26/jul/2024
Entre os dias 19 e 23 de julho de 2024, a Aldeia Kaí, situada na Terra Indígena Comexatibá, na Vila de Cumuruxatiba, município de Prado-BA, foi palco da terceira edição do evento “Consciência Negro Índio” e da primeira edição dos Jogos Estudantis Indígenas. Organizado pela Associação Indígena Pataxó e Escola Kijêtxawê Zabelê, o evento reuniu líderes, membros e apoiadores para fortalecer laços, compartilhar conhecimentos e celebrar a cultura originária. Participaram e prestigiaram o evento parentes Pataxó das Aldeias Renascer, Gurita, Dois Irmãos, Tibá, Pequi (Prado) e Pé do Monte e Aldeia Velha (Porto Seguro).
O evento começou com a cerimônia de abertura e ritual do Awê, uma celebração da cultura e educação Pataxó.
Foram realizadas palestras/rodas de conversas; desfile da resistência Negro Índio e arte Pataxó; apresentações musicais (Mipây’ré Pâx Suniatá’Xó, Forroxatiba, Edinho Caraíva, Os Severinos) e oficinas: pintura corporal Pataxó, entalhe e pirogravura e capoeira. As palestras/rodas de conversa foram facilitadas pelo professor Lucas Ledo, que abordou o tema “Cumuruxatiba: entre a história e a memória” e a professora Maria Geovanda Batista (UNEB), que refletiu sobre “Luta e Conscientização dos Direitos Negro e Indígena”. Grupos culturais da Vila de Cumuruxatiba também compareceram e se apresentaram no evento: Curumim Batuque, Maracatiba, Grupo da Puxada de Rede e Capoeira.
Jogos estudantis fizeram parte da programação do evento.
A primeira edição dos Jogos Estudantis Indígenas da Escola Kijêtxawê Zabelê foi realizada nos dois últimos dias do evento, com equipes representando os anexos e a sede da Escola: Aldeia Kaí, Renascer, Alegria Nova, Tibá, Monte Dourado e Dois Irmãos. Um importante momento de celebração, integração intergeracional e intercultural de valorização do hãmyá (ramiar), da cultura tradicional indígena e Pataxó.
Este evento revela-se como um marco na luta e valorização da aliança entre as comunidades indígenas e negras, muito além do território. Através dele, celebramos e rememoramos o encontro de nossos antepassados indígenas, negros, africanos, que no passado se encontraram nas senzalas, nos porões da escravidão e da colonização. Nele, celebramos e rememoramos as novas e velhas alianças, casamentos, lutas e resistência. Terminamos essa jornada exitosa com gosto de quero mais e, a promessa que outros virão.
25/jul/2024
Um juiz do Paraná, da 2ª Vara Federal de Umuarama, expediu um despacho proibindo a Funai de dar assistência ao povo Avá-Guarani, que está em processo de retomada nos municípios de Guaíra/Terra Roxa. A Funai entregaria kits de suprimentos contendo alimentos, água e itens de higiene básica para o povo.
De acordo com a decisão do juiz, o kit também conteria 7 rolos de lona e há ordem expressa para retirada das famílias da área de auto demarcação, por isso a entrega de materiais “vai contra o propósito de desocupação do imóvel”.
O acesso à água e alimentos, bem como o acesso à moradia, são direitos humanos básicos, invioláveis. Impedir os povos indígenas de receber a assistência da Funai é uma clara violação desse direito e um atestado de posicionamento político do juiz, em apoio aos fazendeiros invasores de terra indígena.
A posição do juiz está vinculada à outras investidas dos ruralistas dentro do Estado brasileiro para perseguir os povos indígenas, destruir direitos, exterminar os povos originários e ampliar a colonização sobre os territórios e os bens da natureza que protegemos.
A quantidade de ataques aos nossos direitos e à vida tem aumentado significativamente desde a aprovação da lei 14.701, baseada na tese jurídica inconstitucional do marco temporal. E a tentativa de alterar a constituição com a PEC 48, é mais uma investida do agronegócio neste enredo da morte, que reafirma o jogo sujo da expansão do capitalismo sobre nossas terras.
Não há futuro sem terras e povos indígenas!
