Denúncia dos povos indígenas do Brasil contra Bolsonaro por crime de genocídio repercute em mais de 20 países

Denúncia dos povos indígenas do Brasil contra Bolsonaro por crime de genocídio repercute em mais de 20 países

Imprensa estrangeira também reforça importância dos povos indígenas na luta em defesa do meio ambiente

Brasília, 10 de agosto de 2021 – No dia internacional dos povos indígenas, 9 de agosto, a Articulaçao dos Povos Indígenas Brasil (Apib), encaminhou ao Tribunal Penal Internacional uma denúncia contra Jair Bolsonaro pelo crime de genocídio e ecocídio. Uma ação inédita, pois pela primeira vez na história, uma organização representativa dos povos originários, com seus advogados indígenas, entrou diretamente com uma comunicação ao tribunal de Haia para lutar por seus direitos.

A ação, realizada em conjunto com a Comissão Arns e o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos, se soma com outros comunicados feitos ao TPI contra o presidente brasileiro, que desde o início do seu mandato, em 2019, impôs uma agenda anti-indígena com um projeto de morte agravado pela pandemia da Covid-19.

Diante da relevância da denúncia encabeçada pela APIB, jornalistas e portais de notícia de todo o mundo deram destaque para o assunto. Veículos de mais de 20 países da Europa, América Latina e do Norte, e da Ásia repercutiram o assunto em seus sites e jornais impressos. Portais internacionais como Al Jazeera, TeleSur e EuroNews também trataram do tema.

Abaixo, veja os veículos que produziram notícias sobre a denúncia contra Bolsonaro, seus países de origem e também o link para ler as matérias originais:

El País – Espanha:
O advogado que lidera a denúncia contra Bolsonaro por Genocídio em Haia
https://elpais.com/internacional/2021-08-09/el-abogado-indigena-que-lidera-la-denuncia-contra-bolsonaro-por-genocidio-en-la-haya.html

Le Monde – França:
“No Brasil, indígenas demandam ao TPI abrir uma investigação sobre Bolsonaro por Genocídio”

France 24 – França:
“Indígenas brasileiros denunciam Bolsonaro perante a TPI por genocídio”
​​
RFI – França:
“Genocídio: advogados indígenas denunciam Bolsonaro no Tribunal Penal de Haia”

DW – Alemanha:
“Indígenas denunciam Bolsonaro em Haia por genocídio”

Aljazeera – internacional:
“Grupo indígena processa bolsonaro na TPI por genocídio”

TeleSur – Internacional:
“Indígenas brasileiros denunciam Jair Bolsonaro em Haia”

Swiss Info – Suíça:
“Indígenas brasileiros acusam Bolsonaro de genocídio em Haia”

Prensa Latina – Cuba:
“Indígenas brasileiros denunciam Bolsonaro perante Haia por genocídio”

Diário de Notícias – Portugal:
“Indígenas acusam Bolsonaro de genocídio no Tribunal Penal Interancional”

Colina – Portugal:
“Bolsonaro denunciado por genocídio a indígenas”

Naiz – País Basco:
“Povos Indígenas do Brasil apresentam denúncia por genocídio contra Bolsonaro perante a TPI”

Milênio – México:
“Brasil – Indígenas denunciaa Bolsonaro à TPI por genocídio”

Ámbito – Argentina:
“Povos Indígenas do Brasil apresentam denúncia por genocídio contra Bolsonaro perante a TPI”

RT – Canal russo em espanhol:
“Indígenas brasileiros denunciam Bolsonaro por genocídio e ecocídio”

Mercopress – Uruguai:
“Grupo indígena brasileiro APIB inicia denúncia criminal contra Bolsonaro perante a TPI”
​​https://en.mercopress.com/2021/08/10/brazilian-indigenous-group-apib-files-criminal-charges-against-president-bolsonaro-before-icc

Jurist – Estados Unidos:
“Grupo indígena pede ao TPI que investigue o presidente do Brasil por crimes contra a humanidade”

IDN Times – Indonésia:
“Presidente do Brasil denunciado na TPI por crimes de genocídio e ecocídio”

IDNES – República Checa:
“Indígenas culpam presidente brasileiro por genocídio e pelo aumento da mineração na Amazônia”

Teraz – Eslováquia:
“Povos originários brasileiros querem processar Bolsonaro por genocídio”

EjuTV – Bolívia:
“​​Indígenas denunciam Bolsonaro perante a TPI por genocídio”

MMS Kita – Indonésia:
“Grupo indígena brasileiro processa Bolsonaro no ICC por ‘genocídio’”

Nordre – Noruega:
“Povos indígenas pedem tribunal internacional para investigar Bolsonaro”

New Day News – Rússia
“Indígenas brasileiros acusam presidente do país genocídio”

Zuiadedlj – Romênia:
“Grupo indígena processa Bolsonaro por genocídio”

Vietnam Plus – Vietnam:
“Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, enfrenta desafios jurídicos”

Sputnik News – Vietnam:
“Presidente brasileiro acusado de genocídio”

Global Times – China:
“Grupo indígena brasileiro processa Bolsonaro na TPI por ecocídio de genocídio”

Global News – Europa:
“Indígenas do Brasil querem Bolsonaro em Haia”
​​https://pt.euronews.com/2021/08/10/indigenas-do-brasil-querem-bolsonaro-em-haia

INÉDITO: APIB denuncia Bolsonaro, em Haia, por genocídio indígena

INÉDITO: APIB denuncia Bolsonaro, em Haia, por genocídio indígena

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Pela primeira vez na história, povos indígenas vão diretamente ao tribunal de Haia, com seus advogados indígenas, para lutar pelos seus direitos.

Brasília, 9 de agosto de 2021 – A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolou, nesta segunda-feira (9), um comunicado no Tribunal Penal Internacional (TPI) para denunciar o governo Bolsonaro por Genocídio. Na data que marca o dia Internacional dos Povos Indígenas, a organização solicita que a procuradoria do tribunal de Haia examine os crimes praticados contra os povos indígenas pelo presidente Jair Bolsonaro, desde o início do seu mandato, janeiro de 2019, com atenção ao período da pandemia da Covid-19.

Com base nos precedentes do TPI, a Apib uma investigação por crimes contra a humanidade (art. 7. b, h. k Estatuto de Roma – extermínio, perseguição e outros atos desumanos) e genocídio (art. 6. B e c do Estatuto de Roma – causar severos danos físicos e mentais e deliberadamente infligir condições com vistas à destruição dos povos indígenas). Pela primeira vez na história, povos indígenas vão diretamente ao TPI, com seus advogados indígenas, para se defenderem desses crimes.

