Não aceitamos negociar nossos direitos!

Não aceitamos negociar nossos direitos!

Associação Indígena Tato’a repudia ação do Governo Federal que apoia invasão da TI Apyterewa (PA). Lei a carta com as denuncias feitas pelo povo Parakanã:

Associação Indígena Tato’a, que representa o povo e as comunidades Parakanã da Terra Indígena Apyterewa, sul do estado do Pará, vem ao público manifestar o repúdio à tentativa do Governo Federal de promover atos que, de forma assediosa e enganosa, visam forçar uma conciliação do nosso povo com os invasores da terra indígena, com objetivo de reduzir o nosso território tradicional.

No último dia 18 de outubro de 2020 fomos surpreendidos por uma agenda com representantes do Ministério das Mulheres, Família e Direitos Humanos, na sede de uma fazenda localizada irregularmente dentro do nosso território, na região conhecida como Paredão. Inicialmente, algumas das nossas lideranças foram chamadas para participarem de reunião na base de proteção da Funai, com objetivo de tratar da invasão da terra indígena. No meio do caminho foram deslocados para sede de uma Fazenda na região do Paredão, na qual já se encontravam representantes do Ministério de Direitos Humanos, representantes dos invasores e da prefeitura de São Félix do Xingu. Neste momento, ficou claro o objetivo da reunião: pressionar as lideranças presentes para aceitarem a proposta de redução dos limites do território. Não por outra razão, a reunião foi feita às escondidas, na sede da fazenda de um ocupante irregular, sem presença do Ministério Público Federal, ou mesmo da Funai, com algumas poucas lideranças do povo Parakanã. Mais uma artimanha do Governo Federal, aliado com os invasores e com a Prefeitura de São Félix, para causar divisão interna e confundir as lideranças do povo Parakanã, com a eterna promessa de que a redução do território resolverá os conflitos e trará paz ao povo Parakanã.

Mais uma vez vimos deixar claro para os toria (“não indígenas”) e para as autoridades que temos uma instância política de tomada de decisão coletiva sobre quaisquer questões que envolvam nosso território e afetem nossos direitos coletivos que é o Conselho do povo Parakanã. Qualquer reunião feita com poucas lideranças – seja a reunião do último dia 18 de outubro com representantes do Ministério do Direitos Humanos seja outras reuniões –, não tem qualquer validade e não representa a legítima manifestação do nosso povo.

Não esquecemos nunca que o nosso território já foi reduzido no passado com essa mesma conversa de agora do Governo, que esse seria o caminho para trazer paz para o nosso povo. A terra foi reduzida, antes de sua homologação, e a questão da invasão do nosso território não foi resolvida. Ao contrário, mais invasores entraram no nosso território e hoje a terra indígena Apyterewa está como uma das mais desmatadas do Brasil pela atuação de fazendeiros, garimpeiros, madeireiros e colonos. Esse é o jeito do toria, sempre querem mais, destroem tudo e nunca pensam no futuro.

Já a bastante tempo, temos solicitado apoio de diversos órgãos na proteção do nosso território. O Ibama fez algumas ações, mas a pressão política foi mais forte, suspendendo uma operação em março, que acabou com a demissão de parte das

pessoas que estavam nos ajudando. Hoje, vimos que está em curso outra operação do Ibama na nossa terra e que existem grandes manifestações contra ela, apoiando as ilegalidades contra nosso povo e nossa terra. Por isso declaramos nosso total apoio para a operação e reforçamos sua necessidade.

Reafirmamos que a terra indígena Apyterewa está homologada desde de 2007 e encontra-se devidamente registrada na Secretaria do Patrimônio da União – SPU, cumprindo toda legislação que regulamenta o processo de demarcação de terras indígenas. O próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu a legalidade do decreto homologatório e todos os processos judiciais que questionaram o processo de demarcação da terra indígena Apyterewa foram favoráveis ao povo Parakanã, atestando a legalidade de demarcação e validade do relatório antropológico que reconheceu nosso território tradicional.

A Constituição Federal de 1988 estabelece que os direitos dos povos indígenas sobre seus territórios tradicionais são indisponíveis, inalienáveis e imprescritíveis. A ação do Governo de querer propor a redução do nosso território, assediando e dividindo nossas lideranças é uma medida claramente inconstitucional. Sabemos que é dever da UNIÃO demarcar e proteger nosso território tradicional, garantindo uma terra livre de invasores. Essa sempre foi a luta dos nossos antepassados e segue sendo nossa luta. Uma luta por nossos direitos.

Portanto, vimos a público mais uma vez para reforçar que nós, povo Parakanã da Terra Indígena Apyterewa, NÃO ACEITAMOS A TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO!!! Não aceitamos negociar nossos direitos! Desintrusão da Terra Indiígena Apyterewa JÁ!

Associação Indígena Tato’a
Terra Indígena Apyterewa, 29 de Novembro de 2020

Nota do povo Matis sobre o avanço de Covid-19 em aldeias do Vale do Javari

Nota do povo Matis sobre o avanço de Covid-19 em aldeias do Vale do Javari

Contaminação de indígenas de recente contato dispara alerta sobre falta de assistência médica e testes de Covid-19 no Vale do Javari. A Associação Indígena Matis informa, em nota, a confirmação de 6 casos de infecção pelo novo coronavírus e chama atenção para falta de testagem na região.

Em reportagem publicada no final de outubro, a agência de jornalismo Amazônia Real noticia a contaminação de outros povos no TI Vale do javari e detalha a situação de negligência vivida na região.

