A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil manifesta total solidariedade à Ministra de Estado do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, que foi alvo de violência política de gênero durante a sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado.
Ela foi convidada para a reunião para prestar informações sobre a criação de uma unidade de conservação marinha, porém foi desrespeitada em diversos momentos e teve o direito de fala cortado pelo Senador do PL de Rondônia, Marcos Rogério.
A ministra insistiu na fala, afirmando que não é uma “mulher submissa”, e o senador retrucou: “me respeite, ministra, se ponha no seu lugar”, gerando a reação dos demais presentes. Marina continuou posicionando o trabalho do ministério. “Ao defender o meio ambiente eu estou defendendo os interesses estratégicos do Brasil”, declarou.
Então, o senador Plínio Valério (PSDB-AM), continuou os ataques dizendo que a ministra não merecia respeito. “Olhando para a senhora, estou falando com a ministra, e não com uma mulher”, afirmou. “Eu sou as duas coisas”, retrucou Marina. “A mulher merece respeito, a ministra, não”, concluiu ele. Há dois meses, o mesmo representante da direita disse que gostaria de enforcar Marina. Marina Silva se retirou e, em seguida, a sessão foi encerrada.
O ataque acontece uma semana após a casa aprovar a lei de desmanche do licenciamento ambiental. O chamado PL da Devastação (2159/2021) que tramita agora na Câmara de Deputados. Autoridades classificaram o tratamento direcionado à Ministra como “absurdo” e “misógino”.
Repudiamos os atos desprezíveis e antidemocráticos dentro do Senado. Somamos nossa indignação aos demais representantes dos reais interesses do povo brasileiro.
Os ataques contra a ministra são mais que uma expressão do machismo e racismo enraizados nas instituições brasileiras, eles fazem parte do projeto dominante no poder legislativo, que promove o desmonte das leis e a destruição do meio ambiente em favor do lucro de poucos.
As Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos estão sob grave ameaça com a tramitação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 717/2024 que busca sustar a demarcação dessas áreas. Caso aprovado, o PDL representará um ataque frontal aos direitos territoriais dos povos indígenas garantidos pela Constituição Federal e consolidará um perigoso precedente de violação dos direitos originários.
Contexto do PDL
O PDL apresentado pelo Senador Esperidião Amin visa sustar o Art. 2º do Decreto nº 1775/1996, que rege o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, bem como os decretos que homologaram a demarcação das Terras Indígenas Toldo Imbu – Decreto nº 12.289/2024 – e Morro dos Cavalos – Decreto nº 12.290/2024 -, alegando que os procedimentos administrativos não observaram as novas regras impostas pela Lei nº 14.701/2023, que regula o art. 231 da Constituição Federal.
O projeto argumenta que o Decreto nº 1775/1996 e a demarcação dessas terras devem ser sustados por suposta falta de participação de estados, municípios e terceiros interessados, desconsiderando que tais terras foram reconhecidas por meio de amplos estudos técnicos, além de consultas às comunidades indígenas e populações afetadas.
Ademais, insta salientar que, durante os dias 26 de março e 02 de abril de 2025, o Supremo Tribunal Federal encaminhará a finalização da Câmara de Conciliação sobre Direitos dos Povos Indígenas e de Particulares. Em seu bojo, foram realizadas discussões sobre aprimoramentos na participação de entes federados e particulares no procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas. No âmbito dos consensos obtidos, a proposta apresentada pelo Ministro Gilmar Mendes, especialmente no artigo 89, que trata da Revisão e Reanálise de Procedimentos Administrativos Demarcatórios, aponta que os procedimentos administrativos que já contam com portaria declaratória publicada pelo Ministério da Justiça e decreto de homologação expedido pela Presidência da República permanecerão resguardadas e não terão que ser readequados ao que rege a nova legislação, a fim de resguardar a segurança jurídica.
A Situação Jurídica das Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos no STF
A demarcação da Terra Indígena Toldo Imbu está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), no Recurso Extraordinário 971228. Recentemente, o Ministro André Mendonça suspendeu os efeitos da demarcação até o julgamento final do caso, baseando-se no Tema 1031, que trata do marco temporal. Contudo, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Procuradoria-Geral da República demonstraram que a decisão monocrática foi equivocada, pois a suspensão do julgamento do marco temporal não impede a continuidade de processos administrativos de demarcação. Além disso, há provas concretas do esbulho renitente, ou seja, da expulsão forçada dos Kaingang de suas terras, invalidando a tese do marco temporal em relação a essa TI.
A decisão liminar concedida monocraticamente pelo Ministro André Mendonça, para suspender o ato administrativo de homologação da TI Toldo Imbu, contudo, está em processo de referendo da liminar pelo Plenário virtual do STF. Contudo, insta salientar que o Ministro Gilmar Mendes solicitou vistas do feito, postergando o referendo em 90 (noventa) dias e que o Ministro Edson Fachin já apresentou seu voto em que aduz que o STF suspendeu os processos judiciais sobre a constitucionalidade da Lei 14.701/2023 em instâncias inferiores, não tendo de forma alguma encaminhado a suspensão de processos administrativos de demarcação em curso.
O Mandado de Segurança (MS) 40.107, por sua vez, questiona a homologação da Terra Indígena Morro dos Cavalos pelo Presidente da República, argumentando que o ato desconsiderou os critérios estabelecidos pela Lei 14.701/2023. A fundamentação do MS baseia-se na alegação de que a terra não era ocupada por indígenas na data do marco temporal (5 de outubro de 1988), tampouco estava sob renitente esbulho. Os impetrantes sustentam que possuem título formal de propriedade, registrado antes da Portaria de Declaração da terra indígena, e que a Lei 14.701/2023 exige que esses critérios sejam observados para garantir a legalidade da demarcação.
