30/jul/2021
Um indígena morreu ao ser atropelado por um avião de garimpeiros em uma pista na comunidade Homoxi, Terra Indígena Yanomami, em Roraima. A afirmação é do presidente do Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuanna (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami, que, nesta sexta-feira (30), comunicou as autoridades sobre o caso.
A vítima tinha 25 anos e se chamava Edgar Yanomami. O atropelamento foi por volta de 14h30 de quarta-feira (28), informou Hekurari. O jovem indígena morreu na hora. Depois do acidente, pousou no local uma segunda aeronave que foi apreendida pelos indígenas.
Segundo o presidente da Condisi-YY, Homoxi é uma comunidade que foi cercada pelo garimpo ilegal na região, de forma que indígenas vivem no meio dos invasores.
Segundo relatos feitos ao Condisi-YY, após o acidente, os próprios garimpeiros levaram o corpo de Edgar para a comunidade Yamasipiu, região de Haxiu, distante cerca de 15 Km de onde ocorreu o atropelamento.
A pista onde ocorreu o atropelamento foi aberta no meio da floresta por volta de 1980 por garimpeiros. Hoje em dia, ela também é usada pela Sesai para levar servidores que atuam no posto da comunidade.
Um ofício relatando a morte do jovem e cobrando providências, feito pelo Condisi-YY, foi enviado à Polícia Federal, Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye’kuana da Fundação Nacional do Índio (Funai), Polícia Civil, Ministério Público Federal, Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Secretaria Especial de Saúde Indígena – subordinados ao Ministério da Saúde.
Procurada, a Polícia Civil informou ao G1 Roraima que não foi registrado boletim de ocorrência e o Instituto Médico Legal (IML) também não foi acionado para remover o corpo.
Indígenas que vivem em Homoxi disseram que os garimpeiros ainda tentaram suborná-los com ouro para que eles não divulgassem nada sobre o atropelamento.
“Ele foi atropelado 14h30 e disseram que umas 15h20 eles levaram o corpo de helicóptero. Os garimpeiros falaram para os yanomami não denunciar e deram ouro para a família dele. Eu vi o ouro, mas não tinha como tirar foto. Tinham muitos garimpeiros armados no local”, disse Hekurari, acrescentando que os invasores circulam normalmente entre os indígenas que vivem em Homoxi.
Ainda conforme Hekurari, os indígenas e os próprios garimpeiros contaram que o corpo, junto com a esposa e os três filhos da vítima, foi retirado da comunidade em um helicóptero dos garimpeiros. Depois do acidente, um outro avião de pequeno porte pousou na pista e foi retido pelos indígenas. O piloto fugiu.
“O pessoal segurou esse avião pensando que era ele de novo [o piloto] pousando e está lá, retido. Furaram os pneus”, disse. Hekurari identificou que havia manchas de sangue na pista onde ocorreu ao atropelamento.
Durante o tempo em que esteve em Homoxi, Hekurari disse ter notado que o movimento de garimpeiros é intenso na localidade. “Homoxi é uma comunidade que fica dentro do garimpo. Quer dizer, destruíram a comunidade [com a invasão garimpeira]”, disse.
“Enquanto estive lá, vi uns 10 ou 11 helicóptero pousando. […] Os garimpeiros controlam a pista. Antes de descer, demos muitas voltas até liberarem a pista “, afirmou o presidente do Condisi-YY.
Em Homoxi vivem cerca de 254 yanomami. A comunidade é uma das três citadas na denúncia feita pelo Condisi-YY de que servidores da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde, vacinaram garimpeiros em troca de ouro. O Ministério da Saúde e o Ministério Público Federal (MPF) investigam.
Maior reserva indígena do Brasil, a Terra Yanomami tem quase 10 milhões de hectares entre os estados de Roraima e Amazonas, e parte da Venezuela. Cerca de 27 mil indígenas vivem na região em mais de 360 comunidades.
A área é alvo do garimpo ilegal de ouro desde a década de 1980. Mas, nos últimos anos, essa busca pelo minério se intensificou, causando além de conflitos armados, a degradação da floresta e ameaça a saúde dos indígenas.
A invasão garimpeira causa a contaminação dos rios e degradação da floresta, o que reflete na saúde dos Yanomami, principalmente crianças, que enfrentam a desnutrição por conta do escasseamento dos alimentos.
O número de casos de Covid entre indígenas que habitam a região, aumentou em razão da presença de garimpeiros. No ano passado, em apenas três meses, as infecções avançaram 250%.
Via: G1 Roraima – Rede Amazônica
29/jul/2021
Documento encaminhado ao Itamaraty em 28 de maio, e só tornado público esta semana, cobra o governo de Jair Bolsonaro a dar explicações sobre o aumento da violência contra os povos Yanomami e Munduruku. A carta é assinada por oito relatores especiais da ONU e alerta para a existência de uma preocupação internacional sobre o que “aparenta ser violações de normas e padrões internacionais”. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e associações indígenas de base têm buscado denunciar e mobilizar instâncias do internacionais para a proteção dos povos indígenas em situação mais vulnerável.
Entre as preocupações listadas na carta estão os ataques contra a Associação de Mulheres Wakoborun, em Jacareacanga (PA), os ataques contra a Terra Indígena Yanomami (RR), a contaminação pelo mercúrio de terras indígenas e o projeto de lei 191/2020, que regulariza a mineração nas reservas. O envio de uma carta conjunta entre um número elevado de relatores da ONU revela a dimensão da preocupação que hoje o Brasil gera na comunidade internacional. No sistema eletrônico da organização, não consta qualquer resposta por parte da diplomacia brasileira. “As alegações aparentam ser, prima facie, violações de normas e padrões internacionais de direitos humanos”, dizem os oito relatores que assinam a denúncia. Entre as leis violadas estaria ao do direito à vida, argumento similar ao apresentado na ADPF 709 (Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental).
Na carta, os relatores pedem que o governo explique o que tem feito para evitar essa violência e os ataques contra indígenas. Além disso, pedem para que as autoridades expliquem como têm lutado contra o garimpo. Brasília também é cobrada sobre a ação do governo para lidar com o desmatamento, a covid-19 em terras indígenas e saúde da população local. Ataques Um dos casos destacados é do garimpo na bacia do Tapajós, no Pará. De acordo com a carta, o Ministério Público Federal foi alertado sobre invasões por conta da exploração de ouro e o potencial confronto entre indígenas e a mineração ilegal. “Mas nenhuma proteção efetiva foi garantida até hoje”, escreveram.
As preocupações presentes na carta dos relatores da ONU estão também na ADPF 709, ajuizada em julho de 2020 pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e por seis partidos, visando à adoção de providências no combate à epidemia da Covid-19 entre a população indígena. Em maio de 2021, foi apresentado pedido de tutela provisória antecipada com base nos relatos de ataques a tiros a indígenas, mortes, desnutrição, anemia, contágio por mercúrio, desmatamento e garimpo ilegal, bem como a prática de ilícitos de toda ordem decorrentes da presença de invasores nas terras indígenas durante a pandemia. Na peça, sustentaram também que a presença de invasores é responsável pelo contágio das comunidades por Covid-19, e pediram o deferimento da medida para assegurar a vida, a saúde e a segurança desses povos no contexto da crise sanitária.
A carta dos relatores da ONU indica como os grupos indígenas têm se organizado de maneira própria para se defender da invasão de garimpeiros, inclusive criando patrulhas, destruindo pontes construídas por invasores e removendo do local máquinas usadas pelo garimpo. Segundo eles, porém, esse grupo enfrenta “ameaças e intimidação”. Diversos incidentes são relatados no documento, entre eles a ação de homens armados que impediram que indígenas desembarcassem de seus barcos em seus próprios territórios. Das 3,7 mil minas de ouro abertas na região do Tapajós desde 2014, um quarto ocorre em áreas protegidas onde a mineração é proibida pela Constituição. Só nas terras do povo Munduruku, são 422 minas ilegais. Mas, entre 2017 e 2019, houve um aumento de 239% no garimpo ilegal em sua região. Em maio de 2021 uma ação da Polícia Federal aumentou a tensão na região.