22/jul/2024
“A constante tentativa de adoção da tese do Marco Temporal, teoria que contraria os compromissos internacionais de direitos humanos assumidos pelo Estado brasileiro (análise técnica) e cuja inconstitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, gera insegurança jurídica e acirra ainda mais os conflitos fundiários no país, causando dano direto e irreparável aos Povos Indígenas. Garantir que as terras e territórios dos Povos Indígenas estejam reconhecidos, demarcados e protegidos é dever fundamental do Estado – composto por Executivo, Legislativo e Judiciário – para que eles possam desfrutar de todos os demais direitos”.
Esta foi a posição oficial de Jan Jarab, chefe da ONU Direitos Humanos para a América do Sul (CIDH), diante do retorno do debate da tese do Marco Temporal no Congresso brasileiro. A PEC 48 ou PEC da Morte busca descaracterizar o artigo 231 da Constituição Federal, mais especificamente o inciso 1º, que trata do direito originário dos povos indígenas às suas terras. A PEC altera uma cláusula pétrea da constituição.
No último dia 10/07, parlamentares da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal pediram vista coletiva à Proposta. “Reiteramos nossa preocupação sobre qualquer ação que possa enfraquecer ou relativizar a proteção dos direitos dos Povos Indígenas”, afirmou Jarab, em nota publicada no site da ONU.
Para a deputada indígena, Célia Xakriabá, o esforço e a celeridade para debater e aprovar a emenda é a comprovação de os deputados da bancada ruralistas tem plena consciência de que a lei 14.701, aprovada no ano passado, corrobora com uma tese que fere a constituição e por esse motivo, agora eles tentam alterar a constituição.
Ao mesmo tempo, as ações de contestação à lei, protocoladas no Supremo Tribunal Federal (STF), foram encaminhadas ao ministro Gilmar Mendes. O ministro conhecido publicamente por suas posições anti-indígenas, não seguiu o protocolo institucional sobre as ações diretas de inconstitucionalidade (ADI), ignorou as manifestações jurídicas da Apib e por fim, propôs uma câmara de conciliação sobre o caso.
Atropelo em benefício de fazendeiros
Em setembro de 2023, o STF formou maioria sobre a tese, atestando sua inconstitucionalidade. No mês seguinte o Congresso aprovou a lei do marco temporal, que recebeu o número 14.701/2023, ignorando os vetos do presidente Lula. Logo em seguida, o Senador Hiran Gonçalves, criou a PEC 48. A sequência dos fatos aponta para um orquestramento de ações arbitrárias, que manipulam a atuação do Estado para beneficiar interesses do agronegócio e de espoliadores dos bens naturais preservados nos territórios, como a madeira, minérios, água e a própria terra que dão continuidade ao projeto genocida bolsonarista.
A maioria dos senadores que deram seguimento aos trâmites da emenda são vinculados ao PL, à Frente Parlamentar de Agropecuária (FPA) e a partidos da base do ex-presidente.
São eles:
Senador Dr. Hiran (PP/RR)
Senadora Margareth Buzetti (PSD/MT)
Senador Sérgio Petecão (PSD/AC)
Senador Wilder Morais (PL/GO)
Senador Styvenson Valentim (PODEMOS/RN)
Senador Esperidião Amin (PP/SC)
Senador Luis Carlos Heinze (PP/RS)
Senador Hamilton Mourão (REPUBLICANOS/RS)
Senador Izalci Lucas (PSDB/DF)
Senador Mecias de Jesus (REPUBLICANOS/RR)
Senador Marcos do Val (PSDB/ES)
Senador Sergio Moro (UNIÃO/PR)
Senador Plínio Valério (PSDB/AM)
Senador Carlos Viana (PODEMOS/MG)
Senadora Tereza Cristina (PP/MS)
Senador Astronauta Marcos Pontes (PL/SP)
Senador Eduardo Girão (NOVO/CE)
Senador Marcio Bittar (UNIÃO/AC)
Senador Magno Malta (PL/ES)
Senador Jorge Seif (PL/SC)
Senador Chico Rodrigues (PSB/RR)
Senadora Damares Alves (REPUBLICANOS/DF)
Senadora Ivete da Silveira (MDB/SC)
Senador Flávio Bolsonaro (PL/RJ)
Senador Irajá (PSD/TO)
Senador Carlos Portinho (PL/RJ)
Senador Marcos Rogério (PL/RO)
Posição da Apib
Para a Apib, a câmara de conciliação criada por Gilmar Mendes é uma arbitrariedade. Reafirmamos que nossos direitos, conquistados constitucionalmente, não estão em negociação. Ao contrário do que atestam os ruralistas, é a proposta de lei que tramita atualmente, a grande responsável pela insegurança jurídica e pelo aumento substancial de ataques aos povos indígenas.
