STF iniciou às 14h com a análise da ADI 6696, sobre a autonomia do Banco Central, primeiro item da pauta. Referindo-se a esta ação e ao Recurso Extraordinário do povo Xokleng, o presidente da Corte, Luiz Fux, afirmou que ambos os casos eram “muito importantes” e seriam votados, mesmo que não fosse possível concluí-los hoje.

“O STF hoje tem, nos itens um e dois, dois processos muito importantes para o nosso país, razão pela qual nós vamos julgá-los”, garantiu o presidente da Corte no início da sessão. “Esses processos são prioritários para hoje, para amanhã e para os dias subsequentes”, reforçou o ministro.

Amanhã (26), em sessão que inicia novamente às 14h, o STF ainda precisa concluir a análise da ação sobre o Banco Central. A expectativa é que o julgamento sobre a demarcação de terras indígenas seja iniciado em seguida.

“Nosso processo em repercussão geral que tramita no STF e vai julgar a respeito da tese do Marco Temporal ainda continua pautado. É o segundo processo da pauta. Hoje, como vocês acompanharam, na frente do processo em repercussão geral, havia um outro processo no qual iniciou-se o julgamento, os ministros começaram a votar”, explica Samara Pataxó, coordenadora jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

Devido o tempo, a sessão precisou ser suspensa e retornará amanhã a partir das 14 horas. “Assim que findar o julgamento desse primeiro processo, seja com pedido de vista ou julgamento final, é que se inicia o julgamento do nosso processo, no qual estarão todas e todos mobilizados para dizer não ao Marco Temporal”, destaca Samara Pataxó.

Histórico

No dia 11 de junho, o julgamento chegou a iniciar em plenário virtual, mas foi suspenso por um pedido de “destaque” do ministro Alexandre de Moraes, um minuto após começar. O julgamento foi remarcado para o dia 30 de junho, mas os ministros e ministras não chegaram a iniciar por falta de tempo e adiaram para o dia 31. Ainda naquela semana, a análise do caso foi remarcada pelo presidente da Corte, o ministro Luiz Fux, que incluiu o julgamento sobre demarcações de terras indígenas na pauta do dia 25 de agosto.

A previsão é que o processo seja votado nesta quinta-feira (26). A Sessão inicia às 14h e o Supremo vai analisar a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à TI Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. Em 2019, o STF deu status de “repercussão geral” ao processo, o que significa que a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.

 

Marco Temporal Não! Mas afinal, o que é isso?

Marco Temporal Não! Mas afinal, o que é isso?

Foto: Raissa Azeredo | Aldeia Multietnica

O STF está prestes a retomar o julgamento que define o futuro da demarcação de terras indígenas no Brasil. Entenda de uma vez por todas o que é a tese do Marco Temporal.

O Supremo Tribunal Federal deve retomar o julgamento que vai definir o futuro dos povos indígenas do Brasil nesta quinta-feira, 26. Isso porque o principal assunto envolvido neste julgamento é o Marco Temporal, tese que também permeia alguns projetos de lei em votação no Congresso Nacional.

Os povos indígenas têm repetido há um bom tempo que, caso validada, a tese do Marco Temporal pode comprometer gravemente o processo de demarcação de terras indígenas no Brasil, e até mesmo servir de desculpa para anular processos de demarcação que já foram finalizados. 

Mas afinal, você sabe o que é Marco Temporal?

O marco temporal é uma tese jurídica que restringe os direitos constitucionais dos povos indígenas. Nessa interpretação, defendida por ruralistas e setores interessados na exploração das terras tradicionais, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988 – data de promulgação da Constituição Brasileira. Alternativamente, se não estivessem na terra, teriam que comprovar a existência de disputa judicial ou conflito material na mesma data de 5 de outubro de 1988.

A tese é perversa porque legaliza e legitima as violências a que os povos foram submetidos até a promulgação da Constituição de 1988, em especial durante a Ditadura Militar. Além disso, ignora o fato de que, até 1988, os povos indígenas eram tutelados pelo Estado e não tinham autonomia para lutar judicialmente por seus direitos. Por tudo isso, os povos indígenas vêm dizendo, em manifestações e mobilizações: “Nossa história não começa em 1988!”.

