NOTA DO OPI SOBRE SITUAÇÃO DE CONTATO COM ÍNDIOS ISOLADOS NO ACRE

NOTA DO OPI SOBRE SITUAÇÃO DE CONTATO COM ÍNDIOS ISOLADOS NO ACRE

Opi – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, vem a público externar sua preocupação diante das informações publicadas na imprensa sobre a recente situação de contato com grupo de indígenas isolados que vivem no alto curso do rio Humaitá, no estado do Acre.

Se confirmada essa situação de contato, o grupo indígena em questão faz parte do povo isolado do Alto Rio Humaitá, como é denominado pela Funai, e consiste em uma população que se distribui em diversos grupos locais que habitam diferentes afluentes do alto curso do rio Juruá, como o rio Envira e o rio Humaitá. Localizam-se nas Terras Indígenas Kaxinawá do Rio Humaitá, Kulina do Rio Envira, Kampa e Isolados do Rio Envira e Alto Tarauacá, nas adjacências da fronteira com o Peru. Tais grupos vivem em malocas próximas e, provavelmente, mantém relações entre si. A situação do contato pode tê-los colocado em grave risco de morte diante do atual cenário epidemiológico.

No Plano de Barreiras Sanitárias para Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, elaborado pela Funai, e apresentado pela União ao Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 709, afirmou-se que a Base de Proteção Etnoambiental (BAPE) Xinane e a Unidade de Quarentena do Seringal Liberdade seriam suficientes para dar conta das ações necessárias à instalação de um cordão sanitário no alto rio Envira e, também, das ações necessárias diante de uma situação de contato.

No entanto, nesse mesmo contexto judicial, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) vem alertando, desde o mês de julho, que as BAPE’s, embora extremamente importantes, não podem ser consideradas barreiras sanitárias no contexto da atual pandemia. Para isso é necessária a adoção de protocolos específicos. Foi alertado, ainda, para a necessidade de, em observância ao princípio da precaução, a FUNAI elaborar, imediatamente, um Plano de Contingência específico para situações de contato com este povo indígena isolado. Em recente reunião com o governo federal, Sônia Guajarara foi categórica ao alertar que nessa época de estiagem os índios isolados percorrem maiores áreas e se aproximam das aldeias do entorno. Também o Opi, pelo menos desde abril, vem alertando para esta necessidade, normatizada na Portaria Conjunta 4.094/18.

Deve-se ressaltar que o alto curso do rio Envira, onde vivem os povos Madiha e Ashaninka, é uma área com histórico de atendimento precário de saúde pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Alto Juruá da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). Ao analisar o Plano de Barreiras entregue pelo Governo, a APIB alertou que a Frente de Proteção Etnoambiental Envira (FPE Envira) atua no extremo de suas possibilidades de recursos humanos e orçamentários para manter e executar suas atividades nas BAPE´s do Xinane e do D´ouro, não conseguindo atender toda a área que está sob sua atribuição. Apesar disso, registre-se o reconhecimento dos esforços empreendidos pelos servidores públicos, colaboradores e indígenas que atuam tanto na FPE Envira quanto no DSEI Alto Juruá. A situação de contato é mais uma razão para que sejam efetivados reforços de pessoal e financeiro para que estas equipes possam atuar de forma eficiente no cumprimento de suas atribuições.

Para realizar o trabalho no mosaico de terras indígenas do alto Envira, na Barreira Sanitária e na proteção do povo indígena isolado em questão, a APIB propõe que o local mais estratégico para a atuação das equipes da Funai e da Sesai, seja na boca do igarapé Jaminaua, nas proximidades da aldeia Alto Bonito (do povo Ashaninka). A partir desta localidade é possível controlar o fluxo de pessoas e realizar o monitoramento da saúde das pessoas que lá vivem. É uma proposta importante para evitar a disseminação do novo coronavírus e de outras enfermidades nas comunidades ribeirinhas de Santa Maria da Liberdade e Sumaúma, e nas aldeias Ashaninka e Madiha. Em toda essa região sempre houve relatos da presença de índios isolados (saques e avistamentos).

Após a qualificação das informações em campo, confirmando-se o contato entre o povo isolado do Alto Rio Humaitá com os Madiha, e constatado suas consequências, a proposta de Barreira Sanitária acima muda de estágio, passando a um formato de execução imediata de Plano de Contingência para Situação de Contato e Surtos Epidêmicos, também prevista na Portaria 4.094/18. Considerando que o contato se deu há mais de sete dias, tempo suficiente de propagação de doenças virais, e que para estes povos isolados o contágio pode ser fatal, a ação estruturada e planejada do Estado e parceiros indígenas se faz urgente e fundamental.

