Pataxó Resite: Comunidade Novos Guerreiros recorre ao STF contra reintegração de posse

Pataxó Resite: Comunidade Novos Guerreiros recorre ao STF contra reintegração de posse

Despejo, em plena pandemia, a favor de uma escola de aviação ameaça famílias Pataxó, em Porto Seguro (BA)

A Comunidade Indígena Pataxó Novos Guerreiros, da Terra Indígena Ponta Grande, localizada no município de Porto Seguro/BA, recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira (31), contra liminar de uma reintegração de posse para retirar os indígenas do local.

A decisão, em plena pandemia, foi realizada no dia 20 de agosto pelo juiz federal, Pablo Baldivieso, de Eunápolis/BA. A área, ocupada por 24 famílias indígenas, é reivindicada pela empresa Sky Dream Escola de Pilotagem.

A ação no STF foi feita por meio da Defensoria Pública da União (DPU), que junto com a comunidade Pataxó protocolou a Reclamação Constitucional na Suprema Corte. A liminar do juiz federal viola a decisão proferida pelo STF, no dia 6 de maio, que suspende todos os processos judiciais de reintegração de posse e anulação de terra indígena durante a pandemia da Covid-19.

A decisão do STF feita pelo ministro Edson Fachin, argumenta que a tramitação dos processos que promovem reintegração de posse expõe os indígenas à uma vulnerabilidade que se agrava nesse contexto de crescimento da contaminação do novo coronavírus. A reclamação feita pela comunidade Novos Guerreiros constitucional encontra-se sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes.

O território indígena é reivindicado pelo povo Pataxó ha 14 anos e é alvo de especulação imobiliária.

Leia nota do povo Pataxó aqui 

APIB participará de audiência no STF para discutir mudanças climáticas e meio ambiente

APIB participará de audiência no STF para discutir mudanças climáticas e meio ambiente

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil participará de uma audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir as mudanças climáticas e meio ambiente nos dias 21 e 22 de setembro. A ação vai reunir integrantes do Governo Federal, de universidades e de organizações sociais.

A Audiência pública foi convocada pelo ministro do STF, Luís Roberto Barroso, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 708, apresentada pelos partidos políticos PT, PSOL, PSB e Rede, que questionam a atuação do governo em relação ao Fundo Nacional sobre Mudanças do Clima (Fundo Clima).

No despacho do ministro, assinado nesta segunda-feira (31), foram incluídas as participações da coordenadora executiva da APIB, Sonia Guajajara, do vice-presidente Hamilton Mourão; dos presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Rodrigo Maia; além de seis ministros: general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), André Mendonça (Justiça), Ricardo Sales (Meio Ambiente), Tereza Cristina (Agricultura) e Bento Ribeiro (Minas e Energia). Órgãos governamentais como Ibama e Funai também terão expositores.

Candidate-se indígena: Chamado para as eleições 2020

Candidate-se indígena: Chamado para as eleições 2020

Aos povos, organizações e lideranças indígenas do Brasil

Cadastre sua candidatura parente aqui

Prezados parentes e parentes

Como é de conhecimento de todos e todas acontece este ano no Brasil eleições para os mandatos de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores nos 5.568 municípios do país, que por conta Pandemia da Covid-19 foram adiadas para o mês de novembro, sendo no dia 15 o primeiro turno e o segundo no dia 29.

A APIB, preocupada pela inevitável movimentação de políticos de tudo quanto é partido neste período, mesmo com a pandemia se alastrando, quer compartilhar com vocês algumas reflexões e elementos de análise que possam nos levar a não ser vítimas de manobras politiqueiras, enganações e falsas ilusões que em muitos casos se reverteram contra nós, em detrimento da garantia dos nossos direitos territoriais, cidadãos e da nossa autonomia na preservação dos nossos modos de vida, identidade e cultura. Mais, neste período sombrio em que um governo de perfil autoritário, assumidamente fascista, tem colocado em risco os direitos conquistados na Constituição de 88, o respeito aos direitos humanos, à liberdade e à participação, e a estabilidade institucional, enfim, ao Estado Democrático de Direito.

