10/out/2024
Candidaturas indígenas receberam mais de 1 milhão de votos em todo o país nas eleições municipais, que registrou o maior número de indígenas disputando as eleições na história
A Campanha Indígena, iniciativa da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), registrou um crescimento 8% de indígenas eleitos, em 2024, em comparação com as eleições de 2020. Ao todo, 256 candidaturas indígenas conquistaram mandatos em câmaras municipais, em todas as regiões do país e em prefeituras de nove cidades. Levantamento da Campanha com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aponta um total de 1.635.530 votos dados a candidaturas indígenas, mostrando a crescente relevância na política partidária brasileira.
Entre os grupos raciais autodeclarados brancos, pardos, negros e amarelos, apenas os indígenas apresentaram crescimento, enquanto as demais tiveram uma redução de cerca de 20%. As candidaturas indígenas foram as que mais cresceram proporcionalmente nas eleições municipais deste ano, apesar das dificuldades persistentes em eleger representantes. Em 2024, 169 povos indígenas tiveram candidaturas concorrendo a cargos nas câmaras municipais e prefeituras em todas as regiões do Brasil.
De acordo com Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o objetivo da campanha sempre foi nítido: “Nossa proposta com a Campanha Indígena é fortalecer a participação dos povos indígenas nos espaços institucionais da política. Sabemos que a representatividade é uma arma poderosa na luta pelos nossos direitos e na construção de políticas que respeitem nossas vidas e nossos territórios.”
Apesar dos avanços na participação, a falta de investimentos financeiros em candidaturas indígenas e o baixo engajamento dos partidos ainda são grandes obstáculos para a eleição de representantes indígenas. Uma das principais lutas da Campanha Indígena é garantir que, nas próximas eleições, a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que estabelece cotas para candidaturas indígenas, com acesso a recursos do fundo eleitoral e mais tempo de propaganda, seja plenamente implementada.
Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib pela Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), reforçou que ainda há muito a ser feito. “Os partidos precisam dar mais suporte para que as candidaturas indígenas tenham condições de concorrer de forma justa. Além disso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve garantir a aplicação de uma medida de apoio às candidaturas indígenas através do fundo eleitoral, para equilibrar o jogo e promover a diversidade na política.”
Resultados
Os números de 2024 reforçam avanços dentro de um contexto ainda pouco favorável. Foram eleitos:
Além disso, 169 povos indígenas participaram da disputa eleitoral, consolidando ainda mais a pluralidade de vozes que se colocam à disposição para representar seus povos. Um destaque importante foi a região de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, que teve 108 candidaturas indígenas.
Comparativo com 2020
A comparação com as eleições de 2020 mostra que, apesar do aumento geral, alguns desafios permanecem. Em 2020, foram eleitos 236 indígenas, enquanto em 2024 esse número subiu para 256. Houve um crescimento no número de vereadores (214 para 234) e vice-prefeitos (12 para 13). No entanto, o número de prefeitos eleitos caiu ligeiramente, de 10 para 9, e o de mulheres indígenas eleitas também sofreu uma leve redução, de 44 em 2020 para 41 em 2024.
Resultados regionais
A distribuição dos eleitos nas áreas de abrangência das organizações regionais da Apib foi significativa:
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COIAB (Amazônia Legal): 106 indígenas eleitos, com destaque para o Amazonas (47 eleitos) e Roraima (12 eleitos).
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Apoinme (Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo): 101 indígenas eleitos, com Pernambuco tendo a maior representação (31 eleitos).
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Arpinsul, CGY e Arpinsudeste: 33 indígenas eleitos, com o Rio Grande do Sul se destacando com 17 vereadores indígenas.
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Aty Guasu e Conselho Terena: 16 eleitos, com Mato Grosso do Sul tendo 15 vereadores indígenas.
Embora o crescimento da participação indígena nas urnas em 2024 seja um marco importante, a luta está longe de acabar. “A Campanha Indígena continuará promovendo a participação política dos nossos povos, reforçando a mensagem de que não há democracia plena sem a presença indígena nas decisões que afetam o país”, reforça Dinanam Tuxá.
Acesse campanhaindigena.info para conferir as candidaturas indígenas eleitas, em 2024.
Histórico
O movimento indígena tem uma longa história de luta por espaço nas instituições políticas brasileiras. O primeiro indígena registrado como eleito foi Manoel dos Santos, do povo Karipuna, em 1969, como vereador em Oiapoque (AP). Em 1976, o Cacique Ângelo Kretã venceu as eleições para vereador em Mangueirinha (PR), após uma batalha judicial para garantir seu direito de concorrer.