Sob a ótica da defesa dos direitos indígenas, a crítica ao MS se fundamenta na inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023, que busca restringir o direito originário dos povos indígenas às suas terras tradicionais, contrariando o artigo 231 da Constituição Federal. A exigência do marco temporal ignora a violência histórica que forçou a remoção de diversas comunidades indígenas de seus territórios e pode inviabilizar processos de demarcação legítimos. O argumento dos impetrantes reforça a noção de propriedade privada em detrimento do direito indígena, desconsiderando a relação ancestral dos povos indígenas com a terra. Assim, a fundamentação do MS ameaça o reconhecimento e a proteção dos territórios indígenas, perpetuando injustiças históricas e colocando em risco a sobrevivência cultural e física desses povos
Da Irretroatividade da Lei nº 14.701/2023
No tocante ao tema da retroatividade da Lei nº 14.701/2023 aos atos administrativos produzidos em processos administrativos findos ou em curso, há de se considerar que a Constituição Federal, em seu Art. 5º, inciso XXXVI, prevê que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, o que no entendimento da APIB respalda a atuação da União em dar seguimento a publicação de Portarias Declaratórias e Decretos de Homologação de Terras Indígenas nos quais o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação, elaborado pelo grupo técnico da Funai, já tenha sido exposto ao contraditório, com abertura de prazo para contestações, e tenha sido objeto de decisão administrativa do Ministério da Justiça.
Em mesmo sentido do dispositivo constitucional mencionado, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), em seu Art. 6º, prevê expressamente que “lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitando o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.
O disposto na CF e na LINDB prima pela segurança jurídica. De partida, o direito dos povos indígenas às terras tradicionalmente ocupadas, inscrito no Art. 231 da Constituição Federal, foi reconhecido juridicamente como anterior ao próprio Estado. De tal forma que o direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais é mais do que um direito adquirido, haja vista ser um direito originário, e o processo administrativo de demarcação se reveste de natureza meramente declaratória. O que restou expresso no Item 01 do Tema 1031:
I – A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena;
Nos termos do Decreto nº 1.775/1996, que já teve sua constitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, aprovação e posterior publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação constitui ato jurídico perfeito. Tendo em vista que faculta a participação dos Estados, Municípios e dos interessados e estipula prazo para sua impugnação, possibilitando o contraditório e a ampla defesa, bem como é elaborado por antropólogo de qualificação reconhecida, senão vejamos:
Art. 2° A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida, que elaborará, em prazo fixado na portaria de nomeação baixada pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, estudo antropológico de identificação.
§ 1° O órgão federal de assistência ao índio designará grupo técnico especializado, composto preferencialmente por servidores do próprio quadro funcional, coordenado por antropólogo, com a finalidade de realizar estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação.
§ 2º O levantamento fundiário de que trata o parágrafo anterior, será realizado, quando necessário, conjuntamente com o órgão federal ou estadual específico, cujos técnicos serão designados no prazo de vinte dias contados da data do recebimento da solicitação do órgão federal de assistência ao índio.
§ 3° O grupo indígena envolvido, representado segundo suas formas próprias, participará do procedimento em todas as suas fases.
§ 4° O grupo técnico solicitará, quando for o caso, a colaboração de membros da comunidade científica ou de outros órgãos públicos para embasar os estudos de que trata este artigo.
§ 5º No prazo de trinta dias contados da data da publicação do ato que constituir o grupo técnico, os órgãos públicos devem, no âmbito de suas competências, e às entidades civis é facultado, prestar-lhe informações sobre a área objeto da identificação.
§ 6° Concluídos os trabalhos de identificação e delimitação, o grupo técnico apresentará relatório circunstanciado ao órgão federal de assistência ao índio, caracterizando a terra indígena a ser demarcada.
§ 7° Aprovado o relatório pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, este fará publicar, no prazo de quinze dias contados da data que o receber, resumo do mesmo no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localizar a área sob demarcação, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área, devendo a publicação ser afixada na sede da Prefeitura Municipal da situação do imóvel.
§ 8° Desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação de que trata o parágrafo anterior, poderão os Estados e municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de que trata o parágrafo anterior.
Não é de se olvidar ainda que, em que pese não tenha ocorrido o julgamento dos embargos de declaração opostos em face do RE Xokleng (caso paradigma da repercussão geral), a decisão colegiada do Supremo Tribunal Federal no Tema 1031 fez coisa julgada material, pois estabeleceu as balizas do “estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena à luz das regras dispostas no artigo 231 do texto constitucional”.
Por fim, a aplicação retroativa da Lei nº 14.701/2023 aos procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas em curso iria na contramão dos princípios constitucionais da eficiência e da celeridade processual, que regem a administração pública, nos termos dispostos no Art. 5º, inciso LXXVIII e 37, caput, da CRFB/1988.
Por todo o exposto, esta Articulação dos Povos Indígenas do Brasil aduz que a retroatividade da Lei nº 14.701/2023 é inconstitucional, por afronta aos Arts. 5º, incisos incisos XXXVI, LXXVIII e Art. 37, caput pois lei nova não pode atingir direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, tampouco a Administração Pública poderia inobservar a eficiência e a celeridade processual de seus atos administrativos.
Os Riscos do PDL
Caso seja aprovado, o PDL trará uma série de conseqüências negativas, tais como:
1. Violência e Conflitos Fundiários: A suspensão das demarcações pode aumentar a violência no campo, favorecendo invasões ilegais e agravando os conflitos entre indígenas e setores do agronegócio.
2. Retrocesso Jurídico e Político: A sustação da demarcação das TIs Toldo Imbu e Morro dos Cavalos cria um precedente para a revisão de outras demarcações já consolidadas, ameaçando o direito dos povos indígenas em todo o Brasil.
3. Descumprimento da Constituição e Tratados Internacionais: O PDL afronta o artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece os direitos indígenas sobre suas terras tradicionais, e também desrespeita a Convenção 169 da OIT, que obriga consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas em decisões que os afetam.
4. Ameaça ao Meio Ambiente: As Terras Indígenas cumprem um papel fundamental na preservação ambiental. A revogação de suas demarcações pode levar ao desmatamento, degradação dos biomas e perda da biodiversidade.
Conclusão
A demarcação das Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos é resultado de um processo histórico e legalmente embasado. O PDL em questão representa uma afronta aos direitos indígenas, ao meio ambiente e à segurança jurídica. Por isso, é fundamental que o Congresso Nacional rejeite essa medida e garanta a proteção dos territórios tradicionais.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amazonas (APIAM) vêm a público manifestar seu repúdio às decisões judiciais recentemente proferidas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), no contexto do julgamento de recursos judiciais relacionados ao Projeto Potássio Autazes, que afeta diretamente o povo Mura de Autazes, no estado do Amazonas.