A Democracia necessariamente implica em participação, inclusive nas tomadas decisões, é por isso que falamos de democracia representativa e democracia participativa. No primeiro modelo é que se enquadra a eleição de vereadores/as, prefeitos/as, deputados e deputadas sejam estaduais ou federais e senadores e senadoras. Essa participação, e se marcada por revezamentos, é necessária para a democracia. Por isso é preciso democratizar as instituições, uma vez que constituem espaços de tomada de decisões (econômicas, sociais, políticas, culturais) que impactam a vida de todo um povo. Desde essa perspectiva, a democracia brasileira, após de 33 anos de apertura democrática certamente não conseguiu se consolidar em plenitude, embora ela mesma seja um processo continuo de construção, mas esse processo corre riscos de ser truncado mais uma vez.
Mas também não podemos esquecer da anulação dos espaços públicos, instancias e mecanismos de participação na formulação, implementação, monitoramento e avaliação das responsabilidades sociais dos distintos entes do Estado, que na atual conjuntura foram covardemente golpeados, restando apena para os movimentos e organizações sociais o seu potencial histórico de mobilização, pressão e compartilhamento mesmo que forçado do poder de decisão dos poderes constituídos sobre a vida cidadã. Tudo isso constitui a dimensão da democracia participativa.

O ideal, porém é conseguir a reforma plena do sistema político, não apenas no aspecto eleitoral, mas sim além das estruturas clássicas partidárias e do predomínio dos interesses do poder econômica e das corporações, que implicaria na participação do povo, a partir de suas especificidades e diferenças nas tomadas de decisões de toda ordem, incluindo o poder de veto popular a decisões que prejudiquem os interesses e direitos da população, seja na forma de plebiscito, referendo ou iniciativa popular, previstos pela Constituição Federal.

De todos os modos a Democracia que temos ai hoje é essa: em tese representativa, debilmente participativa e menos popular, e ainda gravemente ameaçada pelo governo de Jair Bolsonaro. Não por isso os povos indígenas vão se eximir de fazer luta institucional. Por isso temos que reivindicar equidade nas disputas, mesmo dentro dos partidos, no financiamento público e na ocupação de espaços de publicidade, sem perder de vista, é claro, a nossa luta contra as forças do capital que tomaram conta nesses anos todos das instituições.

É nesse sentido que a APIB se manifestou publicamente em janeiro de 2017 sobre a urgência de disputas eleitorais com a carta “Por um Parlamento cada vez mais indígena”, considerando a “ausência de legítimos representantes dos povos indígenas”, principalmente no Congresso Nacional, o que “dá margem para a forte agenda reacionária, fundamentalista e de interesse dos grupos econômicos, com destaque para a bancada ruralista, que historicamente atuam como inimigos dos Povos Indígenas”. A única diferença marcante que temos hoje é o mandato da deputada Joênia Wapichana. Mas essa realidade do Congresso Nacional não é diferente nas câmaras de vereadores nos municípios que possuem populações indígenas, e nas assembleias legislativas. Temos por isso, nós povos indígenas, o desafio de ocupar esses espaços, para disputarmos inclusive uma verdadeira democracia representativa, participativa e popular, onde possamos, por exemplo, indicar representantes não apenas pela via clássica partidária, mas através de colégios eleitorais diferenciados ou de mecanismos autônomos de organização social própria, espaços coletivos de decisão, grandes assembleias, plenárias ou Congressos, sem deixar de sonhar, mais ainda, nas possibilidades de termos um Parlamento Indígena.

No momento, porém, em que se inicia as campanhas eleitorais, onde haverão candidatos e candidatas, inclusive agentes públicos, que poderão utilizar eventuais serviços que fizeram aos nossos povos para enfrentar a pandemia da Covid-19, é muito importante estar alertas, impedir tradicionais aliciamentos e falsas promessas que depois se voltam contra nós. Não podemos mais ser tratados como massas de manobra, nem como meros coadjuvantes. É importante, mesmo prejudicados pelo distanciamento social, iniciarmos discussões no âmbito local e regional sobre a necessidade de lançarmos cada vez mais indígenas candidatos e candidatas para a disputa nessas próximas eleições. O debate político no atual momento histórico é fundamental, para de fato incidirmos nas decisões que impactam o destino dos nossos povos.