O acervo do comunicado protocolado é composto por denúncias de lideranças e organizações indígenas, documentos oficiais, pesquisas acadêmicas e notas técnicas, que comprovam o planejamento e a execução de uma política anti-indígena explícita, sistemática e intencional encabeçada por Bolsonaro.

“Acreditamos que estão em curso no Brasil atos que se configuram como crimes contra a humanidade, genocídio e ecocídio. Dada a incapacidade do atual sistema de justiça no Brasil de investigar, processar e julgar essas condutas, denunciamos esses atos junto à comunidade internacional, mobilizando o Tribunal Penal Internacional”, destaca Eloy Terena, coordenador jurídico da Apib.

De acordo com trecho do comunicado, “o desmantelamento das estruturas públicas de proteção socioambiental e aos povos indígenas desencadeou invasões nas Terras Indígenas, desmatamento e incêndios nos biomas brasileiros, aumento do garimpo e da mineração nos territórios.”

Para a Apib os ataques às terras e aos povos indígenas foram incentivados por Bolsonaro em muitos momentos ao longo de sua gestão. Os fatos que evidenciam o projeto anti-indígena do Governo Federal, vão desde a explícita recusa em demarcar novas terras, até projetos de lei, decretos e portarias que tentam legalizar as atividades invasoras, estimulando os conflitos.

“A Apib permanecerá em luta pelo direito dos povos indígenas de existirem em sua diversidade. Somos povos originários e não nos renderemos ao extermínio”, enfatiza Eloy que é um dos oito advogados indígenas que assinam o comunicado.

O documento de denúncia, enviado ao TPI, também contou com o apoio do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos – CADHu e da Comissão Arns, que protocolaram, em 2019, outro comunicado à Procuradoria do TPI contra Bolsonaro, que ainda está sob análise no tribunal.

Agosto Indígena

“Lutamos todos os dias há centenas de anos para garantirmos a nossa existência e hoje a nossa luta por direitos é global. As soluções para este mundo doente vêm dos povos indígenas e jamais nos calaremos diante das violências que estamos sofrendo. Enviamos esse comunicado ao Tribunal Penal Internacional porque não podemos deixar de denunciar essa política anti-indígena de Bolsonaro. Ele precisa pagar por toda violência e destruição que está cometendo”, afirma a coordenadora executiva da Apib, Sonia Guajajara.

Segundo a coordenadora, o mês de agosto será marcado por mobilizações dos povos indígenas na luta por direitos. Ela ressalta o acampamento ‘Luta pela Vida’ que está marcado para acontecer entre os dias 22 e 28 de agosto, em Brasília. “Vamos ocupar mais uma vez os gramados da esplanada para impedir os retrocessos contra os direitos dos nossos povos”, reforça Sonia.

“Alertamos o Tribunal Penal Internacional para a escalada autoritária em curso no Brasil. O ambiente democrático está em risco”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib lembrando dos projetos de lei que estão na pauta de votação do Congresso e ameaçam os direitos indígena e do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o Marco Temporal, que pode definir o futuro dos povos indígenas.

“Estamos fazendo um chamado de mobilização para Brasília, em plena pandemia, porque hoje a agenda anti-indígena do Governo Federal representa uma ameaça mais letal que o vírus da Covid-19. A vida dos povos indígenas está ligada aos territórios e nossas vidas estão ameaçadas. Estaremos mobilizados nas aldeias, nas cidades, em Brasília e no tribunal de Haia para responsabilizar Bolsonaro e lutar pelos nossos direitos”, destaca Tuxá.

“Os povos indígenas permanecerão vigilantes, como historicamente fizeram. É dever do governo federal brasileiro respeitá-los, como expressão fundacional de um Estado Constitucional de Direito”, aponta trecho do documento encaminhado para o TPI.

DESTAQUES

  • Em 19 de novembro de 2019, o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos – CADHu e Comissão Arns apresentam comunicado por incitação ao genocídio e crimes contra a humanidade perpetrado por Jair Bolsonaro contra povos indígenas.

 

  • Durante o segundo semestre de 2020, a Apib e a Clínica de Litigância Estratégica em Direitos Humanos da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo, fizeram oficinas com advogados indígenas, lideranças, estudantes, especialistas e parceiros da Apib sobre a jurisdição do TPI.

 

  • Logo em seguida, a APIB lançou um chamado para que as lideranças e organizações de base enviassem denúncias de violações de direitos, especialmente no contexto da pandemia. Tais relatos foram em grande medida incorporados no comunicado ao TPI.  

 

  • Os encontros abordaram temas como a jurisdição penal internacional e suas críticas, os crimes do Estatuto de Roma, o processo perante o TPI, o papel das vítimas na construção dos casos, a admissibilidade e a agenda da Procuradoria.

 

  • Em dezembro de 2020, a Procuradoria do TPI informou ao Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos – CADHu e Comissão Arns que está formalmente avaliando a comunicação enviada em novembro de 2019.

 

  • Durante o primeiro semestre de 2021, a partir dos debates das oficinas feitas em 2020, a APIB iniciou um processo de coleta de depoimentos e dados sobre o impacto dos atos de Jair Bolsonaro em distintas comunidades indígenas no país.

 

  • Os relatos, emitidos diretamente pelos povos indígenas afetados, documentos oficiais, pesquisas acadêmicas e notas técnicas compõem o acervo probatório do comunicado feito pela Apib, protocolado dia 9 de agosto no TPI com o apoio do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos – CADHu e da Comissão Arns.

 

  • São 86 páginas apenas com fatos, que se organizam em:

 

  1. Uma cronologia dos atos do Presidente Jair Bolsonaro de ataque aos povos indígenas e destruição da infraestrutura pública de garantia dos direitos indígenas e socioambientais, na qual foram compilados os principais atos administrativos, normativos, discursos, reuniões e projetos, direta ou indiretamente praticados pelo presidente Jair Bolsonaro;
  2. A descrição das principais consequências da destruição da infraestrutura pública de garantia dos direitos indígenas e socioambientais: a invasão e o esbulho de terras indígenas; o desmatamento; o garimpo e a mineração em nos territórios e o impacto da pandemia da Covid-19 sobre os povos indígenas, trazendo pesquisas, relatórios e dados.
  3. O relato sobre o impacto das invasões, do desmatamento, garimpo e mineração em Terras Indígenas e a propagação da pandemia de Covid-19 tiveram sobre os povos indígenas isolados ou de contato recente e sobre os povos Munduruku, os indígenas que vivem na TI Yanomami, os Guarani-Mbya, Kaingang, os Guarani-Kaiowá, os Tikuna, Kokama, os Guajajara e os Terena.