O documento também aponta como, em junho de 2020, procuradores recomendaram a ação da Polícia Federal. Mas o monitoramento, dois meses depois, teria sido interrompido pelo Ministério da Defesa. Outro ataque destacado na carta ocorreu contra a Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, em março de 2021. Garimpeiros invadiram o local e colocaram fogo em documentos e escritórios da entidade. A Associação, segundo os relatores, tem sido ativa no monitoramento das invasões de terras indígenas. O documento ainda denuncia como as atividades ilegais dos garimpeiros ainda contaminam com mercúrio os rios locais e afeta a sobrevivência de comunidades. No território Sawré Muybu, testes realizados em três aldeias apontaram que 58% da população apresentava níveis inaceitáveis de mercúrio no sangue.
Os ataques contra grupos Yanomamis, intensificados desde o mês de maio também estão presentes no documento, com destaque para o ataque de 11 de maio, quando policiais que investigavam invasões foram alvo de disparos direcionados contra a comunidade indígena. No dia 16 de maio, mais um ataque de garimpeiros, dessa vez com o uso de 15 barcos e bombas de gás conta a comunidade Palimiu.
“Pesquisas indicam que as atividades de garimpeiros se intensificaram desde 2020, diante do aumento de 30% de aumento da degredado ambiental na região”, afirma o documento. A atuação de milhares de garimpeiros ilegais ocasiona sérios impactos sócio-econômicos, contaminação e proliferação da covid-19.
Outra preocupação da ONU se refere ao projeto de Lei 191 que libera a mineração em terras indígenas. O que chama a atenção dos relatores é de que, ainda que a proposta preveja a “consulta” de grupos indígenas, eles não teriam o poder de vetar. Mais de 863 mil quilômetros quadrados de florestas poderiam ser afetadas. Há ainda a preocupação de que isso pode se transformar em estopim para conflitos de terra, expondo grupos indígenas à violência, mais contaminação e doenças. “Além disso, impacto ambiental substancial devem ser esperados, tal como desmatamento, perda de biodiversidade e contaminação de solos e rios”, completam os relatores.
Com informações da coluna de Jamil Chade no UOL, publicada em 28/07/2021: https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/07/28/onu-denuncia-escalada-de-violencia-contra-indigenas-nos-anos-bolsonaro.htm
29/jul/2021
Ferrovia EF-170 MT/PA impactará 48 áreas protegidas, entre terras indígenas e unidades de conservação, e pode fazer o Brasil renunciar à convenções internacionais
Por Juliana Arini
O direito de ser ouvido antes de um grande projeto de infraestrutura ser construído, novamente, torna-se uma questão para povos indígenas e populações tradicionais da Amazônia. Desta vez, as comunidades contestam o projeto de uma ferrovia: a Ferrogrão ou EF-170 MT/PA. Projetada para percorrer mil quilômetros entre Itaituba, no Pará, e Sinop, no Mato Grosso, a ferrovia ligará o porto de Miritituba (PA) à maior região produtora de grãos do país, o nortão mato-grossense.
O governo federal afirma que, mesmo sem consulta, o leilão da obra deve acontecer até outubro de 2021. Com 933 km de extensão, a ferrovia está estimada pelo governo federal em R$ 21,5 bilhões de investimentos ao longo da concessão. A Ferrogrão, tal qual obras que foram leiloadas e licenciadas sem oitivas aos indígenas como a Hidrelétrica de Belo Monte no Pará, é justificada pelo discurso de prioridade para a economia do Brasil. A redução de custos com o frete das safras é o argumento dos defensores.
Para ser leiloada no prazo previsto pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a obra exigirá mudanças na legislação brasileira. A primeira destas modificações já aconteceu depois da aprovação da lei nº 13.452/2016, que ampliou a faixa de domínio da Rodovia BR-163, a Cuiabá (MT) e Santarém (PA). Esta alteração foi feita para estabelecimento do traçado da ferrovia.
“Ao ser proposta dentro das faixas de domínio da BR-163, os proponentes do projeto afirmam que a ferrovia não trará mais impactos, uma vez que não irá alterar o que já foi alterado pela estrada. O que é altamente contestável. Outro ponto é que o projeto se auto intitula um investimento verde, mas não há muitas explicações no projeto sobre isso”, afirma Paulo Zahan Taques, advogado do Instituto Antônio Augusto de Leverger (IAAL), uma das entidades que contesta a ausência de oitivas aos povos impactados.
Recentemente, o governo federal busca registrar a Ferrogrão como uma obra que evitará emissões de até 77% de CO2 no transporte da safra de grãos. Caso isso ocorra, será possível inclusive vender crédito de carbono com o projeto. Porém, no cálculo apresentado pelo governo federal não está contabilizado o aumento do desmatamento em decorrência da Ferrogão, que será, justamente, nos dois dos estados que representam mais de 61,89% do que foi desmatado na Amazônia em 2020, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A segunda modificação proposta para possibilitar a construção da Ferrogrão segue em análise no Supremo Tribunal Federal (STF). A Medida Provisória 758/216 prevê a redução do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, que fica em uma região líder em queimadas e desmatamentos, segundo o Imazon. Em março, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, suspendeu a Lei 13.452/17, originada da MP, que excluía 862 hectares do parque. A decisão final será votada no plenário do STF. Nesta decisão também segue suspenso todo o licenciamento da ferrovia.
Outro possível impacto da Ferrogrão pode afetar o direito dos povos e comunidades tradicionais do país todo. . A construção da ferrovia pode ser um dos propulsores para o Brasil abandonar a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O artigo 60 deste acordo internacional, do qual o país é signatário desde 2002, prevê a obrigação de realizar consultas prévias, livres e informadas com povos indígenas e demais populações tradicionais afetadas por qualquer projeto, seja do Legislativo ou do Executivo.
Tramita no Congresso Nacional o projeto de lei 177/2021, quepropõe que o Brasil deixe de ser signatário da a Convenção 169. O PL está para análise na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados. De autoria do deputado federal Alceu Moreira (MDB – RS), a proposta permite que o presidente Jair Bolsonaro abandone a Convenção 169 da OIT.
Se o PL não for aprovado, a adesão do Brasil à Convenção segue automática até setembro de 2032, quando novamente poderá ser revista. Se for aprovado, os indígenas e demais populações tradicionais, como os quilombolas, perdem voz nas decisões sobre a ferrovia e outros projetos que possam ser propostos e afetem seus territórios ou direitos.
O Ministério Público Federal divulgou uma nota sobre a possibilidade do país deixar a Convenção em junho. “A eventual saída do Brasil da Convenção 169 da OIT só demonstraria a nossa incapacidade de lidar com a diversidade que sempre foi uma das nossas principais características como nação. É dizer: ao invés de dialogar com os nossos povos tradicionais, vamos simplesmente calá-los”. A afirmação foi feita pela coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), Eliana Torelly, durante um webinário no qual foi discutida a importância do tratado internacional para a defesa dos direitos das comunidades tradicionais brasileiras. O evento – promovido pelo MPF em parceria com a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) – teve como foco o debate sobre a tramitação do projeto de lei que pretende autorizar o presidente da República a retirar o Brasil do rol de nações que fazem parte da Convenção 169.A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a Associação Nacional dos Procuradores e Procuradoras do Trabalho (ANPT), entidades que congregam e representam os Procuradores e as Procuradoras da República e do Trabalho de todo o país, publicaram nota técnica contra a aprovação do PDL.