No âmbito federal, Mário Juruna foi o primeiro indígena eleito deputado em 1982, em um período que antecedeu o reconhecimento dos direitos indígenas na Constituição Federal de 1988. Desde então, o movimento indígena tem conquistado avanços significativos, como a eleição de Joenia Wapichana, em 2018, a primeira mulher indígena eleita deputada federal, e a candidatura histórica de Sonia Guajajara à presidência da República no mesmo ano. Em 2022, novos marcos foram atingidos com a eleição de Célia Xakriabá como a primeira deputada federal indígena por Minas Gerais e Sonia Guajajara como a primeira parlamentar federal por São Paulo.
A Campanha Indígena, promovida Apib, teve sua origem em 2017 com o manifesto “Por um Parlamento cada vez mais indígena”, que destacava a ausência de representantes indígenas no Congresso Nacional e os impactos negativos na luta dos povos. A partir de 2020, a Campanha Indígena foi formalmente lançada para enfrentar essa sub-representação e fortalecer a presença indígena nos processos eleitorais. Desde então, a campanha tem sido fundamental na mobilização de candidaturas indígenas em todo o país, buscando ampliar a representatividade política e garantir que os interesses dos povos indígenas sejam defendidos nas esferas institucionais.
04/out/2024
As Terras Indígenas Lago do Soares e Urucurituba, município de Autazes (AM), estão ameaçadas pela empresa Potássio do Brasil, que está prestes a iniciar a exploração mineral. Nesta segunda-feira (30/09) a empresa iniciou as obras para a unidade de beneficiamento. A comunidade e o Ministério Público Federal denunciam uma série de irregularidades nos processos de consulta pública e autorização para a extração.
A Universidade Federal do Amazonas, que participou inicialmente de um acordo de cooperação chamado Projeto Autazes Sustentável, cancelou os atos de colaboração com a empresa Potássio do Brasil devido ao impasse jurídico em relação aos impactos do projeto sobre os direitos territoriais dos povos indígenas (artigo 231 da Constituição Federal) e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225 da Constituição Federal).
O MPF relata irregularidades como:
· A empresa Potássio do Brasil pretende explorar um território indígena tradicional, ocupado pelo Povo Mura há mais de 200 anos, e que já possui Portaria da Funai, publicada em 2023, para que seus estudos avancem e definam seus limites territoriais (Terra indígena Soares/Urucurituba em Autazes/AM);
· Além de se sobrepor à terra indígena em processo de demarcação, a base de exploração minerária fica a menos de 3 km da terra indígena Jauary, e a cerca de 6 km da terra indígena Paracuhuba;
· O fato de o empreendimento pretendido ter impactos socioambientais em territórios indígenas impõe, nos termos da legislação, que o órgão licenciador seja federal (Ibama). No entanto, a empresa apresentou pedidos de licenciamento perante o órgão ambiental do estado do Amazonas, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam);
· Qualquer ato administrativo ou legislativo que impacte direitos dos povos indígenas ou comunidades tradicionais (como quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, entre outros) deve observar os termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que exige a consulta das populações de forma prévia (anterior), livre, informada, de boa-fé e culturalmente adequada (na língua própria se necessário, respeitando o tempo de cada povo) sobre tais medidas;
· O povo Mura aprovou seu protocolo de consulta em 2019, após mais de dois anos de reuniões e debates entre as comunidades e aldeias dos municípios de Careiro da Várzea e Autazes, mas os termos foram descumpridos pela empresa Potássio do Brasil, sendo relatadas fraudes e cooptações;
· Durante as tratativas, houve ameaças a defensores de direitos humanos, lideranças indígenas e agentes da sociedade civil que se opuseram ao projeto;
· O IPAAM, órgão ambiental estadual, além de incompetente para proceder ao licenciamento no caso concreto, concedeu licenças individuais para cada estrutura diferente solicitada pela empresa Potássio do Brasil, promovendo um fracionamento do licenciamento ambiental, sem analisar globalmente os impactos socioambientais e socioeconômicos das atividades.
A empresa, apesar de receber o nome Potássio do Brasil, é na verdade canadense e está prestes a abrir uma oferta pública de ações (IPO) na bolsa de Nova York. A Apib denunciou a situação ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) na América do Sul.
“O caso desperta ampla preocupação a nível nacional, por se desenhar como um “projeto piloto” para a autorização de mineração em terras indígenas. A empresa vem promovendo, há anos, a fragmentação social do Povo Mura, acumulando diversas denúncias de assédio e cooptação de lideranças indígenas”, denuncia o documento.
24/set/2024
No dia em que a Câmara de Conciliação do STF realizou outra reunião, mais um jovem Guarani Kaiowá foi encontrado morto, no município de Antônio João, a 207 quilômetros de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.
Fred Morilha, de apenas 16 anos, foi encontrado sem vida na beira da estrada para a Terra Indígena Nhanderu Marangatu, nesta segunda-feira, 23.
A polícia está investigando o caso, mas as lideranças acreditam que ele tenha sido mais uma vítima do agrobanditismo. Trata-se da mesma região onde Neri Guarani Kaiowá foi assassinado pela polícia militar na última quarta-feira, 18.
