A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) repudia de forma veemente os atos de violência do Congresso anti-indígena, cometidos pelo Departamento de Polícia Legislativa (DPOL) e pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) na tarde desta quinta-feira, 10, durante a marcha “A Resposta Somos Nós”, que faz parte da programação do Acampamento Terra Livre (ATL).
O Congresso, além de aprovar leis inconstitucionais, ataca os povos indígenas e seus próprios deputados. A deputada indígena Célia Xakriabá (PSOL) e várias pessoas ficaram feridas ao serem recebidas com bombas de gás de pimenta e efeito moral, no local que deveria ser a casa da democracia. Lamentamos o uso desnecessário de substâncias químicas contra os manifestantes, mulheres, idosos, crianças e lideranças tradicionais.
Temos evidências de que os atos fazem parte de um contexto de violência institucional disseminada contra os povos indígenas. Ontem, durante reunião convocada pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), para tratar da organização da marcha do dia de hoje, um participante não-identificado proferiu manifestação de cunho racista e de incitação à violência: “deixa descer logo… deixa descer e mete o cacete se fizer bagunça”. Conforme registrado em gravação obtida por solicitação da APIB após a reunião, a fala foi proferida por um provável agente das forças de segurança.
Hoje, o acesso ao gramado do Congresso Nacional por parte dos manifestantes ocorreu de forma espontânea, sem qualquer ato de violência, depredação ou rompimento de barreira. A APIB reforça o caráter pacífico e democrático da manifestação, que reuniu mais de 7 mil lideranças indígenas de diferentes povos de todo o país.
A mobilização teve como objetivo a defesa de direitos constitucionais e o fortalecimento do diálogo com os Poderes da República. O Acampamento Terra Livre é realizado há mais de 20 anos na capital federal, sempre com forte organização, compromisso e respeito às instituições democráticas. Ao longo dessas mais de duas décadas, o movimento indígena sempre colaborou e continuará colaborando para garantir que o evento ocorra de forma tranquila e segura.
A comunidade Yvy Okaju sofreu quatro ataques em sete dias, deixando seis feridos, barracos e vegetação destruídos; os indígenas temem novos ataques
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), a Articulação dos Povos Indígenas do Sul do Brasil (Arpin Sul), a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpin Sudeste) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) vêm a público, nestes primeiros dias do ano de 2025, denunciar e repudiar as violências que os Avá-Guarani estão sofrendo na região de Guaíra, no oeste do Paraná, desde o dia 29 de dezembro de 2024, deixando ao menos seis indígenas feridos por disparos de armas de fogo e casas Avá-Guarani e vegetação queimadas.
Neste período, todas as noites, homens armados invadiram a comunidade Yvy Okaju (antigo Y’Hovy), na Terra Indígena (TI) Tekoha Guasu Guavirá, queimaram barracos, dispararam com pistolas, espingardas e rifles e lançaram bombas contra os indígenas, que estão aguardando pela conclusão da demarcação de suas terras. Várias pessoas ficaram feridas, inclusive crianças, vítimas do tiroteio. Muitas delas buscaram socorro em hospitais, onde acabaram sendo mal atendidas. Aqueles que foram feridos por armas de fogo continuam com as balas nos corpos.
O ataque mais recente ocorreu na noite do dia 3 de janeiro e deixou quatro Avá-Guarani feridos por tiros. Na ocasião, uma criança de 4 anos foi atingida na perna, um jovem foi alvejado nas costas, outro indígena também foi ferido na perna e um quarto Avá-Guarani foi atingido no maxilar por um disparo efetuado com munição de grosso calibre. As imagens dos indígenas feridos são chocantes e estarrecedoras: indicam a ausência de pudor dos agressores e sinalizam para um desfecho trágico, se os órgãos competentes não tomarem medidas urgentes.
O governo do estado do Paraná, por meio de falas preconceituosas e ofensivas de seu governador, tem incitado e alimentando o ódio e a violência contra os Avá-Guarani. Os ataques são perpetrados por pistoleiros mascarados e armados, que formam verdadeiras milícias paramilitares a serviço dos interesses do agronegócio da região e que atuam com absoluta impunidade, ameaçando e anunciando morte aos Avá-Guarani em áudios que circulam em redes sociais. A comunidade indígena e a Polícia Federal já encontraram no local cápsulas de projéteis e balas não deflagradas, o que evidencia a intenção de matar.
