11/nov/2020
Artigo de Dinamam Tuxá (1) e Felipe Tuxá (2)
Com menos de uma semana para mais uma eleição municipal assistimos novamente a corrida por votos que podem ser decisivos para o resultado final. Teremos que conviver com as consequências do exercício da cidadania por pelo menos quatro anos, nos quais prefeitos e vereadores atuarão conforme suas prioridades e compromissos políticos. Os motivos que nos levam a votar neste ou naquele candidato variam e um atributo que muitos acionam no momento da escolha é justamente o da identificação. Nesse sentido, faz-se necessário refletir sobre o que significa participar do jogo político enquanto indígenas, ponderando as responsabilidades e compromissos inerentes à ideia de democracia.
A presença indígena nas disputas eleitorais embora ainda tímida não é tão recente como fomos ensinados a imaginar. Ainda no ano de 1963, Carmelita Cruz, agente de saúde e professora do povo Tuxá, foi eleita vereadora na primeira eleição que ocorreu no município de Rodelas, interior da Bahia. Em 1969, Manoel dos Santos (Seo Coco) do povo Karipuna foi eleito também como vereador em Oiapoque, Amapá. De lá pra cá o número de indígenas que se aventuram na política eleitoral tem aumentado gradativamente com a projeção de líderes no cenário nacional como Mário Juruna eleito deputado federal em 1982, Joênia Wapichana, em 2018, também como deputada federal e, no mesmo ano, com a candidatura de Sônia Guajajara, primeira indígena a disputar uma eleição numa chapa presidencial.
Se essa presença não é tão recente, o mérito certamente é todo de indígenas que apesar das inúmeras evidências de como a política brasileira tem sido historicamente anti-indígena optaram navegar nas águas turbulentas do sistema eleitoral. A história do Brasil nos mostra que o percurso de reconhecimento dos direitos civis dos povos indígenas foi árduo, sendo estes plenamente conquistados apenas na Constituição Federal de 1988 quando o estado oficialmente rompeu com a política tutelar retirando a clausura da condição jurídica de “relativamente incapazes”. É apenas em 1988 com o artigo 232 da C. F. que os “Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”. Ainda assim, falar em uma cidadania indígena, específica e que esteja de acordo com as organizações sociais desses povos está longe de ser questão resolvida e segue repleta de ambiguidades. O Estatudo do Índio de 1973, por exemplo, apesar de obsoleto em várias questões referentes os direitos indígenas continua promovendo equívocos que evidenciam como a mentalidade brasileira e jurídica parecem pouco interessadas em romper com o valor da tutela e em promover um debate sério sobre os desafios de uma cidadania verdadeiramente indígena.
No ano de 2016, 1.715 candidatos autodeclarados indígenas concorreram nas eleições municipais, enquanto em 2020 esse número passou a ser 2.173 representando um aumento de 27% (3). Parece-nos que o aumento gradativo dessas candidaturas reflete a percepção de algo que, embora pareça óbvio nem sempre é evidente: em uma democracia representativa, representatividade importa. Nesta direção, a campanha e apoio do movimento indígena em torno dessas candidaturas em 2020 tem sido intensa, como podemos perceber no portal Campanha Indigena (4), mobilizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). A bandeira levantada por muitos é direta e clara “parente vota em parente” em uma alusão às experiências pregressas junto a política dos brancos, feita por eles para eles, nas quais as questões indígenas permanecem no esquecimento.
Em muitos municípios a eleição de vereadores indígenas é algo frequente e ocupar esses espaços no poder legislativo tem sido responsável por inúmeros avanços para a efetivar a presença de nossas agendas nesse espaço de atuação política. Esse cenário é bastante diferente quando falamos do número e sucesso de candidaturas indígenas para prefeito. Apenas 39 dentre os 2173 candidatos de 2020 estão concorrendo ao executivo o que significa dizer que, mais uma vez, a maioria de nós estará exercendo a cidadania sem ter um indígena dentre as nossas opções de voto. Quando isso acontece, qual o melhor jeito avaliar e acompanhar candidatos e suas propostas?
Esse é o caso de Rodelas, município supracitado onde diríamos que pelo menos 1/3 da população é indígena. Temos dois candidatos não-indígenas na disputa, um deles tentando a reeleição, enquanto que o outro já ocupou o cargo de prefeito anteriormente. O município se constituiu em torno do antigo aldeamento indígena do atual povo Tuxá que continua residindo na cidade e, devido à própria historicidade do local, era de se esperar que políticas voltadas para essa parcela da população fossem um importante bandeira de suas campanhas eleitorais. Todavia, em consulta as suas propostas cadastradas no site do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), ambos candidatos não mencionam em nenhum momento os termos “indígenas”, “índios” ou “aldeia”. Em contextos como esse, que se repetem em municípios por todo o país, exercer a cidadania indígena com responsabilidade é extremamente desafiador. A cena é bem conhecida: integrantes das elites locais com seus sobrenomes de famílias tradicionais se alternam nas prefeituras colocando em prática uma política partidária há muito exaurida, atravessando e contrariando os planos coletivos dos povos indígenas. Nesses cenários a pergunta que nos fazemos é: como votar em candidatos que não se pronunciam a respeito das demandas e pautas específicas das comunidades indígenas?
O resultado das eleições municipais proporciona implicações que ultrapassam em muito o acesso empregos e a serviços locais. Sabemos que hoje a principal pauta da questão indígena continua sendo a demarcação de nossos territórios tradicionais, entre retomadas e autodemarcações e, embora esses processos corram legalmente na esfera federal, são nos municípios onde os conflitos territoriais se desenrolam, que agricultores e outros setores anti-indígenas da população agem, mobilizando inúmeras estratégias de diferentes tipos para atrasar e contestar o andamento do rito demarcatório. Se tomamos os nossos votos como decisivos para o resultado eleitoral, é da maior importância que possamos barganhar para que os candidatos se posicionem e se comprometam frente aos conflitos territoriais de nossos municípios evidenciando até onde estão dispostos a contribuir para que essas disputas sigam o fluxo dos trâmites judiciais previstos.
Exercer a cidadania indígena em um sistema eleitoral onde a vontade da maioria prevalece leva as minorias étnicas a se verem frente a um jogo político que quase sempre, culmina em sua subrepresentatividade. Isso se aplica especialmente se consideramos que esse modelo de cidadania individual contraria o sentimento de coletividade que pauta a organização social dos povos indígenas. Não é por acaso que a imposição desse modelo de cidadania que preconiza o indivíduo, foi usada no passado como estratégia de enfraquecimento de nossas comunidades. Nos Estados Unidos, por exemplo, o reconhecimento do título individual sobre terras indígenas foi uma política extremamente eficaz para enfraquecer suas coletividades visando que essas terras pudessem no futuro serem colocadas à venda conforme interesses particulares. No Brasil algo similar foi ensaiado no Governo Militar quando em 1978 o então Ministro do Interior Rangel Reis propôs a aprovação de um Decreto de Emancipação para os povos indígenas. Fazendo o uso de um termo aparentemente positivo no ideário democrático, a “emancipação civil dos índios” nada mais era do que uma tentativa furtiva de negar a esses povos a proteção do estado promovendo a dissolução do caráter coletivo de suas identidades indígenas e dos direitos específicos que lhe são coextensivos. Uma vez desprovidos dessa proteção nos tornaríamos meros proprietários de lotes o que facilitaria que essas terras fossem alvo de projetos desenvolvimentistas além de serem inseridas no mercado fundiário por perderem o status inalienável das Terras Indígenas.