No dia 15 de agosto, uma delegação internacional chega ao Brasil para pressionar contra a construção da Ferrogrão. A comitiva é ligada à Internacional Progressista, entidade criada no ano passado pelo senador americano Bernie Sanders e pelo ex-ministro das Finanças da Grécia Yanis Varoufakis, e que reúne políticos, ativistas e celebridades de diferentes países.
Consultas prévias, livres e informadas
O direito de ser ouvido e comunicado sobre os impactos é a principal demanda dos povos indígenas em relação à Ferrogrão. Ao menos cinco nações indígenas reivindicam oitivas, como os povos Munduruku, Kayapó, Apiacá, Terena e Panará. Eles alertam que a ferrovia pode afetar 49 terras protegidas, entre indígenas e unidades de conservação. O impacto mais grave é o aumento do desmatamento na Amazônia. Se forem considerados os impactos sinérgicos da construção de novos portos fluviais, terminais de navegação e silos, essa pressão sobre a Amazônia e o Cerrado aumenta.
Áreas protegidas são fundamentais para a conservação de floresta, segundo estudo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, publicado em junho de 2021, “Povos Tradicionais e Biodiversidade: Contribuições dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais para a biodiversidade, políticas e ameaças”. O artigo dos pesquisadores Antonio Oviedo, do Instituto Socioambiental (ISA), e Juan Doblas, do Inpe, mostra que as terras indígenas são os territórios tradicionais que mais preservam a floresta: apenas 2% da cobertura foi perdida em 33 anos.
A luta para que o direito a consulta seja respeitado fez a Ferrovia EF-170 MT/PA ser um dos temas dos protestos indígenas, que aconteceram em Brasília durante o Levante pela Terra, encontro que durou até o dia 20 de julho e reuniu etnias de todo o Brasil. A Ferrogrão também motivou reuniões entre caciques e representantes dos três poderes.
“Não é apenas uma ferrovia, pois abre precedentes para discutir a necessidade de se ouvir os indígenas e trás junto a necessidade de novas hidrelétricas para gerar a energia que o agronegócio demanda. Eles também não estão discutindo os impactos de mais silos de grãos, desmatamento e a pressão por mineração nas terras indígenas e no entorno.”, diz Alessandra Munduruku, liderança do território mais próximo da área onde será o terminal final da Ferrogrão, em Itaituba, no Pará.
“Mas não vamos desistir dos nossos direitos. Nos reunimos com os ministros do Tribunal de Contas da União e do Supremo Tribunal Federal . Temos esperança de que a lei e os acordos internacionais dos quais o Brasil faz parte não serão desrespeitados”, diz.
Outro lado
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a proponente da Ferrogrão, defende que as consultas aos indígenas já aconteceram. “É preciso lembrar que a ANTT realizou a Audiência Pública nº 14 de 2017 para que a população e interessados em geral, como um todo, pudessem se manifestar. As sessões públicas presenciais sobre a Ferrogrão foram realizadas em Cuiabá/MT, Belém/PA, Brasília/DF, Itaituba/PA e Novo Progresso/PA, com a presença e a participação efetiva de diversas lideranças indígenas. Durante a audiência pública mencionada foram ouvidas as etnias do Parque Indígena do Xingu, Munduruku, Kayapó, além de outras, tanto nas sessões públicas presenciais da Audiência Pública como em reuniões privadas na ANTT, em Brasília”, respondeu os representantes da ANTT, através de sua assessoria.
“Esse é o problema. Eles acreditam que as audiências são consultas e não é o que diz a lei. Eles deveriam ter realizado visitas aos territórios indígenas. As audiências nem aconteceram, nós protestamos quando descobrimos que muitos não poderiam participar. E mesmo assim eles disseram, em 2019, que o processo tinha acontecido.”, diz o cacique Francisco Munduruku. “Na época nem o traçado da Ferrovia foi apresentado”, conclui.
A ANTT assume que as informações transmitidas na audiência pública estavam incompletas. “À época da audiência ocorrida, não se dispunha de informações concretas para se delimitar quais Terras Indígenas seriam impactadas e, com a maturação desse traçado, foi possível realizar as plotagens e assim determinar quais Terras Indígenas teriam a presunção de serem afetadas. Sobre esse assunto, cabe esclarecer que a delimitação dos povos indígenas participantes do processo de licenciamento ambiental é definido pelos parâmetros da Portaria Interministerial MMA/MC/MJ/MS nº 060/2015, a partir de provocação do órgão licenciador, e encontra-se especificada no Termo de Referência Específico (TRE) da Ferrovia, expedido pela Fundação Nacional do Índio (Funai) à Empresa de Planejamento e Logística (EPL), em setembro de 2019.”, afirma a assessoria da ANTT em nota à reportagem.
Para a ANTT, nem as terras indígenas que estão a menos de 40 quilômetros do traçado dos trilhos serão incluídas no licenciamento ambiental da obra. “Com as informações disponíveis até o momento no processo de licenciamento ambiental, não se presume a ocorrência de afetação às terras indígenas Baú e Menkragnoti, do povo Caiapó, que, segundo análise cartográfica oficial realizada pela Funai (Informação Técnica nº 110/2020/COTRAM/CGLIC/DPDS-FUNAI), estão distantes, respectivamente, 29,91 km e 47,7 km da Ferrogrão.”, diz a nota da Agência.
Os povos que reivindicam o direito à consulta afirmam que o anúncio da Ferrogrão já traz impactos. Desde que começou a ser debatido o projeto, o fluxo de caminhões nas estradas que contornam as aldeias teria duplicado. “Eu imagino quando liberarem esse trem. Toda soja que vem da região de Querência (MT) pelo Xingu vai acabar aqui pela MT-322. Da forma como esta hoje muitos animais já morreram atropelados. Isso também acaba incentivando os produtores a arrendar sítios, e com isso vem os pesticidas e queimadas. E isso tudo sempre impacta nosso território. É isso que precisamos debater.”, reivindica Messias Clemente Rondon, liderança do povo Terena.
Lembranças de horror
Os Terena, originalmente do Mato Grosso do Sul, têm uma história marcada pelos planos nacionais de infraestrutura. A abertura de grandes fazendas e estradas em seus territórios ancestrais os relegou à condição de “povos sem terra” por mais de vinte anos. Eles acabaram perdendo suas terras para esses empreendimentos.
Depois de um processo contra o governo federal, o povo Terena ganhou uma indenização (ainda não paga) de 2 mil hectares de terras demarcadas, em outro estado e bioma, no Norte de Mato Grosso. É nesse novo território, vizinho à área Caiapó e Panará, que eles aguardam com apreensão os desdobramentos sobre a Ferrogrão.
Os Caiapó discordam da ANTT sobre as oitivas e impactos. Em agosto de 2020, um grupo Caiapó parou a BR-163, na altura de Novo Progresso (PA), em protesto contra a ferrovia. Foram cinco dias até que a Advocacia Geral da União (AGU) entrasse com um pedido à Polícia Federal para retirada dos indígenas da rodovia.
“Nossa terra é a mais próxima do trilho e o estudo diz que não vai impactar. Basta olhar e lembrar da história da BR-163 e ver as plantações de soja que já estão beirando a reserva. Imagina com essa Ferrogrão. Já tem agrotóxico matando todos os nossos peixes. Depois desse projeto, os empresários vão vir com mais força e cortar mais floresta. Precisamos ser ouvidos sobre os problemas que já existem e os que ainda irão aparecer.”, reclama Mydjere Kayapó, presidente do Instituto Kabu, organização que reúne 11 aldeias das terras indígenas Baú e Mekrãgnotire.