A Força Nacional, que foi enviada à região por meio da Portaria Nº 812, do Ministério da Justiça, para atuar e conter a violência, age, ao que parece, como se nada estivesse ocorrendo. Ao ser permanentemente acionada pela comunidade ou inclusive por instâncias do governo federal, relativiza as denúncias e chega sempre atrasada, depois que os indígenas já foram agredidos. Essa postura não aparenta ser um acaso e já aconteceu durante os graves ataques que esta mesma comunidade sofreu entre os meses de julho e setembro de 2024.
Não há nenhuma operação de identificação dos responsáveis ou de desarme dos grupos violentos. Os ataques dos últimos dias foram anunciados e as forças de segurança pública sabiam disso. A comunidade ficou durante horas cercada por pistoleiros sem que nenhuma ação de proteção fosse realizada. Diante destas circunstâncias, estaria a Força Nacional acobertando essa situação de violência contra os Avá-Guarani, sonegando informações aos órgãos superiores?
A Apib, a CGY, a Arpin Sul, a Articulação Arpin Sudeste e o Cimi vêm denunciando recorrentemente estes graves acontecimentos criminosos, mas a atuação do governo federal é absolutamente ineficiente, quando não inerte;de fato, o governo parece acovardado. Essa covardia traz dor, sofrimento e muita angústia aos originários habitantes daquela região, os Avá-Guarani.
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), com poucos servidores na região, parece estar sem capacidade de intervenção no contexto local e, quando aciona a Força Nacional, não consegue mobilizar o apoio para a comunidade. O mesmo ocorre com alguns agentes do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), que também não conseguem obter da Força Nacional a resposta necessária face a tanta brutalidade. Diante de tantos dias de ataque aos Avá-Guarani, é incompreensível e inaceitável o silêncio do MPI e da Funai. A tática das milícias paramilitares de atacar os Avá-Guarani no final de ano é recorrente e o recesso próprio desse período não justifica a ausência de manifestação dos órgãos públicos federais à sociedade brasileira sobre a situação.
A superação estruturante dessa situação de violência e violações contra os Avá-Guarani será alcançada com a continuidade e finalização do procedimento administrativo de demarcação da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá. Para tanto, os poderes Executivo e Judiciário do Estado brasileiro precisam fazer sua parte. Neste sentido, a manutenção da vigência e eficácia da inconstitucional Lei 14.701/2023, por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), é usada como justificativa, municia e potencializa as violências contra os Avá-Guarani. Nesse contexto, é fundamental e urgente a declaração da inconstitucionalidade desta lei por parte da Suprema Corte.
Basta de covardia! Manifestamos nossa solidariedade aos Avá-Guarani e instamos o governo federal para que se posicione publicamente, garantindo os direitos e a proteção aos indígenas. Do contrário, assumirá a responsabilidade por toda a violência e suas consequências à vida e ao futuro dos Avá-Guarani, pessoas que vivem em barracos de lona que estão sendo atacados e incendiados pelas milícias assassinas do agronegócio, com a conivência do Estado brasileiro.
4 de janeiro de 2025
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)
Comissão Guarani Yvyrupa (CGY)
Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpin Sul)
Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpin Sudeste)
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e suas regionais de base, vem por meio desta nota pública expressar o seu veemente repúdio contra a ação criminosa da tropa de choque do Governo de Mato Grosso do Sul que, nesta quinta-feira, 27/11, atacou os povos Guarani Kaiowá e Terena nas imediações da Reserva de Dourados e da rodovia que Liga Dourados a Itaporã (MS 157), que realizavam manifestações pacíficas em busca de um direito fundamental à vida, contra a escassez de água potável.
Os indígenas faziam uma manifestação pacífica na busca de uma solução para a escassez de água que sofrem há décadas, mas que os poderes públicos federal e estadual têm sido omissos no atendimento desse direito fundamental.
Ao invés de propor uma solução emergencial e estruturante, além da água fornecida por caminhões pipa, o governo optou por piorar o sofrimento das comunidades, enviando a tropa de choque, não apenas para dispersar os protestos, mas para coagir e agredir os manifestantes.