No âmbito da tomada de decisões, a cidadania pensada a partir do voto individual onde prevalece a vontade da maioria nem sempre é percebido como o melhor caminho para obter resolução onde há divergências de interesses. Em um modelo democrático que privilegia a vontade da maioria a legitimidade dos resultados é obtida a partir da soma da metade mais um, podendo levar a resultados onde a outra metade menos um, permaneceria extremamente insatisfeita. Não por acaso, os povos indígenas tradicionalmente realizam assembleias em conselhos onde discutem e escutam os anciões incansavelmente justamente para que através da persuasão e retórica argumentativa das lideranças possam chegar em um consenso, relegando o voto individual a condição de último recurso. O modelo democrático pautado na vontade da maioria é particularmente danoso para minorias que ano após anos se vem compelidas a votar em candidatos que não as representam por não perceber alternativas viáveis para eleger seus próprios representantes. Quando somamos isso a velha política partidária que visa individualizar o nosso caráter coletivo, temos o cenário ideal para a promoção do caos dentro de nossas comunidades, onde famílias imersas em situações históricas de vulnerabilidade disputam entre si recursos escassos que acreditam obter caso seus candidatos sejam vitoriosos.
Uma alternativa que tem se desenhado nas eleições frente a esse cenário são os mandatos coletivos que tentam subverter a lógica individualista reunindo em um mesmo mandato integrantes de diferentes minorias que somam os seus esforços mobilizando intenções de votos que, quando pensadas a partir de cada candidato não seriam suficientes para que fossem eleitos, mas que somados podem fazer toda diferença. Pautados na participação popular e buscando maior representatividade e inclusão social os mandatos coletivos surgem como uma possibilidade no horizonte para grupos minoritários. Esse é o caso da chapa composta pela indígena Luana Kumaruara, a quilombola Claudiana Lírio, Alessandra Caripuna ativista negra e a indígena Tatiana Picanço em Santarém no Pará.
Nessa direção, votar coletivamente, isto é, votar enquanto povo, é uma poderosa arma de subversão do jogo eleitoral que tem, ano após ano, atravessado e dividido comunidades em torno de candidatos que se mostram pouco comprometidos, quando não contrários, aos povos indígenas. Afirmamos isso por acreditar que quando votamos dessa maneira podemos aumentar o nosso poder de barganha, alçando nossos votos individuais a uma participação decisiva no resultado eleitoral como nos mostraram os indígenas Navajo na eleição presidencial dos Estados Unidos que aconteceu na semana passada. No estado Arizona, crucial para o resultado final da votação, a diferença de votos entre Donald Trump e o seu opositor Joe Biden foi de pouco mais de que 40 mil votos, sendo que dos votos totais, 70 mil vieram dos do povo Navajo que concentrou 98% dos seus votantes em um só candidato (5).
Diante do exposto, conscientes dos desafios e armadilhas do processo eleitoral, o nosso chamado nesse texto é um convite para uma reflexão basilar para o exercício da cidadania indígena: para além de não votar em branco, quando não houver opção, vote coletivamente, vote com o seu povo. E assim, talvez, quando perceberem o poder do voto indígena e a necessidade imprescindível ouvir e dialogar com nossas demandas, teremos os nossos próprios candidatos em todos os cargos eleitorais.
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1. Doutorando em Antropologia Social no PPGAS/DAN/UnB.
2.Professor na Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
3.PAULA, Luiz Roberto de; VERDUM, Ricardo. 2020. Mapeamento preliminar das candidaturas autodeclaradas indígenas para os cargos de prefeito, vice e vereador nas eleições municipais de 2020. Resenha & Debate. Nova Série Ano I . Série 1 . Volume 3
4. Para maiores informações acessar:http://campanhaindigena.org/
5. https://navajotimes.com/rezpolitics/election-2020/arizona-flips-navajos-contribute-to-historic-shift/
10/nov/2020
Carta-manifesto, publicada nesta segunda (9), é uma articulação de 100 organizações da sociedade civil pela liberdade de defender a Amazônia e os povos tradicionais em resposta ao plano do governo de “controlar 100% das ONGs” que atuam na região. Leia a íntegra do documento a seguir.
CARTA ABERTA
No dia de hoje, 9, tomamos conhecimento por meio da reportagem “Governo Bolsonaro planeja norma para controlar ação de ONGs na Amazônia”, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, de que consta entre as metas do Conselho da Amazônia “obter o controle de 100% das ONGs que atuam na Região Amazônica, até 2022, a fim de autorizar somente aquelas que atendam os interesses nacionais”. Tal meta se relacionaria à ação de “criar marco regulatório para atuação das ONGs” expressa nos documentos oficiais do Conselho.
A atuação de organizações da sociedade civil é a expressão viva do pluralismo de ideias e sua liberdade está garantida na Constituição. Querer controlá-las é, em última instância, tentar silenciar liberdades constitucionais. O Supremo Tribunal Federal, em 06/03/2019, decidiu que “são inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático”
Desta forma, é gravíssima e repugnante a informação de que, em reuniões oficiais e que envolvem um grande número de ministérios, integrantes do atual governo apresentem de forma expressa propostas que afrontam a democracia no país. A Constituição brasileira veda qualquer tipo de interferência do Estado na criação, no funcionamento ou mesmo no posicionamento das organizações da sociedade civil brasileiras. É cláusula pétrea a autonomia da sociedade civil assim como a liberdade de imprensa e a liberdade econômica. As propostas citadas na reportagem, e constantes em documentos de circulação interna do governo, somente encontram parâmetros em outros regimes autoritários ao redor do mundo, nos quais as liberdades de imprensa, de livre manifestação e de associação foram suprimidas para dar espaço a autocracias ditatoriais.
Os ataques e as perseguições do governo Bolsonaro à sociedade civil são uma lamentável constante em sua atuação política. Iniciativas com intuito de controle das ONGs já foram anteriormente apresentadas pelo Poder Executivo e rechaçadas pelo Parlamento Brasileiro – como no caso da Medida Provisória (MP) 870/2019. Também em dezembro de 2019, agentes da Agência Nacional de Inteligência (Abin) foram à Cúpula do Clima (COP25) para monitorar (espionar) ONGs brasileiras ali presentes. Além disso, no Brasil, não foram poucas as vezes que o próprio Presidente da República desdenhou da Constituição, participando de manifestações cujos propósitos atentavam contra os demais poderes da União. Em declaração recente, Bolsonaro chegou a reclamar por não conseguir “matar esse câncer chamado ONG”.
Apesar da insistente e repugnante campanha de difamação das ONGs por parte de agentes do governo, vale lembrar ainda que já existe no ordenamento jurídico brasileiro regulamentação para organizações do terceiro setor – o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), composto pela Lei n. 13.019/2014 e Decreto n. 8.726/16.
O Conselho Nacional da Amazônia Legal, colegiado inepto, sem participação social e de resultado quase nulo na defesa da floresta, deveria apresentar ao país algum plano para a diminuição do desmatamento, do crime ambiental, da grilagem e das queimadas. Ao invés disso, o que vemos é a confecção de um plano para silenciar os críticos ao governo e para sufocar a democracia.
Sob Bolsonaro, a democracia, assim como as florestas e seus habitantes, correm enormes riscos. Neste sentido, as organizações abaixo assinadas conclamam toda sociedade brasileira para se somar às iniciativas de defesa dos direitos dos povos indígenas e dos povos tradicionais e em apoio a luta na defesa da Amazônia, da democracia e dos direitos constitucionais.