Somente nas últimas duas semanas, houve ataques em seis territórios e lideranças indígenas foram feridas, com a propagação das ações do grupo miliciano Invasão Zero. Ocorreram ataques armados na comunidade Pekuruty, no Rio Grande do Sul, do povo Guarani Mbya, na comunidade Guasu Guavirá, no Oeste do Paraná, do povo Avá-Guarani e na comunidade Tekora Kunumi Vera, pertencente a Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá I, no Mato Grosso do Sul. Também registramos ataques na retomada Kaingang, Fág Nor, em Pontão, no Rio Grande do Sul, na T.I. Guasu Guavira, Tekoha Arapoty e Arakoé e na T.I. Panambi, em Douradina, no Mato Grosso do Sul.
18/jul/2024
Buripati Barbosa da Conceição, de apenas 24 anos, foi morto a tiros no sábado (13/07), na aldeia Guaxuma, localizada no Km 775 da BR-101, no município de Porto Seguro, Bahia. O autor confessou o crime e foi autuado em flagrante pela polícia.
O não indígena Maxuel Silva de Jesus, 28 anos, estava na aldeia em visita a sogra e encontrou Buripati durante uma confraternização no vizinho. Após uma breve conversa os dois se desentenderam, Maxuel sacou um revólver 38 e atirou à queima roupa.
A vítima, conhecida como “Caboquinho”, não teve chance de se defender. Maxsuel foi autuado por homicídio qualificado. Ele permanece preso na custódia da Polícia Civil de Itamaraju.
Território em conflito
Nos últimos 4 anos cerca de 15 indígenas foram assassinados, em crimes motivados por conflitos no território da Aldeia Mãe e pelo racismo. Além da intrusão de fazendeiros, que lucram sobre terras apropriadas ilegalmente com a produção agropecuária, o lobby do turismo no entorno de Caraíva e Porto Seguro, destinos vizinhos às aldeias, causam o aumento substancial do tráfico, alcoolismo e a deslegitimação dos modos de vida indígena.
“A guerra pela terra que começou em 1.500 nunca acabou. A cada dia os interesses econômicos que cercam e acoam as comunidades, violentam a paz e a sustentabilidade dos povos originários. Se o perigo de antigamente, nas matas, era a onça, hoje em dia são pistoleiros, fazendeiros, grileiros, madeireiros, traficantes e garimpeiros disputam, amedrontam e dominam as populações tradicionais, trazendo pânico, desespero aos silenciados, esquecidos e excluídos da sociedade. É perigoso caçar, é perigoso fachear (pescar) de noite e cada vez mais a sustentabilidade vai ficando ameaçada”, relatou uma das moradoras da Terra Indígena Barra Velha, que aguarda a revisão da demarcação e está ameaçada pelo Marco Temporal.
A cada omissão do Estado sobre os direitos dos povos indígenas e ataques da bancada ruralista sobre os direitos constitucionais conquistados, tais conflitos se acirram e a vida dos povos indígenas é ameaçada.
Enquanto o Senado tenta mudar a constituição para tornar admissível a lei do Marco Temporal, aprovada no Congresso no final do ano passado, os moradores originários das terras brasileiras são deslegitimados como cidadãos de direito, o que gera violências e mortes, como a de Buripati.
12/jul/2024
Senadores decidem aguardar a discussão da Lei 14.701 na Comissão de Conciliação do STF; em todo Brasil indígenas se mobilizam contra as medidas anti-indígenas
Parlamentares da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal pediram vista coletiva à Proposta de Emenda à Constituição n.º 48/2023 (PEC 48), conhecida pelos povos indígenas como PEC da Morte.