Diante do atual cenário aqui descrito, apontamos medidas que, se não tomadas em caráter de urgência, podem resultar na mortandade generalizada deste grupo contatado:

  • Elaboração e acionamento imediato do Plano de Contingência para Situação de Contato e Surtos Epidêmicos do Alto Rio Envira e Rio Humaitá, entre Funai, SESAI e indígenas, conforme preconiza a Portaria Conjunta 4.094/2018.
  • Aporte de recursos humanos, com experiência em situação de contato, tanto indigenistas como profissionais de saúde, para compor a Equipe de Referência Local (Portaria 4.094/2018) da FPE Envira e DSEI Alto Juruá;
  • Deslocamento imediato de equipe da Funai, com intérpretes que falem as línguas das famílias Pano e Arawa, para qualificação das informações nas aldeias Madiha, sobretudo a aldeias Terra Nova e Maronal, e possíveis expedições de monitoramento da ocupação e integridade física dos indígenas isolados. Essa equipe deve realizar testagem para Covid-19, preferencialmente com teste rápido antígeno ou RT- PCR, e não apresentar qualquer sintoma de doença respiratória. Ela deve utilizar Equipamentos de Proteção Individual e fornecer máscaras para os informantes, realizar as conversas em locais abertos, não manter contato próximo e não compartilhar objetos ou alimentação. O não respeito aos protocolos de quarentena são justificados por se tratar de situação de emergência.
  • Deslocamento imediato de equipe de saúde do DSEI Alto Juruá e para as aldeias Madiha, para realização de testagem para Covid-19 e atendimento de saúde. É importante que essa equipe observe distância segura dos demais (mais de 2 metros) enquanto não estiver em atendimento. Os atendimentos devem ocorrer em locais abertos e com uso obrigatório de EPIs. Essa equipe deve realizar testagem para Covid-19, preferencialmente com teste rápido antígeno ou RT-PCR, e não apresentar qualquer sintoma de doença respiratória. O não respeito aos protocolos de quarentena são justificados por se tratar de situação de emergência.
  • Deslocamento de equipe de saúde do DSEI Alto Juruá, que tenha experiência em situações de contato, para acampamento de acesso restrito, próximo ao local do contato, para que já se inicie seu protocolo de quarentena. Essa equipe deve realizar testagem para Covid-19, preferencialmente com teste rápido antígeno ou RT- PCR (no primeiro e quinto dia de isolamento) e não apresentar qualquer sintoma de doença respiratória. Esta equipe pode aguardar, em quarentena, a necessidade de intervenção de saúde e só rompendo-a caso esteja em curso o evento de contato.
  • Instalação de equipamentos de radiofonia nas aldeias Madiha e Ashaninka, no alto rio Envira, e nas aldeias Huni Kuin (Kaxinawa) da TI Kaxinawá do Rio Humaitá.
  • Implementação imediata do Plano de Barreiras Sanitárias para Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato na Terra Indígena Kaxinawá do Rio Humaitá, de onde poderá ser monitorada a questão de saúde das aldeias Huni Kuin bem como a presença dos índios isolados nessa região.
  • Realização de sobrevoo de monitoramento nas malocas do Povo Isolado do Alto Rio Humaitá para análise de possíveis alterações nas formas de ocupação do território (sobretudo roçados e habitações) em virtude de possível contágio por doenças.
  • Aquisição e análise de imagens de satélite de alta resolução da região das malocas do Povo Isolado do Alto Rio Humaitá para avaliação de possíveis alterações na forma de ocupação do território.
  • Realização de nova reunião da Sala de Situação Central, prevista na Portaria Conjunta 4094/2018 e ratificada pelo STF, para discutir o tema.

Foto em destaque: Gleilson Miranda/Governo do Acre/Funai, 2009.

Nota sobre o assassinato de Kwaxipuhu Ka’apor, no MA

Nota sobre o assassinato de Kwaxipuhu Ka’apor, no MA

Associação Ka’apor Ta hury do Rio Gurupi, vem em nome do Presidente e Cacique Geral do povo ka’apor, com muita tristeza que estamos aqui mais uma vez para comunicar às autoridades o falecimento do parente Kwaxipuhu Ka’apor (32 anos) da Terra Indígena Alto Turiaçu, o mesmo foi encontrado morto, vítima de assassinato brutal. Ele foi espancado até a morte.

Aconteceu no dia 03/07/2020, no período da tarde, no povoado Nadir, município de Centro do Guilherme, o mesmo encontrado no início da noite. Todo o povo Ka’apor está triste e diante da situação ocorrida, cobramos das autoridades não somente mais uma investigação, mas providências necessárias para a solução dos problemas que há muitos anos vimos passando.
Muitas informações já foram passadas ao longo dos anos sobre os locais de invasões, os locais onde madeireiros e traficantes usam na Terra Indígena e em seu entorno, já foram feitos compromissos pelos órgãos competentes ao povo Ka’apor, mais nada foi efetivado até o momento; Por isso exigimos que seja colocado em prática de mediatas e ações sobre a situação do nosso território. Esperamos uma resposta das autoridades competentes: Polícia Federal, IBAMA, Funai e Governo do estado, pois estamos cansados e tristes de assistir tanta violência e nenhuma solução.
Nós Ka’apor estamos organizados para ajudar na ação de proteção de nosso território, uma vez que temos nossos Ka’a Usak Há Ta (Guardas Florestais), porém nossa capacidade de ação é limitada, frente à atribuição dos órgãos supracitados. Por isso, cobramos mais uma vez atitudes concretas das autoridades responsáveis por fiscalizar nossa Terra.

Reiteramos nossa profunda tristeza e lamento pela morte de mais um parente, mais um indígena assassinado no maranhão. Nossa expectativa e anseio é que desta vez esta situação seja encarada de forma diferente, levando mais a sério as vidas indígenas. A devida resposta que esperamos é o ou os assassinos sejam presos e levados à justiça. E que nenhuma gosta à mais de sangue indígena seja derramada em Nossa terra (Brasil).