 

  • A APIB leva à jurisdição penal internacional a voz e a interpretação dos povos indígenas sobre os crimes dos quais vêm sendo vítimas, fato por si só histórico. Com base nos precedentes do TPI, a APIB abriu investigação por crimes contra a humanidade (art. 7. b, h. k Estatuto de Roma – extermínio, perseguição e outros atos desumanos) e genocídio (art. 6. B e c do Estatuto de Roma – causar severos danos físicos e mentais e deliberadamente infligir condições com vistas à destruição dos povos indígenas).

Perguntas e Respostas

 P: Várias ações apresentadas na denúncia já aconteciam antes do Governo Bolsonaro (desmatamento e incêndios nos biomas brasileiros, garimpo e mineração em terras indígenas têm sido historicamente comuns, com maior ou menor intensidade, em outros governos.). Por que essa denúncia só agora?R: É secular a violação aos direitos dos povos indígenas, bem como os riscos de desmatamento e exploração da Amazônia. Mas é inédita a construção de uma política anti-indígena, sistemática e intencional. É a primeira vez que se vê a desconstrução da infraestrutura de proteção dos direitos indígenas e dos direitos socioambientais. A Funai, por exemplo, de órgão de garantia dos direitos indígenas, se transformou em órgão de perseguição. Também é a primeira vez que se vê um presidente se posicionar contrariamente à demarcação de terras indígenas e o incentivo da atuação ilegal de garimpeiros e grileiros.  Associado à política anti-nindígena, há um discurso discriminatório e violento contra os povos indígenas que surte efeitos concretos. Não se tratam apenas de discursos, mas de ações concretas e concatenadas, todas indicadas na comunicação.
P: Por que o TPI deve discutir este caso?R: Sabemos que é um desafio para o Tribunal Penal Internacional lidar com fatos que envolvam países com algum grau de democracia. Historicamente, o Tribunal tem voltado suas atenções para situações de conflitos deflagrados. Mas o que os povos indígenas mostram ao TPI é que é possível o cometimento dos crimes mais graves em ambiente de desdemocratização, como o brasileiro. Sob o comando do Presidente Jair Bolsonaro foi instituída uma política anti-indígena sistemática a intencional que pde ser tecnicamente enquadrada como genocídio e como crimes contra a humanidade contra povos indígenas e tradicionais do país. É essencial, portanto, que o Tribunal Penal Internacional fique ciente dos relatos específicos desses impactos sobre os povos isolados e de recente contato, sobre os Munduruku, sobre os Yanomami, os Guarani-Mbya e Kaigang, os Guarani-Kaiowá, os Tikuna, os Guajajara e os Terena. Com a apresentação da situação geral do país e dos relatos específicos desses povos é que se espera é que os crimes cessem e que a comunidade internacional possa ficar atenta às violações que ainda estão em curso no país e que podem tomar proporções ainda mais graves caso não haja medidas efetivas.
P: Por que a escolha de levar o caso a uma corte internacional?R: O sistema de justiça brasileiro não tem sido capaz de oferecer respostas, mais especificamente a responsabilização do presidente da República pela sua política anti-indígena. Nenhum destes atos gravíssimos que são apresentados na comunicação sequer foi objeto de investigação ou abertura de investigação formal contra o Presidente Jair Bolsonaro. Para o Tribunal Penal Internacional, é preciso demonstrar que não haja uma efetiva investigação ou que não se espere independência e imparcialidade de investigadores e juízes. O Presidente Jair Bolsonaro tem demonstrado nenhum apreço à independência das instituições, como ficou comprovado pelas sucessivas interferências na Polícia Federal, a forma como controla a Procuradoria Geral da República, com a nomeação de um procurador totalmente alinhado com suas com suas ideias inconstitucionais, e as investidas contra o Supremo Tribunal Federal. 
P: Tendo em vista a morosidade do TPI diante de casos de grande relevância, quais impactos concretos vocês esperam a partir da denúncia?R: Há uma responsabilidade da APIB, como associação representativa dos povos indígenas brasileiros, de acionar todos os mecanismos disponíveis para prevenir, reparar ou responsabilizar o genocídio dos povos tradicionais e as demais violações de direitos humanos que estamos sofrendo. Essa comunicação, em conjunto com as que já foram apresentadas, reforça o alerta ao sistema internacional de que o que estamos passando no Brasil é intolerável. Nosso principal objetivo é demonstrar à Procuradoria do Tribunal Penal Internacional a gravidade do que está acontecendo no Brasil em relação aos povos indígenas, tradicionais e ao meio ambiente, apresentando relatos específicos da gravíssima situação vivida por alguns povos (Munduruku, Yanomami, Guarani-Mbya e Kaigang, Guarani-Kaiowá, Tikuna, Guajajara e Terena).  
P: Não seria um exagero falar em genocídio?R: Não. O crime de genocídio exige um ato típico com a intenção especial de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso enquanto tal, seja por ofensas graves à integridade física e mental (artigo 6.b) ou pela sujeição intencional a condições de vida com vista a provocar sua destruição total ou parcial (artigo 6.c). A existência de uma política anti-indígena sistemática e intencionalmente promovida pelo Presidente Jair Bolsonaro causa severos danos físicos e mentais e procura sujeitar os povos indígenas a condições tais que podem gerar sua destruição, seja pela desassistência de saúde, insegurança alimentar, contaminação por Covid ou por metais em razão da expansão do garimpo ilegal e da invasão de terras. 

As consequências dessa política anti-indígena estão especificamente descritas para os povos isolados e de recente contato, para os Munduruku, os Yanomami, os Guarani-Mbya e Kaigang, os Guarani-Kaiowá, os Tikuna, os Guajajara e os Terena.
P: Que tentativas foram promovidas previamente pelos autores da denúncia junto ao sistema de justiça do Brasil?

R: Os povos indígenas atuam diretamente em diversas instâncias, mas a ação penal contra o Presidente da República é de competência privativa do Procurador-Geral da República.


P: Por que a comunicação menciona ecocídio, que não é um tipo previsto no Estatuto de Roma?