Por que o STF está debatendo esse assunto hoje?

O debate sobre o marco temporal chegou ao STF como tese apresentada pelo Governo de Santa Catarina no âmbito do Recurso Extraordinário (RE)  1.017.365. O caso tem como objeto um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, envolvendo uma área reivindicada da TI Ibirama-Laklanõ. O território em disputa foi reduzido ao longo do século XX e os indígenas nunca deixaram de reivindicá-lo. A área já foi identificada pelos estudos antropológicos da Funai e declarada pelo Ministério da Justiça como parte da sua terra tradicional.

Por que esse julgamento é central para o futuro dos povos indígenas no Brasil?

Em decisão do dia 11 de abril de 2019, o plenário do STF reconheceu por unanimidade que este caso possui estatuto de “repercussão geral”. Isso significa que a decisão tomada nesse processo servirá para fixar uma tese de referência para todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do Judiciário daqui para frente.

E essa decisão afeta muita gente?

Além dos povos que habitam a TI Ibirama-Laklanõ, objeto da ação, esta decisão impactará em dezenas de casos de demarcação de terras e disputas possessórias sobre TIs que se encontram atualmente judicializados. Também há muitas medidas legislativas que visam a retirar ou relativizar os direitos constitucionais dos povos indígenas. Ao admitir a repercussão geral, o STF reconhece, também, que há necessidade de uma definição sobre o tema.

O que está em jogo?

No limite, o que está em jogo é o reconhecimento ou a negação do direito mais fundamental aos povos indígenas: o direito à terra. Os povos indígenas possuem uma relação de interdependência com suas terras, pois suas cosmologias aproximam suas próprias existências à conexão com a terra. Além disso, não se pode ignorar que quem defende a tese do Marco Temporal pretende, na realidade, expulsar os ocupantes originários das terras para destruí-las e explorá-las à exaustão. E isso impacta diretamente no equilíbrio ecológico e climático de nosso país e do mundo. 

 Que consequências esse julgamento pode ter para os povos indígenas?

Caso o STF reafirme o caráter originário dos direitos indígenas e, portanto, rejeite definitivamente a tese do marco temporal, centenas de conflitos em todo o país terão o caminho aberto para sua solução, assim como dezenas de processos judiciais poderão ser imediatamente resolvidos. As 310 terras indígenas que estão estagnadas em alguma etapa do processo de demarcação já não teriam, em tese, nenhum impedimento para que seus processos administrativos fossem concluídos.

Por outro lado, caso o STF opte pela tese anti-indígena do marco temporal, acabará por legalizar as usurpações e violações ocorridas no passado contra os povos originários. Nesse caso, pode-se prever uma enxurrada de outras decisões anulando demarcações, com o consequente surgimento de conflitos em regiões pacificadas e o acirramento dos conflitos em áreas já deflagradas.

Esta decisão poderia incentivar, ainda, um novo processo de invasão e esbulho de terras demarcadas – situação que já está em curso em várias regiões do país, especialmente na Amazônia.

Além disso, há referências de povos indígenas isolados ainda não confirmadas pelo Estado, ou seja, ainda em estudo – um procedimento demorado, em função da política de não contato. Se o marco temporal de 1988 for aprovado, muitas terras de povos isolados não serão reconhecidas, abrindo a possibilidade do extermínio desses povos.

10 mensagens dos povos indígenas do Brasil para o mundo

10 mensagens dos povos indígenas do Brasil para o mundo

Foto: Matheus Veloso

No dia em que o STF retoma o julgamento que pode definir o futuro dos povos indígenas, ecoa uma mensagem para o mundo

Hoje, o Supremo Tribunal Federal retoma o julgamento do Caso Xokleng, que debate a tese do marco temporal. O que está nas mãos dos 11 ministros e ministras do STF é o futuro da demarcação das terras indígenas no Brasil. 