Agora são sete vidas indígenas perdidas no território, que foi declarado como de posse dos povos originários pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2002 e homologado por meio de decreto presidencial em 2005, mas esse processo foi judicializado no mesmo ano e se encontra paralisado até hoje.
A vigência da Lei 14.701/2023 e esta Câmara da Morte são os motivos para o acirramento dos conflitos na região. A ruralista que se diz proprietária da área, Roseli Ruiz, foi indicada como especialista para participar da Câmara, pelos partidos PL e Republicanos. Ela usa do diploma de antropóloga para criar laudos contrários à demarcação de terras indígenas.
Os indígenas denunciam que as terras, localizadas próximas à fronteira com o Paraguai, estavam sendo utilizadas pela fazendeira para produção de substâncias ilícitas. A violência contra os parentes Guarani Kaiowá se arrasta por mais de duas décadas. É uma prática do agrobanditismo, legitimada pela ação do próprio Estado do MS.
É o caso de Neri, quando a PM chegou na área de conflito atirando contra os indígenas, o que resultou na morte do jovem e deixou uma parenta baleada na perna, além de mais duas pessoas baleadas com tiros de borracha. Os barracos da retomada foram destruídos. A PM arrastou o corpo de Neri para a beira da mata e demorou vários dias para que a família pudesse sepultá-lo.
Por isso, a APIB ajuizou, a ADPF 1059, no STF. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental tem objetivo de corrigir tal postura de violação do direito à vida.
A obrigação do governo do Mato Grosso do Sul é garantir a segurança dos povos indígenas, não utilizar dos aparatos de segurança pública para assassinar pessoas.
Respeite o direito indígena!
Basta de violência contra nossos corpos e nossos territórios!
18/set/2024
Na manhã desta quarta-feira (18) um jovem do povo Guarani e Kaiowá foi assassinado pela polícia em ação violenta na Terra Indígena Nhanderu Marangatu, Município de Antônio João no Mato Grosso do Sul.
Segundo informações, a polícia militar chegou atirando, ação que resultou na morte do jovem Neri, e que deixou também uma parenta baleada na perna, assim como os barracos da retomada foram destruídos. A violência teria começado pela madrugada e se estendeu pela manhã.
Além de matar e balear os parentes, a polícia ainda arrastou o corpo do parente desfalecido para a mata, o que gerou ainda revolta entre os parentes Guarani e Kaiowá.
A violência da polícia teve início na última quinta-feira (12), em que três parentes foram baleados pela PM na T.I. Nhanderu Marangatu. Uma das vítimas ainda segue hospitalizada após ter levado tiro de arma de fogo no joelho, as outras duas vítimas foram baleadas com bala de borracha. Segundo informações, a Força Nacional não está na região.
As tramitações do Marco Temporal, através da Lei 14.701/2023, Câmara da Morte (Câmara de negociação) e PEC 48/2023 tem feito com que os ataques aos povos indígena venham se intensificando, principalmente através da milícia chamada invasão zero.
Diante do contexto de violência contra os parentes Guarani e Kaiowá que se perpetua por ao longo dos anos, em 2023 a APIB ajuizou, no Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1059 (ADPF). A ação é voltada para corrigir as violações de diversos preceitos fundamentais em relação à segurança dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul.
O Ministro Gilmar Mendes é o relator desta ADPF, após um ano e mesmo com várias sinalizações da APIB sobre o cenário de violência contra os Guarani e Kaiowá, continua sem andamento efetivo.
Nossos direitos precisam ser respeitados! Chega de violência contra nossos corpos e nossos territórios!
Leia a nota da Aty Guasu
16/set/2024
Brasil e Colômbia são os países que mais concentram assassinatos de defensores ambientais no mundo. O relatório da ONG Global Witness divulgado na segunda-feira (9), mostrou que um ativista foi assassinado a cada dois dias em 2023.
Os Povos Indígenas (85) e afrodescendentes (12) representaram 49% do total de homicídios do mundo, mostrando que a disputa, a grilagem de terras e as violências nestes territórios continuam sendo mais intensas, o que gera maior vulnerabilidade para os povos originários. Desde 2012, 766 indígenas foram mortos, representando 36% de todos os assassinatos de defensores do meio ambiente.
No Brasil, aconteceram pelo menos 25 assassinatos e na Colômbia foram 79, o número mais alto já registrado em um país num único ano. Entre eles, o ataque de fazendeiros, organizados pelo movimento de extrema direita, Invasão Zero, em área de retomada do povo Pataxó Hã Hã Hãe, no sul da Bahia resultou o assassinato de Nega Pataxó. Além da organização dos ruralistas, as pressões institucionais e a lei do marco temporal em vigor, são estímulos para acentuar os conflitos nos territórios.
O relatório mostra que a América Latina foi a região com mais mortes, com 166, 85% do total. Mas a Global Witness destaca que os dados podem estar subestimados, já que muitos homicídios não são relatados, especialmente em áreas rurais e em alguns países.