R: Ecocídio já é interpretado pela Procuradoria do TPI como uma forma por meio da qual se pode dar o cometimento de crimes contra a humanidade e genocídio, ou seja, a destruição do meio ambiente e dos recursos naturais como forma de atacar sistematicamente um grupo. Há, de fato, o debate sobre a sua tipificação. A comunicação da APIB pode colaborar para ambos os casos: avançar na interpretação já dada pela Procuradoria do TPI e estimular o debate internacional sobre uma possível tipificação.

A menção ao ecocídio é feita para apontar que os ataques ao meio-ambiente, às matas, às águas, às florestas, ferem de morte a humanidade. Ainda que não haja um tipo penal que o defina no ordenamento jurídico do TPI, o debate decolonial que o apresenta no mundo da vida é urgente. E ele servirá de pano de fundo para comprovar a gravidade do que está acontecendo no Brasil em relação aos crimes tipificados e cometidos contra os povos indígenas (genocídio e crimes contra a humanidade).
P: Por que nenhum ministro (do Meio Ambiente, por exemplo) foi incluído?

R: Porque quem manda e é responsável pelas ordens cumpridas pelo Ministro do Meio Ambiente e outros órgãos do governo federal é o Presidente Jair Bolsonaro, mentor da política anti-indígena em curso no Brasil.
P: Como foi a construção deste Comunicado?

R: O Comunicado apresentado pela APIB foi construído coletivamente, desde o início. Uma peça judicial com essa complexidade demanda a convergência de profissionais diversos para que fosse elaborada.

No início do segundo semestre de 2020, representantes da APIB e do Coletivo Advocacia em Direitos Humanos – CADHu e da Comissão Arns (que apresentaram uma denúncia em novembro de 2019 ao TPI, e que segue em avaliação) estiveram em contato com o objetivo de tratar do Comunicado autônomo que a APIB desejava construir.

A partir disso, definiu-se uma metodologia para que os advogados e advogadas indígenas pudessem aprender sobre o funcionamento da jurisdição do TPI, os crimes ali previstos, os requisitos de uma denúncia etc.. A APIB convocou lideranças indígenas e organizações parceiras para participar de uma agenda de formação sobre o tema. As oficinas foram realizadas em parceria com a Clínica de Litigância Estratégica da FGV/SP, e contou com vários especialistas sobre temas distintos afetos ao TPI.

A partir dessas oficinas, construiu-se um roteiro e houve a formação de grupo de profissionais da APIB, do CADHu, da Comissão Arns e consultores de organizações parceiras para a elaboração da minuta do Comunicado. Esse grupo analisou fontes documentais, normativas, jornalísticas, bem como colheu depoimentos testemunhais para a elaboração da peça. A construção coletiva desse Comunicado durou um período de aproximadamente um ano.

 

JUSTIÇA PARA DAIANE KAINGANG

JUSTIÇA PARA DAIANE KAINGANG

Na última quarta-feira (04), um crime bárbaro foi cometido no Setor Estiva, na Terra Indígena do Guarita, em Redentora, no Rio Grande do Sul, contra uma jovem parenta de 14 anos. Daiane Griá Sales, do povo Kaingang, foi encontrada morta em uma plantação nos arredores da comunidade, suas partes íntimas estavam dilaceradas.

A violência contra os povos indígenas tem se intensificado a cada dia. Assassinam nossos jovens, nossas mulheres, nossas lideranças; roubam nossas terras e querem tirar nossos direitos. A violência contra as mulheres indígenas é intensa desde a invasão portuguesa. Mulheres que são a vida do nosso povo, mulheres que curam mulheres guerreiras.

A Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em conjunto com todas as organizações regionais de base, repudiam toda e qualquer violência contra mulheres indígenas e exige que a justiça seja feita a quem cometeu tal atrocidade.

Não podemos aceitar que nossas vidas continuem sendo ceifadas, e que nossos direitos sejam retirados, ainda mais quando falamos do nosso direito maior, o direito à vida!

Somos Daiane Griá Kaingang
Exigimos justiça!

#vidasindígenasimportam
#emergênciaindígena

Manifesto das Mulheres Indígenas do Brasil contra a barbárie cometida à jovem Daiane Kaingang, de 14 anos

Manifesto das Mulheres Indígenas do Brasil contra a barbárie cometida à jovem Daiane Kaingang, de 14 anos

A Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), viemos por meio deste manifesto repudiar e denunciar o crime de barbárie cometida na tarde desta quarta-feira (04), no Setor Estiva, da Terra Indígena do Guarita, no município de Redentora, contra a jovem de apenas 14 anos, Daiane Griá Sales, indígena Kaingáng, moradora do Setor Bananeiras da Terra Indígena do Guarita. A jovem Daiane foi encontrada em uma lavoura próxima a um mato, nua e com as partes inferiores (da cintura para baixo) arrancadas e dilaceradas, com pedaços ao lado do corpo.

Temos visto dia após dia o assassinato de indígenas. Mas, parece que não é suficiente matar. O requinte de crueldade é o que dilacera nossa alma, assim como literalmente dilaceraram o jovem corpo de Daiane, de apenas 14 anos. Esquartejam corpos jovens, de mulheres, de povos. Entendemos que os conjuntos de violência cometida a nós, mulheres indígenas, desde a invasão do Brasil é uma fria tentativa de nos exterminar, com crimes hediondos que sangram nossa alma. A desumanidade exposta em corpos femininos indígenas, precisa parar!

Estamos aqui, reivindicando justiça! Não deixaremos passar impune e nem nos silenciarão. Lutamos pela dignidade humana, combatendo a violência de gênero e tantas outras violações de direitos. As violências praticadas por uma sociedade doente não podem continuar sendo banalizadas, naturalizadas, repleta de homens sem respeito e compostura humana, selvageria, repugnância e macabrismo. Quem comete uma atrocidade desta com mulheres filhas da terra, mata igualmente a si mesmo, mata também o Brasil.

Mas saibam que o ÓDIO não passará! Afinal, a violência praticada não pode passar impune, nossos corpos já não suportam mais ser dilacerados, tombado há 521 anos. Que o projeto esquartejador empunhado pela colonização, violenta todas nós, mulheres indígenas há mais de cinco séculos.

Somos 448 mil Mulheres Indígenas no Brasil que o estrupo da colonização não conseguiu matar e não permitiremos que a pandemia da violência do ódio passe por cima de nós.
Parem de nos matar! A cada mulher indígena assassinada, morre um pouco de nós.

Vidas indígenas importam. Gritaremos todos os dias, a cada momento, vidas indígenas importam. E a vida de Daiane importa. Importa para sua família, para seu povo. Importa para nós mulheres indígenas.