Trata-se de um megaempreendimento de mineração de silvinita, cuja Licença Prévia foi emitida pelo órgão ambiental estadual (IPAAM) em 2015, sem consulta à comunidade indígena Mura do Lago do Soares e sem a devida análise do componente indígena. Desde então, o povo Mura, por meio da OLIMCV e outras organizações, vem denunciando irregularidades no processo e reafirmando sua presença tradicional na região do Lago do Soares/Urucurituba, onde realizaram autodemarcação em 2018.
Em 2016, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou a Ação Civil Pública nº 0019192-92.2016.4.01.3200, obtendo decisão, em 2018, da 1ª Vara Federal do Amazonas, que suspendeu o licenciamento e reconheceu a competência do IBAMA. Essa decisão ficou vigente até 25/04/2023, quando foi suspensa por decisão do TRF1 no âmbito da Suspensão de Liminar nº 1038484-33.2022.4.01.0000.
Desde então, diversas manobras jurídicas têm sido utilizadas pela empresa Potássio do Brasil para reativar o licenciamento via IPAAM, inclusive com o ajuizamento da Reclamação Constitucional nº 1047870-53.2023.4.01.0000. Paralelamente, foram propostas novas ACPs, como a de nº 1014651-18.2024.4.01.3200, pelo Ministério Público Federal, que busca garantir a competência federal do IBAMA para o licenciamento. O MPF inclusive disponibilizapublicamente, em seu site, vasto acervo de documentos comprobatórios das irregularidades e ilegalidades em torno do projeto.
Apesar da existência de provas documentais, relatórios técnicos da UFAM, uma inspeção judicial em 2022 e manifestações da OLIMCV, o TRF1 tem legitimado, por meio de suas decisões, um processo de consulta viciado e excludente, que ignora o Protocolo de Consulta Trincheira Yandé Peara Mura.
Nos dias 7 e 15 de maio de 2025, o Tribunal julgou parcialmente os recursos internos à Suspensão de Liminar nº 1040729-80.2023.4.01.0000, proferindo decisões favoráveis à empresa. Ressaltamos, no entanto, que esses julgamentos não encerram o caso. Ainda há 18 Agravos de Instrumento interpostos pelas organizações indígenas e pelo MPF, com julgamento previsto na 6ª Turma do TRF1 para o dia 04 de junho de 2025.
Durante o julgamento de agravo interno da SLS nº 1040729-80.2023.4.01.0000 pela Turma Especial do TRF1, no dia 15, destacaram-se os votos técnicos, e comprometidos com a Constituição, das desembargadoras Ana Carolina Roman e Maria Maura Martins. A Des. Roman alertou sobre a fragmentação do licenciamento ambiental promovida pela empresa, que tenta licenciar separadamente mina, estrada, porto e linha de transmissão, burlando a análise integrada de impactos. Ressaltou que o empreendimento envolve rio de jurisdição federal, o que, por si só, exigiria competência do IBAMA.
A Des. Maria Maura Martins, por sua vez, destacou que o interesse público primário reside na proteção dos povos indígenas e do meio ambiente, não na defesa de interesses empresariais. Lembrou que é papel do Judiciário exercer o controle de constitucionalidade sobre atos do Executivo e do Legislativo que atentem contra direitos fundamentais.
Tais votos, fundamentados nas provas constantes nos memoriais apresentados pelas comunidades indígenas e organizações parceiras, infelizmente foram vencidos pela maioria dos desembargadores, a qual, por sua vez, acolheu argumentos da divergência que merecem firme contestação.
Afirmaram que o IBAMA teria manifestado desinteresse em conduzir o licenciamento, e que isso justificaria a atuação do órgão estadual. Essa interpretação inverte o fundamento da legalidade administrativa: a competência do IBAMA decorre da Constituição, não de sua vontade institucional. Sua omissão não legitima a atuação de um ente incompetente.
Além disso, sustentou-se que os critérios técnicos entre IBAMA e IPAAM seriam equivalentes, o que tornaria indiferente qual órgão conduz o licenciamento. Tal argumento ignora que o problema não é técnico, mas jurídico: a substituição do IBAMA pelo IPAAM em empreendimentos com impacto sobre terras indígenas e rios federais viola frontalmente a Constituição Federal. Suposta eficiência não autoriza a usurpação de competências definidas por norma constitucional.
Também foi relativizado o papel do Judiciário, sob o argumento de que não lhe caberia interferir na escolha do órgão licenciador. Esse posicionamento contraria frontalmente a função do Judiciário como garantidor da legalidade e dos direitos fundamentais, sobretudo quando se está diante de omissões e manipulações institucionais que atentam contra os povos indígenas.
É importante, ainda, esclarecer que não há ameaça à ordem pública ou à economia nacional. Segundo especialistas da área, como a FEBRAGEO, a jazida de Autazes não resolve o déficit nacional de potássio e existem alternativas previstas no Plano Nacional de Fertilizantes. A decisão judicial que suspendeu a atuação do IBAMA representa, portanto, uma inversão de valores constitucionais.
As organizações signatárias reiteram que nenhum licenciamento pode ser considerado válido sem consulta prévia, livre, informada e de boa-fé às comunidades afetadas, conforme determina a Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT. Denunciam também a atuação conivente do Estado com o avanço do extrativismo sobre terras tradicionalmente ocupadas.
Por isso, reafirmamos nossa posição contrária ao Projeto Potássio Autazes, à violação dos direitos do povo Mura e às decisões judiciais que desconsideram o direito originário à terra e à consulta legítima.
Brasília, 19 de maio de 2025.
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amazonas – APIAM
Nós, povos indígenas Wapichana, Macuxi, Taurepang, Ingarikó, Sapará, Wai Wai, Yanomami, Yekuana e Patamona, oriundos das regiões da Serra da Lua, Murupu, Wai Wai, Alto Cauamé, Tabaio, Amajari, Serras, Surumu, Yanomami, Baixo Cotingo e Raposa, do estado de Roraima, reunidos no V Acampamento Terra Livre, realizado de 5 a 9 de maio no Centro Ovelário Tames Macuxi, em Boa Vista (RR), viemos manifestar nossa insatisfação, denunciar injustiças e reivindicar, diante do Estado brasileiro, a defesa da vida e dos nossos territórios.