Segundo as lideranças, há cinco anos os Caiapó tentam debater a Ferrogrão. Em de 2017, o povo Caiapó Mekragnotire enviou um ofício ao Ministério de Transportes, Portos e Aviação Civil solicitando participarem da consulta. Em março de 2021, após descobrirem que a ANTT pediu ao TCU liberação do leilão, novamente uma comitiva indígena visitou Brasília. O grupo formado pelos líderes Munduruku e Caiapó foi recebido pelo ministro Aroldo Cedraz, relator do processo sobre o leilão da Ferrogrão, e pela ministra Ana Arraes, presidente do TCU.
Atualmente, o TCU e o STF são as instâncias que irão definir o futuro da Ferrogrão. Segundo resposta da assessoria do tribunal , dois processos correm sobre a EF-170, ambos de relatoria do ministro Aroldo Cedraz. “O TC 037.044/2020-6 tem por objeto uma representação do Ministério Público Federal acerca de possíveis violações de direitos de povos indígenas no projeto da Estrada de Ferro EF -170 (Ferrogrão). O relator, ministro Aroldo Cedraz, ouvirá o Ministério Público junto ao TCU antes de se pronunciar nos autos. Já no TC 025.756/2020-6 o Tribunal vai analisar a Concessão da EF-170 (Ferrogrão)”, explicou em nota à reportagem.
Nenhum dos processos teve decisão do TCU publicada até o fechamento desta reportagem.
Outros impactos
Além dos indígenas, pescadores e moradores das cidades por onde os trilhos irão passar contestam o projeto. A ação movida pelo IAAL tem como foco grande parte dos povos indígenas e das comunidades tradicionais impactadas, entre estes os Caiapó de Mato Grosso, Apyaká, Panará, Terena e a colônia de pescadores Z53 do Pará, entre outros. “Além do impacto nas comunidades, muitos locais de importância histórica e cultural serão literalmente rasgados pelos trilhos”, explica o representante jurídico do IAAL, Paulo Taques.
Em maio, o Ministério Público Federal também publicou um pedido reforçando a necessidade das oitivas.
Pró-ferrovia
A obra segue movimentando polêmicas. Apesar de tantas vozes contrárias, a Ferrogrão conta com um defensor de peso, o presidente Jair Bolsonaro e membros do primeiro escalão do governo. No início de junho, o ministro da infraestrutura, Tarcísio de Freitas, declarou durante o Fórum Brasil de Investimentos 2021 que tem segurança jurídica para leiloar a ferrovia.
“[A Ferrogrão] Tem o poder de jogar a tarifa para baixo e tornar os nossos produtores extremamente competitivos em relação aos nossos pares ao redor do mundo. E a ferrovia faz sentido porque vai atender um estado que vai produzir em 9 anos 120 milhões de toneladas de grãos por ano. Quando nós começamos a estruturar esse projeto o Mato Grosso produzia 50 milhões de toneladas, hoje produz 70 [milhões de toneladas] três anos depois”, afirmou.
O projeto
A ferrovia AEF-170/MT/PA, a Ferrogrão – como foi denominada pelo grupo Estação da Luz Participações Ltda (EDLP), proponente dos estudos, integra o Programa de Parcerias de Investimento e a criação do novo corredor ferroviário de exportação do Brasil pelo Arco Norte. A proposta é fazer a conexão do Porto de Miritituba, em Itaituba, no Pará, com Sinop, em Mato Grosso, percorrendo 933 quilômetros com trilhos.
Estão previstos, também, o ramal de Santarenzinho, entre Itaituba e Santarenzinho, no município de Rurópolis/PA, com 32 km, e o ramal de Itapacurá, com 11 km.
Segundo a ANTT, o investimento público previsto é de R$ 6,2 bilhões, deste montante o investimento para custos socioambientais seriam de R$ 756 milhões, o que inclui obtenção de licenças e compensações socioambientais.
Juliana Arini é jornalista
23/jul/2021
Mediante ao ataque de ódio do tenente Henry Charlles aos povos isolados, advogados indígenas entraram com requerimento nesta quinta-feira (22) na 6º Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF)
Nesta quinta-feira, 22 de julho, por meio de uma notícia publicada no jornal “Folha de São Paulo”, chegou ao conhecimento da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB),
um áudio do Coordenador da Coordenação Regional (CR) Vale do Javari, da Fundação Nacional do Índio (Funai), no Amazonas, o tenente da reserva do exército Henry Charlles Lima da Silva, onde claramente incita terceiros a atentarem contra a vida e integridade física dos indígenas que vivem em isolamento naquela região. Além de incitar terceiros a atacarem os povos indígenas isolados, o servidor do órgão indigenista se coloca à disposição para abrir fogo contra os isolados. Segundo o áudio, cuja a autenticidade foi apurada pela reportagem, o representado disse: “
Eu vou entrar em contato com o pessoal da Frente [de Proteção Etnoambiental] e pressionar: ‘Vocês têm de cuidar dos índios isolados, porque senão eu vou, junto com os marubos, meter fogo nos isolados’”, disse durante uma reunião na aldeia Paulinho, em 23 de junho deste ano. Diante do ocorrido,
nossos advogados indígenas entraram com requerimento nesta quinta-feira (22) na 6º Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), para instauração de inquérito para apurar o cometimento de crime de genocídio contra povos isolados, para determinar o afastamento imediato de Henry Charlles Lima da Silva da sua função de Coordenador Regional da Funai no Vale do Javari. Um mês e meio atrás, a Funai acusava o movimento indígena de furar a quarentena ao tentar resolver um conflito que estava latente na região do Vale do Javari. Na gravação que circulou nesta quinta-feira (22) na imprensa e nas redes sociais, ficou claro que o coordenador regional, responsável Terra Indígena Vale do Javari, além de não ter cumprido a quarentena para participar da reunião, sugeriu “meter fogo” nos Korubo para resolver uma situação de iminência de conflito que se desenrola desde o final do ano passado. A fala do gestor público reflete uma situação muito grave: revela a posição genocida e anti-indígena desta nova gestão da Funai e, além disso, demonstra um posicionamento inaceitável em qualquer situação, pois incita um povo indígena contra outro, agravando uma situação que já estava tensa. Em outro momento do áudio, o servidor demonstra sua completa ignorância dos temas indigenistas, pois parece não saber que os indígenas isolados são povos que não estabelecem contatos esporádicos com outros grupos (indígenas ou não), vivendo de forma autônoma, e sem a necessidade de receberem cestas básicas. O gestor público afirma que entregará cestas básicas para um povo indígena isolado. Uma situação totalmente inadmissível! Sabemos que não é o caso, porque o coordenador deve ter feito confusão com os Korubo de recente contato. O que mais uma vez reflete a desarticulação existente na gestão daquele território, pois o coordenador regional deveria apoiar as atividades das Frentes de Proteção Etnoambiental, que normalmente tem vários cuidados na relação mantida com os povos sob sua atenção, evitando interferências e influências que possam comprometer a autonomia desses povos. Assim, a COIAB se soma às
manifestações da Organização das Aldeias Marubo do Rio Ituí (OAMI) e da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIVAJA), que já se posicionaram contra essa incitação de violência promovida por um servidor do órgão indigenista que deveria proteger a vida dos povos indígenas e daqueles que optaram por viver sem contato com as sociedades nacionais na floresta.
Manaus, Amazonas, 23 de julho de 2021. Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).