Cacique Geral: Iracadju Ka’apor
Presidente da Associação Ka’apor Ta Hury

“Todos falam que devemos ficar na aldeia para se proteger, mas não fazem nada”

“Todos falam que devemos ficar na aldeia para se proteger, mas não fazem nada”

NOTA DE REPÚDIO DO POVO XIKRIN DA TERRA INDÍGENA TRINCHEIRA BACAJÁ

O povo Xikrin da Terra Indígena Trincheira Bacajá, vem manifestar publicamente sua indignação e seu repúdio de como estamos sendo tratados diante da Pandemia do Corona Vírus 19.

Desde 17 de março de 2020 a Funai estabeleceu a Portaria 419 que proíbe a entrada em Terra indígena para proteger nós indígenas do vírus. Porém não apresentou nenhum direcionamento para a Norte Energia, empresa responsável pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte, para não parar as atividades do PBA-CI.

A executora do PBA-CI fala que está fazendo o que está autorizado pela Norte Energia por causa da Pandemia e da Portaria da Funai. Enviamos vários ofícios e mensagens para a Norte Energia que responde que está seguindo as orientações da FUNAI e que está aberta ao diálogo e conversando com a Funai. A Funai responde que está conversando com a Norte Energia. E quem conversa com os índios? A Funai que deveria nos defender e proteger está ajudando a Norte Energia a não cumprir as obrigações por causa dos impactos da construção da usina de Belo Monte.

A Norte Energia se aproveita da situação e ao invés de melhorar o serviço, piora ainda mais e parou tudo em nome da Funai. Nós indígenas somos sempre os prejudicados! A Usina de Belo Monte não parou de funcionar e a Norte Energia contínua ganhado o dinheiro com a geração de energia, mas o PBA-CI pode parar com a autorização do órgão que devia nos proteger e ficar do nosso lado? A Funai está ajudando a Norte Energia e não os índios.

As atividades do PBA-CI contratadas para a Terra Indígena Trincheira Bacajá foi com muita luta do povo, pois se dependesse na Norte Energia estava tudo parado há muito tempo até a revisão do PBA-CI que nunca avança. Todas as atividades foram definidas por nós com base nosso Plano de Vida e não podem ser paradas ou suspensas sem diálogo e participação do povo Xikrin. Está na convenção 169 da OIT, é nosso direito ser consultado e decidir sobre nossa vida.

A Norte Energia nunca cumpre o que promete e há muito tempo vem atrasando e deixando de entregar as ferramentas da roça o que causa prejuízo na produção das famílias e aumenta ainda mais a situação de risco. Essa situação dos insumos e ferramentas do PAP já vem acontecendo mesmo antes da Pandemia e foi feito denúncia por nós a Funai e ao MPF e não foi tomada nenhuma providência. Com a situação da Pandemia se agravou, porque além das ferramentas e insumos para a produção que sempre atrasam e são insuficientes, estamos sem acompanhamento técnico e sem apoio do Programa de Atividades Produtivas porque a Funai proibiu a execução nas aldeias. Além disso, a Norte Energia nem contratou ainda a empresa que vai fazer os estudos de viabilidade que já deviam ter começado, para autorizar produções definidas pelas aldeias. Ou seja, tudo já estava atrasado mesmo antes da Pandemia e agora com a autorização da Funai para parar tudo, vai ficar pior ainda mais para os índios. A Norte Energia sempre mentiu e nada acontece e agora está mentindo com a ajuda da Funai.

Todos falam que devemos ficar na aldeia para se proteger, mas não fazem nada. Já tem mais de 4 meses que está tudo parado e nenhuma proposta, planejamento ou conversar foi feita com os índios para encontrar um jeito de amenizar os impactos da pandemia. Estamos presos na aldeia e em situação de risco maior do que se estivéssemos saindo, porque se não morrermos pelo vírus, vamos morrer de fome e de tristeza diante dessa situação de abandono e de descaso de todos com o apoio da Funai. Não vamos aceitar ser tratado desse jeito, jogado na aldeia, vivendo de esmola de cesta básica que não dá nem para alimentar por uma semana ! Vamos lutar pelos nossos direitos! Vamos descer para a cidade e brigar e se ficar doente, vamos morrer lutando e a culpa vai ser da Funai e da Norte Energia!

Kroire Xikrin
Presidente
Associação Bebô Xikrin do Bacajá

Nota de repúdio contra o racismo e a censura à coordenadora da COIAB Nara Baré

Nota de repúdio contra o racismo e a censura à coordenadora da COIAB Nara Baré

NOTA DE REPÚDIO

Governo Brasileiro veta participação da coordenadora da COIAB Nara Baré em reunião da OEA sobre povos indígenas e Covid-19

O Embaixador do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA), Fernando Simas Magalhães, cancelou a indicação da liderança Nara Baré, coordenadora executiva da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), para falar durante a reunião do seu Conselho Permanente, no contexto da 3ª Semana Interamericana de Povos Indígenas, e da Comemoração do Dia Internacional dos Povos Indígenas, neste domingo (9 de agosto).

A sessão ordinária do Conselho Permanente aconteceu nesta sexta-feira (7) de forma virtual devido à pandemia, com o tema “COVID-19 e Resiliência dos Povos Indígenas”. As reuniões do Conselho têm entre seus objetivos proporcionar que os Estados membros da OEA escutem as declarações de líderes indígenas da região.