Leia íntegra da nota:

Comunicamos a todos que no dia 3 de novembro foram registrados os dois primeiros casos de Coronavírus na aldeia Kudaya do povo Matis. No dia 4 do mesmo mês, 3 casos positivos foram registrados na aldeia Tawaya. No dia 17 do mesmo mês, mais um caso foi confirmado na aldeia Kudaya. No geral, até agora, foram registrados 4 casos positivos assintomáticos e 2 casos com sintomas leves. Nas demais aldeais, Bukuwak, Rio Branco e Nova Geração, não foi diagnosticado o Coronavírus por falta de testes, mas muitas pessoas apresentaram sintomas como febre, dor no corpo, diarreia, dor de garganta, dor de cabeça, dor no peito e outros, segundo relatos da equipe de saúde local.

Recebemos uma doação de uma Unidade de Atendimento Primário Indígena (UAPI) da ONG Expedicionários da Saúde, mas os equipamentos estão armazenados no depósito e precisam de instalação com urgência, já que esse vírus já está entre nós. Também precisamos urgentemente de testes rápidos e de equipes de saúde de resposta rápida para diagnosticarmos os presentes casos. Além disso, precisamos de medicamentos próprios de tratamento do Coronavírus que não existem nas aldeias. Essas medidas urgentes precisam ser tomadas o mais rápido possível para conseguirmos conter o avanço do Coronavírus entre o nosso povo. Importante falar, que o povo Matis durante muito tempo, desde o início da pandemia na região, em março de 2020, fez Barreiras Sanitárias por conta própria e do nosso jeito para evitar que esse vírus circulasse entre nós.

O povo Matis já passou na década de 70, por episódios muito dolorosos de epidemias de gripe, que mataram muitos dos nossos velhos nos deixando órfãos. Essas doenças nos deixaram muito triste, pois mataram mais da metade do nosso povo e apenas 1/3 de nossa população sobreviveu. Por isso, temos muito medo que com este novo Coronavírus, por ser um vírus desconhecido que nenhum de nossos pajés pode curar, aconteça o mesmo que aconteceu na década de 70, levando à morte dezenas ou centenas de pessoas.

Assim, pedimos socorro dos parceiros nacionais e internacionais e também dos órgãos públicos e representativos como DSEI Vale do Javari, FUNAI, UNIVAJA, CONDISI, para que nos ajudem a evitar a propagação do Coronavírus em nossas aldeias.

Acesse a Nota do povo Matis sobre o avanço do Coronavírus (Covid-19) em suas aldeias da Terra Indígena Vale do Javari

 

 

Após pressão do movimento indígena, governo institui portaria de recriação do controle social na Saúde Indígena

Após pressão do movimento indígena, governo institui portaria de recriação do controle social na Saúde Indígena

Após 19 meses de extinção dos espaços de participação social pelo governo Bolsonaro e oito meses de pandemia da Covid-19, e de muita pressão do movimento indígena, o Ministério da Saúde reestabelece o controle social no âmbito do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS).

A portaria n. 3.021, de 4 de novembro de 2020, publicada hoje (13) no Diário Oficial da União, recria os Conselhos Locais (CLSIs), os Conselhos Distritais (CONDISIs), e o Fórum de Presidentes de Conselhos Distritais da Saúde Indígena (FPCondisi), instâncias de participação na construção das politicas públicas conquistadas pelo movimento indígena, e que estavam inexistentes desde o início de abril do ano passado.

Através do Decreto n. 9.759, o presidente Jair Bolsonaro extinguiu oficialmente diversos tipos de colegiados representativos ligados à administração pública federal, criados por lei, via decreto ou por atos infra legais. Em junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o governo não poderia extinguir espaços de participação social criados por lei, mas sim àqueles instituídos por decreto e outras normas infralegais, que era o caso do Fórum de Conselhos Distritais da Saúde Indígena, principal espaço de controle social da política de assistência à saúde das comunidades indígenas.

Agora, mais uma vez, o governo federal se sente pressionado a cumprir as determinações do STF, na decisão cautelar concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, protocolada no final de junho pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (@apiboficial), em conjunto com seis partidos políticos, e que determina ao governo federal a adotar medidas eficazes para conter o avanço da Covid19 nos territórios indígenas.

A APIB e suas organizações de base, continuam na luta pela efetivação da Saúde Indígena, e no enfrentamento à pandemia da Covid19. Seguiremos buscando o diálogo com o Poder Público, mas também denunciando as falhas e omissões do governo federal no combate ao coronavírus entre povos indígenas da Amazônia, e de todo o Brasil.

Vote parente, vote! A participação indígena no sistema eleitoral brasileiro

Vote parente, vote! A participação indígena no sistema eleitoral brasileiro

Artigo de Dinamam Tuxá (1) e Felipe Tuxá (2)

Com menos de uma semana para mais uma eleição municipal assistimos novamente a corrida por votos que podem ser decisivos para o resultado final. Teremos que conviver com as consequências do exercício da cidadania por pelo menos quatro anos, nos quais prefeitos e vereadores atuarão conforme suas prioridades e compromissos políticos. Os motivos que nos levam a votar neste ou naquele candidato variam e um atributo que muitos acionam no momento da escolha é justamente o da identificação. Nesse sentido, faz-se necessário refletir sobre o que significa participar do jogo político enquanto indígenas, ponderando as responsabilidades e compromissos inerentes à ideia de democracia.

A presença indígena nas disputas eleitorais embora ainda tímida não é tão recente como fomos ensinados a imaginar. Ainda no ano de 1963, Carmelita Cruz, agente de saúde e professora do povo Tuxá, foi eleita vereadora na primeira eleição que ocorreu no município de Rodelas, interior da Bahia. Em 1969, Manoel dos Santos (Seo Coco) do povo Karipuna foi eleito também como vereador em Oiapoque, Amapá. De lá pra cá o número de indígenas que se aventuram na política eleitoral tem aumentado gradativamente com a projeção de líderes no cenário nacional como Mário Juruna eleito deputado federal em 1982, Joênia Wapichana, em 2018, também como deputada federal e, no mesmo ano, com a candidatura de Sônia Guajajara, primeira indígena a disputar uma eleição numa chapa presidencial.