Os policiais invadiram a reserva indígena, área de jurisdição federal, e atacaram os moradores, homens, lideranças espirituais, mulheres e crianças, com bombas de gás, balas de borracha e projéteis letais, deixando ao menos 20 feridos, que ainda foram impedidos de ter atendimento médico, pois a polícia não permitiu o acesso das ambulâncias ao local. Essas ações configuram crimes contra os direitos humanos garantidos pela constituição.
A Apib denuncia ainda a ação truculenta da polícia de MS que pretendia prender o coordenador executivo da Apib, pela Aty Guasu, Norivaldo Mendes. Os policiais foram até a casa do líder sem motivos e sem ordem judicial.
A Apib responsabiliza por esta prática rotineira e criminosa da Polícia do Estado de Mato Grosso do Sul, o Comando da Polícia, Coronel Renato Garnes, o secretário de Segurança Pública, Antonio Carlos Videira, e sobretudo, o Governador do Estado, Eduardo Riedel (PSDB).
Estes políticos compõem, em nome dos governadores de todos os estados, a Câmara de conciliação instituída no Supremo Tribunal Federal visando a legitimação da lei do marco temporal, para consagrar a supressão dos direitos fundamentais, principalmente territoriais dos povos indígenas.
Aos órgãos do governo federal (MPI, Funai, Sesai) instituídos para zelar pelos direitos dos povos indígenas, reivindicamos mais celeridade no atendimento, no âmbito das suas competências, das demandas emergenciais dos povos indígenas, como a solução definitiva da escassez de água para as comunidades da reserva de Dourados.
Nós, povos indígenas brasileiros, diante da gravidade das crises de biodiversidade e do clima, sabemos que não há tempo a perder.
Aqui, na COP-16 em Cali na Colômbia, viemos declarar que não aceitaremos mais nenhum projeto predatório, que ameace nossas vidas, nossos territórios e a humanidade. Não aceitaremos mais nenhum projeto de petróleo e gás e qualquer outra forma de exploração predatória na Amazônia brasileira, em nossos territórios e nossos ecossistemas. Não haverá preservação da biodiversidade e nem territórios indígenas seguros em um planeta em chamas.
Nós sabemos quem está botando fogo no mundo e o impacto violento que isso tem produzido nos nossos territórios: seca severa, isolamento forçado, doenças, falta de alimento, invasões, conflitos e mortes.
Diante do colapso iminente da sustentação da vida no planeta, ações fortes e efetivas precisam ser tomadas. Enquanto os governos continuam querendo mediar metas insuficientes e financiamentos vazios, queremos anunciar que, a partir de agora, só haverá paz com a Natureza se declararmos abertamente a guerra contra os combustíveis fósseis e qualquer outro projeto predatório que ameaça a vida no planeta.
O governo colombiano já deu o primeiro passo, suspendendo a concessão de novas explorações de petróleo e gás no país e já nos reconheceu como autoridades ambientais. Esperamos que outros países sigam esse mesmo compromisso. A outra face da crise climática e da biodiversidade é a crise de liderança e de valores. Nós nunca abdicamos desse lugar e não vamos nos perder em discussões vazias e compromissos estéreis.
Demandamos a retomada imediata das demarcações de todas as terras indígenas no Brasil como uma política climática efetiva e o financiamento direto para a proteção integral dos nossos territórios e nossos modos de vida em harmonia com a Natureza.
A COP-30 será no nosso território. Não aceitaremos que as discussões aconteçam sem a devida consulta e participação das nossas vozes e autoridades. Reivindicamos a co-presidência da COP de Clima no Brasil para que o acúmulo de nossos conhecimentos e experiências ancestrais possam oferecer ao mundo a oportunidade de um outro futuro.
Convocamos todos os povos indígenas, parceiros, aliados e todos que se importam com a vida na Terra a se juntarem ao nosso chamado para, coletivamente, segurar o céu. Se depender de nós, o céu não irá desabar.
SEMPRE ESTIVEMOS AQUI.
O levante do céu começa agora.