Em defesa da Vida e da Democracia Plena.

Brasília – DF, 31 de Agosto de 2020

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDIGENAS DO BRASIL- APIB

 

Funai convoca reunião com Kayapó e comparece de mãos vazias; protesto continua, mas BR-163 está liberada

Funai convoca reunião com Kayapó e comparece de mãos vazias; protesto continua, mas BR-163 está liberada

Funai insiste que cumpre função institucional, mas envia equipe para reunião que desconhecia o dia da audiência de conciliação na Justiça e contraproposta indígena para renovação do PBA

Via Instituto Kabu – A equipe da Funai chegou de mãos vazias e sem preparação prévia para a reunião que convocou no final da tarde da segunda-feira (24) com lideranças Kayapó acampadas há uma semana às margens da BR-163. Os indígenas ocuparam a rodovia em protesto por atrasos e promessas não cumpridas por parte do governo federal.

Eles esperaram por uma resposta à contraproposta da associação indígena Instituto Kabu para acelerar a renovação do Plano Básico Ambiental (PBA) – condicionante para a concessão de licenciamento ambiental da rodovia, vencido desde o final do ano passado.

A equipe da Funai comandada pelo Diretor de Promoção e Desenvolvimento Sustentável, João Rosa, compareceu à reunião virtual querendo discutir um cronograma de negociação que se estende até fevereiro de 2021. O ofício da Funai com este cronograma havia sido queimado pelas lideranças na BR na semana passada, demonstrando claramente a rejeição por parte deles.

Ele voltou a repetir que a Funai realizou duas liberações de recursos este ano, omitindo que se referem a repasses atrasados, relativos a 2019. Atrasos que quase inviabilizaram projetos de segurança alimentar e geração de renda, como a coleta e comercialização da castanha do Brasil nas Terras Indígenas Baú e Menkragnoti, financiadas pelo PBA.

A Procuradora Federal, Thaís Santi, de Altamira, que acompanha outros empreendimentos cuja licença para funcionamento obriga a compensação ambiental, a exemplo de Belo Monte, questionou o que poderia ser melhorado num PBA elaborado pelos indígenas com apoio de técnicos, baseado na experiência deles de 10 anos implementando as ações de redução dos impactos causados pela pavimentação da rodovia. De acordo com o diretor da Funai, o PBA apresentado “está muito ruim, muito fraco em termos de projeto. As metas não são claras, os indicadores não são claros.”  A resposta ao desconhecimento da atual diretoria da Funai dos resultados alcançados no PBA de mais sucesso no país e único implementado pelos próprios indígenas foi enviada pelo Instituto Kabu num documento de mais de 100 páginas, que Rosa admitiu não ter lido.

Santi questionou ainda o papel assumido pela Funai de substituir o empreendedor (DNIT) na discussão do documento, quando deveria analisá-lo. E ficou sem resposta ao perguntar por que a Funai ainda não enviou o PBA ao DNIT.

O diretor também reconheceu desconhecer a proposta dos indígenas de renovar o PBA em 30 dias, enviada à Funai pelas lideranças na última sexta-feira.

Doto Takak-Ire, Relações Públicas do Kabu, cobrou a promessa da Funai de negociar o PBA em seis meses, feita no ano passado. “Os seis meses já eram, acabaram. É por isso que estamos aqui, ocupando a BR. Queremos saber o que a Funai propõe para que possamos sair da rodovia.”

Rosa insistiu que o cronograma da Funai foi pactuado em uma reunião com técnicos do Kabu, em Brasília. Na reunião citada, dois dos técnicos se retiraram quando perceberam a tentativa de protelação.