Se essa presença não é tão recente, o mérito certamente é todo de indígenas que apesar das inúmeras evidências de como a política brasileira tem sido historicamente anti-indígena optaram navegar nas águas turbulentas do sistema eleitoral. A história do Brasil nos mostra que o percurso de reconhecimento dos direitos civis dos povos indígenas foi árduo, sendo estes plenamente conquistados apenas na Constituição Federal de 1988 quando o estado oficialmente rompeu com a política tutelar retirando a clausura da condição jurídica de “relativamente incapazes”. É apenas em 1988 com o artigo 232 da C. F. que os “Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”. Ainda assim, falar em uma cidadania indígena, específica e que esteja de acordo com as organizações sociais desses povos está longe de ser questão resolvida e segue repleta de ambiguidades. O Estatudo do Índio de 1973, por exemplo, apesar de obsoleto em várias questões referentes os direitos indígenas continua promovendo equívocos que evidenciam como a mentalidade brasileira e jurídica parecem pouco interessadas em romper com o valor da tutela e em promover um debate sério sobre os desafios de uma cidadania verdadeiramente indígena.

No ano de 2016, 1.715 candidatos autodeclarados indígenas concorreram nas eleições municipais, enquanto em 2020 esse número passou a ser 2.173 representando um aumento de 27% (3). Parece-nos que o aumento gradativo dessas candidaturas reflete a percepção de algo que, embora pareça óbvio nem sempre é evidente: em uma democracia representativa, representatividade importa. Nesta direção, a campanha e apoio do movimento indígena em torno dessas candidaturas em 2020 tem sido intensa, como podemos perceber no portal Campanha Indigena (4), mobilizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). A bandeira levantada por muitos é direta e clara “parente vota em parente” em uma alusão às experiências pregressas junto a política dos brancos, feita por eles para eles, nas quais as questões indígenas permanecem no esquecimento.

Em muitos municípios a eleição de vereadores indígenas é algo frequente e ocupar esses espaços no poder legislativo tem sido responsável por inúmeros avanços para a efetivar a presença de nossas agendas nesse espaço de atuação política. Esse cenário é bastante diferente quando falamos do número e sucesso de candidaturas indígenas para prefeito. Apenas 39 dentre os 2173 candidatos de 2020 estão concorrendo ao executivo o que significa dizer que, mais uma vez, a maioria de nós estará exercendo a cidadania sem ter um indígena dentre as nossas opções de voto. Quando isso acontece, qual o melhor jeito avaliar e acompanhar candidatos e suas propostas?

Esse é o caso de Rodelas, município supracitado onde diríamos que pelo menos 1/3 da população é indígena. Temos dois candidatos não-indígenas na disputa, um deles tentando a reeleição, enquanto que o outro já ocupou o cargo de prefeito anteriormente. O município se constituiu em torno do antigo aldeamento indígena do atual povo Tuxá que continua residindo na cidade e, devido à própria historicidade do local, era de se esperar que políticas voltadas para essa parcela da população fossem um importante bandeira de suas campanhas eleitorais. Todavia, em consulta as suas propostas cadastradas no site do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), ambos candidatos não mencionam em nenhum momento os termos “indígenas”, “índios” ou “aldeia”. Em contextos como esse, que se repetem em municípios por todo o país, exercer a cidadania indígena com responsabilidade é extremamente desafiador. A cena é bem conhecida: integrantes das elites locais com seus sobrenomes de famílias tradicionais se alternam nas prefeituras colocando em prática uma política partidária há muito exaurida, atravessando e contrariando os planos coletivos dos povos indígenas. Nesses cenários a pergunta que nos fazemos é: como votar em candidatos que não se pronunciam a respeito das demandas e pautas específicas das comunidades indígenas?

O resultado das eleições municipais proporciona implicações que ultrapassam em muito o acesso empregos e a serviços locais. Sabemos que hoje a principal pauta da questão indígena continua sendo a demarcação de nossos territórios tradicionais, entre retomadas e autodemarcações e, embora esses processos corram legalmente na esfera federal, são nos municípios onde os conflitos territoriais se desenrolam, que agricultores e outros setores anti-indígenas da população agem, mobilizando inúmeras estratégias de diferentes tipos para atrasar e contestar o andamento do rito demarcatório. Se tomamos os nossos votos como decisivos para o resultado eleitoral, é da maior importância que possamos barganhar para que os candidatos se posicionem e se comprometam frente aos conflitos territoriais de nossos municípios evidenciando até onde estão dispostos a contribuir para que essas disputas sigam o fluxo dos trâmites judiciais previstos.

Exercer a cidadania indígena em um sistema eleitoral onde a vontade da maioria prevalece leva as minorias étnicas a se verem frente a um jogo político que quase sempre, culmina em sua subrepresentatividade. Isso se aplica especialmente se consideramos que esse modelo de cidadania individual contraria o sentimento de coletividade que pauta a organização social dos povos indígenas. Não é por acaso que a imposição desse modelo de cidadania que preconiza o indivíduo, foi usada no passado como estratégia de enfraquecimento de nossas comunidades. Nos Estados Unidos, por exemplo, o reconhecimento do título individual sobre terras indígenas foi uma política extremamente eficaz para enfraquecer suas coletividades visando que essas terras pudessem no futuro serem colocadas à venda conforme interesses particulares. No Brasil algo similar foi ensaiado no Governo Militar quando em 1978 o então Ministro do Interior Rangel Reis propôs a aprovação de um Decreto de Emancipação para os povos indígenas. Fazendo o uso de um termo aparentemente positivo no ideário democrático, a “emancipação civil dos índios” nada mais era do que uma tentativa furtiva de negar a esses povos a proteção do estado promovendo a dissolução do caráter coletivo de suas identidades indígenas e dos direitos específicos que lhe são coextensivos. Uma vez desprovidos dessa proteção nos tornaríamos meros proprietários de lotes o que facilitaria que essas terras fossem alvo de projetos desenvolvimentistas além de serem inseridas no mercado fundiário por perderem o status inalienável das Terras Indígenas.