DEPUTADOS LEGALIZAM O ROUBO DE TERRAS E MOVIMENTO INDÍGENA SEGUE NA LUTA POR DIREITOS

DEPUTADOS LEGALIZAM O ROUBO DE TERRAS E MOVIMENTO INDÍGENA SEGUE NA LUTA POR DIREITOS

No início da noite desta terça-feira (03 de agosto), deputados ligados ao agronegócio e à base do governo Bolsonaro, aprovaram o Projeto de Lei 2633, conhecido como PL da Grilagem. A proposta votada aumenta a violência contra povos indígenas, quilombolas e agricultores familiares e não foi apresentada anteriormente à sociedade civil, postura típica de regimes antidemocráticos. Agora, o projeto segue para votação no Senado e o movimento indígena continua na luta por direitos.

A justificativa apresentada para a aprovação deste Projeto de Lei seria a necessidade de regulamentar terras para pequenos agricultores. Entretanto, o Brasil já dispõe de políticas para reforma agrária e destinação de terras que precisam apenas ser implementadas de forma efetiva. O fato é que o texto aprovado, legaliza o ilegal: regulariza terras apropriadas de maneira criminosa, em processos que muitas vezes incluem atos violentos contra povos indígenas e comunidades tradicionais.

Grilagem, para quem não conhece a expressão, é o nome dado à invasão, ocupação e comércio ilegal de áreas públicas. É esse tipo de ato que o Projeto de Lei aprovado ontem legaliza no Brasil. A prática está ligada ao desmatamento e à destruição da biodiversidade e ameaça diretamente povos originários que ocupam tradicionalmente as terras usurpadas pelos grileiros.

Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), cerca de 30% dos desmatamentos e queimadas na Amazônia ocorreram em terras públicas não destinadas, que foram possivelmente alvo de grilagem. Ainda, estudos do Imazon estimam que caso o PL 2633 entre em vigor como lei, poderá ocasionar um desmatamento adicional de até 16 mil quilômetros quadrados, área quase 3 vezes o tamanho do Distrito Federal.

O roubo de terra pública não é novidade no Brasil. O que é inédito é que o Poder Público, que deveria zelar pelo bem comum, resolva descaradamente premiar ladrões e usurpadores com a regularização da terra fruto de roubo. Esta aberração ética e jurídica coloca nossas florestas, nossa biodiversidade e os povos que delas dependem – especialmente os povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares – de joelhos frente à violência que são típica dos processos de invasão e apropriação ilegal de terras.

No momento em que o mundo todo discute formas de manter as florestas em pé como uma solução para as mudanças climáticas, o governo brasileiro segue “passando a boiada”, abrindo caminho para o aumento das taxas de desmatamento, o que vai contra seus próprios compromissos para zerar o desmatamento ilegal.

Os povos indígenas manifestam seu repúdio frente a este absurdo e irresponsável sinal emanado daquela que se auto-nomeia “Casa do Povo”. Com a aprovação deste projeto, a Câmara demonstra que está se convertendo na casa dos ruralistas, dos desmatadores, dos grileiros – de todos estes, menos do povo.

Lideranças Marubo divulgam carta de repúdio contra coordenador da Funai no Vale do Javari

Lideranças Marubo divulgam carta de repúdio contra coordenador da Funai no Vale do Javari

Henry Charlles, tenente de reserva do Exército, ameaçou e incentivou indígenas do Povo Marubo a “meter fogo” em indígenas isolados da região

Após divulgação de um áudio do Coordenador da Coordenação Regional (CR) Vale do Javari, da Fundação Nacional do Índio (Funai), o tenente da reserva do Exército Henry Charlles Lima da Silva, onde ameaça “meter fogo” em indígenas isolados da região, a Organização das Aldeias Marubo do Rio Itui (OAMI) divulgou uma carta de repúdio contra o coordenador onde afirma que “o extermínio nunca será a solução” e denuncia o descaso do órgão com os povos indígenas.

A ameaça aos indígenas isolados por meio de áudio foi obtida e divulgada pelo jornal Folha De São Paulo nesta quinta-feira (22). Segundo a matéria, o coordenador encorajou líderes do Povo Marubo a disparar contra indígenas isolados caso eles fossem “importunados” por eles. A imprensa confirmou a veracidade dos áudios.

Em carta assinada pela diretoria da OAMI, as lideranças explicam que a política interna do Povo Marubo é proteger toda coletividade que habita o Vale do Javari.

“A orientação de guerra declarada pelo atual Coordenador da CR-Vale do Javari não será processada em nossas mentes, pois temos ciência que o Javari é um território compartilhado por distintos povos, e a nossa maior guerra é combater o descaso e a inoperância da Funai. E a arma que os povos indígenas usam é o diálogo”, destaca a carta.

A diretoria da OAMI cobra ainda que “o mesmo entusiasmo declarado pelo Coordenador da CR do Vale do Javari fosse usado para combater a invasão de nosso território pelos madeireiros, caçadores, narcotraficantes que usam nosso território para suas práticas ilícitas”.

Sobre um sequestro de uma mulher da aldeia dos Marubo por indígenas isolados ocorrido há pouco mais de 15 dias, a OAMI afirma no documento que “por inúmeras vezes” informou a coordenação regional do Vale do Javari e à Frente de Proteção Etnoamabiental, sobre a presença de índios isolados próximo às aldeias do Alto Rio Ituí, porém a morosidade institucional não permitiu o pronto atendimento das demandas em pauta.

“Infelizmente, nossos argumentos sobre o assunto não foram recepcionados pelos órgãos indigenista como prioridade, e, somente após o ocorrido no dia 07/06/2021 (quando os índios isolados levaram uma mulher da aldeia Paulinho) foi que a Coordenação Regional Vale do Javari/Funai, resolveu acreditar”, afirma a diretoria no documento.

Confiram o documento na íntegra aqui.

O Brasil está doente e os povos indígenas são a cura deste país!

O Brasil está doente e os povos indígenas são a cura deste país!

Há 521 anos esta terra é marcada por violações, pelo racismo e genocídio. São séculos de tentativas de subjugação de povos, de culturas e de territórios. Hoje, quando não são apenas armas dilacerando corpos, canetas assinam leis de extermínio. Quando não são apenas criminosos atacando diretamente, governos se omitem do seu dever de proteção. E por mais que as lutas se sobreponham, não permitiremos!

Somos os primeiros desta terra, antes de o Brasil ser Brasil.