A Ásia também se destaca pela violência contra ambientalistas: 468 defensores foram assassinados nos últimos 11 anos. Destes, 64% nas Filipinas (298), seguida de Índia (86), Indonésia (20) e Tailândia (13).
Os dados brasileiros presentes no relatório foram coletados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). O dossiê anual dos conflitos no campo mostrou que houve um recorde em 2023, com 2.203 ocorrências. Destas, 1.724 foram causadas por invasões, expulsões, despejos, ameaças, destruição de bens ou pistolagem sofridas por pequenos agricultores, comunidades tradicionais e populações indígenas.
Com a mudança no governo federal, de 2022 para 2023 houve uma queda de 26% nos registros de assassinatos no Brasil, porém o país continua ocupando o segundo lugar entre os que mais matam. A troca no governo federal, com a eleição do presidente Lula (PT) gerou expectativas para reverter os retrocessos em políticas públicas, que facilitaram o avanço da exploração dos recursos naturais e o aumento da invasão de territórios ocorridos durante a gestão Jair Bolsonaro (PL).
“Até agora, houve progresso. O governo restabeleceu o financiamento para proteger a amazônia e restaurou a agência de assuntos indígenas que Bolsonaro desmantelou”, afirma o relatório.
“No entanto, as mudanças de políticas continuam sendo desafiadoras diante de um Congresso conservador dominado por ruralistas, que apoiam os interesses de proprietários de terras privadas em detrimento da reforma agrária pública”, continua a análise.
Já a Colômbia enfrenta a disputa territorial e o narcotráfico, especialmente nas regiões sudoeste de Cauca (26), Nariño (9) e Putumayo (7). “Uma mistura de cultivo de coca, tráfico de drogas e conflito armado devastou essas regiões, com defensores e comunidades frequentemente pegos no fogo cruzado”, explica o texto.
O país receberá a Convenção de Biodiversidade (COP16) da Organização das Nações Unidas (ONU), em outubro. E o governo colombiano prometeu trazer o tema dos defensores ambientais para o centro dos debates do evento.
12/set/2024
Povo comemora reencontro com manto sagrado, mas Terras indígenas de Olivença e Belmonte aguardam apenas a assinatura do ministro da justiça.
O Povo Tupinambá vai se encontrar com o presidente Lula nesta quinta-feira, 12/09, no Rio de Janeiro, na cerimônia de repatriação do manto sagrado, que passou mais de 300 anos em um museu na Dinamarca.
Durante o evento, eles reivindicam a demarcação das terras indígenas de Olivença e de Belmonte, na Bahia, que estão com os processos das portarias declaratórias prontos para serem assinados e aguardam apenas o ato do Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski.
O manto retornou ao Brasil em 11 de julho, mas demorou até esta semana para que o povo Tupinambá tivesse acesso a ele. Foi a comunidade que reivindicou o retorno de seu “ancião mais antigo”. A devolução ao país contou com a articulação entre instituições do Brasil e da Dinamarca.
Na segunda-feira, 09/09, eles divulgaram um manifesto em que também pedem o retorno do manto para o território indígena, com a criação de um museu. Para o povo, este retorno representa um bom presságio na luta pela demarcação do território. Há mais de 15 anos os 47 mil hectares das terras Tupinambá de Olivença foram delimitados. E a Terra Indígena Tupinambá de Belmonte, que soma 10 mil hectares, está delimitada desde 2013.
A cerimônia foi organizada pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI), em conjunto com os Ministérios da Educação e da Cultura e conta com a parceria do Ministério das Relações Exteriores.
Após os rituais, o povo tupinambá poderá visitar o manto em uma sala da Biblioteca Central do Museu Nacional, que é vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). De acordo com o MPI, “todo o evento foi organizado em diálogo permanente com o povo para garantir o direito sagrado dos indígenas em relação ao artefato”.
O manto é feito com penas vermelhas de pássaros guará fixadas em uma rede de fibras naturais e é usada tradicionalmente por caciques e líderes indígenas em rituais. Existem outros dez como este espalhados na Europa. Eles foram trocados ou saqueados no início da colonização.
10/set/2024
O povo Tupinambá reencontrou o manto sagrado, roubado pela colonização há mais de 300 anos. O manto estava em um museu na Dinamarca, foi repatriado e se encontra na biblioteca do Museu Nacional, no Rio de Janeiro.
Cerca de 200 indígenas, entre crianças, jovens, adultos e anciões celebraram sua ancestralidade cantando juntos “Nós somos os filhos, netos e bisnetos, do manto tupinambá”, enquanto tocavam seus maracás e dançavam em roda, nesta segunda-feira, 09/09.
Para o povo, o manto é seu ancião mais antigo e este retorno representa um bom presságio na luta pela demarcação do território. Há mais de 15 anos os 47 mil hectares das terras Tupinambá foram delimitados e o povo aguarda os últimos passos para a demarcação.