No âmbito da tomada de decisões, a cidadania pensada a partir do voto individual onde prevalece a vontade da maioria nem sempre é percebido como o melhor caminho para obter resolução onde há divergências de interesses. Em um modelo democrático que privilegia a vontade da maioria a legitimidade dos resultados é obtida a partir da soma da metade mais um, podendo levar a resultados onde a outra metade menos um, permaneceria extremamente insatisfeita. Não por acaso, os povos indígenas tradicionalmente realizam assembleias em conselhos onde discutem e escutam os anciões incansavelmente justamente para que através da persuasão e retórica argumentativa das lideranças possam chegar em um consenso, relegando o voto individual a condição de último recurso. O modelo democrático pautado na vontade da maioria é particularmente danoso para minorias que ano após anos se vem compelidas a votar em candidatos que não as representam por não perceber alternativas viáveis para eleger seus próprios representantes. Quando somamos isso a velha política partidária que visa individualizar o nosso caráter coletivo, temos o cenário ideal para a promoção do caos dentro de nossas comunidades, onde famílias imersas em situações históricas de vulnerabilidade disputam entre si recursos escassos que acreditam obter caso seus candidatos sejam vitoriosos.

Uma alternativa que tem se desenhado nas eleições frente a esse cenário são os mandatos coletivos que tentam subverter a lógica individualista reunindo em um mesmo mandato integrantes de diferentes minorias que somam os seus esforços mobilizando intenções de votos que, quando pensadas a partir de cada candidato não seriam suficientes para que fossem eleitos, mas que somados podem fazer toda diferença. Pautados na participação popular e buscando maior representatividade e inclusão social os mandatos coletivos surgem como uma possibilidade no horizonte para grupos minoritários. Esse é o caso da chapa composta pela indígena Luana Kumaruara, a quilombola Claudiana Lírio, Alessandra Caripuna ativista negra e a indígena Tatiana Picanço em Santarém no Pará.

Nessa direção, votar coletivamente, isto é, votar enquanto povo, é uma poderosa arma de subversão do jogo eleitoral que tem, ano após ano, atravessado e dividido comunidades em torno de candidatos que se mostram pouco comprometidos, quando não contrários, aos povos indígenas. Afirmamos isso por acreditar que quando votamos dessa maneira podemos aumentar o nosso poder de barganha, alçando nossos votos individuais a uma participação decisiva no resultado eleitoral como nos mostraram os indígenas Navajo na eleição presidencial dos Estados Unidos que aconteceu na semana passada. No estado Arizona, crucial para o resultado final da votação, a diferença de votos entre Donald Trump e o seu opositor Joe Biden foi de pouco mais de que 40 mil votos, sendo que dos votos totais, 70 mil vieram dos do povo Navajo que concentrou 98% dos seus votantes em um só candidato (5).

Diante do exposto, conscientes dos desafios e armadilhas do processo eleitoral, o nosso chamado nesse texto é um convite para uma reflexão basilar para o exercício da cidadania indígena: para além de não votar em branco, quando não houver opção, vote coletivamente, vote com o seu povo. E assim, talvez, quando perceberem o poder do voto indígena e a necessidade imprescindível ouvir e dialogar com nossas demandas, teremos os nossos próprios candidatos em todos os cargos eleitorais.

——————
1. Doutorando em Antropologia Social no PPGAS/DAN/UnB.
2.Professor na Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
3.PAULA, Luiz Roberto de; VERDUM, Ricardo. 2020. Mapeamento preliminar das candidaturas autodeclaradas indígenas para os cargos de prefeito, vice e vereador nas eleições municipais de 2020. Resenha & Debate. Nova Série Ano I . Série 1 . Volume 3
4. Para maiores informações acessar:http://campanhaindigena.org/
5. https://navajotimes.com/rezpolitics/election-2020/arizona-flips-navajos-contribute-to-historic-shift/

Garantir a liberdade das ONGs é defender o interesse nacional

Garantir a liberdade das ONGs é defender o interesse nacional

Carta-manifesto, publicada nesta segunda (9), é uma articulação de 100 organizações da sociedade civil pela liberdade de defender a Amazônia e os povos tradicionais em resposta ao plano do governo de “controlar 100% das ONGs” que atuam na região. Leia a íntegra do documento a seguir.

CARTA ABERTA

No dia de hoje, 9, tomamos conhecimento por meio da reportagem “Governo Bolsonaro planeja norma para controlar ação de ONGs na Amazônia”, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, de que consta entre as metas do Conselho da Amazônia “obter o controle de 100% das ONGs que atuam na Região Amazônica, até 2022, a fim de autorizar somente aquelas que atendam os interesses nacionais”. Tal meta se relacionaria à ação de “criar marco regulatório para atuação das ONGs” expressa nos documentos oficiais do Conselho.