Ao final, o diretor da Funai sugeriu outra reunião na quarta-feira (26), às 16h, para ter tempo de se preparar, admitindo desconhecer a realização da audiência judicial e afirmando acreditar que a conciliação estaria marcada para a próxima sexta-feira (28). Na audiência de conciliação, no dia 24/08 pela manhã, o Procurador da Funai havia garantido à juíza da Vara Federal de Itaituba que as demandas dos Kayapó seriam discutidas na reunião que ocorreria em seguida com Rosa.

Ao enviar uma funcionária local de Novo Progresso e um procurador sem poderes para negociar, a Funai esvaziou a reunião de conciliação, na qual a União pediu e obteve a manutenção da liminar de reintegração de posse que permite à Polícia Rodoviária Federal e à Polícia Federal retirarem os Kayapó Mekragnotire da rodovia.

Por fim, Rosa parecia não saber que os Kayapó já obtiveram respostas positivas a demandas relacionadas à saúde indígena e esperavam uma sinalização positiva por parte da Funai naquela reunião para encerrar o protesto.

Thais Santi lembrou ao diretor da Funai que os indígenas tinham a expectativa de ouvir uma reação à proposta deles e que estão há dias ocupando uma BR, “o que é uma situação de extrema exposição e desaconselhável neste momento.” E completou: “Quem está lá, sabe a tensão do que é ocupar uma rodovia.”

As lideranças decidiram continuar acampadas na estrada sem impedir o tráfego esperando pelo desfecho da próxima reunião com a FUNAI.

Em plena pandemia, governo reduziu gastos com saúde indígena

Em plena pandemia, governo reduziu gastos com saúde indígena

Análise do Inesc revela que houve uma queda de 9% no valor autorizado da ação de “Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde Indígena” entre 2019 e 2020 na gestão Bolsonaro. Votação de vetos a projeto de lei que prevê plano emergencial para comunidades indígenas e tradicionais está prevista para esta quarta no Congresso

O governo federal investiu menos recursos na saúde indígena no primeiro semestre de 2020, marcado pela pandemia do novo coronavírus, do que no mesmo período de 2019, de acordo com uma análise inédita do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) a pedido do Conselho Nacional de Direitos Humanos.

O levantamento mostra que os gastos com saúde indígena diminuíram 9% nos primeiros seis meses de 2020, em plena pandemia. O orçamento para caiu de 725,9 milhões de reais no primeiro semestre do ano passado para 708,8 milhões no mesmo período deste ano. Nos meses de abril e maio, quando a Covid-19 começou a ameaçar até os povos isolados, os valores destinados à saúde indígena ficou abaixo dos recursos investidos em 2019: caíram de 236,4 milhões para 173,3 milhões de reais em abril, e diminuíram de 159,2 milhões para 54,8 milhões em maio.

O documento foi divulgado nesta quarta-feira, 19, quando o Congresso fará a votação dos vetos ao Projeto de Lei 1142/20 – que prevê um plano emergencial de enfrentamento à Covid-19 para povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. A derrubada dos vetos é importante para viabilizar ações emergenciais para essas comunidades diante da omissão do governo na assistência a essas populações. 

De acordo com a análise do Inesc, na gestão Bolsonaro, houve uma queda de 9% no valor autorizado da ação de “Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde Indígena” entre 2019 e 2020. A análise considera uma queda de 5% entre 2018 e 2019, totalizando um corte de 14% na comparação do orçamento autorizado entre 2018 e 2020. 

“Apesar da chegada do novo coronavírus, não houve recomposição orçamentária nem mesmo por créditos extraordinários, o que seria tanto justificado pela vulnerabilidade indígena diante da pandemia como autorizado pelo regime fiscal especial decorrente da emergência sanitária. Os investimentos em Saúde Indígena seguem uma tendência de queda em 2020”, afirmam as autoras da análise, Leila Saraiva e Alessandra Cardoso, assessoras políticas do Inesc. 

Diante dos efeitos devastadores na pandemia entre povos indígenas, a queda dos valores empenhados, liquidados e pagos entre o primeiro semestre de 2019 e o primeiro semestre de 2020 é um contrassenso. Nos meses em que a pandemia já estava instaurada nos territórios indígenas, os valores liquidados em 2020 são significativamente menores que os liquidados em 2019. Em abril e maio, a queda chega à casa dos R$ 100 milhões. É apenas em junho que esse quadro se reverte, o que indica demora para a efetivação de uma atuação robusta para conter o vírus.