Como oradora convidada, seu papel seria o de informar ao Conselho Permanente, e outros convidados da sessão, sobre os impactos da Covid-19 entre os povos indígenas, e como as organizações e comunidades estão combatendo o vírus por sua iniciativa própria. Jaime Vargas, presidente da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) também teve sua participação vetada.

O Conselho Permanente da OEA é composto de um representante de cada Estado membro e se reúne regularmente em Washington (EUA). Executa as decisões da Assembleia Geral, exercendo importantes funções políticas em conformidade com a Carta Democrática Interamericana, e servindo como um fórum político de discussão.

Nas suas redes sociais, o Secretário-Geral da OEA, Luís Almagro Lemes, afirmou que a “Covid19 exacerbou a vulnerabilidade dos mais necessitados. Hoje, quando começamos a 3ª Semana dos Povos Indígenas, devemos reconhecer a frágil condição em que estão os povos indígenas e convocar a todos a levarem em consideração suas necessidades no mundo pós-coronavírus”.

“A postura da OEA e de seus membros, principalmente o Brasil, não condiz com o discurso do secretário geral da OEA, onde afirma que quer nos escutar e fazer algo pelos povos indígenas, mas impede uma liderança amazônica de se pronunciar perante os membros da organização”, afirma Kleber Karipuna, liderança da COIAB.

A OEA é o mais antigo organismo regional do mundo, fundada em 1948, e originada na União Internacional das Repúblicas Americana (1889-1990), com o objetivo de promover relações pacíficas nas Américas.

A COIAB repudia veementemente o cancelamento da participação da nossa liderança neste importante espaço de debate e denúncia internacional dos direitos humanos, pois acredita que se trata de mais um ato de discriminação e censura aos povos indígenas. É inadmissível e vergonhoso que o Governo Brasileiro, com respaldo da OEA, silencie as vozes indígenas na tentativa de esconder suas ações e políticas de desmantelamento dos direitos indígenas, e da sua ineficiência no enfretamento da pandemia da Covid-19.

Manaus/AM, 07 de agosto de 2020

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)

Pare o desmatamento ilegal agora!

Pare o desmatamento ilegal agora!

Desde que o presidente Jair Bolsonaro tomou posse, o desmatamento na Amazônia tem aumentado intensamente. Em uma ação conjunta, a organização indígena brasileira APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e a Associação para os Povos Ameaçados (APA), além de outros parceiros, estão apelando para o governo brasileiro. Porque a proibição da agricultura de corte e queima a curto prazo não vai resolver o problema da destruição a longo prazo, agora são necessárias medidas a longo prazo para proteger a Amazônia e os direitos dos povos indígenas – esta é a demanda.

Para levar esta preocupação ao público, APIB, APA e seus parceiros estão agora lançando uma campanha nas redes sociais como a seguir:

– Pessoas do mundo inteiro são chamadas a postar (em modo público) suas fotos com uma árvore nas mídias sociais sob a hashtag #HandsOffTheAmazon.

– Nosso apelo será entregue à embaixada/governo brasileiro após algumas semanas (aproximadamente em meados de agosto) com as fotos coletadas.

– O início da ação, bem como a entrega, será acompanhado por um trabalho de mídia da APA.

– As organizações de apoio são cordialmente convidadas a entregar as demandas à Embaixada do Brasil em Berna (mas sem demonstração). Nós vamos mantê-los informados.

– Os parceiros em outros países são convidados a entregar as demandas às embaixadas em seus países.

As exigências ao Governo brasileiro:
– O governo brasileiro deve estabelecer medidas concretas para o combate ao desmatamento ilegal na Amazônia a longo prazo e para a proteção dos direitos das comunidades indígenas.

– As terras indígenas devem ser protegidas por meio de demarcação, conforme estabelece a Constituição Brasileira.

– As autoridades ambientais brasileiras devem ser fortalecidas.

– A origem de produtos como carne bovina, soja, madeira e minerais deve ser rastreável para garantir que eles não venham de áreas desmatadas ilegalmente.

Com esta ação, também pedimos à comunidade internacional que exerça pressão política e econômica sobre o Brasil para deter a destruição ambiental em massa e as violações dos direitos das comunidades indígenas. A atual extensão da destruição da Amazônia mostra mais uma vez que um acordo de livre comércio com o Brasil só é sustentável se os direitos indígenas e a proteção do meio ambiente forem ancorados no capítulo da sustentabilidade de forma concreta e com condições rigorosas.

Como as outras organizações podem apoiar a nossa ação?