A atuação de organizações da sociedade civil é a expressão viva do pluralismo de ideias e sua liberdade está garantida na Constituição. Querer controlá-las é, em última instância, tentar silenciar liberdades constitucionais. O Supremo Tribunal Federal, em 06/03/2019, decidiu que “são inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático”

Desta forma, é gravíssima e repugnante a informação de que, em reuniões oficiais e que envolvem um grande número de ministérios, integrantes do atual governo apresentem de forma expressa propostas que afrontam a democracia no país. A Constituição brasileira veda qualquer tipo de interferência do Estado na criação, no funcionamento ou mesmo no posicionamento das organizações da sociedade civil brasileiras. É cláusula pétrea a autonomia da sociedade civil assim como a liberdade de imprensa e a liberdade econômica. As propostas citadas na reportagem, e constantes em documentos de circulação interna do governo, somente encontram parâmetros em outros regimes autoritários ao redor do mundo, nos quais as liberdades de imprensa, de livre manifestação e de associação foram suprimidas para dar espaço a autocracias ditatoriais.

Os ataques e as perseguições do governo Bolsonaro à sociedade civil são uma lamentável constante em sua atuação política. Iniciativas com intuito de controle das ONGs já foram anteriormente apresentadas pelo Poder Executivo e rechaçadas pelo Parlamento Brasileiro – como no caso da Medida Provisória (MP) 870/2019. Também em dezembro de 2019, agentes da Agência Nacional de Inteligência (Abin) foram à Cúpula do Clima (COP25) para monitorar (espionar) ONGs brasileiras ali presentes. Além disso, no Brasil, não foram poucas as vezes que o próprio Presidente da República desdenhou da Constituição, participando de manifestações cujos propósitos atentavam contra os demais poderes da União. Em declaração recente, Bolsonaro chegou a reclamar por não conseguir “matar esse câncer chamado ONG”.

Apesar da insistente e repugnante campanha de difamação das ONGs por parte de agentes do governo, vale lembrar ainda que já existe no ordenamento jurídico brasileiro regulamentação para organizações do terceiro setor – o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), composto pela Lei n. 13.019/2014 e Decreto n. 8.726/16.

O Conselho Nacional da Amazônia Legal, colegiado inepto, sem participação social e de resultado quase nulo na defesa da floresta, deveria apresentar ao país algum plano para a diminuição do desmatamento, do crime ambiental, da grilagem e das queimadas. Ao invés disso, o que vemos é a confecção de um plano para silenciar os críticos ao governo e para sufocar a democracia.

Sob Bolsonaro, a democracia, assim como as florestas e seus habitantes, correm enormes riscos. Neste sentido, as organizações abaixo assinadas conclamam toda sociedade brasileira para se somar às iniciativas de defesa dos direitos dos povos indígenas e dos povos tradicionais e em apoio a luta na defesa da Amazônia, da democracia e dos direitos constitucionais.

Assinam:

  1. ACT Promoção da Saúde
  2. AMAR Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária
  3. Amigos da Terra – Amazônia Brasileira
  4. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
  5. Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
  6. Ashoka
  7. Associação Agroecológica Tijupá
  8. Associaçao Ambientalista Copaíba AAC -São Paulo
  9. Associação Brasileira de ONGs – Abong
  10. Associação Cidade Escola Aprendiz
  11. Associação Mineira de Defesa do Ambiente – Amda
  12. Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC)
  13. Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida – APREMAVI
  14. Associação Mico-Leão-Dourado
  15. Cenpec Educação
  16. Centro Brasil no Clima
  17. Centro de Trabalho Indigenista
  18. Cidades Afetivas
  19. COESUS Coalizão Não FRACKING Brasil
  20. Coordenadoria Ecumênica de Serviços – CESE
  21. Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre)
  22. Conectas Direitos Humanos
  23. Delibera Brasil
  24. Elas no Poder
  25. FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
  26. Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento- FBOMS
  27. Fórum Ecumênico ACT Brasil
  28. Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena – FNEEI
  29. Fundação ARAYARA
  30. Fundação Avina
  31. Fundação Grupo Esquel Brasil
  32. Fundação SOS Mata Atlântica
  33. Fundação Tide Setubal
  34. Geledés Instituto da Mulher Negra
  35. Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero
  36. Greenpeace Brasil
  37. Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GT 2030)
  38. Iniciativa Verde
  39. Instituto Alana
  40. Instituto Çarakura
  41. Instituto Centro de Vida – ICV
  42. Instituto Cidades Sustentáveis
  43. Instituto Climainfo
  44. Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
  45. Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS
  46. Instituto Escolhas
  47. Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
  48. Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
  49. Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD
  50. Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc
  51. Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – Ipam
  52. Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS
  53. Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – Imazon
  54. Instituto Fé, Paz e Clima
  55. Instituto Feminista SOS Corpo
  56. Instituto Global Attitude
  57. Instituto Humanista para Cooperação e Desenvolvimento – Hivos
  58. Instituto Igarapé
  59. Instituto Internacional ARAYARA
  60. Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB
  61. Instituto MIRA-SERRA
  62. Instituto Physis
  63. Instituto Pro Bono
  64. Instituto Socioambiental – ISA
  65. Instituto Sou da Paz
  66. Instituto Talanoa
  67. Instituto Update
  68. Mapa Educação
  69. Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
  70. Move Social
  71. Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade do Estado do Pará.
  72. Observatório do Carvão Mineral
  73. Observatório do Clima
  74. Observatório do Código Florestal
  75. Observatório do Petróleo e Gás
  76. Ocupa Política
  77. Organização De Desenvolvimento Sustentável – ODS
  78. Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC)
  79. Oxfam Brasil
  80. ponteAponte
  81. Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político
  82. Processo de Articulação e Diálogo, PAD
  83. Projeto Saúde e Alegria
  84. Rede Brasileira de Conselhos – RBdC
  85. Rede Conhecimento Social
  86. Rede das Organizações Não Governamentais da Mata Atlântica – RMA
  87. Rede de Cooperação Amazônica – RCA
  88. Rede Justiça Criminal
  89. SAVE Brasil – Sociedade para a Conservação das Aves do Brasil
  90. Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
  91. Terra de Direitos
  92. Teto Brasil
  93. Toxisphera Associação de Saúde Ambiental
  94. Transparência Brasil
  95. Transparência Capixaba
  96. 342Amazônia e 342Artes
  97. 350.org Brasil
  98. Uma Gota no Oceano
  99. Uneafro Brasil
  100. WWF Brasil
Povos indígenas do Paraná repudiam retrocessos na educação escolar

Povos indígenas do Paraná repudiam retrocessos na educação escolar

A Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpin Sul) junto a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) se somam docentes, associações indígenas, organizações indigenistas, instituições de pesquisa e outros representantes da sociedade civil para repudiar medidas do governo estadual do Paraná na educação.