A nota técnica apresenta, a título de exemplo, a análise dos gastos realizados pelos dois Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) mais afetados pela pandemia: DSEI Leste-RR e DSEI-Rio Tapajós. As assessoras constataram que não  houve aumento significativo de gastos em itens essenciais para o enfrentamento do novo coronavírus nos meses em que a pandemia já estava instaurada nas comunidades. É o caso, por exemplo, dos gastos com táxi-aéreo, utilizados para transporte de paciente no âmbito do DSEI-Rio Tapajós, cujos valores foram mais altos em janeiro do que os meses de abril, maio e junho somados – quando a pandemia já estava instaurada.

Em julho, questionado sobre os gastos, o secretário especial de Saúde Indígena, Robson Santos da Silva, em audiência iterativa realizada pela Comissão Externa do Coronavírus, afirmou que a queda dos valores liquidados se explicava pela paralisação das obras. No entanto, a análise do Inesc demonstra que o Plano Orçamentário referente às obras é pouco relevante nos gastos da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a queda orçamentária ocorreu nas atividades que dizem respeito ao atendimento à população indígena.

O resumo da nota técnica pode ser lido aqui e o documento completo aqui

Contaminação alastra-se por territórios

Os casos de contaminação e mortes se alastram nos territórios indígenas. Depois das regiões do Amazonas, Roraima, Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, o estado de Rondônia pediu socorro para conter a contaminação que atinge a Terra Indígena Sete de Setembro, localizada na região de Cacoal.

São nove óbitos e 304 infectados registrado pelo DSEI de Vilhena. Os indígenas pediram imediata instalação de Hospital de Campanha com UTIs, contratação de profissionais para os DSEIs e postos de saúde indígena, equipamentos de proteção individual, testes, divulgação diária da situação da Covid-19 aos povos indígenas, assim como a criação de um Comitê de Diálogo composto por representantes indígenas, organizações parceiras e profissionais de saúde.

No Tocantins, em menos de 24 horas, a aldeia Santa Isabel do Morro, do povo indígena Karajá, na Ilha do Bananal, teve três membros de uma mesma família mortos pela Covid-19. São as consequência de uma pandemia sem controle nas terras indígenas que sobrevivem com o mínimo apoio de organizações parceiras e das próprias comunidades indígenas que tentam através de campanhas online conseguir itens básicos de enfrentamento à pandemia. 

Na segunda-feira, em carta à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a ONU contestou os vetos do governo ao PL 1142 e afirmou que o estado brasileiro deve adotar “medidas afirmativas concretas” para lidar com grupos vulneráveis e se diz “preocupada” diante da recusa do Executivo em assegurar orçamento. 

Ao sancionar o projeto, o presidente Bolsonaro vetou, ao todo, 22 dispositivos, entre eles os que dizem respeito à oferta de água potável, leitos de UTIs e recursos extras para a assistência a essas populações. O veto, de número 27, será apreciado na sessão desta quarta-feira do Congresso, 19, a partir das 10h. Até  o horário da votação, haverá uma intensa mobilização da sociedade civil e de parlamentares que, desde o mês de julho, pedem a derrubada dos 22 vetos ao projeto de lei. 

Segundo dados do Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena, o Brasil contabiliza a trágica marca de 689 indígenas vítimas da Covid-19, mais de 26 mil contaminados e 154 povos atingidos. Entre os quilombolas, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) contabiliza mais de 4 mil casos confirmados e 153 óbitos.