A RESPOSTA SOMOS NÓS
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME)
Conselho do Povo Terena
Grande Assembléia do povo Guarani (ATY GUASU)
Comissão Guarani Yvyrupa (CGY)
Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE)
Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ARPINSULl)
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) diante das indicações feitas pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) no dia de hoje, 14/10, para compor a Câmara de Conciliação instituída pelo Ministro Gilmar Mendes no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), vem por meio da presente nota fazer junto a suas bases e à rede de aliados nacionais e internacionais os seguintes esclarecimentos:
1) A Apib, ciente de sua responsabilidade e compromisso político com os povos, comunidades e organizações indígenas que representa, mantém a decisão de não fazer parte desta Comissão de Conciliação, e portanto de não indicar outras lideranças após ter se retirado dessa instância, sob o entendimento de que não foram garantidas condições mínimas e justas para sua participação. A continuidade da vigência da Lei do Genocídio Indígena, que coloca os povos indígenas sob constante ameaça e violência, bem como a falta de respeito à autonomia de vontade e aos direitos constitucionais afastaram os povos indígenas desse espaço, não obstante inúmeros apelos. Sem a definição de objeto sob conciliação, corre-se o risco desse espaço, que reúne os Três Poderes do Estado, desemboque num cenário de “desconstitucionalização” de direitos fundamentais alçados a cláusulas pétreas pela Carta Magna de 1988, principalmente no que se refere aos direitos originários dos nossos povos sobre as terras que tradicionalmente ocupam; terras essas declaradas pela Constituição inalienáveis e indisponíveis, sobre as quais os nossos direitos são imprescritíveis (Art. 231).
2) Observe-se que as indicações encaminhadas pelo Ministério dos Povos Indígenas para compor a Comissão de Conciliação fazem parte do quadro de servidores de órgãos governamentais, portanto, deve ficar claro que não estarão lá em nome do movimento indígena.
3) A Apib lamenta profundamente que as instâncias autônomas dos povos indígenas ou entes públicos em que há participação indígenas sejam pressionados a ocuparem colegiados contra a sua vontade, sobretudo em espaços nos quais não está garantido o respeito à lei e às decisões já tomadas peloplenário da Suprema Corte, que declarou inconstitucional a tese do marco temporal, em setembro de
2023.
4) A Apib chama a suas organizações, povos e comunidades que a compõem a não desistirem do
exercício pleno de sua autonomia, do seu direito à autodeterminação, sabendo que a Constituição nos
garante sermos “partes legítimas para ingressar em juízo” em defesa dos nossos “direitos e interesses”
(Art. 232). Dessa prerrogativa a Apib não abre mão.
5) O Estado tutelar, paternalista e autoritário foi enterrado pela Constituição Federal há 36
anos, ao mesmo tempo que reconheceu o nosso direito de sermos povos étnica eculturalmente diferenciados, e de sermos protagonistas do nosso próprio destino e, por
isso, reivindicamos dos poderes do Estado que respeitem as nossas decisões autônomas.
Nesta segunda-feira, 29 de julho de 2024, organizações indígenas representantes dos povos afetados pelo projeto da Ferrogrão decidiram romper publicamente com o Grupo de Trabalho (GT) do Ministério dos Transportes, criado no âmbito da ADI 6553, que discute a inconstitucionalidade da lei de desafetação de parte do Parque do Jamanxim para viabilizar a ferrovia.
O GT foi instituído como um espaço de diálogo transversal e interministerial, para que houvesse participação social nos debates sobre a construção do empreendimento, que tem o potencial de destruir modos de vida tradicionais no coração da Amazônia. É preciso lembrar, sempre, que a construção de uma ferrovia na região pretendida vai potencializar os passivos ambientais e fundiários que já assolam as comunidades locais, causando impactos que os estudos apresentados pelas empresas interessadas não puderam sequer mensurar.
Contudo, o que se viu foi o extremo desprestígio, por parte do governo federal, das organizações da sociedade civil participantes. Como informam na Carta que anuncia o rompimento com o GT, a presença indígena nas reuniões do grupo ficou a cargo das próprias organizações de base, o que implica em custos que dificultam a participação qualificada nesse espaço.
Além disso, o Ministério dos Transportes, a despeito do que foi informado à sociedade civil, deu andamento paralelo, em parceria com a empresa INFRA S.A., aos estudos sobre a Ferrogrão e a ANTT já divulgou cronograma de leilões para o ano de 2025 em que consta o empreendimento ferroviário.
Esse comportamento desrespeitoso em relação às organizações indígenas se soma ao fato de que não houve, em nenhum momento, a realização de consultas livres, prévias, informadas e de boa-fé aos povos indígenas e comunidades tradicionais possivelmente impactados pelo projeto. Ou seja, mais um capítulo de uma longa história de menosprezo por parte das autoridades nacionais e do setor privado.