“Os povos indígenas do Estado do Paraná repudiam ações que o governo vem fazendo sem respeitar os seus direitos e por não considerar as leis que asseguram o direito a consulta, livre, prévia e amplamente informada às comunidades escolares e lideranças que vem por longos anos lutando por uma Educação Escolar Indígena diferenciada e de qualidade.

Qualquer atitude que viole os direitos dos Povos Indígenas, principalmente frutos de suas próprias lutas é entendido com uma ação que está retrocedendo todas as conquistas e reconhecimento constitucional e em outros regimentos como exemplo a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas e Convenção 169 da OIT.
Nesta ocasião referimos a um processo recente que poderá ocasionar graves impactos na vida cultural, social das comunidades indígenas deste Estado. Foi lançado um edital para PSS (n°47-2020-GS-SEED) com muitas mudanças, alterações e restrições que pode trazer diversos transtornos na atuação dos profissionais indígenas de educação e para toda comunidade escolar que ainda poderá comprometer sobretudo a política educacional diferenciada pois deve respeitar as especificidades e diversidades das populações indígenas.”

Leia a íntegra: 

MANIFESTO DOS POVOS INDIGENAS DO PARANA CONTRA OS RETROCESSOS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

 

STF retira de pauta julgamento de repercussão geral sobre direitos dos povos indígenas

STF retira de pauta julgamento de repercussão geral sobre direitos dos povos indígenas

Inicialmente marcado para o dia 28 de outubro, julgamento que pode definir futuro das terras indígenas ainda não tem nova data definida

O Supremo Tribunal Federal (STF) retirou de pauta o julgamento que pode definir o futuro das demarcações das Terras Indígenas. A decisão, publicada na noite de ontem (22), foi feita pelo presidente do Supremo, Luiz Fux, e o julgamento de repercussão geral segue sem data definida.

O cancelamento da pauta, que estava prevista para o dia 28 de outubro, coincide com a aposentadoria do Ministro Celso de Mello e ocorre no dia da aprovação pelo Senado do novo ministro indicado por Bolsonaro, Kassio Marques, desembargador federal que atuava no TRF 1, em Brasília.

O julgamento é alvo de pressões de setores do agronegócio e da mineração, que junto ao Governo Federal buscam retirar direitos dos povos indígenas para legalizar crimes contra os territórios, ao meio ambiente e a vida de milhares de pessoas.

Os ministros do STF devem julgar o Recurso Extraordinário 1.017.365 relativo a reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra a demarcação da TI Ibirama-Laklanõ. Como o Supremo reconheceu a “repercussão geral” do caso, ele vai fixar orientações gerais para todas as demarcações.

A corte também deve decidir neste mesmo julgamento sobre mantém ou não a medida cautelar deferida pelo ministro Edson Fachin, em maio de 2020, que suspendeu os efeitos do Parecer 001/2017, instrumento usado para institucionalizar o “marco temporal” como norma dos procedimentos administrativos de demarcação.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), junto com todas as suas organizações de base e organizações indigenistas parceiras do movimento indígena, segue mobilizada pela garantia dos direitos constitucionais dos povos indígenas, pelas nossas vidas e pela vida do planeta. Sangue indígena: nenhuma gota a mais!

Entenda o que está em jogo, acesse aqui

Governo descumpre decisão do Supremo Tribunal e covid-19 chega na aldeia mais próxima de índios isolados do Vale do Javari

Governo descumpre decisão do Supremo Tribunal e covid-19 chega na aldeia mais próxima de índios isolados do Vale do Javari

A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e a Associação dos Kanamari do Vale do Javari (Akavaja) vêm a público externar sua extrema preocupação com a chegada do coronavírus na aldeia Jarinal, no extremo leste da nossa terra indígena. O primeiro caso de contaminação foi confirmado pela Sesai e expõe o quão despreparado está o Governo para lidar com essa pandemia em nosso território.

A aldeia Jarinal, onde vivem os Kanamari e os Tson wük Dyapah, este povo de recente contato, está localizado no alto curso do rio Jutaí, lugar de grande concentração de diferentes grupos de índios isolados. Também é nessa mesma região que nós estamos denunciando a 5 meses a volta de balsas garimpeiras ilegais na área de ocupação dos índios isolados Korubo e Warikama Dyapah. Diante da negligência do Governo Federal para a situação levamos as provas de nossa denúncia à imprensa1 e, mesmo assim, nada foi feito até agora.

Devemos ressaltar que existe uma ação judicial, de grande repercussão, que aborda a região leste da Terra Indígena (TI) Vale do Javari, exatamente na bacia do rio Jutaí. É a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e partidos políticos no Supremo Tribunal Federal – STF. No início do último mês de agosto, por unanimidade, o Plenário do STF referendou a liminar do Ministro Luís Roberto Barroso que determinava que o Governo Federal adote providências urgentes para evitar o contágio pelo novo coronavírus entre indígenas no país. Dois dos pedidos da ação da APIB, acatados pelo STF, dizem respeito exclusivamente a proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato. São eles: a criação de barreiras sanitárias nas terras indígenas com a presenças desses povos e a criação da Sala de Situação para deliberações das estratégias e ações para proteção dos índios isolados e dos de recente contato.