Pedimos a organizações amigas que apoiem a nossa ação – muito obrigado já agora! É assim que funciona:
• A nossa campanha está nas redes sociais: Facebook, Instagram, LinkedIn, Twitter.
• Por favor, inicie também uma chamada nos seus canais, para que o maior número possível de pessoas se junte à ação (exemplos de textos abaixo)
• O povo deve apoiar com seu Post/Tweet nosso apelo de que o governo brasileiro deve assumir um compromisso duradouro com a proteção da Amazônia e dos direitos dos povs indígenas.
• Eles tiram fotos de si mesmos ou em grupo com uma árvore – fotos sem pessoas também são possíveis e chamam o governo brasileiro para proteger a Amazônia (veja o texto de exemplo abaixo).
• Importante: As fotos são coletadas sob a hashtag #HandsOffTheAmazon Marque todos os postes e tweets, etc. assim! E, por favor, poste em modo público, não em modo privado!
• Tudo isto é para ser levantado como um “desafio”: Por favor, identifiquem-se generosamente um ao outro.
• Você pode encontrar fotos e vídeos para as postagens na caixa de dropbox (em português)
• A lista completa de reivindicações está disponível em inglês e português.
• Aqui, como exemplo, a nossa própria chamada no Facebook: alemão, francês

Vitória da APIB e dos povos indígenas no STF

Vitória da APIB e dos povos indígenas no STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, em votação unanime dos nove ministros, que o Governo Federal adote medidas de proteção aos povos indígenas durante a pandemia do novo coronavírus. A decisão atendeu à ação movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e, entre outras coisas, obriga o a elaboração e cumprimento de um plano de enfrentamento da Covid-19.

O julgamento, que começou na ultima segunda-feira (3), mas foi adiado para ser concluído no dia de hoje (5) confirmou de forma integral a liminar do ministro relator da ação, Luís Roberto Barro, que no início de julho decidiu pela obrigação do governo Bolsonaro na adoção de medidas de proteção aos povos indígenas.

Apesar da decisão favorável, os ministros deixaram de fora da decisão a retirada dos invasores que estão em 7 Terras Indígenas (TI). Apenas o ministro Edson Fachin votou pela saída imediata dos invasores das TIs Yanomami nos estados do Amazonas e Roraima, das TIs Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia, do território Araribóia (MA) e nas TIs Munduruku, Trincheira Bacajá e Kayapó no Pará.

De acordo com o advogado da APIB, Luiz Eloy Terena, amanhã a APIB já tem uma reunião marcada com o governo federal, onde os representantes da união devem apresentar um plano de enfrentamento no que tange aos povos indígenas em geral.

Veja quais são as medidas que o governo Bolsonaro está obrigado a adotar:

– Instalação de grupo de trabalho, com participação de representantes do governo e dos indígenas, para acompanhar o andamento das ações gerais de combate à pandemia

– Instalação de sala de situação para a gestão de ações para os povos indígenas em isolamento e de recente contato

– Criação de barreiras sanitárias em terras de povos isolados
Em 30 dias a partir da notificação da decisão, o governo deve elaborar um Plano de Enfrentamento da Covid-19

– Garantir que indígenas em aldeias tenham acesso ao Subsistema Indígena de Saúde, independente da fase de demarcação da TI

– Indígenas não aldeados (urbanos) também devem acessar o subsistema de Saúde Indígena caso não haja oferta no SUS

Assista na integra a defesa feita pelo advogado da APIB Luiz Eloy Terena durante a primeira etapa do julgamento, dia (3).

Emergência indígena: Apib realiza evento para alertar sobre genocídio indígena

Emergência indígena: Apib realiza evento para alertar sobre genocídio indígena

Maria Bethânia, Criolo, Ai Weiwei, Caetano Veloso, Camila Pitanga, Philip Glass, Chico Buarque e centenas de personalidades se juntam com Cacique Raoni, Sonia Guajajara, Nara Baré, Joenia Wapichana, Kretã Kaingang, Davi Kopenawa, Dinamam Tuxá e milhares de lideranças indígenas para soarem o “Maracá” e salvarem vidas indígenas durante a pandemia da Covid-19.

Com objetivo de estimular a solidariedade nacional e internacional em atenção às consequências da disseminação da Covid-19 entre povos indígenas brasileiros, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) promove no domingo (9) a live “Maracá – Emergência Indígena”. O evento acontece no dia internacional dos povos indígenas e integra os esforços coletivos de enfrentamento da pandemia.

O maracá é um símbolo marcante dos povos indígenas e está presente em rituais, sejam de luta, sejam de celebração. “Fazemos ressoar nossos maracás para que as vidas indígenas impactadas pela pandemia sejam lembradas e para chamar atenção da sociedade sobre o que está acontecendo conosco”, comenta Sônia Guajajara, coordenadora da Apib. A live Maracá será dividida em blocos com a participação de personalidades e artistas indígenas e nao indígena.

Liderada pela Apib, a produção é coletiva e conta com colaborações especiais da diretora Bia Lessa, da liderança Célia Xakriabá, da cantora e compositora Maria Gadú, da artista plástica Laura Lima e da galerista, ativista do 342 Amazônia, Mari Stockler e do designer Pedro Inoue. O roteiro traz textos elaborados a partir de vídeos de discursos de lideranças indígenas brasileiras como Cacique Raoni, Sonia Guajajara, Kretã Kaingang, Marcos Xukuru, Shirley Krenak, entre outros e serão lidos por artistas e personalidades nacionais e internacionais, além de indígenas de todo o país. A produção conta ainda com a parceria da Mídia Ninja e da Mídia Índia.

Dados do Memorial pela Vida e Memória Indígena apontam, até 30 de julho, 20.809 infectados e 599 óbitos em decorrência do novo coronavírus. Já são 143 povos impactados em todo País, incluindo os Warao que são originalmente da Venezuela, mas encontram-se refugiados em diferentes estados brasileiros. “Estamos politicamente e espiritualmente preparados para seguir avançando no combate, buscando órgãos de controle para garantir a integridade física, cultural, territorial dos povos indígenas”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador da Apib.