1. Somos povos originários
Somos mais de 100 mil indígenas vivendo em Roraima, conforme o Censo de 2022. Já fomos milhões, mas fomos dizimados por políticas historicamente adotadas pelo Estado brasileiro. A capital Boa Vista foi uma comunidade indígena e está situada em terras ancestrais. Protegemos 46% do território de Roraima, onde estão localizadas fontes de água, rios, florestas, lavrados e demais recursos naturais essenciais ao bem-estar de toda a população. No entanto, nossas terras continuam ameaçadas por invasores, especialmente garimpeiros, monoculturas de soja ao redor das comunidades e leis favorecem a redução dos nossos territórios.
2. Em defesa da Terra Indígena São Marcos
Manifestamos apoio aos nossos parentes da TI São Marcos, que correm o risco de perder parte de sua terra tradicional para a sede do município de Pacaraima – instalada ilegalmente após a demarcação. As lideranças estão sendo induzidas a participar de uma “mesa de conciliação” que, mais uma vez, viola os direitos originários garantidos pela Constituição Federal. Rejeitamos essa proposta de conciliação e a tentativa de redução territorial. Exigimos que o Ministério Público Federal atue na defesa dos direitos constitucionais dos povos indígenas.
3. Contra o Marco Temporal e a Lei 14.701/2023
A Lei 14.701/2023 representa uma grave violação dos direitos indígenas. Desde sua promulgação, observamos o aumento da violência, invasão das terras indígenas e o bloqueio de novos processos de demarcação. Soma-se a isso a “mesa de conciliação” criada em 2024 pelo ministro Gilmar Mendes (STF), que já foi prorrogada três vezes e deve seguir até junho de 2025. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 48/2023, de autoria do senador Hiran Gonçalves (PP/RR), representa mais um retrocesso. Ao tentar constitucionalizar o marco temporal, busca restringir nossos direitos às terras ocupadas até 5 de outubro de 1988. Isso é inconstitucional e contraria decisão já tomada pelo STF, que reconheceu nossos direitos como originários e cláusulas pétreas, ou seja, não passíveis de alteração, nem mesmo por emenda constitucional.
4. Empreendimentos e ameaças aos territórios
Foi criado recentemente, no Senado, um Grupo de Trabalho (GT) para discutir a regulamentação da mineração em terras indígenas, mais uma grave ameaça aos nossos territórios. Como se não bastassem a Lei do Marco Temporal e outras propostas que atacam nossos direitos, parlamentares continuam incentivando a invasão das nossas terras, movidos por interesses econômicos e busca por lucro. Soma- se a isso os projetos de exploração de petróleo na Bacia do Tacutu e a construção das hidrelétricas Bem Querer e Tamanduá, no rio Cotingo, que causarão impactos ambientais e sociais devastadores. Somos contra esses empreendimentos, que só beneficiam grandes empresários, enquanto milhares de indígenas e comunidades serão diretamente afetados e prejudicados.
5. Demarcação e sustentabilidade
A demarcação é um direito constitucional e dever do Estado. Reivindicamos o andamento dos processos de demarcação das terras indígenas Arapuá, Anzol, Pirititi e Lago da Praia, bem como o reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades Manoa/Pium, Truaru, Pium e Anaro, cujos processos tramitam na Justiça Federal. Somos produtores de alimentos, embora muitas vezes não reconhecidos pelo Estado. Por exemplo somos maiores produtores de gado, cultivamos centenas de culturas para nossa alimentação e comercialização. Exigimos o financiamento adequado dos nossos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA), com recursos suficientes para sua execução.
6. Políticas públicas
Nosso movimento avalia que as políticas públicas seguem apresentando problemas históricos, especialmente nas áreas de educação e saúde. Na educação, há falta de investimento em construção e reforma de escolas, além do transporte escolar precário. Denunciamos também as ameaças do governo contra professores indígenas que participam do nosso movimento. Na saúde, a falta de coordenação no Distrito Leste há mais de três meses prejudica a gestão e o atendimento. Reiteramos nosso pedido ao governo para a nomeação URGENTE das lideranças indicadas pelo movimento indígena para a coordenação do Distrito Sanitário Especial Indígena Leste de Roraima, a fim de garantir uma gestão legítima, representativa e comprometida com as necessidades de nossas comunidades.
7. Participação na COP 30
Neste ano, será realizada a COP 30 no Brasil, e nós estaremos presentes para levar nossas reivindicações e denunciar as violações dos nossos direitos. Repudiamos qualquer tentativa do Estado brasileiro de instrumentalizar nossa presença no evento como forma de legitimar um suposto respeito aos nossos direitos. Não aceitaremos ser usados como vitrine. Queremos falar por nós mesmos, sem intermediários. Queremos dizer ao mundo o que enfrentamos em nossos territórios e mostrar às autoridades internacionais que nossas terras são essenciais para o enfrentamento da crise climática global.
8. Nosso direito de existir
Durante os cinco dias de mobilização, reunimos mais de 2 mil pessoas das comunidades. O Acampamento Terra Livre é um movimento pacífico em defesa dos nossos direitos e do direito à vida. Estiveram presentes jovens, crianças, mulheres, homens, anciãos, professores, agentes de saúde, estudantes, coordenadores e lideranças. Fomos obrigados a deixar nossas casas para lutar pela continuidade da nossa existência e para denunciar ao mundo as violências que estamos sofrendo em nossos territórios, em razão da Lei do Marco Temporal e dos empreendimentos que ameaçam nossas vidas. Permaneceremos vigilantes. Não recuaremos. E não negociaremos um só centímetro das nossas terras.
Centro Ovelário Tames, Boa Vista, RR, 09 de maio de 2025.