Veja a nota na íntegra : Coiab denuncia
23/jul/2021
Henry Charlles, tenente de reserva do Exército, ameaçou e incentivou indígenas do Povo Marubo a “meter fogo” em indígenas isolados da região
Após divulgação de um áudio do Coordenador da Coordenação Regional (CR) Vale do Javari, da Fundação Nacional do Índio (Funai), o tenente da reserva do Exército Henry Charlles Lima da Silva, onde ameaça “meter fogo” em indígenas isolados da região, a Organização das Aldeias Marubo do Rio Itui (OAMI) divulgou uma carta de repúdio contra o coordenador onde afirma que “o extermínio nunca será a solução” e denuncia o descaso do órgão com os povos indígenas.
A ameaça aos indígenas isolados por meio de áudio foi obtida e divulgada pelo jornal Folha De São Paulo nesta quinta-feira (22). Segundo a matéria, o coordenador encorajou líderes do Povo Marubo a disparar contra indígenas isolados caso eles fossem “importunados” por eles. A imprensa confirmou a veracidade dos áudios.
Em carta assinada pela diretoria da OAMI, as lideranças explicam que a política interna do Povo Marubo é proteger toda coletividade que habita o Vale do Javari.
“A orientação de guerra declarada pelo atual Coordenador da CR-Vale do Javari não será processada em nossas mentes, pois temos ciência que o Javari é um território compartilhado por distintos povos, e a nossa maior guerra é combater o descaso e a inoperância da Funai. E a arma que os povos indígenas usam é o diálogo”, destaca a carta.
A diretoria da OAMI cobra ainda que “o mesmo entusiasmo declarado pelo Coordenador da CR do Vale do Javari fosse usado para combater a invasão de nosso território pelos madeireiros, caçadores, narcotraficantes que usam nosso território para suas práticas ilícitas”.
Sobre um sequestro de uma mulher da aldeia dos Marubo por indígenas isolados ocorrido há pouco mais de 15 dias, a OAMI afirma no documento que “por inúmeras vezes” informou a coordenação regional do Vale do Javari e à Frente de Proteção Etnoamabiental, sobre a presença de índios isolados próximo às aldeias do Alto Rio Ituí, porém a morosidade institucional não permitiu o pronto atendimento das demandas em pauta.
“Infelizmente, nossos argumentos sobre o assunto não foram recepcionados pelos órgãos indigenista como prioridade, e, somente após o ocorrido no dia 07/06/2021 (quando os índios isolados levaram uma mulher da aldeia Paulinho) foi que a Coordenação Regional Vale do Javari/Funai, resolveu acreditar”, afirma a diretoria no documento.
Confiram o documento na íntegra aqui.
21/jul/2021
Duas associações de procuradores manifestaram-se contrariamente à aprovação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 177/2021, que pretende autorizar o Presidente da República a denunciar a Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a Associação Nacional dos Procuradores e Procuradoras do Trabalho (ANPT), entidades que congregam e representam os Procuradores e as Procuradoras da República e do Trabalho de todo o país, publicaram nota técnica contra o projeto. A justificativa do PDL sustenta que a legislação brasileira de proteção aos povos indígenas e tribais não necessitaria ser complementada por norma internacional .
A Convenção nº 169 da OIT resultou da mobilização de grupos étnicos culturalmente diferenciados, que também influenciou cartas constitucionais de diversos países, inclusive a brasileira. Apesar de ter sido aprovada em 1989, somente passou a vigorar no Brasil em 25 de julho de 2003. O Supremo Tribunal Federal estabeleceu jurisprudência do entendimento de que a Convenção nº 169, por dispor sobre direitos fundamentais, integra o ordenamento jurídico brasileiro com status de supralegalidade.
O texto de justificativa faz referência ainda ao entendimento do STF no julgamento do Caso Raposa Serra do Sol. A proposta parte da premissa de que as restrições à atuação do Poder Público nos territórios desses povos inviabilizam o crescimento econômico do Brasil. Cita, como exemplos de “inconvenientes” causados pela Convenção nº 169, a paralisação de obras como o Linhão de Tucuruí, o Terminal Mar Azul, em Santa Catarina, e a BR 080, que atravessa os Estados de Goiás e Mato Grosso. Assevera, ainda, que a Convenção seria incongruente ao adotar, no item 2 do art. 1º, os critérios de “autoatribuição” e “autoidentificação”, pois poderia dar razão a ações oportunistas de pessoas e/ou grupos para a aplicação em benefício próprio. Por fim, insinua que o texto, ao impedir a extração de recursos hídricos, naturais e minerais, viola a soberania nacional.
A Nota da ANPR e da ANPT demonstra que o PDL carece de substrato jurídico e destoa da realidade, listando como o exemplo o fato de o país não poder ser denunciado no âmbito da convenção antes de 25 de julho de 2023, e portanto “encaminhada pelo Brasil para o Diretor Geral da OIT neste sentido é absolutamente intempestiva e por tanto inócua”, cita a nota.
Leia o texto das associações na íntegra: Nota Técnica – PDL 177 – C 169 – final
19/jul/2021
Há 521 anos esta terra é marcada por violações, pelo racismo e genocídio. São séculos de tentativas de subjugação de povos, de culturas e de territórios. Hoje, quando não são apenas armas dilacerando corpos, canetas assinam leis de extermínio. Quando não são apenas criminosos atacando diretamente, governos se omitem do seu dever de proteção. E por mais que as lutas se sobreponham, não permitiremos!
Somos os primeiros desta terra, antes de o Brasil ser Brasil.
Contra projetos de lei que violam a própria constituição, seguiremos mobilizados na capital federal soando nossos maracás e entoando nossos cânticos, entre os dias 22 e 28 de agosto.
Fazemos esse chamado, ainda durante a pandemia, porque não podemos calar diante de um genocídio e um ecocído, que a Terra grita mesmo quando estamos em silêncio. Que o país ouça seus povos originários. Nossas vidas estão vinculadas à terra, pois com ela vivemos em comunhão. Somos os guardiões da floresta e de todas as formas de vida que nela habitam. Frente a um Congresso que avança em uma agenda anti-indígena e contra o Marco Temporal, previsto para ser votado no STF dia 25 de agosto resistiremos!
Vamos à Brasília vacinados, com todas as precauções de higiene contra a Covid-19, tocar nossos maracás para garantir os direitos dos povos indígenas.
Venham parentes para o acampamento LUTA PELA VIDA.
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16/jul/2021
foto Carlos Penteado
Marco de proteção dos povos tradicionais tem sido descumprido pelo país. Envio tardio de respostas do governo aos questionamentos do organismo internacional e de organizações impede manifestação de Comitê de Peritos
O Brasil tem violado sistematicamente a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), conforme denunciam organizações sociais em informe enviado recentemente para o organismo internacional. No relatório elaborado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), com apoio da Terra de Direitos e Central Única dos Trabalhadores (CUT), é listado um conjunto de ações do Estado brasileiro que descumprem o principal instrumento jurídico internacional sobre proteção dos direitos dos povos indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais.
Além de uma longa descrição de ações referentes ao período de 2019 e 2020 do Estado brasileiro que violam os direitos de autodeterminação, de participação nas decisões que afetem seus modos de vida e de posse e propriedade dos seus territórios tradicionais, entre outros – determinações presentes na Convenção 169, o relatório ressalta como a omissão do Estado na proteção aos indígenas, quilombolas e demais povos tradicionais diante da Covid-19 tem especialmente violado os direitos destes povos tradicionais, exposto-os a um contexto de ainda maior de vulnerabilidade à pandemia e aos efeitos dela.