Adriana Varejão, Angela Kaxuyana, Bruno Gagliasso, Cacique Babau, Dira Paes Alessandra Munduruku, Eduardo Sterblitch, Kerexu Guarani, Xênia França, Francisco Ashaninka, Martnália, Shirley Krenak, Lenine, Paulo Tupiniquim, Vik Muniz, Watakakalu Kalapalo, Marcelo Adnet, Puyr Tembé, Ícaro Silva e Telma Taurepang são algumas das centenas de personalidades indígenas e não indígenas que irão compor o Maracá.

Diante da negligência do governo brasileiro em garantir a proteção dos povos indígenas em meio à pandemia, a Apib, em conjunto com suas organizações de base, médicos e pesquisadores, elaborou o plano de enfrentamento Emergência Indígena, lançado no final de junho, com orientações sobre cuidado médico integral e diferenciado, ações judiciais de incidência política e estratégias de comunicação e informação sobre medidas de prevenção.

O evento “Maracá – Emergência Indígena” faz parte da mobilização prevista no plano para arrecadar recursos que possam financiar as ações nos territórios tradicionais. “Nosso objetivo é arrecadar recursos para o plano da APIB de enfrentamento da Covid-19 que visa, entre outros temas, financiar centenas de ações juntos às organizações indígenas e não indígenas que estão atuando nos diversos territórios afetados pela pandemia.”, comenta Sônia Guajajara, coordenadora da Apib.

“Essa ação é a voz dos povos indígenas no STF”

“Essa ação é a voz dos povos indígenas no STF”

O Supremo Tribunal Federal suspendeu para próxima quarta-feira (5), o julgamento da liminar que obriga o governo a implementar um plano emergencial de proteção aos povos indígenas durante a pandemia da Covid-19.

“Essa ação é a voz dos povos indígenas na Corte (do STF) e é uma ação histórica porque pela primeira vez os indígenas vem ao judiciário em nome próprio.”, reforça o advogado da APIB Luiz Eloy Terena (@luizeloyterena) durante a primeira parte do julgamento.

Confira na íntegra a defesa da APIB aos povos indígenas no STF feita na tarde de hoje (3):

Sustentação Oral ADPF 709

Dr. Luiz Eloy Terena – advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)

Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente Dias Toffoli
Excelentíssimo Senhor Ministro relator Luís Roberto Barroso
Senhores Ministros
Senhoras Ministras
Ilustre representante do Ministério Público

Inicialmente quero consignar a minha enorme satisfação, na qualidade de advogado indígena do povo Terena, de estar representando nesta ação a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), esta importantíssima organização que vem fazendo a defesa incansável dos povos indígenas, e que, mesmo num contexto político tão adverso, possui lideranças indígenas que têm feito uma resistência qualificada em prol da vida.

Quero saudar o eminente ministro e professor Luís Roberto Barroso por receber a petição da APIB, e proporcionar no âmbito da mais alta corte do país o diálogo intercultural.

Esta ADPF é a voz dos povos indígenas nesta Corte.
É o grito de socorro dos povos indígenas.

Esta iniciativa é uma ação histórica. Porque pela primeira vez, no âmbito da jurisdição constitucional, os povos indígenas vêm ao judiciário, em nome próprio, por meio de advogados próprios, defendendo interesse próprio. Pois durante muitos séculos esta qualidade de sujeito ativo de direito nos foi negada. Ainda no período colonial, pairava-se a dúvida se os índios eram seres humanos, se tinham almas. Foi preciso uma bula Papal reconhecendo esta qualidade de que os índios tinham almas e, portanto, eram passíveis de evangelização.

Depois instrumentalizou-se a tutela legal, na qual os índios não podiam falar por si mesmos. Sempre tinham que pedir licença para os puxarará, termo da língua terena utilizado para se referir aos brancos.

Foi somente com a Constituição de 1988 que os índios, suas comunidades e organizações tiveram reconhecido o direito de estarem em juízo defendendo seus interesses. Seguindo este preceito, a Constituição rompeu com a perspectiva integracionista que antes orientava a política indigenista do Estado brasileiro e determinou respeito às formas organizacionais, línguas, crenças, costumes e tradição dos povos originários, estabelecendo o Estado pluriétnico. A nossa Carta Magna irá completar 32 anos, e, passados todos esses anos, aqui estão os povos indígenas batendo à porta do judiciário.

É porque o momento requer!

Não há espaço para protelar o debate sobre o direito fundamental dos povos indígenas. Para se proteger a vida indígena, faz-se necessário proteger os seus territórios.

Para o fortalecimento da democracia, é preciso entender que proteger os povos indígenas é compromisso do Estado brasileiro e não pode ser mitigado em hipótese alguma.

Esse vírus que assola o mundo chegou em nossas aldeias. A história se repete, pois, no período da ditadura, a disseminação de vírus por meio de distribuição de roupas foi utilizada como forma de extermínio dos indígenas, conforme o relatório da Comissão Nacional da Verdade.

Essa pandemia está escancarando vários problemas sociais que assolam as comunidades indígenas. Desde a precariedade do subsistema de atenção à saúde indígena, passando pela negativa de atendimento aos indígenas que se encontram nas terras ainda não homologadas, até a importância de se respeitar a biodiversidade presente em nossos territórios. Além de olhar para o importante papel que os territórios indígenas desempenham no equilíbrio da vida humana, incluindo-se nisto o equilíbrio sanitário.