“Vivemos num território que tem 47 mil hectares, em três municípios, e abriga 8 mil tupinambás vivendo do extrativismo, da pesca, da agricultura. Ocupamos 80% desse território, porque fizemos nossa retomada e não resta mais nenhum impedimento para que o governo brasileiro assine a portaria declaratória do povo tupinambá”, disse o cacique Sussuarana Morubyxaba Tupinambá. “A vinda do povo tupinambá aqui é em vigília, em ritual, mas a gente também quer que os nossos governantes façam valer o que está na Constituição e demarquem o território tupinambá de Olivença. Sem esse território, não podemos viver”, defende.
A anciã Yakuy Tupinambá leu um manifesto redigido por indígenas de 23 comunidades da Bahia. O documento critica posturas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em relação à falta de transparência do processo de repatriação e acesso ao manto, além da morosidade quanto à demarcação das terras originárias e a tese do marco temporal.
“Reiteramos nossa insatisfação com a postura colonizadora personificada pelo Estado brasileiro, através das autarquias representativas que mais uma vez dilaceram nossos direitos originários e, muito mais que isso, fere profundamente o que mais prezamos: a nossa crença e a nossa fé”, afirma o manifesto.
O manto é uma vestimenta de 1,8 metro de altura, confeccionada com penas vermelhas de ave guará sobre uma base de fibra natural. As visitações para o público ainda serão definidas pelo Museu Nacional, que zela pela integridade do manto. Mas o povo Tupinambá reivindica o retorno do manto para o território originário, com a construção de um museu. Outros dez mantos ainda estão sob posse de museus na Europa.
06/set/2024
No dia 31/08 uma mancha de fogo com mais de 500km de extensão encobriu a Amazônia. Em menos de um mês, as queimadas consumiram 2,5 milhões de hectares da floresta. No Pantanal, atingiram quase 1,9 milhão de hectares, cerca 12,5% do território. No Cerrado 18.620 focos foram registrados, totalizando 44,6% do total de hectares queimados em todo Brasil. Na Mata Atlântica, estado de São Paulo, ocorreu o maior registro histórico de focos ativos de calor, 2,6 mil, desde o início das medições de satélite, em 1998*.
Os incêndios que se espalharam durante todo mês de agosto não são meras consequências do período de estiagem. É claro que a falta de chuvas contribui para a propagação do fogo. Porém, há indícios de outras causas para o salto dos focos de calor no Brasil: são 68 mil, um número 105% maior que em 2023.
No caso de São Paulo, o dia 23 de agosto marcou os registros de satélite com incêndios coordenados e de alta intensidade, indicando uma possível ação criminosa. De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), as imagens de um satélite que capta focos de calor na parte da manhã e no final da tarde, mostraram que, entre suas duas passagens, o número de focos foi de 25 para 1.886 no estado. “Uma anomalia muito grande, quando todos os olhos deveriam estar pra Amazônia”, avaliou Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, declarou que os incêndios na Amazônia, no Pantanal e Sudeste do país apresentam um movimento atípico que podem indicar uma ação criminosa de quem está ateando fogo propositadamente. “Do mesmo jeito que nós tivemos o ‘dia do fogo’ [em 2019], há uma forte suspeita que isso esteja acontecendo de novo. No caso do Pantanal, a gente estava tendo ali a abertura de dez frentes de incêndios por semana. No caso da Amazônia, nós identificamos o mesmo fenômeno. E em São Paulo, não é natural, em hipótese alguma, que em poucos dias você tenha tantas frentes de incêndio envolvendo concomitantemente vários municípios”, afirmou.
Quem ganha com o fogo?
Pode parecer loucura, um setor que depende da natureza criar desastres ambientais. Porém, o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, explica que o agravamento da crise climática, o desmatamento de anos anteriores, a falta de conscientização e, principalmente, a mudança na estratégia de desmatamento influencia nas queimadas atuais.
“É muito essa lógica: eu vou acabar com a floresta. Não preciso desmatar. Porque o desmatamento é caro. O fogo é muito mais barato, só comprar gasolina e sair espalhando”, o que justifica incêndios tão intensos apesar da diminuição do desmatamento da Amazônia. O fogo é o meio mais eficiente para os ruralistas escaparem à fiscalização do Ibama.
Além disso, os desmatadores têm vantagens na Bovespa, que canaliza R$560 bilhões do agronegócio e que não conta com mecanismos de punição para crimes ambientais. E mais, na lógica da queima do café em 1930, se há um excesso de mercadoria disponível os preços caem, mas qualquer sinal da indisponibilidade do produto no mercado pode gerar aumentos substanciais nos preços.
Mais da metade dos focos em São Paulo aconteceu em fazendas privadas, registradas no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef). Apenas 11 deles estavam localizados em terras públicas, como assentamentos e terras indígenas. 81,29% deles estavam em áreas de uso agropecuário como as ocupadas pela cana-de-açúcar e pela pastagem. Entre as áreas queimadas estão grandes empresas, como São Martinho SA e Raízen SA. E as cotações internacionais do açúcar subiram no final de agosto, logo após as queimadas.