Assinam:
- ACT Promoção da Saúde
- AMAR Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária
- Amigos da Terra – Amazônia Brasileira
- Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
- Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
- Ashoka
- Associação Agroecológica Tijupá
- Associaçao Ambientalista Copaíba AAC -São Paulo
- Associação Brasileira de ONGs – Abong
- Associação Cidade Escola Aprendiz
- Associação Mineira de Defesa do Ambiente – Amda
- Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC)
- Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida – APREMAVI
- Associação Mico-Leão-Dourado
- Cenpec Educação
- Centro Brasil no Clima
- Centro de Trabalho Indigenista
- Cidades Afetivas
- COESUS Coalizão Não FRACKING Brasil
- Coordenadoria Ecumênica de Serviços – CESE
- Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre)
- Conectas Direitos Humanos
- Delibera Brasil
- Elas no Poder
- FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
- Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento- FBOMS
- Fórum Ecumênico ACT Brasil
- Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena – FNEEI
- Fundação ARAYARA
- Fundação Avina
- Fundação Grupo Esquel Brasil
- Fundação SOS Mata Atlântica
- Fundação Tide Setubal
- Geledés Instituto da Mulher Negra
- Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero
- Greenpeace Brasil
- Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GT 2030)
- Iniciativa Verde
- Instituto Alana
- Instituto Çarakura
- Instituto Centro de Vida – ICV
- Instituto Cidades Sustentáveis
- Instituto Climainfo
- Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
- Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS
- Instituto Escolhas
- Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
- Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
- Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD
- Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc
- Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – Ipam
- Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS
- Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – Imazon
- Instituto Fé, Paz e Clima
- Instituto Feminista SOS Corpo
- Instituto Global Attitude
- Instituto Humanista para Cooperação e Desenvolvimento – Hivos
- Instituto Igarapé
- Instituto Internacional ARAYARA
- Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB
- Instituto MIRA-SERRA
- Instituto Physis
- Instituto Pro Bono
- Instituto Socioambiental – ISA
- Instituto Sou da Paz
- Instituto Talanoa
- Instituto Update
- Mapa Educação
- Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
- Move Social
- Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade do Estado do Pará.
- Observatório do Carvão Mineral
- Observatório do Clima
- Observatório do Código Florestal
- Observatório do Petróleo e Gás
- Ocupa Política
- Organização De Desenvolvimento Sustentável – ODS
- Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC)
- Oxfam Brasil
- ponteAponte
- Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político
- Processo de Articulação e Diálogo, PAD
- Projeto Saúde e Alegria
- Rede Brasileira de Conselhos – RBdC
- Rede Conhecimento Social
- Rede das Organizações Não Governamentais da Mata Atlântica – RMA
- Rede de Cooperação Amazônica – RCA
- Rede Justiça Criminal
- SAVE Brasil – Sociedade para a Conservação das Aves do Brasil
- Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
- Terra de Direitos
- Teto Brasil
- Toxisphera Associação de Saúde Ambiental
- Transparência Brasil
- Transparência Capixaba
- 342Amazônia e 342Artes
- 350.org Brasil
- Uma Gota no Oceano
- Uneafro Brasil
- WWF Brasil
05/nov/2020
A Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpin Sul) junto a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) se somam docentes, associações indígenas, organizações indigenistas, instituições de pesquisa e outros representantes da sociedade civil para repudiar medidas do governo estadual do Paraná na educação.
“Os povos indígenas do Estado do Paraná repudiam ações que o governo vem fazendo sem respeitar os seus direitos e por não considerar as leis que asseguram o direito a consulta, livre, prévia e amplamente informada às comunidades escolares e lideranças que vem por longos anos lutando por uma Educação Escolar Indígena diferenciada e de qualidade.
Qualquer atitude que viole os direitos dos Povos Indígenas, principalmente frutos de suas próprias lutas é entendido com uma ação que está retrocedendo todas as conquistas e reconhecimento constitucional e em outros regimentos como exemplo a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas e Convenção 169 da OIT.
Nesta ocasião referimos a um processo recente que poderá ocasionar graves impactos na vida cultural, social das comunidades indígenas deste Estado. Foi lançado um edital para PSS (n°47-2020-GS-SEED) com muitas mudanças, alterações e restrições que pode trazer diversos transtornos na atuação dos profissionais indígenas de educação e para toda comunidade escolar que ainda poderá comprometer sobretudo a política educacional diferenciada pois deve respeitar as especificidades e diversidades das populações indígenas.”
Leia a íntegra:
MANIFESTO DOS POVOS INDIGENAS DO PARANA CONTRA OS RETROCESSOS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
23/out/2020
Inicialmente marcado para o dia 28 de outubro, julgamento que pode definir futuro das terras indígenas ainda não tem nova data definida
O Supremo Tribunal Federal (STF) retirou de pauta o julgamento que pode definir o futuro das demarcações das Terras Indígenas. A decisão, publicada na noite de ontem (22), foi feita pelo presidente do Supremo, Luiz Fux, e o julgamento de repercussão geral segue sem data definida.
O cancelamento da pauta, que estava prevista para o dia 28 de outubro, coincide com a aposentadoria do Ministro Celso de Mello e ocorre no dia da aprovação pelo Senado do novo ministro indicado por Bolsonaro, Kassio Marques, desembargador federal que atuava no TRF 1, em Brasília.
O julgamento é alvo de pressões de setores do agronegócio e da mineração, que junto ao Governo Federal buscam retirar direitos dos povos indígenas para legalizar crimes contra os territórios, ao meio ambiente e a vida de milhares de pessoas.
Os ministros do STF devem julgar o Recurso Extraordinário 1.017.365 relativo a reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra a demarcação da TI Ibirama-Laklanõ. Como o Supremo reconheceu a “repercussão geral” do caso, ele vai fixar orientações gerais para todas as demarcações.
A corte também deve decidir neste mesmo julgamento sobre mantém ou não a medida cautelar deferida pelo ministro Edson Fachin, em maio de 2020, que suspendeu os efeitos do Parecer 001/2017, instrumento usado para institucionalizar o “marco temporal” como norma dos procedimentos administrativos de demarcação.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), junto com todas as suas organizações de base e organizações indigenistas parceiras do movimento indígena, segue mobilizada pela garantia dos direitos constitucionais dos povos indígenas, pelas nossas vidas e pela vida do planeta. Sangue indígena: nenhuma gota a mais!
Entenda o que está em jogo, acesse aqui
22/out/2020
A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e a Associação dos Kanamari do Vale do Javari (Akavaja) vêm a público externar sua extrema preocupação com a chegada do coronavírus na aldeia Jarinal, no extremo leste da nossa terra indígena. O primeiro caso de contaminação foi confirmado pela Sesai e expõe o quão despreparado está o Governo para lidar com essa pandemia em nosso território.
A aldeia Jarinal, onde vivem os Kanamari e os Tson wük Dyapah, este povo de recente contato, está localizado no alto curso do rio Jutaí, lugar de grande concentração de diferentes grupos de índios isolados. Também é nessa mesma região que nós estamos denunciando a 5 meses a volta de balsas garimpeiras ilegais na área de ocupação dos índios isolados Korubo e Warikama Dyapah. Diante da negligência do Governo Federal para a situação levamos as provas de nossa denúncia à imprensa1 e, mesmo assim, nada foi feito até agora.
Devemos ressaltar que existe uma ação judicial, de grande repercussão, que aborda a região leste da Terra Indígena (TI) Vale do Javari, exatamente na bacia do rio Jutaí. É a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e partidos políticos no Supremo Tribunal Federal – STF. No início do último mês de agosto, por unanimidade, o Plenário do STF referendou a liminar do Ministro Luís Roberto Barroso que determinava que o Governo Federal adote providências urgentes para evitar o contágio pelo novo coronavírus entre indígenas no país. Dois dos pedidos da ação da APIB, acatados pelo STF, dizem respeito exclusivamente a proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato. São eles: a criação de barreiras sanitárias nas terras indígenas com a presenças desses povos e a criação da Sala de Situação para deliberações das estratégias e ações para proteção dos índios isolados e dos de recente contato.
A Univaja subsidiou a APIB com relevantes informações sobre a importância e urgência da barreira sanitária a serem executadas em nosso território, inclusive com especial atenção a retirada do garimpo ilegal das proximidades do Jarinal e dos índios isolados no rio Jutaí. O excelentíssimo Ministro Luís Roberto Barroso determinou a inclusão da TI Vale do Javari na lista de Terras Indígenas “prioridade 1” para implementação das barreiras sanitárias. O prazo de implementação pela União era dia 30/09/2020 e até agora nem sinal de barreira sanitária e de acampamento de quarentena para os Kanamari no rio Jutaí e em outras localidades importantes do Vale do Javari.