Atenciosamente, Movimento Indígena de Roraima
De modo sucinto, elencamos os principais problemas que seguem em debate na Câmara de Conciliação:
● Proposta de Lei Complementar em detrimento da natureza ordinária da Lei no 14.701/2023 (Art. 1o): A Lei no 14.701/2023 se propôs a regulamentar exclusivamente o Art. 231 da Constituição Federal. Por essa razão, sua inconstitucionalidade formal deveria ter sido declarada, em vez de ser convertida em lei complementar e expandida para temas não originalmente tratados. A transformação da norma e a ampliação de seu escopo avançaram sobre propostas não debatidas previamente e que não deveriam partir de um Ministro do Supremo Tribunal Federal, ferindo a separação dos poderes e o devido processo legislativo. O Art. 1o da proposta de PLC estabelece, que sua finalidade é regulamentar o Art. 231 da Constituição, abrangendo o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão das terras indígenas – em especial, regulamentando a mineração (Art. 231, §3o) e o relevante interesse público da União em Terras Indígenas (Art. 231, §6o), além dos dispositivos constitucionais que tratam da autorização do Congresso Nacional e da concessão da União para pesquisa e lavra mineral (Arts. 49, XVI, e 176, §1o), bem como da competência da Justiça Federal para julgar disputas sobre direitos indígenas (Art. 109, XI);
● Regulamentação do “Relevante Interesse Público da União” em Terras Indígenas (Art. 21): O anteprojeto de Lei Complementar define que obras de infraestrutura, exploração mineral e atividades de defesa nacional podem restringir o usufruto exclusivo indígena. A proposta de Lei Complementar advém do reconhecimento, pelo Gabinete do Ministro Gilmar, de que haveria uma omissão inconstitucional do Congresso em não editar a referida lei. No entanto, trata-se de discricionariedade do Congresso regulamentar a matéria e APIB e União alertam que a medida atende antes a interesses privados do que ao chamado “relevante interesse público”, facilitando a exploração econômica das terras indígenas;
● Fragilização da Consulta Prévia, Livre e Informada (Arts. 27 a 31): A proposta esvazia o direito à consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas, constante na Convenção 169 da OIT, ao transformar o processo em uma mera formalidade, sem garantir sua efetiva influência nas decisões. Apesar de listar diretrizes como respeito à diversidade cultural e transparência, o texto impõe limitações ao estabelecer que, mesmo diante da manifestação contrária das comunidades, atividades e empreendimentos poderão prosseguir com base em critérios vagos de “interesse público” e “proporcionalidade”. Além disso, ao concentrar no Presidente da República o poder de autorizar a continuidade das atividades contra a vontade dos povos indígenas, a proposta enfraquece a autodeterminação dessas comunidades e facilita a imposição de projetos potencialmente prejudiciais a seus territórios e modos de vida;
● Criminalização das Retomadas Indígenas (Arts. 82 a 88): Proíbe retomadas antes da desocupação voluntária por não-indígenas ou da conclusão da demarcação, o que pode levar à criminalização de comunidades indígenas e justificar ações policiais estaduais contra elas. A proposta do Ministro Gilmar Mendes prevê que, para as áreas ocupadas até 23 de abril de 2024 – data em que o mesmo suspendeu as ações judiciais contra a Lei no 14.701/2023 -, Polícia Federal, Força Nacional e Polícia Militar deverão empreender protocolos de negociação para a desocupação em 30 dias. Já para retomadas indígenas posteriores a esta data, será determinada a remoção imediata, sem possibilidade de mediação pelas Comissões de Soluções Fundiárias, criadas pela Resolução CNJ no 510/2023, por determinação do STF na ADPF no 828. Vale lembrar que, no Caso Raposa Serra do Sol, o STF reconheceu a legitimidade das retomadas indígenas diante da inércia do Estado, que deveria ter concluído a demarcação desses territórios em cinco anos após a promulgação da Constituição;
● Remoção Forçada de Indígenas sob justificativa de “Paz Social” (Art. 6o, §13, III): Estabelece que, em casos em que seja “demonstrada a absoluta impossibilidade da demarcação” e “buscando a paz social”, o Ministério da Justiça e Segurança Pública poderá realizar uma “compensação” às comunidades indígenas, concedendo “terras equivalentes às tradicionalmente ocupadas”, o que remonta às remoções forçadas de indígenas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e é rechaçado pela Constituição Federal de 1988. Não são objeto de definição objetiva, por fim, o que caracterizaria a impossibilidade de demarcação e a quem atenderia a compensação aos indígenas visando a “paz social”.
● Substituição da Demarcação de Terras Indígenas por Desapropriação de Interesse Social (Art. 89, §4o): A partir de um ano após a aprovação da referida Lei Complementar, novos pedidos de demarcação serão considerados apenas para áreas onde houver comprovação da presença de povos indígenas isolados. A minuta estabelece que a FUNAI deverá publicar, em uma “lista pública”, no prazo de até 60 dias após a entrada em vigor da lei, os pedidos de demarcação apresentados pelos indígenas, devendo essa lista ser atualizada mensalmente em caso de novas solicitações. Contudo, o texto prevê que as reivindicações feitas após um ano da divulgação dessa lista serão processadas exclusivamente por meio de desapropriação por interesse social, exceto nos casos em que houver identificação posterior de indígenas isolados, situação em que se aplicará o procedimento regular de demarcação;
● Indenização por Terra Nua a Ocupantes Não Indígenas (Arts. 10 a 12): A proposta prevê que, após a homologação e antes do registro da terra indígena, ocupantes não indígenas com posse direta, contínua e anterior a 5 de outubro de 1988 sejam reassentados ou indenizados pela terra nua e benfeitorias; caso contrário, apenas benfeitorias úteis e necessárias serão compensadas. A terra nua será avaliada conforme a tabela do ITR, que é um valor próximo ao valor de mercado, com pagamento em dinheiro ou permuta de imóvel equivalente. Além de não estar prevista na Constituição, a indenização por terra nua pode inviabilizar demarcações e comprometer políticas indigenistas, como no caso Nhanderu Marangatu, cuja indenização total alcançou metade do orçamento anual da FUNAI em 2024;
● Direito de Retenção de Particulares até Recebimento da Indenização (Art. 11, §2o): A proposta garante o direito de retenção ao não-indígena, permitindo sua permanência na área até o pagamento do valor incontroverso da indenização da terra nua e das benfeitorias em dinheiro ou título da dívida agrária, se for do seu interesse. Ocorre que não se pode admitir que o direito de retenção seja utilizado pelo particular para impedir a realização do dever constitucional da União de demarcar as Terras Indígenas, impondo que a procrastinação na definição do valor da indenização impeça o acesso da comunidade indígena a seu território tradicional, o que é objeto de embargos de declaração da União e do Povo Xokleng no RE 1017365/SC (Tema 1031) pendentes de julgamento;