A proposta, que busca descaracterizar o artigo 231 da Constituição Federal, mais especificamente o inciso 1º, que trata do direito originário dos povos indígenas às suas terras, esteve em discussão ontem (10) na Comissão do Senado.
A apreciação, no entanto, foi adiada com a promessa de ser retomada em outubro deste ano para deliberação do Senado.O adiamento da discussão foi proposta pelo senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo, e acolhida de forma coletiva pelos demais senadores que integram a Comissão.
A ideia é que se aguarde a abertura do espaço de conciliação criado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, em abril deste ano. Na ocasião, o ministro negou o pedido de suspensão da Lei 14.701, conhecida como a ‘Lei do Marco Temporal’.
A Comissão de Conciliação deve tratar das ações de constitucionalidade e inconstitucionalidade que envolvem a Lei 14.701, cuja os trabalhos estão previstos para iniciar no dia 5 de agosto e seguir até o dia 18 de dezembro deste ano.
Tanto a recente promulgação da Lei quanto a atual movimentação da PEC 48 no Senado, se dão à revelia da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de afastar a tese anti-indígena, dada no âmbito do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365.
Ambas as medidas, dentro da atual conjuntura política, se revelam uma clara afronta do Congresso Nacional à Corte, que não só fixou o entendimento de que o “marco temporal” é inconstitucional, como reconheceu que os direitos garantidos nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal são direitos fundamentais. Isto é, são considerados cláusulas pétreas, cujo conteúdo não pode ser alterado, seja por meio de leis ou mesmo emendas à Constituição. Essa condição só poderia ser alterada por uma nova Assembleia Constituinte.
Em cima do muro
Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), considerou “vergonhoso o posicionamento do líder do governo no Senado que, mais uma vez, se colocou em cima do muro, em um posicionamento dúbio no que diz respeito à defesa dos direitos povos indígenas, principalmente em relação à demarcação de nossos territórios”.
Em outras ocasiões, o senador da base governista se mostrou pouco combativo às medidas legislativas criadas para restringir os direitos dos povos indígenas, como se deu no processo de tramitação do Projeto de Lei (PL) 2903, ocorrida em outubro do ano passado no âmbito do Senado Federal.
Aprovado, o PL deu origem à recém-promulgada e hoje, vigente, Lei do Marco Temporal, que junto à PEC 48, é mais uma tentativa da bancada ruralista de instituir e, dessa vez, constitucionalizar a tese do marco temporal.
Dinamam Tuxá, que também integra a coordenação executiva da Apib, cobrou um maior envolvimento de membros do Poder Executivo na discussão da PEC 48 e demais medidas que tentam barrar as demarcações de terras indígenas
“Apesar da presença do senador Jaques Wagner, nos gera certa estranheza,não haver uma maior participação do Executivo, porque essa é uma pauta que nós queremos ter um engajamento por parte de todos os Poderes, principalmente dos ministérios e senadores que são nossos aliados. Nós precisamos de força total nesse debate na CCJ, de um tema que é tão danoso para todos nós”, reclamou o coordenador.
Insatisfação
O pequeno grupo de indígenas autorizado a acompanhar, de forma presencial, a sessão da CCJ protestou, em um coro retumbante que gritava “Não ao marco temporal”, o pedido de vista dos senadores. Dinaman Tuxá criticou a “insensibilidade do Senado Federal em restringir nosso acesso ao espaço”, afirmou o coordenador. “Tem vários indígenas na entrada do Senado que foram impedidos de acompanhar esse debate que trata da vida dos povos indígenas”, protestou.
Segundo o coordenador, não houve espaço para escuta e participação dos povos indígenas na discussão da PEC 48. “Nós estamos falando da vida dos povos indígenas, de territórios indígenas, de direitos fundamentais, então se não foi feito um debate qualificado, é preciso fazê-lo agora e, principalmente, com a presença dos povos indígenas, não à sua revelia. Mas, infelizmente, o rito até esse momento, exclui a participação dos povos”, considerou Dinamam.
Desde de seus territórios, os indígenas se manifestaram contra a PEC 48, a Lei 14.701 e os retrocessos aos direitos indígenas pautados no Congresso Nacional. Ao mesmo tempo cobraram a retomada das demarcação dos territórios, como assegura a Constituição Federal. Ao longo do dia, comunidades indígenas de todo o Brasil realizaram atos, bloquearam rodovias e protestaram contra as medidas legislativas.