Não aceitaremos o discurso de alguns agentes governamentais locais tentando justificar “onde não é mais necessário instalar barreiras sanitárias”, insistindo em descumprir a decisão do STF. Também não aceitaremos que tente se culpar o povo Kanamari por essa contaminação, como a própria Sesai fez na chegada do coronavírus no Vale do Javari em junho/2020. Alertamos diversas vezes às autoridades que o desabastecimento dessa aldeia de materiais de caça, pesca e alguns gêneros alimentícios, levariam os Kanamari de lá até a cidade mais próxima, no caso, Eirunepé- AM. Sem a devida assistência e preparo para tal situação previsível, foi aberta mais uma porta de contaminação. Estamos mantendo contato pela radiofonia com os Kanamari no Jarinal para ter mais informações sobre como se deu a contaminação.
A situação exige uma atuação rápida e organizada para conter o surto e isolar os doentes para tratamento. Também é urgente que o STF não permita que o Governo protele ainda mais a execução da decisão proferida por seu Plenário na ADPF 709. Enquanto se dialoga no papel, o coronavírus vai fazendo mais vítimas em nosso território.
Atalaia do Norte – AM, 21 de agosto de 2020.
As Coordenações da UNIVAJA e da AKAVAJA
21/out/2020
Leia a carta da Articulação dos Povos indígenas da Região Sul – Arpin Sul aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Em nome dos povos indígenas do Brasil. o documento chama atenção à garantia do direito originário ao território e, portanto, ao direito de existir.
OS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS NÃO NASCEM EM 05 DE OUTUBRO DE 1988, NASCEM ANTES DO ESTADO BRASILEIRO.
No próximo dia 28 de outubro de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF), julgará a Ação que vai trazer grandes consequências para os povos tradicionais do Brasil, a nós Indígenas. A referida Ação declarará se nossos Direitos à terra nascem no dia 05 de outubro de 1988, ou se realmente são originários, como prescreve o artigo 231 da Constituição Federal.
Para nós, Povos Indígenas, está bem clara a norma, pois estamos neste Brasil, muito antes da constituição do Estado brasileiro, portanto, nosso direito é originário, e dizer o contrário, é institucionalizar a política genocida, é dizer que não existíamos antes de 05 de outubro de 1988, é jogar no esquecimento 520 anos de sobrevivência, de luta, de história, de conquistas. Relembrando que nestes mais de 500 anos de história, a grande maioria dos Povos Indígenas, do Norte ao Sul, de Leste ao Oeste deste Brasil tiveram que sair de suas moradas, FORÇADAMENTE, muitas vezes expulsos a bala, outras pelas próprias ações do Estado, por isso em 05 de outubro de 88, muitas de nossas Terras já estavam invadidas por colonizadores. Dizer que nossos Direitos nascem em 05 de outubro de 1988, é compactuar com a ideia colonialista, que chegou ao Brasil em 1500, exterminando, matando, roubando terra, ouro, filhos e filhas para escravizar. A tese do marco temporal é isto, por isso não serve para nós Povos Indígenas.
Nós, Povos Indígenas, somos desta Terra, temos nossas raízes fixadas muito antes da chegada dos europeus colonizadores, então nossos direitos também estão com as raízes cravadas na história de cada Povo Indígena, por isso DECLARAMOS, NÃO AO MARCO TEMPORAL. Nossos antepassados lutaram, viveram e morreram pelo nosso direito à terra, e a política do agronegócio, do desmatamento, tenta tornar Lei a forma de nos retirar a Terra. Hoje será a Terra, amanhã a educação, depois a saúde, por fim o nosso direito de existir. Dessa forma que DECLARAMOS, VEEMENTEMENTE, NÃO AO MARCO TEMPORAL. SIM AO DIREITO ORIGINÁRIO SOBRE AS TERRAS INDÍGENAS. NÃO AO MARCO TEMPORAL. SIM A VIDA. NÃO AO MARCO TEMPORAL. SIM A CULTURA. NÃO AO MARCO TEMPORAL. SIM AO DIREITO DE EXISTIR.
Povos Indígenas da Região Sul, outubro de 2020
20/out/2020
Artigo de Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da Apib
O julgamento mais importante sobre as terras indígenas está na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF). No próximo dia 28 de outubro, a Suprema Corte irá analisar o recurso extraordinário n. 1.017365, da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que discute a posse da Terra Indígena Ibirama Laklaño, do povo Xokleng, localizada em Santa Catarina.
O Supremo terá que decidir sobre o estatuto jurídico das terras indígenas. Isto porque, estarão em análise duas teses jurídicas: a) a teoria do indigenato e b) a tese do marco temporal.
A teoria do indigenato consiste no fato de que os povos indígenas têm direito aos seus territórios tradicionalmente ocupados, conforme expresso no artigo 231 da Constituição brasileira, não podendo haver nenhuma limitação a este direito, devendo o poder público federal demarcar e proteger todas as terras. Essa tese remonta ao período colonial, onde as leis que foram editadas, respeitaram a posse dos povos originários, como senhores naturais de suas terras.
Já a tese do marco temporal restringe os direitos indígenas e é defendida pelos ruralistas, representados pela bancada ruralista no Congresso Nacional Brasileiro. Para eles, os povos indígenas só têm direito as terras que estavam ocupando no dia 05 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. Além de limitar o direito das comunidades indígenas, essa tese visa anistiar os crimes cometidos contra os indígenas, especialmente aqueles perpetrados durante o período da ditadura militar. Neste período, muitas terras indígenas, consideradas originalmente como terras públicas, foram invadidas e griladas.
A Constituição Federal completou 32 anos e, mesmo assim, muitas comunidades indígenas aguardam a demarcação de suas terras desde então. O recente Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas (2020), divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), apontou de forma inequívoca que das 1.298 terras indígenas no Brasil, 829 (63%) apresentam alguma pendência por parte do Estado para a finalização de seu processo demarcatório e o registro como território tradicional indígena na Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Destas 829, um total de 536 terras (64%) não teve ainda nenhuma providência adotada pelo Estado. Ou seja, o atual presidente da república, além de ter cumprido sua promessa de não demarcar um centímetro de terra indígena, atuou por meio do Ministério da Justiça, na qual devolveu 27 processos de demarcação à Fundação Nacional do Índio (Funai) para que fossem revistos, no primeiro semestre de 2019.
Resumo do caso
No ano de 2009, a Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina – FATMA entrou com ação de reintegração de posse em face da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e do grupo indígena Xokleng. A Fundação estadual alegou ser legítima possuidora de uma área de 80.006,00m² (oitenta mil e seis metros quadrados), localizada na Linha Esperança-Bonsucesso, distrito de Itaió (SC), que exercia a posse mansa, pacífica e ininterrupta por mais de sete anos, e, que essa reserva teria sido invadida pelos indígenas.
Há época, a FUNAI ofereceu contestação, refutando a tese inicial e demonstrando que a área da qual a autora se diz proprietária está abrangida pelos efeitos da Portaria nº 1182/2003 do Ministério da Justiça, que declarou de posse permanente dos grupos indígenas Xokleng, Kaingang e Guarani a Terra indígena Ibirama-La Klãnõ, com superfície aproximada de 37.108ha (trinta e sete mil cento e oito hectares), localizada nos Municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, José Boiteux e Vitor Meireles, no estado de Santa Catarina.
A ação foi julgada procedente na primeira instância e a decisão mantida no Tribunal Regional Federal (TRF4). Após este percurso, a ação chegou ao Supremo por meio de recurso interposto pela Funai. O relator, ministro Edson Fachin, ao admitir o recurso, apontou que é necessário que se fixe uma tese para resolver sobre a “definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena, nos termos do artigo 231 do texto Constitucional”.
O direito indígena na Constituição de 1988
O texto constitucional de 88 foi categórico ao vaticinar em seu artigo 231 “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Não há dúvida, portanto, que o constituinte originário elegeu a tese do indigenato.