A APIB, no momento da criação do GT, tomou a decisão política de não compô-lo, como forma de não dar legitimidade a um espaço que poderia servir para, mais uma vez, silenciar e desrespeitar nossos parentes. Apoiamos aqueles que decidiram estar no GT e, nesse momento, apoiamos fortemente, a decisão de com ele romper.
Às vésperas do início do processo de negociação de direitos fundamentais indígenas no Supremo Tribunal Federal, ecoamos o posicionamento do Instituto Kabu, da Rede Xingu+ e da Aliança #FerrogrãoNão, reafirmando que não seremos enganados por falsas promessas de diálogo, que têm, como objetivo final, nos retirar direitos que foram conquistados pelo sangue de nossos ancestrais.
Nós, organizações indígenas, indigenistas, socioambientais e de direitos humanos, movimentos sociais e outras entidades abaixo assinadas, em razão da tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal da PEC 48/23, que altera o Artigo 231 da Constituição Federal, no § 1º, ao incorporar no texto a tese do Marco Temporal, manifestamos por meio desta Nota Pública o nosso veemente repúdio a esta manobra inconstitucional da bancada ruralista e de outras por afrontarem “os direitos originários” dos povos indígenas “sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, direitos estes, fundamentais, portanto, cláusulas pétreas instituídas pela Carta Magna de 1988 e reiterados pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou inconstitucional o marco temporal em setembro de 2023. Os parlamentares ignoraram a decisão e aprovaram no fim de ano a Lei 14.701/2023, que institui esse entendimento, e que hoje é responsável, em parte, pela paralisação da demarcação das terras e territórios indígenas e pelo o acirramento de conflitos e da violência contra os povos indígenas.
A PEC 48 desconsidera ainda o histórico de violências e expulsões que muitos povos indígenas sofreram antes e após 1988. Se aprovada, tornar-se-ia uma sentença de morte, a legalização do etnocídio e genocídio secular praticado pelo Estado e setores da sociedade contra os povos indígenas, cuja existência, física e cultural, depende fundamentalmente de suas terras.
A PEC também representa uma grave ameaça ao meio ambiente. As terras indígenas são as áreas ambientalmente mais protegidas no país. Desempenham um papel crucial na proteção dos biomas, na manutenção de ecossistemas vitais, na preservação das florestas, dos recursos hídricos e da biodiversidade e na regulação do regime de chuvas. Desempenham uma contribuição estratégica contra a atual crise climática e o aquecimento global. Impedir a demarcação dessas terras equivale a projetar a intensificação das invasões, da grilagem, do desmatamento, das queimadas, enfim, da degradação ambiental e do agravamento das mudanças climáticas, problemas aos quais se somam outras práticas criminosas que ameaçam, matam e expulsam os povos indígenas nos seus territórios.
Lamentavelmente setores do governo federal e os do poder judiciário, por ação ou omissão, tem favorecido esta brutal investida contra os povos e territórios indígenas.
Alterar a Constituição, restringindo os direitos fundamentais dos povos indígenas por meio de uma espúria emenda constitucional patrocinada pelos setores mais retrógrados do Congresso Nacional, e apoiada por outros interessados na exploração das riquezas que abrigam as terras indígenas, é totalmente inaceitável, vergonhoso, imoral e inconstitucional, por atentar contra cláusula pétrea da Carta Magna.
Pelas consequências irreversíveis para os povos indígenas e o meio ambiente, é fundamental que a sociedade brasileira e internacional se posicione firmemente contra a PEC 48/2023, pelo direito desses povos a viverem em liberdade nos seus territórios, de acordo com a sua identidade e modos de vida, e pelo respeito aos direitos humanos e a defesa do Estado democrático de direito, por um meio ambiente equilibrado, pelo bem viver da humanidade e do planeta.
Direitos originários não se negociam!
Brasília – DF, 09 de julho de 2024.
Assinam esta carta:
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Rede de Cooperação Amazônica – RCA
Greenpeace Brasil
CTI – Centro de Trabalho Indigenista
Associação Wyty Cate das Comunidades Timbira do Maranhão e Tocantins
Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil
Rede Cerrado
OPAN – Operação Amazônia Nativa
Amazon Watch
Uma Gota No Oceano Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão – COAPIMA
Opi – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato
Comitê Chico Mendes
Comissão Pró-Indígenas do Acre – CPI-Acre
SOS Amazônia
Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre – AMAAIAC
Instituto de Estudos Amazônicos – IEA.