Contra projetos de lei que violam a própria constituição, seguiremos mobilizados na capital federal soando nossos maracás e entoando nossos cânticos, entre os dias 22 e 28 de agosto.

Fazemos esse chamado, ainda durante a pandemia, porque não podemos calar diante de um genocídio e um ecocído, que a Terra grita mesmo quando estamos em silêncio. Que o país ouça seus povos originários. Nossas vidas estão vinculadas à terra, pois com ela vivemos em comunhão. Somos os guardiões da floresta e de todas as formas de vida que nela habitam. Frente a um Congresso que avança em uma agenda anti-indígena e contra o Marco Temporal, previsto para ser votado no STF dia 25 de agosto resistiremos!

Vamos à Brasília vacinados, com todas as precauções de higiene contra a Covid-19, tocar nossos maracás para garantir os direitos dos povos indígenas.

Venham parentes para o acampamento LUTA PELA VIDA.

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Na ONU, Apib e Cimi denunciam medidas anti-indígenas e questionam governo brasileiro

Na ONU, Apib e Cimi denunciam medidas anti-indígenas e questionam governo brasileiro

Apelo foi feito na mesma semana em que o Brasil foi citado por risco de atrocidade contra povos indígenas; governo brasileiro tentou fazer tréplica, mas não foi atendido

Por Adi Spezia e Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação do Cimi.

Foto capa Andressa Zumpano/Articulação das Pastorais do Campo

Em declaração conjunta durante a 14ª Sessão do Mecanismo de Peritos sobre Direitos dos Povos Indígenas da ONU (EMRIP), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denunciaram nesta quarta (14) medidas do governo brasileiro e do Congresso Nacional que atacam os direitos dos povos indígenas no Brasil, como o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que na prática inviabiliza demarcações de terras indígenas, e a tese do marco temporal.

Na oportunidade, as organizações também questionaram a manifestação do governo brasileiro, que havia defendido, em sua fala, uma normativa recentemente imposta pelo governo brasileiro e que é amplamente questionada por organizações indígenas, indigenistas, socioambientais e até pelo Ministério Público Federal (MPF) por enfraquecer os direitos constitucionais indígenas.

O evento tem como objetivo ouvir os povos indígenas e suas organizações, nesta edição devido a pandemia foi realizado em formato virtual e discutiu sobre a autodeterminação dos povos e o direito das crianças indígenas. O EMRIP é um mecanismo único, onde todos seus membros são povos indígenas. “É um mecanismo muito importante para a comunidade indígena mundial, liderado pelos povos indígenas”, explica Paulo Lugon Arantes, assessor internacional do Cimi.

No tempo estipulado à Apib e ao Cimi, Arantes, falando em nome das organizações, destacou a gravidade do marco temporal e dos mais de 30 outros projetos em tramitação no Congresso brasileiro que violam o direito à livre determinação dos povos originários. O PL 490, recentemente aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, foi destacado como uma das principais ameaças aos direitos indígenas hoje.

“O marco temporal é desastroso porque deixará uma marca incalculável de exclusão e marginalização de povos que ainda não tiveram seus territórios demarcados ou que foram expulsos de seus territórios tradicionais”, destacou Paulo.

As organizações ainda denunciaram a agenda anti-indígena do governo brasileiro, o que levou a Conselheira Especial da ONU para a Prevenção do Genocídio, Wairimu Nderitu, manifestar preocupação inédita com a situação os povos indígenas no Brasil.

“O presidente Bolsonaro tem uma agenda claramente anti-indígena, o que levou a assessora da ONU pela prevenção do genocídio incluir o Brasil no Mapa de Atrocidades do Mundo”, afirmou o assessor, em nome da Apib e do Cimi.

Normativa conjunta
Em sua manifestação na sessão com o EMRIP, o governo brasileiro defendeu a Instrução Normativa Conjunta 01/2021, publicada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em fevereiro.

Segundo o representante do Itamaraty na sessão, a normativa teria garantido aos povos indígenas “autonomia para definir seus próprios procedimentos em relação ao licenciamento ambiental de projetos econômicos dentro de suas terras, quando o empreendedor é uma organização indígena, dentro dos limites da legislação nacional”.

“Povos indígenas podem escolher desenvolver atividades geradoras de lucro em suas terras. Tais iniciativas de fortalecimento econômico contam com total apoio do governo federal”, ressaltou o governo brasileiro.

A representação do Brasil fez questão de salientar, ainda, “a produção sustentável de grãos” realizada em três terras indígenas no Centro Oeste do país, seguindo o modelo produtivo do agronegócio, com monocultivos, uso de sementes transgênicas e agrotóxicos.

O fato de que milhares de comunidades e famílias indígenas produzem os mais variados alimentos de forma autônoma, orgânica e coletiva não foi mencionado pelo representante do Brasil.
A Apib e o Cimi, em seguida, questionaram a posição defendida pelo governo brasileiro. “Rechaçamos veementemente a intervenção do representante do Brasil quando menciona que a IN 01 do Ibama e da Funai é uma manifestação da autonomia dos povos indígenas do Brasil”, salientaram.

“Essa regulamentação não flexibiliza, mas enfraquece o licenciamento ambiental no Brasil. É uma tentativa de contornar as garantias constitucionais, como o usufruto exclusivo dos territórios por seus povos e, consequentemente, sua autodeterminação e autonomia. Essa normativa cria um procedimento de licença ambiental que nega o Consentimento Livre Prévio e Informado aos povos indígenas do Brasil”, afirmou Arantes, falando em nome das duas organizações.

A IN 01/2021 permite que “organizações mistas” de indígenas e não indígenas possam explorar economicamente as terras tradicionais, o que é vedado pela Constituição Federal. A participação de indígenas nestas organizações – que não necessariamente são representativas do povo ou da comunidade que vive naquele território – é utilizada pelo governo federal para justificar a medida.

“Basta que garimpeiros, madeireiros e fazendeiros aliciem alguns indígenas, convencendo-os a criar uma associação mista e, a partir de então, não haverá nenhum tipo de contenção ou limite”, avalia, em artigo, o coordenador do Cimi Regional Sul, Roberto Liebgott.

“Esse mecanismo levará ao acirramento de conflitos, colocando a vida dos indígenas em sério risco”, apontou o Cimi, em nota, à época da publicação da medida.

Para a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a IN 01/2021 dá “amparo legal para a invasão, nesses territórios, de estradas, fazendas, hidrelétricas, monoculturas e outros projetos que colocam em extremo risco os recursos naturais, a biodiversidade, a segurança e os modos de vida próprios dos povos indígenas”.
Para o MPF, a normativa conjunta da Funai e do Ibama viola a Constituição Federal e afronta os direitos constitucionais dos povos originários.