Os direitos dos povos indígenas aos seus territórios possuem respaldo constitucional antes mesmo de 1988. Na Carta Constitucional de 1934 é reconhecida a posse dos indígenas das terras que tradicionalmente ocupam: “Art. 129. Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las”.
Seguindo a ordem Constitucional, a Lei n. 6.001/73, também conhecida como Estatuto do Índio, previu em seu art. 65 que o “Poder Executivo fará, no prazo de cinco anos, a demarcação das terras indígenas, ainda não demarcadas”. Ou seja, até 1978 todas as terras indígenas deveriam ser demarcadas. Sobreveio a Constituição de 1988 e novamente impôs o mesmo prazo vaticinando no art. 67 da ADCT, que a “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”.
A teoria do indigenato foi desenvolvida por João Mendes Junior. A subprocuradora-geral da República Déborah Duprat, aponta que essa tese teve início em conferência proferida na antiga Sociedade de Ethnografia e Civilização dos Índios, em 1902, quando o professor João Mendes Junior afirmou: “[…] já os philosophos gregos afirmavam que o indigenato é um título congenito, ao passo que a occupação é um título adquirido. Com quanto o indigenato não seja a única verdadeira fonte jurídica da posse territorial, todos reconhecem que é, na phrase do Alv. de 1º de abril de 1680, ‘a primária, naturalmente e virtualmente reservada’, ou, na phrase de Aristóteles (Polit., I, n. 8), – ‘um estado em que se acha cada ser a partir do momento do seu nascimento’. Por conseguinte, não é um facto dependente de legitimação, ao passo que a occupação, como facto posterior, depende de requisitos que a legitimem”.
O Alvará de 1º de abril de 1680, referido no texto, ao cuidar das sesmarias, ressalvou as terras dos índios, considerados “primários e naturais senhores delas”.
Portanto, tem-se nesta norma o reconhecimento expresso do instituto do indigenato, como sendo um direito originário, anterior ao próprio Estado, anterior a qualquer outro direito. Nas palavras do professor José Afonso da Silva “o indigenato é a fonte primária e congênita da posse territorial; é um direito congênito, enquanto a ocupação é título adquirido. O indigenato é legítimo por si, não é um fato dependente de legitimação, ao passo que a ocupação, como fato posterior, depende de requisitos que a legitimem”.
Neste sentido, a Constituição de 1988 adotou a teoria do indigenato ao reconhecer o direito originário dos povos indígenas as terras tradicionalmente ocupadas.
Sobre o autor: Luiz Henrique Eloy Amado é Terena da aldeia Ipegue (MS), advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional (UFRJ). Pós-doutorando na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris, França.
19/out/2020
Artigo de Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da Apib
O futuro das terras indígenas está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro presidente Luiz Fux incluiu na pauta de julgamento do dia 28 de outubro, o Recurso Extraordinário n.º 1.017.365, com repercussão geral reconhecida. Também conhecido como “caso Xokleng”, a decisão servirá de parâmetro para a demarcação de todas as terras indígenas do Brasil.
Os povos indígenas vivenciam um contexto político muito adverso na gestão do governo Bolsonaro, primeiro presidente eleito declaradamente contrário aos povos indígenas. Desde que tomou posse, assinou diversos atos que contrariam a Constituição e Tratados Internacionais que protegem as comunidades indígenas e seus territórios. Importante salientar que neste contexto de pandemia, faz-se fundamental refletir sobre o importante papel que os territórios tradicionais cumprem no equilíbrio da humanidade. Portanto, as terras indígenas, além de proteger o modo de vida dos povos indígenas, são patrimônio público federal e garantem o equilíbrio climático.
Aliás, não é novidade que os direitos dos povos indígenas estejam em constantes disputas no campo político e judicial. Desde o período colonial, vários expedientes normativos foram emitidos tendo por objeto a posse desses territórios. Na atualidade são muitos os argumentos utilizados para impedir o reconhecimento formal de uma terra indígena. Entretanto, sem dúvida, o mais utilizado é a tese do “marco temporal”.
No início do mês maio de 2020, atendendo a um pedido incidental feito pela Comunidade Indígena Xokleng e outras organizações indígenas e indigenistas, o ministro do STF Edson Fachin, por meio de decisão fundamentada, suspendeu todas as ações judiciais de reintegrações de posse ou anulação de processos de demarcação de terras indígenas enquanto durar a pandemia de Covid-19 ou até o julgamento final do Recurso Extraordinário n.º 1.017.365, com repercussão geral reconhecida (Tema n.º 1.031). Neste mesmo processo, o ministro relator também suspendeu os efeitos do Parecer n.º 001 da Advocacia-Geral da União (AGU) e determinou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) “se abstenha de rever todo e qualquer procedimento administrativo de demarcação de terra indígena, com base no Parecer n.º 001/2017/GAB/CGU/AGU”.
O citado Parecer n.º 001 da AGU vinha causando imensos prejuízos aos povos indígenas. Além de vincular todas as demarcações de terras ao que foi decidido no caso Raposa Serra do Sol, também pretendia fixar a data de 5 de outubro de 1988 como marco temporal para a demarcação das terras indígenas. Ou seja, as comunidades indígenas que não estivessem em suas terras em 5 de outubro de 1988, segundo essa tese, perderiam seus direitos territoriais.
E ainda, este parecer da AGU também estava sendo usado para rever processos de demarcação, fazendo com que a Procuradoria Especializada da Funai desistisse de vários processos judiciais, abrindo mão da defesa de comunidades indígenas e do próprio interesse da União– tendo em vista que Terra Indígena é bem público federal (Art. 20, inciso XI). Como consequência, comunidades indígenas estavam perdendo os processos e ficando sem defesa, o que fere o direito fundamental ao devido processo legal.
A suspensão do Parecer n.º 001 da AGU e o mérito desse processo será analisado pelo Pleno do STF no dia 28 de outubro. Esse julgamento é muito importante para todos os povos indígenas do Brasil. Após séculos de violências, remoções forçadas e extermínio de povos inteiros, a Suprema Corte terá a oportunidade de fazer valer o artigo 231 da Constituição, que determina que as terras indígenas, utilizadas para as atividades produtivas e para a preservação dos recursos ambientais necessários ao bem-estar dos povos indígenas, bem como aquelas que são necessárias para a reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, devem ser demarcadas e protegidas.
Esse é um direito fundamental, inalienável, indisponível e imprescritível. Foi essa a escritura pública que o Estado brasileiro assinou para os povos indígenas do Brasil.
O caso em questão, do povo Xokleng, é o mais emblemático no momento, tendo em vista que teve repercussão geral reconhecida. Trata-se do Recurso Extraordinário n.º 1.017.365, interposto pela Funai, onde se busca manter reconhecido o território tradicional do povo Xokleng, em Santa Catarina. O processo se originou em uma ação de reintegração de posse requerida pela Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (FATMA), no ano de 2009. Na petição, a FATMA pretendia reaver área administrativamente declarada pelo Ministro de Estado da Justiça como de tradicional ocupação dos indígenas Xokleng, Kaigang e Guarani. Tanto em primeira instância, quanto na segunda, as decisões foram contrárias aos interesses dos indígenas, razão pela qual, o processo chegou ao Supremo por via do extraordinário. O recurso foi distribuído ao Ministro Edson Fachin e teve reconhecida a repercussão geral. O processo é tido pelo movimento indígena como emblemático, tanto que muitas organizações requereram ingresso no feito na qualidade de amicus curiae. São elas: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Conselho do Povo Terena, Aty Guasu Guarani Kaiowá, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho Indigenista Missionário, dentre outros.