O Brasil possui atualmente, 305 povos, falantes de 274 línguas e mais o registro de 114 povos isolados e de recente contato. Neste contexto de pandemia, nossas lideranças estão morrendo. Nossos anciões são nossos troncos vivos. São os guardiões da nossa cultura e dos nossos saberes.

Mesmo neste contexto de pandemia, nossas comunidades não tiveram paz. Pois a todo o momento, além de lutar pela vida, redobraram-se lutando contra os interesses políticos e econômicos que recaem sobre as terras indígenas. O número de desmatamento e invasões aumentou sobremaneira. Estes fatos, públicos e notórios, constituem crimes, mas neste momento são também os vetores diretos para a disseminação do vírus nas terras indígenas.

Cito aqui o escândalo mundial referente à TI Yanomami, que já tem até decisão da Comissão Interamericana para os invasores sejam retirados. Segundo os dados da Associação Hutukara, são aproximadamente 20 mil garimpeiros dentro da TI.

Há pouco mais de um mês, a Covid-19 vitimou nosso líder Paulino Paiakan. Liderança indígena que fez nascer a Constituição, participou ativamente da construção da Carta Magna, que outorgou-lhe a proteção integral.

Hoje, segundo os dados do Comitê da Vida e Memória Indígena da APIB, são 623 indígenas mortos; 21.646 infectados e 146 povos atingidos. Chamando atenção para os estados do Amazonas, Pará, Mato Grosso, Roraima e Maranhão.

Posto isto a APIB pugna pelo reconhecimento de sua legitimidade, na qualidade de entidade de representação de âmbito nacional dos povos indígenas. Não obstante a APIB não estar constituída nos moldes do direito civilista, temos que sua personalidade jurídica irradia da própria Constituição.

Senhores Ministros e Senhoras Ministras, não é exagero alertar esta corte que temos sim um sério risco de genocídio. Temos povos isolados que, se forem contaminados, corre-se o risco de ser o grupo inteiro exterminado. No caso dos indígenas, o genocídio vem seguido do etnocídio, porque além do extermínio da vida, tem-se também o extermínio das culturas que jamais serão recuperadas.

Diante do exposto, espera a APIB que este egrégio Plenário referende a medida cautelar concedida pelo Min. Luís Roberto Barroso.

Em relação à presença de invasores em terras indígenas, reitera-se que seja determinado à União Federal que tome imediatamente todas as medidas necessárias para a imediata retirada dos invasores nas Terras Indígenas Yanomami, Karipuna, Uru-EuWau-Wau, Kayapó, Araribóia, Munduruku e Trincheira Bacajá, valendo-se para tanto de todos os meios necessários, inclusive, se for o caso, do auxílio das Forças Armadas, indo além, neste ponto, em relação à medida cautelar sob referendo.

Por fim, encerro esta sustentação parafraseando o nosso líder Davi Kopenawa, em seu livro “A queda do céu”, quando diz: “Eu gostaria de ter dito aos brancos, já na época da estrada: ‘Não voltem à nossa floresta! Suas epidemias xawara já devoraram aqui o suficiente de nossos pais e avós! Não queremos sentir tamanha tristeza de novo! Abram os caminhos para seus caminhões longe da nossa terra!’

Muito obrigado!

O direito à vida é originário e transcende ao tempo

O direito à vida é originário e transcende ao tempo

Por Sonia Guajajara, Angela Kaxuyana e Beto Marubo, publicado em O Globo

No dia 3 de agosto o Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolou contra o governo federal. Estamos à mercê do novo coronavírus e o texto pode ser resumido em uma frase: não nos deixem morrer. É bem provável que boa parte da nobreza europeia do século XVI não soubesse que além do pau-brasil, o sangue indígena também tingia de vermelho suas roupas; acreditamos que hoje muita gente igualmente não saiba o que se passa longe de seus olhos. Mesmo que a voz dos povos tradicionais tenha ganhado volume nos últimos anos e conquistado todos os corações e mentes que vem alcançando – simplesmente porque nossa causa é justa – ainda é necessário reafirmar que se trata, literalmente, de uma questão de vida ou morte. E não somente de indivíduos, mas de povos inteiros, com culturas próprias, únicas, também.

Sentimo-nos atados a uma bomba-relógio. O ministro Luís Roberto Barroso acatou e se tornou relator de nossa APDF em 8 de julho, quando também determinou que o Executivo tomasse imediatamente cinco medidas para nos proteger. Naquele dia, o relatório “Covid-19 e Povos Indígenas”, da Apib, registrava 455 mortos e 12.777 infectados; em 29 de julho, os números já haviam pulado para 592 e 20.444. Entre esses 21 dias tivemos apenas duas reuniões com representantes do Executivo – e o fato de Barroso ter designado um observador externo para acompanhar a segunda diz muito sobre o que aconteceu na primeira –, nenhuma medida concreta foi tomada, 137 de nós morreram, 7.667 caíram doentes e hoje há 143 povos atingidos, mais da metade do total.

Nossa maior preocupação, no momento, são os grupos isolados. As estatísticas vêm mostrando que nós, indígenas, somos mais vulneráveis ao novo coronavírus; mas por não terem memória imunológica para resistir sequer a uma simples gripe, esses povoss podem ser exterminados caso a doença se espalhe por suas aldeias. Temos feito a nossa parte, cumprindo as regras do distanciamento social – que conhecemos tão bem, pois enfrentamos epidemias estrangeiras há mais de 500 anos. Mas invasores continuam tomando nossas terras, levando a pandemia até elas.