Apib e Cimi solicitaram, ao final de sua fala, que em seu trabalho de assessoria ao Estado brasileiro o mecanismo de peritos da ONU “leve em consideração esta norma, tendo em conta os graves riscos que ela impõe”.

Tréplica negada
Após a declaração conjunta, a representação do governo brasileiro pediu “direito de resposta”, pelo fato do país ter sido citado. A resposta, que seria uma tréplica, foi negada pela secretaria do EMRIP, que respondeu não haver direito de resposta frente ao mecanismo. “Os integrantes do EMRIP são os únicos membros do mecanismo e todos os demais são observadores”, explicou a secretaria.

“Essa prática não encoraja a participação de Estados-membros nas sessões do mecanismo e é autoritária”, retrucou a representação brasileira, que ainda tentou rebater os argumentos da Apib e do Cimi por meio de mensagens de texto.

“Estados nacionais, ONGs, todos os demais são observadores, por isso não existe direito de resposta”, explica Arantes. “O Brasil foi a única delegação que fez isso. Outras delegações de países que participavam do espaço receberam críticas, mas deixaram os povos indígenas falar”.

Veja, abaixo, a íntegra da manifestação conjunta da Apib e do Cimi:

14ª Sessão do Mecanismo de Peritos sobre Direitos dos Povos Indígenas
Consulta Regional, 14 de julho de 2021

Declaração Conjunta:
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Conselho Indigenista Missionário – CIMI

Agradecemos ao Mecanismo pelo estudo sobre os direitos dos povos indígenas e o direito à sua autodeterminação.

Apoiamos o marco principal do informe, o qual indica que o direito à sua determinação é a base legal para as relações entre povos indígenas e Estados, o que foi amplamente acolhido pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos. Na verdade, o direito à autodeterminação de povos indígenas têm raízes internacionalistas, com os membros da Escola Peninsular da Paz, no século XVI, antes da hecatombe da colonização das Américas.

Acreditamos que o direito à autodeterminação inscrito no Artigo 3 da Declaração têm uma relação estreita com todos os outros direitos neste instrumento. Neste momento, gostaríamos de focar no direito ao território.

Na experiência brasileira, a Escola Peninsular teve repercussões na Legislação Colonial Portuguesa, principalmente na Teoria do Indigenato, a qual garantia o direito originário dos povos indígenas, embora o poder colonial tenha sido responsável por várias atrocidades contra estes povos.

A teoria do Indigenato seguiu inúmeras Constituições brasileiras. A última Constituição de 1988, ao dedicar um capítulo aos povos indígenas, também reconhece o direito ancestral de seus povos originários ao território que tradicionalmente ocupam.

Porém, a equivocada tese do Marco Temporal discutida no Brasil defende que os direitos originários ao seu território por seu povo estão restritos a data da promulgação da Constituição. Esta tese é debatida no Supremo Tribunal Federal e por meio do Projeto de Lei 490.

O Marco Temporal é nefasto porque deixará um rastro incalculável de exclusão e marginalização de povos que ainda não tiveram seus territórios demarcados ou que foram expulsos de seus territórios tradicionais.

Mais de 30 outros projetos em tramitação no Congresso brasileiro violam o direito à liberdade de determinação e contrariam a recomendação mencionada no parágrafo 139 do informe.

O presidente Bolsonaro tem uma agenda claramente anti-indígena, o que levou a assessora da ONU pela prevenção do genocídio incluir o Brasil no Mapa de Atrocidades do Mundo, segundo seu último relatório.

Para concluir, rechaçamos veementemente a intervenção do representante do Brasil quando menciona que a IN 01 do IBAMA e da FUNAI é uma manifestação da autonomia dos povos indígenas do Brasil. Essa regulamentação não torna o licenciamento ambiental no Brasil mais flexível, mas o enfraquece. É uma tentativa de contornar as garantias constitucionais, como o usufruto exclusivo dos territórios por seus povos e, consequentemente, sua autodeterminação e autonomia.

Essa norma cria um procedimento de licenciamento ambiental que nega o consentimento livre prévio e informado aos povos indígenas do Brasil.

Solicitamos ao Mecanismo que, em seu trabalho de assessoria ao Estado Brasileiro, leve em consideração esta norma, tendo em conta os graves riscos que ela impõe.

Muito obrigado.

Vitória: Movimento indígena pressiona e Anglo American desiste de 27 autorizações para pesquisa de cobre em territórios

Vitória: Movimento indígena pressiona e Anglo American desiste de 27 autorizações para pesquisa de cobre em territórios

A Campanha para que a Anglo American, uma das maiores mineradoras do mundo, encerre seus planos de explorar territórios indígenas, teve início com o relatório Cumplicidade na Destruição III, em outubro de 2020. Mineradora ainda tem 86 interesses minerários ativos na base de dados da ANM que impactam territórios indígenas.

foto da capa: Aaron Ekraim

Pará, Brasil, 13 de julho de 2021 – A mineradora inglesa Anglo American se comprometeu formalmente em retirar da Agência Nacional de Mineração (ANM) 27 requerimentos aprovados para a pesquisa de cobre em territórios indígenas, localizados nos estados de Mato Grosso e do Pará. O compromisso foi informado, dia 24 de maio, após pressão do povo Munduruku, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e da Amazon Watch.

Do total de pedidos feitos pela Anglo American, que é uma das maiores mineradoras do mundo, e aprovados pela ANM, 13 impactavam diretamente a Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku, no sudoeste do Pará.

Segundo a mineradora, a ANM foi informada sobre a retirada e a empresa aguardava pela atualização do banco de dados da Agência. Em sua resposta por email à Apib, a Anglo American afirma que com base nas preocupações levantadas pelas organizações e na oposição dos grupos indígenas contra a mineração em seus territórios, reavaliou essas licenças e tomou a decisão de retirar todas as 27.

“É uma vitória, mas queremos saber se a Anglo American vai realmente cumprir a sua palavra ou se ela vai voltar ao nosso território com outros meios, como o governo faz criando novas leis para entrar em território indígena. Nós resistimos e vamos continuar a resistir. São muitos ataques que sofremos, com projeto de lei dentro do Congresso, com madeireiros, garimpeiros, palmiteiros e grileiros dentro do nosso território. Então, a gente não confia, vamos confiar apenas se daqui dois, três anos, nós pudermos viver em paz. Que a Anglo American cumpra a sua palavra, porque tudo que sai no papel a gente não acredita, a Constituição é para ser respeitada, mas ela está sendo violada e rasgada”, afirma Alessandra Munduruku, vice coordenadora da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa).