 

Emergência Indígena: Websérie de oito episódios será lançada a partir de 26 de agosto

Emergência Indígena: Websérie de oito episódios será lançada a partir de 26 de agosto

Coordenada pela Apib, a realização de ‘Maracá – Emergência Indígena’ foi coletiva e contou com a direção de Bia Lessa, da coordenadora da Apib Sonia Guajajara, da liderança Célia Xakriabá, da cantora e compositora Maria Gadú, de Marielle Ramires uma das coordenadoras da Mídia Ninja, da artista plástica Laura Lima, do designer Pedro Inoue e de Mari Stockler coordenadora do 342 Amazônia. A produção também é assinada pela Mídia NINJA, responsável pelo edição e co-produção do projeto e pela Mídia Índia.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lança nesta quarta-feira (26), às 19h, uma websérie para salvar vidas ameaçadas pela pandemia da Covid-19. Com mais de 50% dos povos diretamente atingidos e mais de 27 mil indígenas contaminados pelo vírus, a série “Maracá – Emergência Indígena” pretende mobilizar nas redes apoio ao plano emergencial construído pelos povos indígenas para enfrentar este momento.

A ação, em oito episódios, estará disponível nas redes da Apib (@apiboficial) e conta com o apoio de mais de 200 personalidades, artistas, cientistas, ativistas e pesquisadores indígenas e não indígenas de diversos países. Dois episódios serão publicados a cada lançamento nas quartas-feiras e domingos, nos dias 26 e 30 de agosto e nos dias 2 e 6 de setembro no Youtube da Apib. Também serão realizadas lives às 19h nos dias de estreia dos episódios, com a participação de lideranças indígenas e personalidades que apoiam a mobilização.

A websérie é fruto da live Maracá – Emergência Indígena, realizada no dia 9 de agosto para chamar atenção sobre a gravidade do momento e somar esforços coletivos no enfrentamento à pandemia. Entre os objetivos primordiais da iniciativa, está a arrecadação de doações para financiar as ações nos territórios indígenas, o que poderá ser feito virtualmente através de um QR code e pelo site (emergenciaindigena.apib.info).

A lista de adesões da classe artística e de personalidades das mais diversas áreas ao Emergência Indígena, contempla centenas de nomes, como Maria Bethânia, Cacique Raoni,Ai WeiWei, Sonia Guajajara, Caetano Veloso, Joenia Wapichana, Dráuzio Varela, Tuyra Kayapó, Anitta, Kretã Kaingang, Criolo, Dinaman Tuxá, Jane Fonda, Nara Baré, Philip Glass, Cacique Babau, Wagner Moura, Kerexu Guarani, Camila Pitanga, Benki Ashaninka, Milton Nascimento, Djuena Tikuna, Thomas Lovejoy, Gean Pankararu, Margareth Menezes, Célia Xakriabá, Lenine, Shirley Krenak, Eliane Brum, Joziléia Kaingang, Chico Buarque, Eloy Terena, Alec Baldwin, Puyr Tembé, Mãe Nivia, Paulo Tupiniquim, Sebastião Salgado, Fidelis Baniwa, Zé Celso, Marivelton Baré, Nando Reis, Marcos Xucuru, Emicida, Elizeu Guarani, Djamila Ribeiro, Lindomar Terena, Teresa Cristina, Giovani Krenak, Gaby Amarantos e muitos outros.

‘Fazemos ressoar nossos maracás para que as vidas indígenas impactadas pela pandemia sejam lembradas e para chamar atenção da sociedade sobre o que está acontecendo conosco’, alerta Sônia Guajajara, coordenadora da Apib. O maracá é um símbolo marcante dos povos indígenas e está presente em rituais de luta e de celebração.

Para o formato de série, os oito episódios foram divididos por temas e costurados por textos elaborados a partir de falas de lideranças indígenas brasileiras (Cacique Raoni, Sonia Guajajara, Kretã Kaingang, Marcos Xukuru, Shirley Krenak, entre outros). Tais discursos são lidos e interpretados pelas personalidades convidadas, enquanto imagens documentais da população indígena ilustram a cena.

Emergência Indígena

Hoje (24), 27.034 indígenas já foram contaminados pelo novo coronavírus no Brasil e 717 morreram pela doença, de acordo com dados do Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena da Apib. Já são 155 povos diretamente atingidos, uma situação alarmante que se agrava a cada dia, pois além da ameaça do vírus, o racismo, o desmatamento ilegal, o agronegócio e a ação criminosa de madeireiros segue avançando para dentro dos territórios indígenas .