Teoria do Indigenato
A teoria do indigenato foi desenvolvida por João Mendes Junior. A subprocuradora-geral da República Déborah Duprat, aponta que essa tese teve início em conferência proferida na antiga Sociedade de Ethnografia e Civilização dos Índios, em 1902, quando o professor João Mendes Junior afirmou: “[…] já os philosophos gregos afirmavam que o indigenato é um título congenito, ao passo que a occupação é um título adquirido. Com quanto o indigenato não seja a única verdadeira fonte jurídica da posse territorial, todos reconhecem que é, na phrase do Alv. de 1º de abril de 1680, ‘a primária, naturalmente e virtualmente reservada’, ou, na phrase de Aristóteles (Polit., I, n.º 8), – ‘um estado em que se acha cada ser a partir do momento do seu nascimento’. Por conseguinte, não é um facto dependente de legitimação, ao passo que a occupação, como facto posterior, depende de requisitos que a legitimem”.
O Alvará de 1º de abril de 1680, referido no texto, ao cuidar das sesmarias, ressalvou as terras dos índios, considerados “primários e naturais senhores delas”. Portanto, tem-se nesta norma o reconhecimento expresso do instituto do indigenato, como sendo um direito originário, anterior ao próprio Estado, anterior a qualquer outro direito. Nas palavras do professor José Afonso da Silva “o indigenato é a fonte primária e congênita da posse territorial; é um direito congênito, enquanto a ocupação é título adquirido. O indigenato é legítimo por si, não é um fato dependente de legitimação, ao passo que a ocupação, como fato posterior, depende de requisitos que a legitimem”.
Neste sentido, a Constituição de 1988 adotou a teoria do indigenato ao reconhecer o direito originário dos povos indígenas às terras tradicionalmente ocupadas. Em recente julgamento ocorrido em 16 de agosto de 2017, o pleno do Supremo analisou as ACOs 362 e 366, ambas de relatoria do ministro Marco Aurélio Mello. Nos votos é possível extrair pontos importantes lançados pelos ministros, que deixam claro que o instituto do indigenato possui assento Constitucional.
A tese do marco temporal
A tese jurídica do marco temporal não nasceu exatamente no âmbito do Poder Judiciário. Antes do julgamento do caso Raposa Serra do Sol, esta intepretação jurídica era rotineiramente suscitada nos discursos parlamentares e de juristas que advogam para os interesses do capital. Cito por exemplo, o discurso do deputado federal Gervásio Silva (PFL-SC), proferido no dia 20 de outubro de 2005, intitulado “Acirramento de conflitos fundiários pela política de demarcação de terras indígenas da FUNAI no Estado”, discorreu: “[…] e é bom que se repita: a Constituição Federal de 1988 não fala em posse imemorial, mas em terras tradicionalmente ocupadas no presente e de habitação permanente […] à identificação de uma terra indígena, está completamente divorciado do entendimento atual do STF, externado pela Súmula 650-STF, que consolidou a jurisprudência sobre o reconhecimento de terras indígenas […] como todos sabem, esta súmula não reconhece a doutrina de posse imemorial e consagra o princípio jurídico da ocupação atual e permanente das terras tradicionais de ocupação indígena. Explicando que os supostos direitos da suposta comunidade indígena de Araçá só mereciam o abrigo constitucional se os índios lá estivessem em 05 de outubro de 1988”.
Ao que se percebe, essa interpretação restritiva aos direitos dos povos indígenas consistente no “marco temporal” nasceu justamente de uma leitura equivocada feita a partir da súmula 650 do STF, que preceitua “os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto”. Entretanto, é preciso fazer uma leitura dessa súmula em conexão com a matéria posta a julgamento que resultou na edição do citado verbete. O precedente da súmula 650 do STF, é o RE 219.983, tendo em vista o interesse da União na solução de ações de usucapião em terras situadas nos Municípios de Guarulhos e de Santo André, no estado de São Paulo, em vista do disposto no artigo 1º, alínea h, do Decreto-Lei 9.760/1946. Como bem salienta o jurista Roberto Lemos dos Santos Filho “é necessário que os operadores do direito atentem ao fato de que aplicação da Súmula 650-STF deve ser realizada aos casos específicos a que ela tem relação, vale dizer, usucapião de terras indígenas a que se refere o Decreto-Lei 9.760/1946”.
Ainda no âmbito do legislativo, cabe citar o Projeto de Lei (PL) 490/2007, de autoria do Dep. Homero Pereira que tem por objetivo alterar a Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973, também conhecido como Estatuto do Índio, propondo que as terras indígenas sejam demarcadas por lei, ou seja, que a demarcação passe pelo crivo do legislativo. O autor justifica a importância da proposição evidenciando que a “demarcação das terras indígenas extrapola os limites de competência da FUNAI, pois interfere em direitos individuais, em questões relacionadas com a política de segurança nacional na faixa de fronteiras, política ambiental e assuntos de interesse dos Estados da Federação e outros relacionados com a exploração de recursos hídricos e minerais”. Em 15 de maio de 2018, o Dep. Jerônimo Goergen apresentou parecer nesta proposição legislativa no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, propondo a instituição do marco temporal por meio de lei.
Nota-se que é uma clara iniciativa da bancada ruralista implementar o marco temporal pela via legislativa, como uma espécie de retorno ao nicho de onde nasceu, mas agora com precedentes judiciais. No âmbito de discussão da tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, verifica-se de forma reincidente os parlamentares se valerem do argumento do marco temporal para capitanear apoio à aprovação dessa proposta.
Entretanto, foi no âmbito do judiciário que o marco temporal encontrou terreno fértil, enraizando-se e alastrando-se por toda a estrutura. Seus frutos são decisões liminares, sentenças e acórdãos anulando demarcações de terras indígenas e determinando o despejo de comunidades inteiras. No ano de 2009, por ocasião do julgamento da Petição 3.388, no STF, aparece pela primeira vez, no âmbito no Poder Judiciário, a tese jurídica denominada “marco temporal”. Segundo esta interpretação jurídica, os povos indígenas só teriam direito às terras que estivessem ocupando no dia 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Dessa decisão proferida, tanto as comunidades indígenas quanto o Ministério Público Federal interpuseram recurso de embargos de declaração, buscando com isso, uma nova manifestação da Corte, para se manifestar se as condicionantes se estendiam automaticamente às outras terras ou não. No ano de 2013, o Supremo analisou os recursos de embargos opostos, decidindo que as condicionantes do caso “não vincula(m) juízes e tribunais quando do exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas (…). A decisão vale apenas para a terra em questão”.
Parecer 001/2017 da AGU: um duro golpe aos direitos indígenas
Como dito, em 2009, o STF fixou as denominadas “salvaguardas institucionais às terras indígenas” no acórdão proferido no julgamento da Pet. n.º 3.388/RR (caso Raposa Serra do Sol). Instaurou-se o debate sobre se essas “salvaguardas” ou “19 condicionantes” deveriam ser seguidas em todos os processos de demarcação de terras indígenas. Ato seguinte, no ano de 2012, foi editado a Portaria de n.º 303 pela Advocacia Geral da União (AGU) com o propósito de “normatizar” a interpretação e aplicação das 19 condicionantes. Em 25 de julho de 2012, a Portaria AGU n.º 308 suspendeu o início da vigência da Portaria n.º 303/2012 em razão da oposição de diversos embargos de declaração ao acórdão do STF na Pet. n.º 3.388/RR e de um intenso processo de mobilização dos povos indígenas e de organizações sociais. Em 17 de setembro do mesmo ano, uma nova portaria, a Portaria n.º 415 da AGU, estabeleceu como termo inicial da vigência da Portaria n.º 303 o dia seguinte ao da publicação do acórdão a ser proferido pelo STF nos referidos embargos.
Em 2013 o STF analisou os embargos opostos no caso da Pet. n.º 3.388/RR e decidiu que as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol “não vincula juízes e tribunais quando do exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas (…). A decisão vale apenas para a terra em questão”.