É nesse contexto que se inscrevem as ações movidas pelas mesmas organizações no Supremo Tribunal Federal (STF), em 2020. Diante da negligência do Estado brasileiro em implementar ações específicas para indígenas e quilombolas para enfrentamento da grave crise epidemiológica já instalada no país, a Apib e Conaq, com apoio de diversas organizações, ajuizaram – cada organização – uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Em julgamentos de ambas ações os ministros do Supremo reconheceram a omissão governamental e determinaram que o Estado brasileiro desenvolvesse e implementasse, em caráter de urgência, planos de enfrentamento à pandemia dirigidos aos povos indígenas e população quilombola, bem como inclusão desses grupos dentre os prioritários para vacinação no Programa Nacional de Imunização. Passados vários meses das decisões pelo STF, a Conaq, Apib e organizações têm reiteradamente denunciado as fragilidades nas medidas implementadas.
Fundamental na garantia dos direitos dos povos tradicionais, quilombolas e indígenas no Brasil, a Convenção 169 tem orientado parâmetros para diversas normas e políticas públicas brasileiras desde a ratificação da norma pelo país, em 2002 – como na estruturação de programas de saúde e educação dirigidas aos povos indígenas. Mesmo com mais de 15 anos de vigência da norma em território nacional, antes da pandemia, o Brasil já vinha descumprindo a Convenção, apontam as organizações. A urgência da denúncia neste momento, entretanto, sublinham as organizações, é que as violações foram intensificadas nos últimos três anos e os direitos já assegurados sofreram significativas retrações, sobretudo durante o governo Bolsonaro.
Como destaca a assessora jurídica da Terra Direitos, Maira Moreira, “um dos instrumentos mais fundamentais de afirmação de direitos dos povos indígenas, quilombolas e dos demais povos e comunidades tradicionais está sendo sucessiva e reiteradamente violado pelo Estado brasileiro, produzindo uma situação de genocídio desses povos e comunidades, um genocídio lento e gradual, em que todas as suas condições materiais, culturais, sociais são minadas, colocando em risco a existência desses povos e comunidades”. Uma vez que “já vinha [a Convenção] sendo violada, mas no contexto de pandemia essa violação foi agravada”, reitera o advogado da Apib, Eloy Terena.
Informações governamentais tardias
Ao ratificar uma Convenção da OIT o país passa a ter a obrigação de apresentar relatórios regulares sobre as medidas adotadas para sua implementação. Entregues no prazo regular para análise pelo Comitê de Peritos – um grupo de 20 juristas de diferentes nacionalidades, os documentos devem também conter respostas às informações solicitadas pelo órgão e por organizações dos trabalhadores do respectivo país. Após análise das informações pelo grupo técnico, o Comitê pode emitir observações ou solicitações diretas de novas informações – e posteriormente reagir às devolutivas.
“A submissão de nosso relatório aos Peritos da Comissão de Aplicação de Normas da OIT se insere dentro do sistema de Controle Regular de Normas da entidade. A partir dos nossos comentários sobre a aplicação da Convenção 169 pelo Estado brasileiro nós expomos para a comunidade internacional todas as violações cometidas pelo governo”, aponta o assessor jurídico e secretário de relações internacionais da CUT, Fábio Bon.
Em relatório lançado em fevereiro deste ano, o Comitê de Peritos da OIT teve que se restringir a republicar os comentários referentes ao Brasil já feitos em 2019. Isto porque a resposta do Governo às perguntas feitas pelas organizações e já pontuadas pelos peritos há dois anos foi enviada tarde demais para exame pelo Comitê em sua reunião atual.
O envio tardio – e a impossibilidade de análise das respostas pelo Comitê – impacta no monitoramento pelo órgão e pela sociedade sobre o cumprimento da Convenção pelo Brasil. No entanto, é possível aferir que as violações – já relatadas em documentos anteriores – foram ainda mais agudizadas na história recente brasileira, já que o governo federal mostra-se abertamente opositor aos povos e comunidades tradicionais.
Nenhum centímetro
O período de registro das violações pelo Brasil à Convenção 169 remetido à OIT coincide com o período de gestão de Jair Bolsonaro (sem partido). Abertamente opositor aos direitos dos povos e comunidades tradicionais, o presidente já declarou que no governo dele “não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”, ou seja, por um lado, sinalizou grande abertura para exploração de terras indígenas ao afirmar que “onde tem uma terra indígena, tem uma riqueza embaixo dela. Temos que mudar isso daí ”, por outro lado, fez declarações racistas ao se referir a população quilombola quando disse que “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais”.
Não são apenas as declarações presidenciais que caminham lado a lado com a negação e a violação dos direitos destas populações, como também o desmonte da política indígena e quilombola sedimentado pelo governo federal. Um dos exemplos mais simbólicos foi a reforma administrativa no início da nova gestão.
Pela Medida Provisória 870/2019 os órgãos responsáveis pelas políticas quilombolas e indígenas foram realocados para pastas e sob comandos de expoentes vinculados ao agronegócio. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) – autarquia responsável pelos direitos territoriais quilombolas – foi realocado da Casa Civil da Presidência da República para o Ministério da Agricultura, pasta administrada pela ruralista Tereza Cristina (PSL). Já a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a atribuição de demarcação de terras indígenas também foram transferidas do Ministério da Justiça para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH). O novo arranjo para Funai e demarcação só foi revertido por decisão do Congresso Nacional. No entanto, o Incra segue sob a tutela do Ministério da Agricultura.
Direito basilar, a proteção e posse coletiva dos territórios tradicionais são um dos grandes gargalos no quadro de violações. Garantia constitucional e assegurado em vários artigos da Convenção 169, o direito ao território pelos povos tradicionais no Brasil esbarra na omissão administrativa federal, no orçamento caducante e no avanço do mercado sobre as áreas.
Ao menos 821 terras indígenas aguardam alguma providência do Estado brasileiro, em suas diferentes instâncias, segundo levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Ou seja, 63% das 1.290 terras indígenas ainda não são reconhecidas – no papel e no direito – pelo Estado brasileiro.
A fotografia da titulação quilombola é ainda mais frágil – em pouco mais de 30 anos de vigência da Constituição de 1988, apenas 181 terras quilombolas foram tituladas (entre titulações estaduais e federais), dessas 47 titulações parciais. Ainda que os dados oficiais do Incra não sejam atualizados desde janeiro de 2019, o esvaziamento orçamentário nos últimos anos para a titulação quilombola evidencia o que Incra deixa de informar: de acordo com Nota Técnica apresentada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), desde 2017 não há recursos orçamentários para regularização fundiária, e o Brasil só titulou 7% destas áreas.
“Nós temos a certeza que todos os direitos de povos indígenas, quilombolas e tradicionais estão atrelados a seus territórios. Não tem como proteger as comunidades e garantir proteção sanitária sem falar em direito territorial. Daí envolve demarcar todas as terras indígenas, regularizar territórios quilombolas e proteger os que já estão demarcados”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos e Conaq, Vercilene Dias.
No rol de ataques aos territórios tradicionais ainda orbitam a incursões de grileiros, mineradores, garimpeiros e ruralistas. Em 2020, das 81.225 famílias vítimas de invasões em seus territórios, 58.327 são indígenas, de acordo com levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT). “Os territórios ficaram totalmente à mercê destes invasores. Só a presença deles já é uma violação ao usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre seus territórios, mas nesta pandemia as incursões ilegais torna-se um vetor de disseminação da doença”, sublinha Eloy.
O documento enviado pelas organizações à OIT ainda destaca a violação do direito de autodeterminação pelos povos, ataques à políticas para estes povos, como a extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), entre outras violações. Veja quadro.
Investidas legislativas
Não apenas o Executivo tem posto em andamento ações contínuas de desmonte de estruturas e ações vinculadas a quilombolas e indígenas, mas também o legislativo federal impõe uma pauta desfavorável a estes povos. Bancada mais expressiva no Congresso, os parlamentares vinculados à Frente Parlamentar da Agropecuária – um lobby bancado por associações e empresas do agronegócio – contabilizam 32 das 81 cadeiras no Senado. Na Câmara, os 225 deputados filiados à frente representarão 44% do total de votos (513) de toda casa legislativa.