Na avaliação de organizações indígenas e indigenistas que integram o Movimento Nacional Indigena (MNI),caso a PEC seja aprovada, a vida dos povos estará ainda mais em risco. Isso porque o marco temporal impacta todas as terras indígenas no Brasil, independente da situação em que ela se encontra, e incentiva as invasões e violências. Além disso, as terras indígenas são áreas com mais vegetação preservadas, por serem protegidas e manejadas pelos povos originários, são fundamentais para o enfrentamento às mudanças climáticas.
10/jul/2024
Nomeada como PEC da Morte, a proposta quer inserir o marco temporal na Constituição Federal
A luta contra o marco temporal ganha novo capítulo no Brasil. Nesta quarta-feira, 10 de julho, o Senado Federal irá discutir a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 48 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Em resposta, o movimento indígena, por meio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), está convocando mobilizações em Brasília, nos territórios e aldeias.
Nomeada pelos povos indígenas como PEC da Morte, a proposta altera o Artigo 231 da Constituição Federal fixando um marco temporal para a ocupação das terras indígenas em 05 de outubro de 1998. A PEC da Morte foi apresentada pelo senador Hiran Gonçalves (PP-RR) no dia 21 de setembro de 2023, mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a tese inconstitucional.
Para a Apib, o marco temporal é uma tese ruralista e anti-indígena pois viola o direito originário dos povos ao território ancestral, já reconhecido na Constituição de 1988 e que a PEC 48 tenta alterar. A tese também ignora as violências e perseguições que os povos indígenas enfrentam há mais de 500 anos, em especial durante a ditadura militar, que impossibilitaram que muitos povos estivessem em seus territórios no ano de 1988.
Violência e saúde
Caso a PEC da Morte seja aprovada, a vida dos povos indígenas estará ainda mais em risco. Isso porque o marco temporal impacta todas as Terras Indígenas no Brasil, independentemente da situação em que ela se encontra, e incentiva as invasões e violências nas TIs, como já está sendo visto nos territórios do povo Tapeba, no estado do Ceará, e Pataxó, na Bahia.
Lideranças indígenas da Apib afirmam que o aumento da violência nos territórios ancestrais prejudica diretamente o modo de vida, a educação e saúde física e mental das famílias. Na TI Yanomami, em Roraima, mais de 200 indígenas tinham mercúrio no corpo em 2022, como mostra um estudo da FioCruz publicado no site (o) eco. A FioCruz também analisou 47 amostras de pescados e todas possuíam o metal tóxico, derivado do garimpo ilegal dentro ou nas próximidades do território.
Segundo a ONU, a contaminação por mercúrio pode gerar sérios danos neurológicos, ocasionando sintomas como tremores, insônia, perda de memória, dores de cabeça, fraqueza muscular e até a morte.
Mudanças climáticas
Além disso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil pontua que a garantia da demarcação e proteção dos territórios indígenas são a solução para o combate às mudanças climáticas no mundo. As TIs são as áreas com maior biodiversidade e com vegetação mais preservadas, por serem protegidas e manejadas pelos povos originários. Aprovar a PEC 48 é impedir que os verdadeiros defensores dos biomas, os povos originários, cuidem e preservem o meio ambiente.
Um exemplo disso é o resultado do cruzamento de dados realizado pela APIB em 2022, em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental do Amazonas (Ipam), com dados do MapBiomas. Ele aponta que no Brasil 29% do território ao redor das TIs está desmatado, enquanto dentro das Terras Indígenas o desmatamento é de apenas 2%.
“Continuamos a ser vítimas de políticas discriminatórias, preconceituosas e racistas, pioradas gravemente nos últimos seis anos pelo descaso governamental e o incentivo às invasões protagonizadas por diversas organizações criminosas cujas práticas só pioram as mudanças climáticas. […] Para que isso acabe e para que nós possamos seguir zelando pelo bem viver dos nossos povos e da humanidade inteira, contribuindo com o equilíbrio climático, decretamos à viva voz a Emergência Climática”, diz trecho da Carta aberta do Acampamento Terra Livre 2023 – Povos Indígenas decretam emergência climática. Leia completo aqui.