A campanha para que a Anglo American retirasse todos os requerimentos protocolados na ANM que impactassem territórios indígenas teve início após a publicação do relatório Cumplicidade na Destruição III, publicado pela APIB e Amazon Watch, em outubro de 2020, que apontava que a mineradora tinha quase 300 requerimentos de pesquisa registrados que incidiam sobre 18 Terras Indígenas na Amazônia, algumas com a presença de povos indígenas isolados. O alvo mais recente da mineradora inglesa havia sido a TI Sawré Muybu, no Médio Tapajós, onde vive o povo Munduruku. Cinco pedidos foram feitos de 2017 a 2019.

Confrontada com esses dados diversas vezes desde o lançamento do relatório e da campanha, a Anglo American se posicionou reiteradamente afirmando ter desistido de todos os pedidos de exploração mineral em áreas localizadas em terras indígenas no Brasil. No entanto, um levantamento de julho de 2021 do projeto Amazônia Minada, do InfoAmazonia, mostra que a Anglo American ainda possui 86 interesses minerários ativos na base de dados da ANM que impactam territórios indígenas.

“A decisão da Anglo American é importante e um resultado direto da resistência dos povos indígenas à mineração em nossos territórios. Mas esta decisão não é suficiente, porque não podemos esquecer que a mineradora ainda tem dezenas de pedidos para exploração mineral que afetam outros territórios indígenas. Portanto, seguiremos firmes com nosso chamado inicial à Anglo American: comprometer-se publicamente a não minerar em nenhum território indígena no Brasil. A maioria dos povos e as comunidades indígenas do Brasil não comunga com os anseios de uma minoria de indivíduos indígenas que se iludem e dobram às camufladas más intenções deste governo”, afirmou Eloy Terena, coordenador jurídico da Apib e assessor jurídico da Coiab.

Nos últimos dois anos, sob gestão do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, o Brasil bateu recorde de registros de pedidos de mineração dentro de terras indígenas. Segundo levantamento do Amazônia Minada, em 2020, um total de 143 requerimentos de mineração que afetam terras indígenas foram protocolados, e não rejeitados, na ANM — foi o maior número em 24 anos, quase três vezes o resultado de 2018, último ano antes de Bolsonaro assumir a Presidência. Uma onda de pedidos surgiu depois que Bolsonaro apresentou o Projeto de Lei 191, em fevereiro de 2020, que prevê a regularização da exploração mineral de terras indígenas, cumprindo assim uma de suas promessas de campanha mais controversas. Ainda mais preocupante, 71 dos 143 pedidos feitos em 2020 foram em terras onde a Funai tem registros da existência de povos indígenas isolados.

Apenas na TI Yanomami, terra indígena brasileira com maior área formalmente requisitada para mineração, são cerca de 3,3 milhões de hectares (34,3% da área total da TI) requeridos para extração mineral em 500 pedidos registrados na ANM — uma extensão territorial maior do que a Bélgica (3 mi ha) ou que o estado de Alagoas (2,7 mi ha) em disputa com mineradores. Quase um terço de todos esses pedidos registrados buscam por ouro. Foram diversos ataques a comunidades Yanomami por garimpeiros ilegais nos últimos dois meses.

“As empresas que seguem fazendo esses pedidos, mesmo cientes dos conflitos que a mineração tem levado ao território indígenas, estão colaborando com o projeto de destruição levado a cabo pelo governo Bolsonaro. Com a ameaça do projeto de lei 191/2020 cada vez mais próxima, seguiremos em campanha para que as gigantes da mineração, como a Anglo American, assumam uma postura compatível com os direitos indígenas e se posicionem contra essa proposta”, afirma Rosana Miranda, consultora de campanhas da Amazon Watch.

APIB leva para Comissão Interamericana denúncias para evitar novo massacre aos povos Munduruku, Yanomami e Guajajara

APIB leva para Comissão Interamericana denúncias para evitar novo massacre aos povos Munduruku, Yanomami e Guajajara

Agravamento da violência durante a pandemia da Covid-19 nos territórios indígenas será o foco das denuncias.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recebe nesta quinta-feira, 1 de julho, denuncias das organizações indígenas e lideranças dos povos Munduruku, Yanomami e Guajajara sobre o agravamento das violências nos territórios no período da pandemia da Covid-19. A ação faz parte do 180º Período de Sessões da Comissão e atende solicitação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em conjunto com a Coordenação dos Povos Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn e Associação Hutukara e outros parceiros.

“A escalada da violência prenuncia resultados ainda mais trágicos, e por isso é indispensável que todas as medidas cabíveis a esta egrégia Comissão sejam tomadas.”, destaca trecho do comunicado enviado à CIDH para solicitar a audiência que acontece hoje (1). Acesse o comunicado feito à CIDH aqui

No dia 18 de junho, o Supremo Tribunal Federal determinou, de forma unânime, a proteção dos povos Munduruku e Yanomami para evitar novos massacres nos territórios. A corte decidiu sobre pedido feito pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) pela retirada urgente de invasores, especialmente das Terras Indígenas (TIs) Munduruku, no Pará, e Yanomami, em Roraima, e pela garantia da integridade física das pessoas ameaçadas nesses locais.

As invasões aos territórios indígenas aumentaram durante a pandemia de covid-19, e estão agravando as violências contra comunidades e lideranças, provocando surtos de doenças além do novo coronavírus, como a malária, e intensificando a degradação ambiental. A solicitação da Apib ao STF para proteção dos territórios foi feita no âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709. Acesse a íntegra do pedido aqui.

Sessão

A audiência com a CIDH para denunciar as violências cometidas contra os povos indígenas está com previsão de início para 12h (horário de Brasília) e será transmitida online nas redes sociais da comissão. Durante a 180º Período de Sessões da da comissão serão realizadas diversas denúncias sobre as violações de direitos cometidas no Brasil no período da pandemia da Covid-19.

Participam da audiência que evidencia o contexto dos povos indígenas o coordenador jurídico da Apib, Eloy Terena, a vice presidente da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), Alessandra Munduruku, o vice presidente da associação Hutukara, Dario Yanomami, a coordenadora da Associação Wakoborũn Leusa Munduruku e o lider indígena Júlio Ye’kwana.