Barroso deu um prazo de dez dias para que fosse elaborado um plano para instalação de barreiras sanitárias em terras indígenas; passados dez dias depois de este prazo se esgotar, foi registrado o primeiro caso de Covid-19 em um indígena Kanamari. Ele mora numa aldeia na Terra Indígena Vale do Javari, que fica a apenas 15 quilômetros de onde vive um grupo não contatado. Este território concentra o maior número de povos isolados do mundo. Passados quatro meses desde que os primeiros indígenas foram infectados na Amazônia, o governo não apresentou nenhum plano objetivo dirigido à região e a esses grupos especialmente indefesos. Nós, indígenas, conquistamos os direitos à cidadania plena e às nossas terras ancestrais somente com a promulgação da Constituição 1988. Já o direito à vida é originário em todo ser humano e transcende o tempo.

Vidas Indígenas: para muito além das estatísticas

Vidas Indígenas: para muito além das estatísticas

Artigo de Nara Baré e Danicley Aguiar, publicado originalmente no portal UOL

Entre os mais de 90 mil brasileiros mortos, a Covid-19 já levou mais de 612 vidas indígenas, infectou por volta de 21.200 e atingiu cerca de 145 povos. Tal como no Brasil não indígena, o que está acontecendo no Brasil indígena é e deve ser reconhecido como um negacionismo ideológico, contaminado pelo viés ditatorial do colonizador, que de forma irresponsável coloca em risco a vida de milhares de indígenas, e reaviva os muitos momentos de genocídio impostos aos povos originários ao longo da história brasileira.

Precisamos ir além dos números frios da estatística, haja vista que, muito mais do que números, os povos indígenas atingidos pela Covid-19 estão enterrando seu passado, presente e futuro. Para além do luto imposto às famílias, as perdas indígenas geram um conjunto de consequências para a organização social dos povos e para o conjunto das relações deles com seus territórios e os demais segmentos da sociedade brasileira.

Para os Munduruku, um dos povos mais pressionados da bacia amazônica, a perda dos caciques Martinho Borõ e Vicente Saw, por exemplo, colocou em risco não só a história, mas também o presente e o futuro desta população. Como líderes da luta indígena que culminou na demarcação do território munduruku, em 2001, esses dois caciques – junto a outros idosos que também faleceram – guardavam, além de conhecimentos ancestrais, a memória de uma geração. Era deles que os mais jovens recebiam informação e inspiração para o enfrentamento das ameaças que hoje colocam em risco a sobrevivência física e cultural dos Munduruku, como o garimpo ilegal e grandes empreendimentos representados pelo complexo hidrelétrico que se quer construir no rio Tapajós.

É fundamental que o Brasil não indígena perceba que também sofrerá com as perdas desses povos, seja por toda a influência da cultura indígena na formação da cultura nacional, seja pela relevante contribuição que o modo de vida dessas populações oferece à manutenção do equilíbrio ambiental do país. Afinal, em todos os biomas, e em especial na Amazônia, as terras indígenas são palco da mais genuína resistência à destruição do meio ambiente, o que os posiciona como verdadeiros guardiões das florestas. Na concepção indígena não há separação. Eles são a floresta. Não à toa, na Amazônia, o desmatamento nas terras indígenas é 11 vezes menor do que nas áreas privadas, e segue assim, mesmo quando comparado à unidades de conservação criadas para a proteger porções relevantes da biodiversidade amazônica.

Além de sórdida, a tentativa de minimizar as mortes no Brasil indígena reforça o contexto permanente de violações dos direitos indígenas no Brasil, cristalizado pelo racismo institucional que contaminou a política indigenista do atual governo e aprofundou o esvaziamento e sucateamento da FUNAI, colocando-a na contramão de sua missão maior, que é a defesa e a promoção dos direitos indígenas. De janeiro a junho de 2020, consumiu nada menos que 7.000 hectares de floresta, não sendo interrompido nem mesmo pela declaração de pandemia global, o que reforça as denúncias de que há um processo organizado de invasão das terras indígenas na Amazônia e de destruição destes povos.

Em meio a todo o descaso a que estão relegados, o fato é que os povos indígenas são protagonistas de sua história. Eles decidiram viver e não aceitarão passivamente a morte encomendada pela incompetência do governo de plantão. Resilientes como sempre, se articularam para dentro e para fora do Estado brasileiro, constituindo uma grande rede de solidariedade em favor da vida, mostrando ao mundo por qual motivo resistem a 520 anos de massacres.

Até o momento, sob a liderança do movimento indígena, na Amazônia, já foram instaladas mais que uma centena de Unidades de Atendimento Primário Indígena (Uapi), à revelia da falta de apoio financeiro por parte do Estado brasileiro; que foi incapaz de viabilizar recursos para ampliar o que já vem sendo realizado pela sociedade civil organizada.

Superar as agruras impostas pela pandemia e pela omissão daqueles que insistem em negar a realidade deve ser a nossa tarefa diária, tendo no horizonte a esperança de que possamos construir um Brasil mais solidário e justo, onde o direito à vida seja de fato um direito fundamental.