● Definição de Renitente Esbulho para fins indenizatórios restrita a Conflito Físico ou Controvérsia Judicial (Art. 4o, §1o): Outro ponto da proposta que também deve aguardar o julgamento dos embargos de declaração no RE 1017365/SC é a definição de renitente esbulho. Isso porque, nos termos do Item IV do Tema 1031, caso exista renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição, somente serão indenizadas as benfeitorias úteis e necessárias. Uma definição restritiva do renitente esbulho que requer da comunidade indígena a comprovação de conflito físico ou a judicialização de demanda possessória desconsidera a remoção forçada dos povos indígenas de suas terras pelo próprio Estado e o paradigma tutelar que os impedia de acessar a justiça diretamente. Razão pela qual se requer, em sede de embargos, definição mais ampla do renitente esbulho no que diz respeito à sua vinculação à presença indígena na área segundo seus usos, costumes e tradições;
● Ampliação da Participação de Entes Federados e Terceiros no Processo de Demarcação antes da Delimitação da Ocupação Indígena (Art. 6o, II, b e Art. 5o, §§2o e 3o): Estados e municípios poderão participar dos grupos técnicos desde o plano de trabalho, ao indicar técnicos para acompanhar estudos de demarcação, ampliando a influência de interesses econômicos locais. Também é prevista a intimação de proprietários rurais antes mesmo da definição do perímetro da área de ocupação indígena. Esse mecanismo enfraquece o direito indígena ao território ao permitir interferências no processo antes da conclusão dos estudos técnicos e
publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação. A proposta exige, ainda, a gravação de informações orais de indígenas, comprometendo a metodologia antropológica. Além disso, facilita contestações, tornando o processo mais lento;
● Revisão e Reanálise de Procedimentos Administrativos Demarcatórios (Art. 89): Determina que processos de demarcação não finalizados devem seguir novas regras, alterando critérios técnicos já consolidados. Apenas terras já declaradas e homologadas e os RCIDs já aprovados permaneceriam resguardados. Além disso, processos decisórios no Ministério da Justiça e na Presidência da República precisarão se adequar às novas normas, incluindo as regras de indenização. Trata-se de imposição de reanálise arbitrária e protelatória, dado que a retroatividade da lei aos procedimentos administrativos em curso afronta os Arts. 5o, incisos incisos XXXVI, LXXVIII e Art. 37, caput pois lei nova não pode atingir direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, tampouco a Administração Pública poderia inobservar a eficiência e a celeridade processual de seus atos administrativos;
● Redimensionamento de Terras Indígenas (Art. 14): A proposta restringe, ao período de cinco anos contados da demarcação, o direito da comunidade indígena solicitar a revisão da extensão do seu território por descumprimento do Art. 231. Ainda que esteja de acordo com o que o STF decidiu no Tema 1031, há questionamentos sobre o prazo decadencial desse direito constitucional pendentes de julgamento nos embargos ao RE 1017365/SC (Caso Xokleng). Tendo em vista que a imposição desse prazo impediria a correção de demarcações feitas em desacordo com o artigo 231 da Constituição, mesmo quando comprovado erro grave e insanável. Além disso, o STF
já consolidou o entendimento de que atos administrativos flagrantemente inconstitucionais não podem ser protegidos pela decadência legal, garantindo que a revisão de processos demarcatórios possa ocorrer sempre que houver violação dos direitos indígenas assegurados constitucionalmente.
Diante destas considerações, o espaço da câmara de conciliação se tornou um espaço
ilegítimo e inconstitucional.
As organizações indígenas APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e APIAM (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amazonas) vêm a público manifestar seu veemente repúdio à decisão proferida pela 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), no julgamento do Agravo de Instrumento nº 1037175-40.2023.4.01.0000, ocorrido no dia 07 de maio de 2025. O julgamento, que deveria analisar 19 agravos interpostos no contexto da tentativa de imposição do Projeto Potássio Autazes, que visa instaurar um projeto de mineração sobreposto à Terra Indígena Soares, resultou na análise isolada de apenas um recurso, com decisões parciais e falas inaceitáveis de dois dos três desembargadores que compuseram a sessão.
Contrariamente ao que tem sido difundido por setores da mídia, a decisão não representa vitória para o povo Mura, tampouco reforça o direito à autonomia indígena. Pelo contrário, a decisão válida uma consulta forjada, manipulada e desrespeitosa aos protocolos próprios do povo Mura, ao excluir comunidades diretamente afetadas — como a do Lago do Soares — e suas representações legítimas, como a OLIMCV (Organização de Lideranças Indígenas Mura de Careiro da Várzea). A tentativa de legitimar esse processo de consulta — viciado desde a origem — fere frontalmente os preceitos da Convenção 169 da OIT e do artigo 231 da Constituição Federal.
As provas constantes nos autos demonstram que o projeto da Potássio do Brasil incide sobre a Terra Indígena Soares, reivindicada desde 1997 e com estudos de demarcação em curso pela FUNAI. Análises cartográficas da própria Fundação Nacional dos Povos Indígenas confirmam a sobreposição do empreendimento sobre o território tradicional. Ignorar essas evidências, como fizeram os votos dos desembargadores no julgamento, é abrir precedente gravíssimo para a violação sistemática dos direitos territoriais indígenas em nome do discurso desenvolvimentista.
Reafirmamos que não se trata de debate sobre regularidade procedimental, mas sim da proteção de direitos fundamentais. A tentativa de dividir o povo Mura, criar falsos consensos e deslegitimar lideranças históricas representa manipulação institucional inaceitável. As decisões tomadas no processo em julgamento estão lastreadas em atas adulteradas, denúncias de cooptação e exclusão de comunidades contrárias ao projeto — fatos amplamente documentados no processo.
Ademais, a tentativa dos desembargadores de afirmar que não há terra indígena na área, ao mesmo tempo em que se reconhece uma “consulta indígena” à população local, é contraditória e revela o uso estratégico de retóricas jurídicas para enfraquecer os direitos indígenas. Ao afirmarem que houve consulta às comunidades indígenas, os desembargadores reconhecem a existência das comunidades indígenas e de suas terras. Consequentemente, é necessário que tenha autorização do Congresso Nacional conforme estabelece a Constituição Federal de 1988, matéria que os desembargadores não levaram em consideração.
Por fim, o alerta que trazemos é o de que a forma como este caso venha a ser decidido servirá de paradigma para outros empreendimentos que aguardam a fragilização dos direitos indígenas como porta de entrada para seus projetos. Uma decisão que viole o direito à consulta prévia, livre e informada, que desconsidere aos direitos territoriais do povo Mura e que tolere manipulações internas entre comunidades, é uma autorização velada para o avanço do extrativismo sobre os territórios indígenas de todo o país. Por isso, confiamos que o TRF1 reafirmará o compromisso com a Constituição e com os povos originários, sem legitimar um processo marcado por violações.