A Univaja subsidiou a APIB com relevantes informações sobre a importância e urgência da barreira sanitária a serem executadas em nosso território, inclusive com especial atenção a retirada do garimpo ilegal das proximidades do Jarinal e dos índios isolados no rio Jutaí. O excelentíssimo Ministro Luís Roberto Barroso determinou a inclusão da TI Vale do Javari na lista de Terras Indígenas “prioridade 1” para implementação das barreiras sanitárias. O prazo de implementação pela União era dia 30/09/2020 e até agora nem sinal de barreira sanitária e de acampamento de quarentena para os Kanamari no rio Jutaí e em outras localidades importantes do Vale do Javari.

Não aceitaremos o discurso de alguns agentes governamentais locais tentando justificar “onde não é mais necessário instalar barreiras sanitárias”, insistindo em descumprir a decisão do STF. Também não aceitaremos que tente se culpar o povo Kanamari por essa contaminação, como a própria Sesai fez na chegada do coronavírus no Vale do Javari em junho/2020. Alertamos diversas vezes às autoridades que o desabastecimento dessa aldeia de materiais de caça, pesca e alguns gêneros alimentícios, levariam os Kanamari de lá até a cidade mais próxima, no caso, Eirunepé- AM. Sem a devida assistência e preparo para tal situação previsível, foi aberta mais uma porta de contaminação. Estamos mantendo contato pela radiofonia com os Kanamari no Jarinal para ter mais informações sobre como se deu a contaminação.

A situação exige uma atuação rápida e organizada para conter o surto e isolar os doentes para tratamento. Também é urgente que o STF não permita que o Governo protele ainda mais a execução da decisão proferida por seu Plenário na ADPF 709. Enquanto se dialoga no papel, o coronavírus vai fazendo mais vítimas em nosso território.

Atalaia do Norte – AM, 21 de agosto de 2020.

As Coordenações da UNIVAJA e da AKAVAJA

Carta dos Povos Indígenas aos ministros do STF

Carta dos Povos Indígenas aos ministros do STF

Leia a carta da Articulação dos Povos indígenas da Região Sul – Arpin Sul aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Em nome dos povos indígenas do Brasil. o documento chama atenção à garantia do direito originário ao território e, portanto, ao direito de existir.

OS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS NÃO NASCEM EM 05 DE OUTUBRO DE 1988, NASCEM ANTES DO ESTADO BRASILEIRO.

No próximo dia 28 de outubro de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF), julgará a Ação que vai trazer grandes consequências para os povos tradicionais do Brasil, a nós Indígenas. A referida Ação declarará se nossos Direitos à terra nascem no dia 05 de outubro de 1988, ou se realmente são originários, como prescreve o artigo 231 da Constituição Federal.

Para nós, Povos Indígenas, está bem clara a norma, pois estamos neste Brasil, muito antes da constituição do Estado brasileiro, portanto, nosso direito é originário, e dizer o contrário, é institucionalizar a política genocida, é dizer que não existíamos antes de 05 de outubro de 1988, é jogar no esquecimento 520 anos de sobrevivência, de luta, de história, de conquistas. Relembrando que nestes mais de 500 anos de história, a grande maioria dos Povos Indígenas, do Norte ao Sul, de Leste ao Oeste deste Brasil tiveram que sair de suas moradas, FORÇADAMENTE, muitas vezes expulsos a bala, outras pelas próprias ações do Estado, por isso em 05 de outubro de 88, muitas de nossas Terras já estavam invadidas por colonizadores. Dizer que nossos Direitos nascem em 05 de outubro de 1988, é compactuar com a ideia colonialista, que chegou ao Brasil em 1500, exterminando, matando, roubando terra, ouro, filhos e filhas para escravizar. A tese do marco temporal é isto, por isso não serve para nós Povos Indígenas.

Nós, Povos Indígenas, somos desta Terra, temos nossas raízes fixadas muito antes da chegada dos europeus colonizadores, então nossos direitos também estão com as raízes cravadas na história de cada Povo Indígena, por isso DECLARAMOS, NÃO AO MARCO TEMPORAL. Nossos antepassados lutaram, viveram e morreram pelo nosso direito à terra, e a política do agronegócio, do desmatamento, tenta tornar Lei a forma de nos retirar a Terra. Hoje será a Terra, amanhã a educação, depois a saúde, por fim o nosso direito de existir. Dessa forma que DECLARAMOS, VEEMENTEMENTE, NÃO AO MARCO TEMPORAL. SIM AO DIREITO ORIGINÁRIO SOBRE AS TERRAS INDÍGENAS. NÃO AO MARCO TEMPORAL. SIM A VIDA. NÃO AO MARCO TEMPORAL. SIM A CULTURA. NÃO AO MARCO TEMPORAL. SIM AO DIREITO DE EXISTIR.

Povos Indígenas da Região Sul, outubro de 2020

O direito originário dos povos indígenas

O direito originário dos povos indígenas

Artigo de Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da Apib

O julgamento mais importante sobre as terras indígenas está na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF). No próximo dia 28 de outubro, a Suprema Corte irá analisar o recurso extraordinário n. 1.017365, da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que discute a posse da Terra Indígena Ibirama Laklaño, do povo Xokleng, localizada em Santa Catarina.
O Supremo terá que decidir sobre o estatuto jurídico das terras indígenas. Isto porque, estarão em análise duas teses jurídicas: a) a teoria do indigenato e b) a tese do marco temporal.

A teoria do indigenato consiste no fato de que os povos indígenas têm direito aos seus territórios tradicionalmente ocupados, conforme expresso no artigo 231 da Constituição brasileira, não podendo haver nenhuma limitação a este direito, devendo o poder público federal demarcar e proteger todas as terras. Essa tese remonta ao período colonial, onde as leis que foram editadas, respeitaram a posse dos povos originários, como senhores naturais de suas terras.