Inconstitucional
Maurício Terena, advogado indígena e coordenador jurídico da Apib, explica que o Congresso Nacional legalizou o marco temporal por meio da Lei 14.701/2023 (Lei do Genocídio Indígena). Porém, a legislação pode ter seus efeitos suspensos pelo STF já que ela fere a Constituição Federal.
Terena ressalta que a alteração da Constituição é possível por meio de proposta de emenda constitucional, mas que cláusulas pétreas – como os direitos fundamentais dos povos indígenas – não podem ser revogados e retrocedidos pelo Congresso Nacional.
Com isso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), por meio do seu departamento jurídico, pede que a PEC 48 seja retirada de pauta e arquivada definitivamente.
Confira a nota técnica sobre a PEC da Morte: https://apiboficial.org/files/2024/07/Nota-T%C3%A9cnica-PEC-48_2023-.pdf
Entenda sobre a situação do marco temporal no STF: https://apiboficial.org/2024/07/09/gilmar-mendes-ignora-movimento-indigena-e-agenda-reuniao-de-conciliacao-sobre-marco-temporal/
Saiba mais sobre o marco temporal: https://apiboficial.org/marco-temporal/
09/jul/2024
Foto: Carlos Moura/SCO/STF
O ministro do STF agendou a primeira reunião para agosto, mas a criação da câmara de conciliação ainda não passou pelo plenário da Corte e lideranças indígenas afirmam que não estão sendo ouvidas
Sem responder aos pedidos da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), maior referência do movimento indígena no país, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, agendou para o dia 5 de agosto a primeira reunião da câmara de conciliação que avaliará a Lei 14.701/2023, que legaliza o marco temporal e diversos crimes contra os povos indígenas no Brasil. A Apib repudia a decisão e afirma que o direito ao território tradicionalmente ocupado é um direito originário que está previsto na Constituição Federal de 1988 e não pode ser negociado.
Na Corte, a Apib protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e solicitou que a Lei do Genocídio Indígena, como é conhecida, seja declarada inconstitucional e suspensa até a finalização do julgamento no STF (ADI 7.582). Em outra ação, a Articulação solicita que todos processos que tratam do marco temporal tenham como relator o ministro Edson Fachin, visto que ele foi responsável pelo Recurso Extraordinário (RE) 1017365 que tratou da Terra Indígena (TI) Ibirama La-Klãnõ, território do povo Xokleng, e declarou o marco temporal como inconstitucional em 2023.
“Essa decisão do ministro Gilmar Mendes contraria a Constituição, mas também o próprio Supremo. Nós já estamos vivendo os efeitos da Lei do Genocídio Indígena e os ministros não podem voltar atrás do que foi dito. Queremos que eles nos ouçam e não coloquem nossas vidas na mesa para negociação”, diz Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
Além disso, Maurício Terena, advogado indígena e coordenador do departamento jurídico da organização, explica que a criação da câmara de conciliação deveria ser discutida no plenário do Supremo Tribunal Federal, o que não ocorreu até o momento. Para ele, o agendamento da reunião representa um atropelo e dá apenas 20 dias para que a Apib indique os seus representantes.
As reuniões de conciliação estão previstas para ocorrer entre 5 de agosto a 18 de dezembro com a participação de membros do Senado, Câmara dos Deputados, Governo Federal, dois governadores e um representante da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e Frente Nacional dos Prefeitos (FNP). Seis representantes da Apib e suas sete organizações regionais de base podem participar das reuniões, o que ainda será debatido entre as lideranças nas próximas semanas.
Alerta feito a ONU
No dia 29 de maio, lideranças da Apib, Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e do Conselho Terena entregaram a relatora de direitos ambientais da Organização das Nações Unidas (ONU), Astrid Puentes Riaño, um relatório sobre mudanças climáticas, no qual alertaram sobre a negociação dos direitos indígenas pelo Estado brasiliero.
O alerta ocorreu após a decisão do ministro Gilmar Mendes no STF, que dia 22 de abril, durante o Acampamento Terra Livre 2024, determinou a criação de uma câmara de conciliação para discutir o marco temporal e manteve a vigência da Lei 14.701/2023.