Instituto Yorenka Tasorentsi – IYT
Instituto Makarapy
Organização dos Professores Indígenas do Acre – OPIAC
Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Pe. Josimo.
Fórum de Mulheres de Imperatriz
Núcleo de extensão e pesquisa com populações e comunidades Rurais, Negras, quilombolas e Indígenas (NuRuNI)/Universidade Federal do Maranhão
Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAÍ)/Maranhão
Centro de Pesquisa em Arqueologia e História Timbira – CPAHT/UEMASUL – Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão
Amigos da Terra – Amazônia Brasileira
Instituto Amazonialerta
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
Proteção Animal Mundial – WAP
Centro de Defesa dos Direitos Humanos e de Povos e Comunidades Tradicionais – CDDHPCT
Indigenistas Associados – INA
Sindicato dos Servidores Públicos Federais do DF – Sindsep-DF
Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal – Condsef
Instituto de Desenvolvimento e Valorização Humana
Central Única dos Trabalhadores do Distrito Federal – CUT-DF
Conselho Nacional das Populações Extrativistas – CNS
Memorial Chico Mendes – MCM
Associação Nacional dos Servidores da Funai – ANSEF
Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN
WCS Brasil – Wildlife Conservation Society
Instituto Fronteiras
Coletivo Varadouro
Casa do Rio
Associação Ashaninka do Rio Amônia – APIWTXA
Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá – OPIRJ
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ
A Apib, a Coiab, a Hutukara Associação Yanomami (HAY), Urihi Associação Yanomami (URIHI), Associação Parawami Yanomami (Parawami), a Associação Wanasseduume Ye’kwana e outras 76 organizações do Movimento Nacional Indígena assinam a nota de repúdio à comissão criada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que teria a função de “investigar” a situação dos Yanomami.
“Manifestamos nosso repúdio e indignação por mais uma ação truculenta da Câmara dos Deputados que, longe de manifestar preocupação e compromisso com nosso povo, pretende utilizar a dor e a morte do povo Yanomami e Ye’kwana para objetivos simulados de disputas políticas e de defesa do garimpo e da mineração em territórios indígenas”, afirma a nota. Após, as declarações contrárias à comissão, a deputada Célia Xakriabá passou a integrara a comissão, como única representante indígena.
A calamidade que afeta o povo Yanomami e Ye’kwana é responsabilidade da política anti-indígena estabelecida durante os quatro anos do governo Bolsonaro, que estimulou publicamente a invasão das Terras Indígenas e o garimpo. É inadmissível que os mesmos partidários da promoção do genocídio indígena assumam o papel de investigar as ações de reparação que estão em curso neste momento.
Em 2022 e 2023 já foram constituídas duas Comissões especiais no Congresso Nacional para acompanhar a situação na TI Yanomami, que apontaram o descaso, a omissão e o abandono do atendimento à saúde pelo Estado brasileiro como causas do flagelo que enfrentam os indígenas. Para os povos originários, se trata de “um escárnio e uma afronta ao sofrimento dos povos Yanomami e Ye’kuana e de todos os povos indígenas do Brasil”.
As organizações que compõem o Movimento Nacional Indígena reforçam que a obrigação do Estado brasileiro é realizar as medidas necessárias para garantir o direito à vida, à saúde e à proteção dos territórios. Urge ao Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade da lei 14.701/2023, que instalou arbitrariamente o marco temporal, na tentativa criminosa de abrir os territórios aos interesses do capital. Esperamos também que o Poder Executivo intensifique as ações de combate ao garimpo e desintrusão na TI Yanomami e fortaleça a política de atendimento à saúde.
A lei 14.703/2023, que regulamentou a tese do marco temporal e outras violações à constituição e aos direitos indígenas, aprovada no final de 2023, foi contestada no Supremo Tribunal Federal através de quatro ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO). O relator, ministro Gilmar Mendes, suspendeu as ações de número ADC 87, ADI 7.582, ADI 7.583, ADI 7.586 e a ADO 86, monocraticamente.
A decisão individual do ministro vai contra a votação da suprema corte, que derrubou a tese com 9 votos contrários e 2 favoráveis. O ministro aponta para um processo de mediação e conciliação com o agronegócio. Trata-se de mais uma violação ao direito originário indígena. Gilmar Mendes já havia exposto sua posição anti-indígena durante o julgamento realizado em 21 de setembro de 2023.