Garimpo e fogo
Já o mapeamento na Amazônia mostrou que as Terras Indígenas Kayapó (PA), Munduruku (PA) e Sararé (MT) tiveram mais incêndios que outras, com 1.111 focos. O Ibama e a Funai veem indícios de ação de garimpeiros, já que são áreas fortemente afetadas pelo garimpo ilegal.
Os números do Inpe mostraram que a Terra Indígena Kayapó, no sul do Pará, teve 746 focos de calor. O território onde vivem cerca de 5 mil kayapós mebengôkres foi o que registrou maior número de queimadas na Amazônia em agosto.
A terra indígena munduruku, no sudoeste do Pará, teve 217 focos de calor. Lá vivem 9.257 indígenas dos povos munduruku e apiaká. Esta área é a segunda com maior exploração garimpeira ilegal no país. Em 2023 houve apenas 163 focos.
E a terceira terra indígena com mais queimadas é uma área pequena, que abriga 250 pessoas do povo nambikwara. O território Sararé, no sudoeste de Mato Grosso, próximo à fronteira com a Bolívia registrou 148 focos de calor. No ano passado, a terra Sararé não registrou queimadas, no entanto, houve uma super invasão pelo garimpo em um ano.
A Funai estima que 2 mil invasores estiveram no território. O coordenador do posto de vigilância da Funai, André Augusto Rodrigues, afirmou em entrevista que boa parte do fogo resulta de retaliação de garimpeiros, que chegaram, a fazer um cerco ao posto.
“O fogo prejudica operações e atrasa ações aéreas, em razão da densa fumaça”, explica o coordenador. No dia 18 de agosto, começou uma operação para desintrusão do território, que desativou acampamentos e escavadeiras hidráulicas.
Nestas Terras Indígenas não há brigadas do Prevfogo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais). E os processos de desintrusão dos territórios exigem do governo federal mais que ações esporádicas, visto que ações pontuais resultam em retaliação, no retorno dos garimpeiros e mais ameaças às vidas e aos territórios.
Sobre as queimadas, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, afirmou que existem atualmente 29 inquéritos instaurados na Amazônia e Pantanal, e foram abertos mais dois em São Paulo, para apurar as evidências de queimadas criminosas.
Brasileiros(as) sofrerão a emergência
Para completar o cenário, as previsões apontam que a seca amazônica deste ano repetirá a seca extrema em 2023. Toda essa devastação afeta os rios e o regime de chuvas. As queimadas poluem os rios e suas nascentes, e as cinzas transportadas para o leito dos rios nas primeiras chuvas degradam a qualidade da água.
Em consequência, as grandes cidades sentirão mais uma vez a escassez de água potável, com racionamento e aumento das contas para os trabalhadores no final do mês. Bem como o secamento dos rios prejudica a produção de energia hidrelétrica, outra conta que o trabalhador deverá sentir no bolso.
As populações mais intensamente afetadas, entretanto, são aquelas que dependem diretamente da agricultura, da caça e da pesca. As comunidades indígenas e ribeirinhas são as primeiras a sentirem na pele as dificuldades para manter seu modo de vida, o que gera uma situação de extrema vulnerabilidade. Na Amazônia, comunidades inteiras ficam isoladas porque seu principal meio de transporte é fluvial. O governo do estado já decretou emergência pela estiagem em 62 municípios, e mais de 75 mil famílias estão sofrendo pela falta de água e alimentos.
As famílias agricultoras ficam cada vez mais dependentes da irrigação, de pacotes tecnológicos do agronegócio (que são vendidos como solução do problema) e dos empréstimos bancários. As perdas na produção geram endividamento, a perda das terras, o êxodo para cidades e o aumento da concentração fundiária.
A crise climática, portanto, afeta toda a população brasileira. Ela não diz respeito apenas as minorias, se trata de uma emergência que o país (e o mundo) enfrenta. O Estado brasileiro e a sociedade precisam agir para reverter o problema, antes que essa realidade nos torne uma sociedade pobre em natureza e rica de enfermidades crônicas.
Marco temporal é agro
Enquanto o fogo consome o Brasil, a influência do agro dentro das instituições caminha a passos largos para desfigurar os direitos indígenas constitucionais, uma investida dos ruralistas no Congresso Nacional com a conivência de partes do executivo e do judiciário.
A lei do Marco Temporal está em vigor. E com isso, os ruralistas estão desencadeando novos ataques sobre as Terras Indígenas, utilizando armas como as queimadas.
No legislativo, tramita a PEC 48, que altera a constituição para retirar o direito indígena originário e inserir a tese inconstitucional. Uma prova de que todos os deputados e senadores que aprovaram a lei, tinham pleno conhecimento da sua ilegalidade.