Brasília, 09 de maio de 2025.
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amazonas – APIAM
A Apib repudia a Conafer e sua atuação corrupta dentro dos territórios indígenas. A Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares do Brasil, organização vinculada ao agro, lucrou bilhões desviando ilegalmente os benefícios de aposentados e pensionistas, em grande parte de povos indígenas, conforme foi veiculado em distintos meios de comunicação, após a “Operação Sem Desconto” deflagrada pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União, em abril.
Através de convênios que deveriam fornecer serviços como assistência jurídica e odontológica, a confederação descontava valores diretamente do INSS, muitas vezes sem autorização. O esquema gerou R$6,3 bilhões em descontos sobre 6 milhões de pessoas.
Manifestamos apoio às investigações da Polícia Federal e esperamos que a Conafer responda por seus atos, sendo investigada, julgada e punida no rigor da lei. Não compactuamos com esse tipo de atitude, que viola os direitos dos cidadãos, especialmente dos povos indígenas. E não incentivamos nenhum parente a apoiar nenhuma entidade que se usa de fraude para arrancar o dinheiro dos mais necessitados.
A Apib orienta aos povos indígenas que não gravem vídeos, não manifestem apoio à entidade e evitem vincular sua imagem a qualquer símbolo ligado à Conafer. Nós não compactuamos com a postura criminosa e oportunista de mais esta entidade do Agro e temos suspeitas de existem outros crimes mais graves escondidos sob a fachada de organização sem “ideologias políticas”.
O presidente da Conafer, Carlos Roberto Ferreira Lopes, é um empresário mineiro da área de melhoramento genético de gado, possui uma holding nos EUA (Concepto Vet e da holding Farmlands) e gosta de aparecer usando cocar, dizendo ser descendente de indígenas. Seu filho tem uma empresa de mineração no norte de Minas Gerais (Lagoa Alta).
A Conafer foi fundada em 2011 afirmando representar agricultores familiares sem vínculos “político-ideológicos”, o que sabemos ser um discurso amplamente utilizado pela direita quando quer iludir cidadãos brasileiros.
Para entrar nos territórios eles oferecem caminhonete locada e salário às lideranças, patrocinam assembleias, torneios de futebol, entregam cestas básicas, e promovem mutirões previdenciários, através dos quais fazem os desvios financeiros.
A organização se aproveitou da crise causada pela reforma trabalhista, promovida durante o governo golpista de Michel Temer, em 2016. E aprofundou sua atuação durante o governo fascista de Bolsonaro, após uma normativa de 2022. A atuação dentro das comunidades indígenas se intensificou a partir de 2018.
Conhecendo as reais intenções da entidade, temos a certeza de que os povos indígenas do Brasil não permitirão mais a entrada da Conafer em seus territórios.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) repudia de forma veemente os atos de violência do Congresso anti-indígena, cometidos pelo Departamento de Polícia Legislativa (DPOL) e pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) na tarde desta quinta-feira, 10, durante a marcha “A Resposta Somos Nós”, que faz parte da programação do Acampamento Terra Livre (ATL).
O Congresso, além de aprovar leis inconstitucionais, ataca os povos indígenas e seus próprios deputados. A deputada indígena Célia Xakriabá (PSOL) e várias pessoas ficaram feridas ao serem recebidas com bombas de gás de pimenta e efeito moral, no local que deveria ser a casa da democracia. Lamentamos o uso desnecessário de substâncias químicas contra os manifestantes, mulheres, idosos, crianças e lideranças tradicionais.
Temos evidências de que os atos fazem parte de um contexto de violência institucional disseminada contra os povos indígenas. Ontem, durante reunião convocada pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), para tratar da organização da marcha do dia de hoje, um participante não-identificado proferiu manifestação de cunho racista e de incitação à violência: “deixa descer logo… deixa descer e mete o cacete se fizer bagunça”. Conforme registrado em gravação obtida por solicitação da APIB após a reunião, a fala foi proferida por um provável agente das forças de segurança.
Hoje, o acesso ao gramado do Congresso Nacional por parte dos manifestantes ocorreu de forma espontânea, sem qualquer ato de violência, depredação ou rompimento de barreira. A APIB reforça o caráter pacífico e democrático da manifestação, que reuniu mais de 7 mil lideranças indígenas de diferentes povos de todo o país.
A mobilização teve como objetivo a defesa de direitos constitucionais e o fortalecimento do diálogo com os Poderes da República. O Acampamento Terra Livre é realizado há mais de 20 anos na capital federal, sempre com forte organização, compromisso e respeito às instituições democráticas. Ao longo dessas mais de duas décadas, o movimento indígena sempre colaborou e continuará colaborando para garantir que o evento ocorra de forma tranquila e segura.
A comunidade Yvy Okaju sofreu quatro ataques em sete dias, deixando seis feridos, barracos e vegetação destruídos; os indígenas temem novos ataques
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), a Articulação dos Povos Indígenas do Sul do Brasil (Arpin Sul), a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpin Sudeste) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) vêm a público, nestes primeiros dias do ano de 2025, denunciar e repudiar as violências que os Avá-Guarani estão sofrendo na região de Guaíra, no oeste do Paraná, desde o dia 29 de dezembro de 2024, deixando ao menos seis indígenas feridos por disparos de armas de fogo e casas Avá-Guarani e vegetação queimadas.
Neste período, todas as noites, homens armados invadiram a comunidade Yvy Okaju (antigo Y’Hovy), na Terra Indígena (TI) Tekoha Guasu Guavirá, queimaram barracos, dispararam com pistolas, espingardas e rifles e lançaram bombas contra os indígenas, que estão aguardando pela conclusão da demarcação de suas terras. Várias pessoas ficaram feridas, inclusive crianças, vítimas do tiroteio. Muitas delas buscaram socorro em hospitais, onde acabaram sendo mal atendidas. Aqueles que foram feridos por armas de fogo continuam com as balas nos corpos.
O ataque mais recente ocorreu na noite do dia 3 de janeiro e deixou quatro Avá-Guarani feridos por tiros. Na ocasião, uma criança de 4 anos foi atingida na perna, um jovem foi alvejado nas costas, outro indígena também foi ferido na perna e um quarto Avá-Guarani foi atingido no maxilar por um disparo efetuado com munição de grosso calibre. As imagens dos indígenas feridos são chocantes e estarrecedoras: indicam a ausência de pudor dos agressores e sinalizam para um desfecho trágico, se os órgãos competentes não tomarem medidas urgentes.