Para reforçar a importância deste julgamento e mostrar como os povos indígenas se relacionam com suas terras, a Apib preparou esta lista com 10 mensagens dos povos indígenas do Brasil para o mundo todo:

1) A história dos povos indígenas do Brasil não começa em 1500, nem em 1988

Os povos originários chegaram a esta terra antes mesmo de essa noção de tempo ser inventada. Nós somos herdeiros dos primeiros pés que pisaram nessa terra, e nosso tempo não pode ser medido ou determinado por relógios e calendários que tentam ignorar nossa trajetória ancestral.

2) Nossas terras são nossas vidas, não fonte de lucro 

Diferente da forma como os latifundiários, grileiros e exploradores lidam com a terra que eles usurparam e destruíram, nós, povos indígenas, temos uma relação profunda, espiritual e ancestral com nossa terra. Sem terra não há vida, para nós. Nós não exploramos nosso território para lucrar, mas para nos alimentar, manter nossa cultura e preservar nossas tradições e espiritualidade.

3) Nós guardamos as florestas e isso faz bem para todo mundo

Os povos indígenas foram reconhecidos em mais de uma ocasião como os melhores guardiões das florestas. Nossos territórios são preservados. Onde há terra indígena, a floresta permanece em pé, a água pura, a fauna viva. E isso beneficia todo o mundo, principalmente quando as crises climática e ambiental ameaçam a própria sobrevivência da humanidade.

4) Nossa diversidade e nossa ancestralidade nos unem

Os inimigos dos povos indígenas tentam a todo custo construir rupturas e oposições artificiais entre nós. Eles não sabem, no entanto, que nossa ancestralidade é mais forte e mais potente do que qualquer divisão que eles possam tentar nos impor.

5) A maior parte das terras está nas mãos dos latifundiários – e eles as estão destruindo!

O argumento de que existe “muita terra para pouco índio” já se mostrou falacioso mais de uma vez. Na verdade, a maior parte das terras no Brasil já é dedicada à agricultura. Uma parcela reduzida é de terras indígenas, mas as que foram homologadas estão bem preservadas!

6) Nossa luta também é pelo futuro da humanidade

Nós povos indígenas temos uma cultura de alteridade e acolhimento. Nossa luta por nossas terras é também pela preservação ambiental. Temos plena consciência de nosso papel de protetores das florestas e da biodiversidade e estamos dispostos a compartilhar nossos conhecimentos para o bem de todos.

7) Nós indígenas lutamos por nossas vidas há 521, e isso é sinal de que algo está muito errado

Desde que nossas terras foram invadidas, temos de lutar diariamente por sobreviver: às doenças trazidas de fora – como o Covid19, que matou mais de 1,1 mil parentes, contra o genocídio, contra os ataques. Ainda hoje temos de lutar por nossas vidas, e isso quer dizer que para muita gente, nossas vidas não importam. Isso precisa acabar imediatamente!

8) Nós temos um projeto de mundo e queremos ser ouvidos!

Nós acumulamos tecnologias de produção milenares e isso nos dá condições de pensar um projeto de sociedade sem desigualdades, baseada no bem-viver, no cuidado com a terra e na livre convivência entre os povos. Nosso projeto garante alimento sem veneno, produz sem devastar. E o mundo precisa de um projeto como esse para nos salvar da destruição!

9) Nós estamos aqui e aqui permaneceremos 

Sobrevivemos ao ataque colonial, sobrevivemos ao genocídio, sobrevivemos às doenças. Nosso povo é resiliente, e mesmo nas piores condições, soubemos nos proteger e seguir vivos. Permaneceremos vivos e lutando por nossos direitos, e esperamos que cada vez mais o mundo compreenda que nossas vidas importam, e que os povos indígenas querem e precisam e demandam uma vida plena e em paz!

10) O Brasil é terra indígena! A Mãe do Brasil é indígena!

Há 521 anos tentam apagar a ancestralidade indígena desta terra que chamaram de Brasil. Nós pisamos nesse chão antes de todos. Nós cuidamos desse chão, nós moldamos essas florestas, nós cultuamos a ancestralidade milenar desse território. E por mais que tentem esconder, nunca conseguirão, pois somos muitos, e somos fortes e temos orgulho de nossa história!