No Supremo Tribunal Federal, ao contrário do que era esperado, o debate e a defesa da cláusula pétrea da constituição se tornou uma câmara de conciliação forçada, na qual, qualquer discordância da nossa parte, seria levada para votação. Com a representação indígena em menor número, qualquer proposta poderia ser aprovada. A Apib se retirou desta armadilha.
Mas a lei de número 14.703/2023, abriu brechas como o abono para invasores de terra indígena, que pode ser considerada de “boa-fé” e dar direito a indenização. Nesse caso, o invasor pode continuar no território até a finalização do processo de demarcação. Ela também proíbe o redimensionamento de terra indígena demarcada, mesmo quando houver erro do Estado. O direito de usufruto exclusivo foi flexibilizado. As terras já demarcadas podem ser contestadas por terceiros. Estados e municípios passam a interferir nos processos demarcatórios que até então cabiam somente à união, tornando-os ainda mais demorados. A lei ainda permite, leia-se incentiva, a cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração dos territórios. Além, é claro, de exigir a comprovação da presença indígenas nas terras na data de 05 de outubro de 1988.
Tudo isso, somado ao apagamento que é consequente das queimadas, está criando um abismo entre o Estado e a efetiva proteção e justiça aos povos que primeiro tiveram a posse das terras brasileiras. Portanto, as queimadas, a manipulação das leis pela bancada ruralista e a articulação nacional do movimento de extrema direita conhecido como Invasão Zero, fazem parte de um mesmo projeto de país, que visa desestruturar a democracia brasileira em favor de um pequeno grupo de coronelistas criminosos. Um projeto que ficou escancarado durante o governo Bolsonaro e continua em curso no governo Lula.
A consequente crise ambiental/climática gerada por isso tudo, para esse grupo elitista é mero detalhe ou um delírio “esquerdista”, “coisa de comunista”. Mas o Inpe registrou no último mês uma concentração tão alta de gases poluentes, que foi percebida da Amazônia ao Sul do Brasil, alcançou dez estados, o Peru, a Bolívia e o Paraguai. Isto ocorre porque, os chamados “rios voadores”, correntes de ar que transportam a umidade da Amazônia para outras regiões da América do Sul, foram transformados em imensos corredores de fumaça.
Resposta indígena
Os povos indígenas resistem, estão permanentemente mobilizados e lutam para defender seus territórios, suas vidas e de toda população. As terras indígenas, como sabemos, são as mais preservadas e, ainda assim, as menos assoladas pelos incêndios.
A Terra Indígena Rio dos Índios, por exemplo, foi homologada há pouco mais de um ano. Ela está localizada no município de Vicente Dutra, no noroeste do Rio Grande do Sul, e abriga uma comunidade de cerca de 230 indígenas kaingang.
A homologação daria o direito à demarcação de 713 hectares, porém, os indígenas estão ocupando pouco mais de 100 hectares, devido a uma liminar da Justiça, movida por políticos e ruralistas locais. Mesmo com as condições adversas, a comunidade deu início a um projeto de reflorestamento que busca reabilitar as matas, plantando centenas de árvores nativas e frutíferas através da escola indígena e parcerias, projeto que envolve os jovens, as crianças e os mais antigos da comunidade.
Este é apenas um exemplo do caminho que o Brasil precisa seguir para superar a fumaça que encobre o futuro possível. Sem a demarcação das terras indígenas, vamos continuar caminhando para ampliar desastres e viver em crise. A ancestralidade nos ensina que é possível construir o caminho do bem viver, com respeito e integrado à natureza. O futuro do Brasil é indígena.
* Os dados são do levantamento do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa-UFRJ) e do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Fontes:
“Desmatamento é caro, fogo é mais barato”, explica presidente do Ibama, sobre queimadas
Fogo e lamaçal
Fumaça de queimadas atinge cidades de dez estados
Dia da Amazônia tem região sofrendo com seca e queimadas
Sem critérios ambientais, Bolsa canaliza mais de R$ 560 bilhões ao agro brasileiro
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Brasil em chamas: Amazônia atinge 5 milhões de hectares queimados no ano após pior agosto já registrado
Kaingangs iniciam reflorestamento de terra indígena disputada com produtores rurais
05/set/2024
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) repudia veementemente a reunião da Frente Parlamentar Invasão Zero e da Frente de Defesa do Direito de Propriedade realizada na Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul na última terça-feira, dia 03 de setembro de 2024. Liderada pelo Deputado Estadual Coronel David (PL), os presentes proferiram ataques e desinformação sobre a situação vivida por indígenas Guarani Kaiowá em Douradina, no Mato Grosso do Sul.
Em carta enviada à imprensa, a Assembleia Legislativa define o processo de reivindicação de territórios tradicionais como “invasões de propriedades”, desconsiderando o processo violento de expulsão, tortura, assassinatos e estupros vividos pelo povo indígena na região.