Após a publicação do acórdão do STF nos embargos de declaração, a AGU publicou a Portaria n.º 27 de 07 de fevereiro de 2014, determinando à Consultoria-Geral da União e à Secretaria Geral de Contencioso a análise de adequação do conteúdo da Portaria n.º 303/2012 aos termos da decisão final do STF. Diversos órgãos da Administração Pública (FUNAI, AGU, PFE/FUNAI, CONJUR/MJ/CGU/AGU) se envolveram em uma controvérsia sobre a vigência e eficácia da Portaria em questão. Em 11 de maio de 2016, o Advogado-Geral da União, por meio do Despacho n.º 358/2016/GABAGU/AGU, determinou que a Portaria n.º 303/2012 deveria permanecer suspensa até conclusão dos estudos requeridos por meio da Portaria n.º 27/2014.
A partir de 2016, com a ascensão de Michel Temer à Presidência da República, iniciou-se um acelerado retrocesso dos direitos humanos dos povos indígenas no Brasil. Em maio de 2017, quando o ex-presidente da Funai, Sr. Antônio Fernandes Toninho Costa entregou o cargo, acusando o ex-Ministro da Justiça de agir em favor de um lobby conservador de latifundiários e outros interesses da bancada ruralista, inclusive impondo indicações políticas dentro da Funai, o órgão passou a ser dirigido por um general do Exército. A despeito de protestos do movimento indígena nacional, assumiu a presidência da Funai o general Franklimberg Ribeiro de Freitas. Empossado no cargo, Sr. Freitas assinou uma série de medidas controversas, particularmente no que diz respeito à perspectiva de assimilação de povos indígenas, escondida atrás do argumento do desenvolvimento econômico. Enquanto isso, o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) ficou inoperante, corroborado pela falta de interesse do Ministério da Justiça em estabelecer um diálogo com os povos indígenas.
Foi neste contexto que, em julho de 2017, o Ministério da Justiça estabeleceu um grupo de trabalho (Portaria n.º. 541/2017 do Ministério da Justiça), com vários representantes das forças de segurança e sem a participação de representantes indígenas, para elaborar medidas visando à integração desses povos. Depois de críticas severas por parte do movimento indígena e de organizações da sociedade civil, o ato foi substituído por um similar (Portaria n.º 546/2017 do Ministério da Justiça), sob a justificativa de que o objetivo não era assimilação, mas a organização de povos indígenas.
No dia 20 de julho de 2017 foi publicado no Diário Oficial da União o Parecer n.º 01/2017/GAB/CGU/AGU o qual obriga a Administração Pública Federal a aplicar as 19 condicionantes que o STF estabeleceu na decisão da Pet. n.º 3.388/RR a todas as terras indígenas. O Parecer tem como objetivo, além de determinar a observância direta e indireta do conteúdo das 19 condicionantes, institucionalizar a tese do “marco temporal”, segundo a qual os povos indígenas só teriam o direito às terras que estivessem ocupando na data de 05 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição Federal.
A pretexto de normatizar a atuação da Administração Pública Federal e uniformizar a interpretação constitucional a respeito do processo demarcatório de terras indígenas, o que o Parecer n.º 01/2017 da AGU fez na verdade foi conceder efeito vinculante e automático à decisão do STF, quando este próprio proibiu essa possibilidade.
Na prática este parecer vincula todos os órgãos da Administração Pública Federal (direta e indireta), atingindo notadamente a Funai e a Procuradoria Especializada da Funai. Os efeitos são extremamente negativos porque imediatamente a Funai começou a reanalisar vários procedimentos de demarcação de terras indígenas de todo o país. Outros processos que já estavam na Casa Civil e Ministério da Justiça, em estágio avançado, foram devolvidos à Funai para serem reanalisados. No âmbito da própria AGU, muitos advogados da União que atuam na defesa dos interesses da União e da Funai, pois as terras indígenas são bens da União, tiveram suas prerrogativas de atuação tolhidas. Em muitos casos, os procuradores da Funai foram obrigados a desistir de fazer a defesa judicial de muitas comunidades indígenas, sob pena de sofrerem procedimento disciplinar. Sem dúvida, este parecer gestado pelo setor ruralista no âmbito do governo de Michel Temer, trouxe serias consequências aos direitos e interesses dos povos indígenas. Tal parecer foi editado justamente no momento em que Michel Temer precisava do apoio da bancada ruralista para impedir a admissibilidade de denúncia contra si no parlamento brasileiro. A Apib chegou a protocolar representação na Procuradoria-Geral da República, mas o caso foi arquivado.
Perspectiva do movimento ind
O movimento indígena tem resistido à aplicação do marco temporal. Há anos o Poder Judiciário se consolidou como uma arena de conflitos, no entendimento dos povos indígenas, que veem incidindo junto aos juízes e ministros dos tribunais. No ano de 2017, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), lançou a campanha “Nossa história não começa em 88”, com o nítido objetivo de fazer o contraponto ao argumento do marco temporal. A campanha foi lançada por conta do julgamento agendado no dia 16 de agosto, no Supremo Tribunal Federal. Estavam na pauta de julgamento três ações que tratavam do Parque Indígena do Xingu (MT), da Terra Indígena Ventarra (RS) e das terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci. Embora tais ações tratassem especificamente dessas terras, o entendimento dos ministros serviria de orientações para as demais terras do Brasil. Neste contexto, estava em negociação as articulações políticas de Temer para evitar seu afastamento da presidência. Os ruralistas do Congresso Nacional conseguiram emplacar sua pauta no governo federal. Michel Temer assinou, em julho, o Parecer 001/2017, da Advocacia Geral da União (AGU), obrigando todos os órgãos do Executivo a aplicar o “marco temporal” e a vedação à revisão dos limites de terras já demarcadas – inclusive visando influenciar o STF.
A Apib divulgou carta afirmando que “o marco temporal legitima e legaliza as violações e violências cometidas contra os povos até o dia 04 de outubro de 1988: uma realidade de confinamento em reservas diminutas, remoções forçadas em massa, tortura, assassinatos e até a criação de prisões”. Sonia Guajajara, coordenadora da Apib, afirmou que “aprovar o marco temporal significa anistiar os crimes cometidos contra esses povos e dizer aos que hoje seguem invadindo suas terras que a grilagem, a expulsão e o extermínio de indígenas é uma prática vantajosa, pois premiada pelo Estado brasileiro”.
As lideranças indígenas têm demonstrado uma capacidade qualificada de resistência na mobilização pela garantia de direitos. As instâncias estatais (Executivo, Legislativo e Judiciário) constituem um elemento de análise por parte das lideranças que buscam compreender a sistemática da burocracia e operacionalidade da máquina administrativa. Essa tarefa assumida por parte das comunidades aperfeiçoa as formas de incidir juntos aos atores representativos dos poderes estatais. Isso é revelador de como o movimento indígena brasileiro, ao longo dos séculos, resistiu às ações estatais. Mas não uma resistência apenas defensiva, mas qualificada pelo protagonismo indígena que se apropriou e ressignificou elementos que antes eram estranhos à cultura indígena, mas que nos dias atuais são acionados pelas lideranças em suas reivindicações.
Outros casos no Supremo
Outra caso que está no Supremo refere-se à Terra Indígena Guyraroka, do povo Guarani Kaiowá, de Mato Grosso do Sul. Em 2014, a segunda turma analisou o RMS 29.087, e, por votação majoritária, deu provimento declarando a nulidade do processo administrativo de demarcação de TI Guyraroka, bem como da portaria n.º 3.219, de 7.10.2009, do Ministro de Estado da Justiça, com base na tese do marco temporal. A comunidade ingressou com Ação Rescisória (AR) 2686, visando reverter a decisão, tendo em vista a nulidade do processo que tramitou sem a participação dos maiores interessados na lide, bem como a inconstitucionalidade do marco temporal. A comunidade aguarda a decisão de admissibilidade da ação que já foi incluída na pauta de julgamento e retirada posteriormente.
Tem-se ainda, o processo da terra indígena Limão Verde, do povo Terena, de Mato Grosso do Sul. Em dezembro de 2014, a segunda turma analisou o Agravo Regimental em Recurso Extraordinário n.º 803.462, e, aplicando o marco temporal, anulou a demarcação desta terra indígena, que havia sido demarcada e homologada em 2003. Após isto, a Comunidade Indígena Terena ingressou no feito, solicitando reanálise do caso e aguarda julgamento.