Já a tese do marco temporal restringe os direitos indígenas e é defendida pelos ruralistas, representados pela bancada ruralista no Congresso Nacional Brasileiro. Para eles, os povos indígenas só têm direito as terras que estavam ocupando no dia 05 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. Além de limitar o direito das comunidades indígenas, essa tese visa anistiar os crimes cometidos contra os indígenas, especialmente aqueles perpetrados durante o período da ditadura militar. Neste período, muitas terras indígenas, consideradas originalmente como terras públicas, foram invadidas e griladas.

A Constituição Federal completou 32 anos e, mesmo assim, muitas comunidades indígenas aguardam a demarcação de suas terras desde então. O recente Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas (2020), divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), apontou de forma inequívoca que das 1.298 terras indígenas no Brasil, 829 (63%) apresentam alguma pendência por parte do Estado para a finalização de seu processo demarcatório e o registro como território tradicional indígena na Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Destas 829, um total de 536 terras (64%) não teve ainda nenhuma providência adotada pelo Estado. Ou seja, o atual presidente da república, além de ter cumprido sua promessa de não demarcar um centímetro de terra indígena, atuou por meio do Ministério da Justiça, na qual devolveu 27 processos de demarcação à Fundação Nacional do Índio (Funai) para que fossem revistos, no primeiro semestre de 2019.

Resumo do caso

No ano de 2009, a Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina – FATMA entrou com ação de reintegração de posse em face da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e do grupo indígena Xokleng. A Fundação estadual alegou ser legítima possuidora de uma área de 80.006,00m² (oitenta mil e seis metros quadrados), localizada na Linha Esperança-Bonsucesso, distrito de Itaió (SC), que exercia a posse mansa, pacífica e ininterrupta por mais de sete anos, e, que essa reserva teria sido invadida pelos indígenas.
Há época, a FUNAI ofereceu contestação, refutando a tese inicial e demonstrando que a área da qual a autora se diz proprietária está abrangida pelos efeitos da Portaria nº 1182/2003 do Ministério da Justiça, que declarou de posse permanente dos grupos indígenas Xokleng, Kaingang e Guarani a Terra indígena Ibirama-La Klãnõ, com superfície aproximada de 37.108ha (trinta e sete mil cento e oito hectares), localizada nos Municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, José Boiteux e Vitor Meireles, no estado de Santa Catarina.

A ação foi julgada procedente na primeira instância e a decisão mantida no Tribunal Regional Federal (TRF4). Após este percurso, a ação chegou ao Supremo por meio de recurso interposto pela Funai. O relator, ministro Edson Fachin, ao admitir o recurso, apontou que é necessário que se fixe uma tese para resolver sobre a “definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena, nos termos do artigo 231 do texto Constitucional”.

O direito indígena na Constituição de 1988

O texto constitucional de 88 foi categórico ao vaticinar em seu artigo 231 “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Não há dúvida, portanto, que o constituinte originário elegeu a tese do indigenato.
Os direitos dos povos indígenas aos seus territórios possuem respaldo constitucional antes mesmo de 1988. Na Carta Constitucional de 1934 é reconhecida a posse dos indígenas das terras que tradicionalmente ocupam: “Art. 129. Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las”.

Seguindo a ordem Constitucional, a Lei n. 6.001/73, também conhecida como Estatuto do Índio, previu em seu art. 65 que o “Poder Executivo fará, no prazo de cinco anos, a demarcação das terras indígenas, ainda não demarcadas”. Ou seja, até 1978 todas as terras indígenas deveriam ser demarcadas. Sobreveio a Constituição de 1988 e novamente impôs o mesmo prazo vaticinando no art. 67 da ADCT, que a “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”.

A teoria do indigenato foi desenvolvida por João Mendes Junior. A subprocuradora-geral da República Déborah Duprat, aponta que essa tese teve início em conferência proferida na antiga Sociedade de Ethnografia e Civilização dos Índios, em 1902, quando o professor João Mendes Junior afirmou: “[…] já os philosophos gregos afirmavam que o indigenato é um título congenito, ao passo que a occupação é um título adquirido. Com quanto o indigenato não seja a única verdadeira fonte jurídica da posse territorial, todos reconhecem que é, na phrase do Alv. de 1º de abril de 1680, ‘a primária, naturalmente e virtualmente reservada’, ou, na phrase de Aristóteles (Polit., I, n. 8), – ‘um estado em que se acha cada ser a partir do momento do seu nascimento’. Por conseguinte, não é um facto dependente de legitimação, ao passo que a occupação, como facto posterior, depende de requisitos que a legitimem”.
O Alvará de 1º de abril de 1680, referido no texto, ao cuidar das sesmarias, ressalvou as terras dos índios, considerados “primários e naturais senhores delas”.

Portanto, tem-se nesta norma o reconhecimento expresso do instituto do indigenato, como sendo um direito originário, anterior ao próprio Estado, anterior a qualquer outro direito. Nas palavras do professor José Afonso da Silva “o indigenato é a fonte primária e congênita da posse territorial; é um direito congênito, enquanto a ocupação é título adquirido. O indigenato é legítimo por si, não é um fato dependente de legitimação, ao passo que a ocupação, como fato posterior, depende de requisitos que a legitimem”.

Neste sentido, a Constituição de 1988 adotou a teoria do indigenato ao reconhecer o direito originário dos povos indígenas as terras tradicionalmente ocupadas.

Sobre o autor: Luiz Henrique Eloy Amado é Terena da aldeia Ipegue (MS), advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional (UFRJ). Pós-doutorando na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris, França.