A Apib afirma que é inconcebível e distópico que produtores rurais envolvidos em ataques e ameaças aos povos indígenas queiram se colocar publicamente como vítimas e colocar povos originários, que ocupam a região há séculos, como invasores.
Leia aqui a nota de repúdio completa
28/ago/2024
Foto: Tukumã Pataxó/Apib
Apib também reivindica o encerramento da Câmara de Conciliação
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) anunciou sua saída da Câmara de Conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF), que discute a Lei do Genocídio Indígena (Lei 14.701/2023). O anúncio foi feito durante a segunda audiência da câmara, realizada nesta quarta-feira, 28 de agosto, em Brasília (DF). A Apib também reivindica o encerramento da Câmara de Conciliação.
Em conjunto com suas sete organizações regionais de base, a Apib afirma que os povos indígenas não irão negociar o marco temporal e outras violações contra os direitos indígenas, já garantidos na Constituição Federal de 1988 e na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho.
Para anunciar a saída, a liderança Mariazinha Baré fez a leitura de um manifesto da Articulação. Pouco antes, o juiz instrutor Diego Viegas afirmou que caso a Apib decidisse sair da comissão outros indígenas seriam convidados a integrar a câmara. “Isso é um absurdo! A Apib representa os povos originários tanto para o movimento indígena quanto para o STF, que já reconheceu a legitimidade de representação da Articulação. A decisão de se retirar da comissão foi tomada após diversas consultas com organizações e lideranças das nossas sete regiões de base do movimento”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.
Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da Apib, complementa: “Nós tentamos a todo momento e estávamos abertos ao diálogo. A Apib, por meio das petições na Corte, solicitou diversas vezes que nos fosse dada igualdade de condições de participação na câmara. Os povos indígenas enfrentam violações contra seus territórios e direitos desde que este país é conhecido como Brasil. Confiamos no colegiado do Supremo e nos ministros que já se posicionaram contra, mas qualquer medida conciliatória desta câmara, sem a participação dos povos indígenas, será ilegítima!”, disse o advogado indígena.
A Lei do Genocídio Indígena transformou em lei o marco temporal e diversos crimes contra os povos indígenas, como a contestação de demarcações, além de permitir que invasões de Terras Indígenas possam ser consideradas de boa-fé. O texto foi promulgado em dezembro de 2023, mesmo após o STF declarar a tese do marco temporal inconstitucional em setembro.
Motivações
A saída das organizações indígenas da Câmara de Conciliação ocorre após o Supremo não atender às condições de participação dos indígenas na câmara, além de ignorar os pedidos do movimento indígena nas ações que discutem a lei no STF.
Entre as solicitações estava a suspensão da Lei 14.701, o reconhecimento da inadequação da criação da Comissão de Conciliação para tratar de ações que abordam a proteção dos direitos indígenas e a preservação da decisão do Supremo sobre o marco temporal.
“Neste cenário, a Apib não encontra ambiente para prosseguir na mesa de conciliação. Não há garantias de proteção suficiente, pressupostos sólidos de não retrocessos e, tampouco, garantia de um acordo que resguarde a autonomia da vontade dos povos indígenas. Nos colocamos à disposição para sentar à mesa em um ambiente em que os acordos possam ser cumpridos com respeito à livre determinação dos povos indígenas”, ressalta a Articulação no manifesto.
Leia o manifesto aqui: https://apiboficial.org/files/2024/08/Manifesto-Sa%C3%ADda-da-C%C3%A2mara-no-STF.pdf
Audiências
A criação da Câmara de Conciliação foi determinada pelo ministro Gilmar Mendes e, se não for encerrada, deve ocorrer até o mês de dezembro. Participam das audiências os membros do Senado, da Câmara dos Deputados, do Governo Federal, dois governadores e um representante da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP).
Na primeira audiência, realizada no dia 05 de agosto, os juízes do Supremo afirmaram que os acordos feitos deveriam ser realizados por aclamação, mas caso não houvesse consenso entre as partes, as decisões seriam tomadas pelo voto da maioria. A Apib possuía seis lideranças na sessão, contra representantes do Congresso Nacional, nos quais a maioria já havia declarado ser a favor da tese do marco temporal, como os deputados Pedro Lupion e Bia Kicis, indicados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira.
As lideranças presentes na primeira audiência também denunciaram o racismo vivenciado dentro da comissão.
“Se continuarmos nesse atropelamento, isso será marcado pela maior violência aos direitos dos povos indígenas do Brasil, como a violação ao direito à consulta, porque eu não posso falar na minha língua originária e não me interessa, com todo respeito, se o problema é da Funai ou MPI. Queria hoje poder me expressar na minha língua originária, pois queria que os mais de 35 mil indígenas Guajajara pudessem me ouvir e entender o que está acontecendo aqui. Entender que nossa história está sendo atravessada novamente de uma maneira muito violenta”, disse à época a advogada indígena Kari Guajajara, representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).