O governo do estado do Paraná, por meio de falas preconceituosas e ofensivas de seu governador, tem incitado e alimentando o ódio e a violência contra os Avá-Guarani. Os ataques são perpetrados por pistoleiros mascarados e armados, que formam verdadeiras milícias paramilitares a serviço dos interesses do agronegócio da região e que atuam com absoluta impunidade, ameaçando e anunciando morte aos Avá-Guarani em áudios que circulam em redes sociais. A comunidade indígena e a Polícia Federal já encontraram no local cápsulas de projéteis e balas não deflagradas, o que evidencia a intenção de matar.
A Força Nacional, que foi enviada à região por meio da Portaria Nº 812, do Ministério da Justiça, para atuar e conter a violência, age, ao que parece, como se nada estivesse ocorrendo. Ao ser permanentemente acionada pela comunidade ou inclusive por instâncias do governo federal, relativiza as denúncias e chega sempre atrasada, depois que os indígenas já foram agredidos. Essa postura não aparenta ser um acaso e já aconteceu durante os graves ataques que esta mesma comunidade sofreu entre os meses de julho e setembro de 2024.
Não há nenhuma operação de identificação dos responsáveis ou de desarme dos grupos violentos. Os ataques dos últimos dias foram anunciados e as forças de segurança pública sabiam disso. A comunidade ficou durante horas cercada por pistoleiros sem que nenhuma ação de proteção fosse realizada. Diante destas circunstâncias, estaria a Força Nacional acobertando essa situação de violência contra os Avá-Guarani, sonegando informações aos órgãos superiores?
A Apib, a CGY, a Arpin Sul, a Articulação Arpin Sudeste e o Cimi vêm denunciando recorrentemente estes graves acontecimentos criminosos, mas a atuação do governo federal é absolutamente ineficiente, quando não inerte;de fato, o governo parece acovardado. Essa covardia traz dor, sofrimento e muita angústia aos originários habitantes daquela região, os Avá-Guarani.
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), com poucos servidores na região, parece estar sem capacidade de intervenção no contexto local e, quando aciona a Força Nacional, não consegue mobilizar o apoio para a comunidade. O mesmo ocorre com alguns agentes do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), que também não conseguem obter da Força Nacional a resposta necessária face a tanta brutalidade. Diante de tantos dias de ataque aos Avá-Guarani, é incompreensível e inaceitável o silêncio do MPI e da Funai. A tática das milícias paramilitares de atacar os Avá-Guarani no final de ano é recorrente e o recesso próprio desse período não justifica a ausência de manifestação dos órgãos públicos federais à sociedade brasileira sobre a situação.
A superação estruturante dessa situação de violência e violações contra os Avá-Guarani será alcançada com a continuidade e finalização do procedimento administrativo de demarcação da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá. Para tanto, os poderes Executivo e Judiciário do Estado brasileiro precisam fazer sua parte. Neste sentido, a manutenção da vigência e eficácia da inconstitucional Lei 14.701/2023, por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), é usada como justificativa, municia e potencializa as violências contra os Avá-Guarani. Nesse contexto, é fundamental e urgente a declaração da inconstitucionalidade desta lei por parte da Suprema Corte.
Basta de covardia! Manifestamos nossa solidariedade aos Avá-Guarani e instamos o governo federal para que se posicione publicamente, garantindo os direitos e a proteção aos indígenas. Do contrário, assumirá a responsabilidade por toda a violência e suas consequências à vida e ao futuro dos Avá-Guarani, pessoas que vivem em barracos de lona que estão sendo atacados e incendiados pelas milícias assassinas do agronegócio, com a conivência do Estado brasileiro.
4 de janeiro de 2025
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)
Comissão Guarani Yvyrupa (CGY)
Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpin Sul)
Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpin Sudeste)
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e suas regionais de base, vem por meio desta nota pública expressar o seu veemente repúdio contra a ação criminosa da tropa de choque do Governo de Mato Grosso do Sul que, nesta quinta-feira, 27/11, atacou os povos Guarani Kaiowá e Terena nas imediações da Reserva de Dourados e da rodovia que Liga Dourados a Itaporã (MS 157), que realizavam manifestações pacíficas em busca de um direito fundamental à vida, contra a escassez de água potável.
Os indígenas faziam uma manifestação pacífica na busca de uma solução para a escassez de água que sofrem há décadas, mas que os poderes públicos federal e estadual têm sido omissos no atendimento desse direito fundamental.
Ao invés de propor uma solução emergencial e estruturante, além da água fornecida por caminhões pipa, o governo optou por piorar o sofrimento das comunidades, enviando a tropa de choque, não apenas para dispersar os protestos, mas para coagir e agredir os manifestantes.
Os policiais invadiram a reserva indígena, área de jurisdição federal, e atacaram os moradores, homens, lideranças espirituais, mulheres e crianças, com bombas de gás, balas de borracha e projéteis letais, deixando ao menos 20 feridos, que ainda foram impedidos de ter atendimento médico, pois a polícia não permitiu o acesso das ambulâncias ao local. Essas ações configuram crimes contra os direitos humanos garantidos pela constituição.
A Apib denuncia ainda a ação truculenta da polícia de MS que pretendia prender o coordenador executivo da Apib, pela Aty Guasu, Norivaldo Mendes. Os policiais foram até a casa do líder sem motivos e sem ordem judicial.
A Apib responsabiliza por esta prática rotineira e criminosa da Polícia do Estado de Mato Grosso do Sul, o Comando da Polícia, Coronel Renato Garnes, o secretário de Segurança Pública, Antonio Carlos Videira, e sobretudo, o Governador do Estado, Eduardo Riedel (PSDB).
Estes políticos compõem, em nome dos governadores de todos os estados, a Câmara de conciliação instituída no Supremo Tribunal Federal visando a legitimação da lei do marco temporal, para consagrar a supressão dos direitos fundamentais, principalmente territoriais dos povos indígenas.
Aos órgãos do governo federal (MPI, Funai, Sesai) instituídos para zelar pelos direitos dos povos indígenas, reivindicamos mais celeridade no atendimento, no âmbito das suas competências, das demandas emergenciais dos povos indígenas, como a solução definitiva da escassez de água para as comunidades da reserva de Dourados.