O departamento jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também elaborou uma nota técnica, onde também demonstrou preocupação com a decisão e contestou as medidas de Mendes. Leia o documento completo aqui.
Agora, com as reuniões de conciliação marcadas, Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib, convoca organizações, artistas, criadores de conteúdo e lideranças indígenas e não indígenas para uma mobilização. “Essa pode ser mais uma das maiores violações dos direitos indígenas na história recente. Não podemos nos acovardar! Vamos nos mobilizar em Brasília, em todos territórios, aldeias, comunidades e nas redes”.
PEC da morte
No Congresso Nacional, o marco temporal ganhou um novo capítulo com a Proposta de Emenda Constituição 48, intitulada como PEC da morte pelo movimento indígena. Apresentada pelo senador Hiran Gonçalves (PP-RR) logo após a derrubada do marco temporal no STF, a PEC prevê a alteração do art. 231 da Constituição Federal de 1988 para regulamentar a tese como constitucional.
O senador Davi Alcolumbre (União Brasil/ Amapá) anunciou no dia 3 de julho que a PEC da morte deve entrar na pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal na próxima quarta-feira, 10 de junho.
A Apib reitera que o Congresso Nacional tem promovido ações coordenadas contra os povos indígenas e que o direito ao território ancestral e sua demarcação é uma cláusula pétrea da Constituição, ou seja, não podem ser alteradas nem mesmo por meio de emenda constitucional.
Saiba mais sobre o marco temporal: https://apiboficial.org/marco-temporal/
03/jul/2024
De autoria da deputada Célia Xakriabá, o projeto é uma resposta à tese ruralista do marco temporal
Na última terça-feira (02/07), a Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 4566/23, que proíbe a imposição administrativa, legislativa ou judicial de qualquer marco temporal para fins de demarcação de terras indígenas.
De autoria da deputada Célia Xakriabá (Psol-MG), que contou com contribuições da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o PL também fixa o ano de 1500 como Marco Temporal do Genocídio Indígena e é uma resposta à Lei 14.701/2023, que legaliza a tese ruralista do marco temporal. A partir de agora, o PL segue para análise da Comissão de Constituição e Justiça.
Marco temporal
O Marco Temporal é uma tese política que afirma que os povos indígenas só teriam direito aos seus territórios caso estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A Apib aponta que a tese é inconstitucional e anti-indígena, pois viola o direito originário dos povos ao território ancestral – previsto na própria Constituição – e ignora as violências e perseguições, em especial durante a ditadura militar, que impossibilitaram que muitos povos estivessem em seus territórios na data de 1988.
Em sessão histórica no dia 21 de setembro de 2023, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) formaram maioria de votos para a derrubada da tese no Judiciário. Com placar de 9×2, a votação dos ministros concluiu pela derrubada da tese do Marco Temporal. Porém, o Projeto de Lei 2903 foi aprovado pelo Senado Federal e transformado na Lei 14.701/2023 em dezembro do mesmo ano.
Abaixo veja quais crimes foram legalizados com a Lei 14.701/2023:
– Tese do marco temporal em 05 de outubro de 1988. Povos indígenas precisam comprovar conflitos e/ou que foram expulsos do seu território por ação judicial até a data fixada.
– Demarcação de terras indígenas com participação dos Estados e municípios.
– Cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas.
– Demarcações dos territórios ancestrais podem ser contestadas a qualquer momento.
– Direito de usufruto exclusivo não pode se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional, permitindo intervenções militares sem consulta prévia.
– Invasão de terra indígena pode ser considerada de boa-fé com direito a indenização. O invasor pode continuar no território até a finalização do processo de demarcação.
– Proibido o redimensionamento de terra indígena demarcada, mesmo quando houver erro do Estado.
– Insegurança jurídica nos processos de demarcação em curso, para que se adequem à Lei do Genocídio Indígena.
03/jul/2024
Uma mulher indígena grávida passou mal e morreu no Mato Grosso do Sul, depois de uma aplicação de agrotóxicos em propriedade vizinha à aldeia Jaguapiru, no dia 12 de março. Vários integrantes da mesma família também adoeceram. A gestante de dois meses chegou a ser hospitalizada, foi transferida de unidade de saúde, mas morreu no dia seguinte.