Com esta representação majoritária e nenhuma correspondência com a composição da população brasileira, os ruralistas impõem uma agenda que possibilita a entrada do mercado nos territórios. Um exemplo singular é o PL 490/2007. O projeto de lei ameaça a demarcação de terras indígenas, abre as portas destes territórios para empreendimentos agropecuários, hidrelétricas, mineração, estradas e o garimpo. Em um cenário de intensa violência policial contra os indígenas nos arredores da Câmara dos Deputados e ausência de diálogo com quem será impactado pela medida, o PL foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara no dia 23 de junho. Isto em plena pandemia.
Já o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 177/2021 busca ferir diretamente a Convenção 169. De autoria do deputado federal e integrante da FPA, Alceu Moreira (MDB-RS), o projeto de lei protocolado em abril deste ano visa autorizar o presidente a denunciar a Convenção 169 da OIT, ou seja, caso aprovado, o Decreto Legislativo permitiria que Bolsonaro retirasse o Brasil da Convenção, procedimento chamado de “denúncia”, representando um enorme retrocesso aos direitos conquistados. A matéria legislativa já foi distribuída para comissões.
15/jul/2021
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) enviou petição ao STF solicitando ingresso como amicus curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 6553, em trâmite no STF, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. A ação foi proposta pelo PSOL, visando suspender os processos administrativos da Ferrovia EF-170, a Ferrogrão. O traçado previsto para os trilhos passa por dentro da área hoje ocupada pelo Parque Nacional do Jamanxim, uma Unidade de Conservação (UC) localizada no Pará. Para viabilizar economicamente o projeto é preciso alterar os limites do Parque. É mais uma agressão à floresta e ao meio ambiente, sem os cuidados e sem as consultas aos povos indígenas. No dia 15 de março de 2021, o ministro relator concedeu a liminar e suspendeu a eficácia da Lei 13.452/2017, resultante da conversão da Medida Provisória 758/2016, bem assim dos processos relacionados à Ferrogrão, em especial os em trâmite na Agência Nacional dos Transporte Terrestres – ANTT (50500.036505/2016-15 ou outro qualquer), no Ministério da Infraestrutura (50000.025009/2020-53 ou qualquer outro) e no Tribunal de Contas da União (025.756/2020-6).
A APIB chama atenção para três pontos importantes da decisão do ministro relator:
- A construção da ferrovia no Parque do Jamanxim é inconstitucional
O governo alterou os limites do Parque Nacional por meio de uma Medida Provisória (MP). E as Unidades de Conservação Ambiental, como a do Jamanxim, só podem ser alteradas por lei. Os limites do Parque Nacional do Jamanxim foram alterados pela Medida Provisória n. 758/2016, o que contraria a previsão do art. 225, § 1º, III, da Constituição. Ele diz que Unidades de Conservação só podem ser alteradas dessa maneira por meio de lei. Em casos anteriores semelhantes, o STF entendeu por unanimidade que esse procedimento fere a Constituição da República. O fato de a MP ter sido posteriormente convertida em lei não altera a inconstitucionalidade do ato. Uma lei resultante de MP não passa pelas Comissões permanentes do Congresso Nacional. Isso elimina todo o processo legislativo de uma lei ordinária, que exige o debate parlamentar e a participação social necessários para que a lei seja legítima e favorável à sociedade.
- A Ferrogrão é nociva ao meio ambiente
Estudos de instituições, como a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apontam que a ferrovia do governo federal poderá causar imensos danos ambientais. As obras poderão rasgar a mata nativa do bioma amazônico e prejudicar centenas de nascentes e rios. O desmatamento será incentivado, e milhares de quilômetros de vegetação nativa poderão ser destruídos por conta da inevitável ampliação da fronteira agrícola para dentro da região amazônica, com direção ao centro do Pará. A enorme pressão por terras cultiváveis terá um preço muito alto para a Amazônia.
- Os povos indígenas não foram consultados
Desde o início do processo da Ferrogrão, os povos indígenas estão sendo colocados à margem. Há um direito de Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado (CCLPI), ainda na fase de planejamento da Ferrogrão, para possibilitar que os povos indígenas impactados pela obra exerçam seu direito de participar da avaliação de custo-benefício na etapa de Planejamento de Longo Prazo. Adicionalmente, uma vez escolhido um projeto de infraestrutura a ser implementado em região de influência de terras indígenas, deve-se garantir aos povos diretamente afetados o direito de influenciar a avaliação de viabilidade socioeconômica e ambiental do projeto escolhido, na etapa da Estruturação do Projetos e de licenciamento ambiental do mesmo, conforme lhes garante os artigos 6º e 7º da Convenção 169 da OIT. Neste caso não houve a CCLPI. O traçado da ferrovia vai prejudicar 48 comunidades indígenas. Em dezembro de 2020 o Ministério Público Federal (MPF) iniciou ação judicial exigindo respeito à consulta prévia dos povos atingidos. Na ação, o MPF acusa o governo de tentar aliciar um indígena para obter anuência sem cumprir os protocolos de consulta e viabilizar o licenciamento do projeto.
O STF está no caminho certo. Pedimos ao Plenário, ao julgar a ADI 6553, para manter a decisão de que a alteração no Parque Nacional do Jamanxim é inconstitucional e que o projeto da Ferrogrão deve seguir suspenso para evitar danos irreparáveis aos povos indígenas e à região amazônica.
15/jul/2021
Apelo foi feito na mesma semana em que o Brasil foi citado por risco de atrocidade contra povos indígenas; governo brasileiro tentou fazer tréplica, mas não foi atendido
Por Adi Spezia e Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação do Cimi.
Foto capa Andressa Zumpano/Articulação das Pastorais do Campo
Em declaração conjunta durante a 14ª Sessão do Mecanismo de Peritos sobre Direitos dos Povos Indígenas da ONU (EMRIP), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denunciaram nesta quarta (14) medidas do governo brasileiro e do Congresso Nacional que atacam os direitos dos povos indígenas no Brasil, como o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que na prática inviabiliza demarcações de terras indígenas, e a tese do marco temporal.
Na oportunidade, as organizações também questionaram a manifestação do governo brasileiro, que havia defendido, em sua fala, uma normativa recentemente imposta pelo governo brasileiro e que é amplamente questionada por organizações indígenas, indigenistas, socioambientais e até pelo Ministério Público Federal (MPF) por enfraquecer os direitos constitucionais indígenas.
O evento tem como objetivo ouvir os povos indígenas e suas organizações, nesta edição devido a pandemia foi realizado em formato virtual e discutiu sobre a autodeterminação dos povos e o direito das crianças indígenas. O EMRIP é um mecanismo único, onde todos seus membros são povos indígenas. “É um mecanismo muito importante para a comunidade indígena mundial, liderado pelos povos indígenas”, explica Paulo Lugon Arantes, assessor internacional do Cimi.
No tempo estipulado à Apib e ao Cimi, Arantes, falando em nome das organizações, destacou a gravidade do marco temporal e dos mais de 30 outros projetos em tramitação no Congresso brasileiro que violam o direito à livre determinação dos povos originários. O PL 490, recentemente aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, foi destacado como uma das principais ameaças aos direitos indígenas hoje.
“O marco temporal é desastroso porque deixará uma marca incalculável de exclusão e marginalização de povos que ainda não tiveram seus territórios demarcados ou que foram expulsos de seus territórios tradicionais”, destacou Paulo.