O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), se manifestou através de nota pública, na última sexta-feira, indicando a “necessidade de garantia e respeito aos direitos originários dos povos indígenas sobre seus territórios” e reafirmando que a posição sobre a inconstitucionalidade da lei deve ser mantida pelo STF.
De acordo com a nota “a tese do marco temporal, assim como os demais dispositivos da Lei 14.701/2023, são inconstitucionais e inconvencionais, e aumentam a susceptibilidade dos povos indígenas às investidas criminosas contra seus territórios, que já estão sofrendo com invasões, grilagem, arrendamentos, garimpos, pesca e caça ilegais, exploração ilegal de madeira e o tráfico de drogas”. A CNDH também relembrou seus diversos posicionamentos emitidos durante o julgamento da tese da inversão da história.
O marco temporal estabelece que a demarcação dos territórios indígenas está condicionada à ocupação das áreas reivindicadas na data da promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.
A Terra Livre que dá nome ao maior encontro de nossos povos, nos aponta um horizonte de liberdade. Para nós, ser livre sem a Terra não faz o menor sentido.
Se é da Terra que nascem as águas, que brotam as matas, que se fortalecem as raízes, as folhas, as flores, os frutos e toda flora, que se dá abrigo e alimento ao pássaro, ao peixe, a onça, a cabra, e toda fauna… se é da Terra que toda vida emana, é por ela também que nós nos afirmamos LGBTQIA+ Indígenas.
É a partir do horizonte da Terra Livre que nós há 20 anos ocupamos Brasília para reafirmar a soberania de nossos povos. É a agenda do ATL que empurra, há anos, o Estado brasileiro para um sentido de reconhecimento, de acolhimento, de reparação!
As nossas identidades LGBTQIA+ transcendem os sentidos dados pelo colonialismo europeu ou pela modernidade ocidental. Nossas identidades são fruto da transmutação da dor em alegria, do sofrimento em prazer, das perdas em vitórias.
Mais ainda, nossas identidades são a representação de uma consciência de nós sobre nós, de nós sobre o outro, de nós sobre a Terra.
Como LGBTQIA+ indígenas, nós temos orgulho de nossas identidades sexuais e de gênero, pois elas se tornaram ferramentas de luta política que se articula e soma ao nosso orgulho de sermos centenas de pessoas em diversas terras indígenas do Brasil.
Falamos diferentes línguas, temos nossos costumes e modos de vida. Acreditamos em um mundo onde a natureza e seus povos sejam mais valorizados do que o lucro e as violências.
Somos múltiplos e estamos trilhando um caminho de respeito e reconhecimento por nosso corpo na mesma intensidade que por nossos territórios.
Se as desigualdades sociais, raciais, sexuais e de gênero, de classe, e tantas outras formas estruturais de violência, têm na mineração desenfreada, no agronegócio predatório e nas invasões contra nossas terras e culturas, uma aliança formada e articulada para nos aniquilar… cabe a nós, e somente a nós, costurar o outro rumo que o horizonte da Terra Livre deseja apontar!
Nossa identidade LGBTQIA+ INDÍGENA não é contemporânea, não é moda. Nós existimos e resistimos na luta pela terra desde o princípio. Nós somos herdeiras do legado de Tibira.
O colonialismo, herdeiro presente da colonização de territórios e povos, segue tentando impor um único modelo de vida, baseado em culturas que condenam e criminalizam tudo que lhes é diferente, diverso.
Se as herdeiras da sociedade colonial seguem negando a possibilidade de nossa existência, livre, afetiva, prazerosa, tal qual negam a demarcação de nossos territórios… nós responderemos marchando juntas, somando forças, como um encontro de águas, que de onde nascem parecem frágeis e dóceis, mas que quando se encontram, formam correntezas e oceanos.
Nós acreditamos em um Brasil que é território indígena. As filhas e os filhos desse território se levantam por demarcação. Se levantam por reparação. Se levantam por igualdade na diversidade. As LGBTQIA+ indígenas são parte do projeto de uma sociedade verdadeiramente feliz. A felicidade e a liberdade só serão possíveis se nossas existências também forem respeitadas.
Somos indígenas e LGBTQI+… Nós e a Terra somos LIVRES!