Sobre o autor: Luiz Henrique Eloy Amado é Terena da aldeia Ipegue (MS), advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional (UFRJ). Pós-doutorando na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris, França.
17/out/2020
A Jornada Vidas Indígenas Importam, promovida pela Apib durante o mês de outubro, cumpriu agendas online em 6 países para pressionar governo brasileiro a cumprir leis que garantem direitos dos povos indígenas e proteção socioambiental.
No mês em que exaltamos a resistência indígena no mundo, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) construiu uma agenda internacional para pressionar o governo Bolsonaro e corporações internacionais no cumprimento de leis que garantem os direitos dos povos indígenas e a proteção socioambiental. A Jornada “Vidas Indígenas Importam” iniciou no dia 5 de outubro, quando se comemorou o aniversário de 32 anos da Constituição Federal, que representa um marco na garantia dos direitos dos povos.
Este ano, a Jornada “Vidas Indígenas Importam” buscou articular com ministros, parlamentares e membros de comissões de comércio sete pontos que compreendem medidas sobre a moratória de cinco anos ao desmatamento na Amazônia, aumento das penas para crimes ambientais e desmatamento, incluindo o congelamento de bens dos 100 piores criminosos, demarcação de terras indígenas e quilombolas e criação, regularização e proteção de Unidades de Conservação.
Para Kretã Kaingang, coordenador da Apib, a agenda virtual foi muito bem sucedida. “Conseguimos estabelecer um entendimento sobre o contexto que estamos vivendo no Brasil em todas as reuniões que tivemos, tanto sobre a crescente do autoritarismo do governo e instabilidade política quanto a destruição dos biomas e perseguição aos povos indígenas, com aumento das invasões nos territórios, Covid-19, queimadas e outras situações”, comenta.
Segundo o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a destruição da Amazônia atingiu novos recordes no primeiro semestre de 2020 – uma área equivalente a 120 campos de futebol desaparece por hora. O Pantanal, o Cerrado e outras biomas brasileiros também enfrentam queimadas sem precedentes. Na contramão da resolução dos problemas, o governo tem diminuído os espaços de participação social, a exemplo do que ocorreu no Conselho Nacional do Meio Ambiente, presidido pelo ministro Ricardo Salles, expondo mais ainda o desmonte da política ambiental.
Durante as reuniões com países europeus, a Apib apresentou sete pontos de discussão que foram, no geral, bem recebidos e com respostas que indicam ações concretas. “Nenhum deles pode alegar que não sabe o que está acontecendo no Brasil e que não tem um roteiro de como agir porque nós oferecemos isso”, destaca Kretã. Além desse sucesso em passar uma mensagem muito clara e bem construída, relevante para tomada de ações e decisões, alguns países, principalmente Bélgica, Holanda e França, começaram a compor uma coalizão de “países da resistência ao tratado”, elaborando um documento de pré-ratificação focado nos ganhos para meio ambiente e Direitos Humanos.
A última reunião da agenda aconteceu nesta quinta (15) e coincidiu com o recebimento do Prêmio Internacional Letelier-Moffitt de Direitos Humanos, do Instituto de Estudos Políticos de Washington (EUA), pelo trabalho em defesa dos direitos dos povos indígenas do Brasil. A organização da primeira delegação de lideranças indígenas à Europa para a jornada Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais em 2019 foi o destaque para o reconhecimento da entidade. A jornada percorreu 18 cidades de 12 países europeus denunciando a violação de direitos indígenas e de leis socioambientais.
15/out/2020
Mesmo com aumento de 27% nas candidaturas indígenas, ocupação de cargos no Executivo e no Legislativo ainda não têm presença significativa dos povos. A mobilização “Campanha Indígena – demarcando as urnas” busca mudar esse cenário apoiando cerca de 150 candidaturas.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lança, nesta quinta-feira (15), a mobilização Campanha Indígena. A iniciativa pretende ampliar a representação dos povos nas instâncias dos poderes legislativo e executivo em todo o país. O lançamento da Campanha ocorre a um mês do primeiro turno, mas as ações de fortalecimento de candidaturas indígenas iniciaram em agosto.
Desde 2017, a Apib constrói de forma mais direta ações para fortalecer candidaturas indígenas. Este ano a Campanha Indígena surge em parceria com a plataforma Candidate-se, da Mídia Ninja, e em conjunto com a Mídia Índia.
De caráter suprapartidário, a iniciativa compreende que a trajetória da liderança na defesa dos direitos indígenas e do reconhecimento dessas candidaturas pelos povos é mais relevante do que o partido ao qual o candidato está filiado e concorrendo às eleições. A realidade da política partidária, sobretudo nos milhares de municípios distantes de centros urbanos, é bem distinta dos contextos das grandes capitais. Muitas alianças locais podem ter contextos diversos às visões políticas partidárias em âmbito nacional.
O Brasil tem 2.177 candidaturas indígenas concorrendo às eleições 2020 – 0,4% do total. Este número é relativamente proporcional à população indígena brasileira, que representa 0,4% (900 mil) da população total brasileira (209 milhões de pessoas). Foi registrado um aumento de 27% das candidaturas indígenas em relação às eleições em 2016, que registraram 1.715 pessoas. O Estado com maior número de candidaturas é o Amazonas, com 493 candidaturas.
O aumento da população indígena na participação das eleições municipais é concomitante ao aumento dos ataques aos seus direitos em meio a pandemia de Covid-19. O primeiro índigena eleito no Brasil foi o cacique xavante Mário Juruna (PDT-RJ) em 1982, durante a ditadura militar quando muitos dos direitos indígenas também foram violados.
Segundo Dinaman Tuxá, um dos coordenadores executivos da Apib, o maior interesse na política institucional deve-se à ampliação do debate sobre a necessidade da representatividade dos povos indígenas e a defesa dos seus direitos nestes importantes ambientes de decisão. Tuxá ressalta ainda que “a pauta comum entre todos candidatos que é a retomada da demarcação dos territórios indígenas, ainda que tenham pontos de vista políticos distintos e sejam filiados a partidos diversos”.
O fortalecimento de campanhas de candidatos indígenas é uma passo necessário para ampliar a representatividade dos povos originários nos espaços políticos, por isso é uma ação central para o movimento indígena. A democracia necessariamente implica em participação. Logo, a diversidade nas instituições que constituem espaços de tomada. de decisões é fundamental, pois impactam a vida de todo um povo.
Emergência indígena
As Eleições Municipais de 2020 já estão marcadas pelo momento histórico que vivemos: a pandemia. O alastramento do novo coronavírus pelo mundo trouxe preocupações quanto às medidas do poder público diante de uma crise sanitária global. O descaso com povos indígenas e risco de contaminação causado por aglomerações de cunho político foram situações que marcaram os últimos seis meses.
A pandemia evidenciou as desigualdades sociais que, historicamente, assolam o país. Os povos indígenas foram fortemente impactados pela disseminação da Covid-19. Mesmo com uma pandemia em curso, as violências contra os povos indígenas não cessaram. Garimpeiros, madeireiros, fazendeiros e entre outros agentes da exploração e destruição do meio ambiente se sentiram motivados pelos discursos e ações de agentes do poder público. Enquanto “a boiada passa”, os ataques aumentam de todas as formas, inclusive por meio de processos jurídicos com aval do Executivo, como a tese do Marco Temporal.
O que é?
Ação de fortalecimento da participação indígena no processo eleitoral
Quem realiza?
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Plataforma Candidate-se, da Mídia Ninja, e Mídia Índia
Qual nosso objetivo?
Ampliar a representação indígena nos poderes legislativo e executivo no Brasil
Como?
Por meio de suporte jurídico e de comunicação aos candidatos.
O candidato pode se inscrever por meio da plataforma ou pode ser indicado pelo movimento indígena em reconhecimento à sua liderança.
Onde?
campanhaindigena.org