As organizações ainda denunciaram a agenda anti-indígena do governo brasileiro, o que levou a Conselheira Especial da ONU para a Prevenção do Genocídio, Wairimu Nderitu, manifestar preocupação inédita com a situação os povos indígenas no Brasil.
“O presidente Bolsonaro tem uma agenda claramente anti-indígena, o que levou a assessora da ONU pela prevenção do genocídio incluir o Brasil no Mapa de Atrocidades do Mundo”, afirmou o assessor, em nome da Apib e do Cimi.
Normativa conjunta
Em sua manifestação na sessão com o EMRIP, o governo brasileiro defendeu a Instrução Normativa Conjunta 01/2021, publicada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em fevereiro.
Segundo o representante do Itamaraty na sessão, a normativa teria garantido aos povos indígenas “autonomia para definir seus próprios procedimentos em relação ao licenciamento ambiental de projetos econômicos dentro de suas terras, quando o empreendedor é uma organização indígena, dentro dos limites da legislação nacional”.
“Povos indígenas podem escolher desenvolver atividades geradoras de lucro em suas terras. Tais iniciativas de fortalecimento econômico contam com total apoio do governo federal”, ressaltou o governo brasileiro.
A representação do Brasil fez questão de salientar, ainda, “a produção sustentável de grãos” realizada em três terras indígenas no Centro Oeste do país, seguindo o modelo produtivo do agronegócio, com monocultivos, uso de sementes transgênicas e agrotóxicos.
O fato de que milhares de comunidades e famílias indígenas produzem os mais variados alimentos de forma autônoma, orgânica e coletiva não foi mencionado pelo representante do Brasil.
A Apib e o Cimi, em seguida, questionaram a posição defendida pelo governo brasileiro. “Rechaçamos veementemente a intervenção do representante do Brasil quando menciona que a IN 01 do Ibama e da Funai é uma manifestação da autonomia dos povos indígenas do Brasil”, salientaram.
“Essa regulamentação não flexibiliza, mas enfraquece o licenciamento ambiental no Brasil. É uma tentativa de contornar as garantias constitucionais, como o usufruto exclusivo dos territórios por seus povos e, consequentemente, sua autodeterminação e autonomia. Essa normativa cria um procedimento de licença ambiental que nega o Consentimento Livre Prévio e Informado aos povos indígenas do Brasil”, afirmou Arantes, falando em nome das duas organizações.
A IN 01/2021 permite que “organizações mistas” de indígenas e não indígenas possam explorar economicamente as terras tradicionais, o que é vedado pela Constituição Federal. A participação de indígenas nestas organizações – que não necessariamente são representativas do povo ou da comunidade que vive naquele território – é utilizada pelo governo federal para justificar a medida.
“Basta que garimpeiros, madeireiros e fazendeiros aliciem alguns indígenas, convencendo-os a criar uma associação mista e, a partir de então, não haverá nenhum tipo de contenção ou limite”, avalia, em artigo, o coordenador do Cimi Regional Sul, Roberto Liebgott.
“Esse mecanismo levará ao acirramento de conflitos, colocando a vida dos indígenas em sério risco”, apontou o Cimi, em nota, à época da publicação da medida.
Para a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a IN 01/2021 dá “amparo legal para a invasão, nesses territórios, de estradas, fazendas, hidrelétricas, monoculturas e outros projetos que colocam em extremo risco os recursos naturais, a biodiversidade, a segurança e os modos de vida próprios dos povos indígenas”.
Para o MPF, a normativa conjunta da Funai e do Ibama viola a Constituição Federal e afronta os direitos constitucionais dos povos originários.
Apib e Cimi solicitaram, ao final de sua fala, que em seu trabalho de assessoria ao Estado brasileiro o mecanismo de peritos da ONU “leve em consideração esta norma, tendo em conta os graves riscos que ela impõe”.
Tréplica negada
Após a declaração conjunta, a representação do governo brasileiro pediu “direito de resposta”, pelo fato do país ter sido citado. A resposta, que seria uma tréplica, foi negada pela secretaria do EMRIP, que respondeu não haver direito de resposta frente ao mecanismo. “Os integrantes do EMRIP são os únicos membros do mecanismo e todos os demais são observadores”, explicou a secretaria.
“Essa prática não encoraja a participação de Estados-membros nas sessões do mecanismo e é autoritária”, retrucou a representação brasileira, que ainda tentou rebater os argumentos da Apib e do Cimi por meio de mensagens de texto.
“Estados nacionais, ONGs, todos os demais são observadores, por isso não existe direito de resposta”, explica Arantes. “O Brasil foi a única delegação que fez isso. Outras delegações de países que participavam do espaço receberam críticas, mas deixaram os povos indígenas falar”.
Veja, abaixo, a íntegra da manifestação conjunta da Apib e do Cimi:
14ª Sessão do Mecanismo de Peritos sobre Direitos dos Povos Indígenas
Consulta Regional, 14 de julho de 2021
Declaração Conjunta:
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Agradecemos ao Mecanismo pelo estudo sobre os direitos dos povos indígenas e o direito à sua autodeterminação.
Apoiamos o marco principal do informe, o qual indica que o direito à sua determinação é a base legal para as relações entre povos indígenas e Estados, o que foi amplamente acolhido pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos. Na verdade, o direito à autodeterminação de povos indígenas têm raízes internacionalistas, com os membros da Escola Peninsular da Paz, no século XVI, antes da hecatombe da colonização das Américas.
Acreditamos que o direito à autodeterminação inscrito no Artigo 3 da Declaração têm uma relação estreita com todos os outros direitos neste instrumento. Neste momento, gostaríamos de focar no direito ao território.
Na experiência brasileira, a Escola Peninsular teve repercussões na Legislação Colonial Portuguesa, principalmente na Teoria do Indigenato, a qual garantia o direito originário dos povos indígenas, embora o poder colonial tenha sido responsável por várias atrocidades contra estes povos.
A teoria do Indigenato seguiu inúmeras Constituições brasileiras. A última Constituição de 1988, ao dedicar um capítulo aos povos indígenas, também reconhece o direito ancestral de seus povos originários ao território que tradicionalmente ocupam.
Porém, a equivocada tese do Marco Temporal discutida no Brasil defende que os direitos originários ao seu território por seu povo estão restritos a data da promulgação da Constituição. Esta tese é debatida no Supremo Tribunal Federal e por meio do Projeto de Lei 490.
O Marco Temporal é nefasto porque deixará um rastro incalculável de exclusão e marginalização de povos que ainda não tiveram seus territórios demarcados ou que foram expulsos de seus territórios tradicionais.
Mais de 30 outros projetos em tramitação no Congresso brasileiro violam o direito à liberdade de determinação e contrariam a recomendação mencionada no parágrafo 139 do informe.
O presidente Bolsonaro tem uma agenda claramente anti-indígena, o que levou a assessora da ONU pela prevenção do genocídio incluir o Brasil no Mapa de Atrocidades do Mundo, segundo seu último relatório.
Para concluir, rechaçamos veementemente a intervenção do representante do Brasil quando menciona que a IN 01 do IBAMA e da FUNAI é uma manifestação da autonomia dos povos indígenas do Brasil. Essa regulamentação não torna o licenciamento ambiental no Brasil mais flexível, mas o enfraquece. É uma tentativa de contornar as garantias constitucionais, como o usufruto exclusivo dos territórios por seus povos e, consequentemente, sua autodeterminação e autonomia.
Essa norma cria um procedimento de licenciamento ambiental que nega o consentimento livre prévio e informado aos povos indígenas do Brasil.
Solicitamos ao Mecanismo que, em seu trabalho de assessoria ao Estado Brasileiro, leve em consideração esta norma, tendo em conta os graves riscos que ela impõe.
Muito obrigado.