Após quatro dias de fiscalização nas terras indígenas Jaguapiru, Panambizinho e Guyraroká, localizadas nos municípios de Dourados e Caarapó, foi encontrado um galpão que armazenava 750 litros de agrotóxicos vencidos.
O Ministério Público Federal (MPF) suspeita de que a contaminação esteja relacionada ao aumento do cultivo de soja e milho na região. “No pedido feito aos órgãos e que resultou na ação de conscientização, o MPF salientou que a fiscalização se faz necessária diante do incremento das áreas destinadas ao plantio de lavouras comerciais nas terras indígenas, em especial de soja e milho, com impacto à saúde e ao meio ambiente das comunidades”, afirmou o órgão em nota à imprensa.
Em consequência, foram aplicadas multas no valor de 1 milhão de reais. A operação será feita novamente neste semestre “para monitorar o cumprimento das notificações emitidas em razão das irregularidades constatadas”.
As investigações apuraram que parte dos produtos agrícolas utilizados nas lavouras são adquiridos sem receitas agronômicas ou são contrabandeados do Paraguai. A operação envolveu o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Iagro/MS (Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal) e contou com o apoio da PRF (Polícia Rodoviária Federal.
O uso intensivo de venenos agrícolas nas monoculturas do agronegócio são responsáveis por diversos tipos de doenças como câncer, depressão, lesões no fígado, pele, pulmão e alergias. Estima-se que cada brasileiro consuma cerca de 7 litros de veneno por ano.
O estado de Mato Grosso do Sul tem intensificado o uso. Entre 2007 e 2012, a taxa de consumo aumentou de 4,44 kg por hectare para 10,69 kg por hectare, sobre a mesma área de plantio. O MS também é um dos estados brasileiros com maior incidência de conflitos no campo relacionados à invasão das terras indígenas, em especial do povo Guarani e Kaiowá.
25/jun/2024
A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara de Deputados aprovou o Projeto de Lei da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).
O PL 4347/21 tem como objetivo garantir e promover a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais das terras e territórios indígenas, assegurando a integridade do patrimônio indígena, a melhoria da qualidade de vida e as condições plenas de reprodução física e cultural das atuais e futuras gerações dos povos indígenas, respeitando sua autonomia sociocultural.
Atualmente, a Política é regulamentada via decreto e transformá-la em lei é mais uma forma de garantir a proteção dos direitos e das vidas indígenas. Agora o PL segue para a análise da Comissão da Amazônia e Povos Originários. A presidência da Câmara determinou a apreciação conclusiva da casa no âmbito das comissões e se aprovada, irá direto para a revisão no Senado.
O departamento jurídico da Apib preparou uma nota técnica sobre a matéria no qual analisa três eixos de destaque na futura lei: Proteção Territorial e Recursos Naturais; Governança e Participação Indígena; e Capacitação, Formação, Intercâmbio e Educação Ambiental.
A nota do departamento jurídico destaca a necessidade de “garantia ao protagonismo e à autonomia sociocultural dos povos indígenas, com observância ao direito à consulta prévia, livre e informada, nos termos da Convenção nº 169 (OIT) e ao fortalecimento das organizações e da participação indígena na governança da PNGATI”.
Também ressalta a urgência de um pacto interinstitucional entre os povos indígenas e os poderes executivo, legislativo e judiciário para enfrentar a exploração de garimpo ilegal em Terras Indígenas na Amazônia brasileira, diante da sobreposição de rotas pelo tráfico de drogas, de madeira e da presença de organizações criminosas em todos os municípios de fronteira na região.
No terceiro eixo, o Projeto de Lei prevê a garantia de participação de homens e mulheres indígenas em espaços de tomada de decisão e de governança, uma garantia fundamental para que os povos indígenas do Brasil conquistem efetivamente sua “autodeterminação” e possam construir livremente o “desenvolvimento econômico, social e cultural” através do “autogoverno” em relação aos assuntos internos e locais, conservando suas próprias “instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais, sem prejuízo de participar da vida política, econômica, social e cultural do Estado brasileiro”.
Leia a nota completa aqui: Nota Técnica – PNGATI