‘Estamos politicamente e espiritualmente preparados para seguir avançando no combate, buscando órgãos de controle para garantir a integridade física, cultural, territorial dos povos indígenas’, afirma Dinamam Tuxá, coordenador da Apib.

Diante da negligência do governo brasileiro em garantir a proteção dos povos indígenas em meio à pandemia, a Apib, em conjunto com suas organizações de base, médicos e pesquisadores, elaborou este plano de enfrentamento e o batizou de Emergência Indígena.

O conjunto de ações foi lançado no final de junho, com orientações sobre cuidado médico integral e diferenciado, ações judiciais de incidência política e estratégias de comunicação e informação sobre medidas de prevenção.

Conselho Terena e Apib acionam MPF para investigar o secretário da SESAI sobre proibição de ajuda humanitária ao povo Terena

Conselho Terena e Apib acionam MPF para investigar o secretário da SESAI sobre proibição de ajuda humanitária ao povo Terena

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) acionou, hoje (24), o Ministério Público Federal (MPF) para que o secretário nacional da Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai), Robson Santos da Silva, seja investigado por improbidade administrativa pela proibição da ajuda humanitária ao povo Terena, através da organização Médico Sem Fronteiras (MSF), em Mato Grosso do Sul. O pedido ao MPF foi feito junto ao Conselho Terena Procurador Chefe da República em MS, Silvio Pettengil Neto.

Com crescimento de mais de 500% das mortes entre indígenas Terena, Robson Santos, proibiu na última terça-feira (18) o apoio do MSF ao combate da Covid-19 na Terra Indigena Taunay Ipegue, no município de Aquidauana/MS. “Entendemos que a decisão do Secretário é constitutiva de responsabilização na esfera administrativa, penal e civil, levando em consideração, a situação de calamidade sanitária enfrentada pelo povo Terena de Taunay-Ipegue”, enfatiza trecho do pedido da Apib ao MPF.

Hoje (24) mais um indígena Terena foi morto pelo vírus na TI Taunay . Delfonso Jordão, 60 anos, morreu nesta manhã após 3 semanas no Hospital Regional de Campo Grande. Já são 45 Terenas mortos pela doença em menos de 2 meses.

Confira o pedido na integra para investigação do secretario da SESAI por improbidade administrativa aqui.

“Quantos indígenas precisam morrer para o Governo implementar um plano emergencial?”

“Quantos indígenas precisam morrer para o Governo implementar um plano emergencial?”

Derrubada de vetos presidenciais acontece mais de dois meses após a aprovação da Lei que pretende proteger, em caráter emergencial, povos indígenas quilombolas e comunidades tradicionais durante a pandemia da Covid-19. Desde o dia 16 de junho, quando o projeto foi aprovado no Senado, número de indígenas mortos pelo novo coronavírus cresceu 144%.

“Foi importante a derrubada dos vetos, mas quando vai começar a implementar? Já temos 700 óbitos, vai esperar mais 700 indígenas morrerem para implementar um plano?”. Os questionamentos de Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), ocorrem devido às recorrentes ações do Governo que impedem a implementação de uma ação de enfrentamento da pandemia da Covid-19 entre os povos indígenas.

Em sessão realizada na última quarta-feira (19), o Congresso Nacional votou pela derrubada de 16 vetos, do total de 22, feitos por Jair Bolsonaro ao projeto de lei que estipula medidas para conter o impacto da disseminação do vírus entre indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais.

O projeto de lei 1142/2020 que cria o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas foi aprovado no dia 21 de maio pela Câmara Federal e no dia 16 de junho pelo Senado. Bolsonaro sancionou a nova lei apenas no dia 7 de julho com 22 vetos impedindo a implementação de medidas que poderiam salvar centenas de vidas. Quando o Senado aprovou a lei o número de indígenas mortos era de 287, hoje (21) já são 701 parentes, um aumento de 144% no número de indígenas mortos por Covid-19.

Na ocasião dos vetos, a Apib divulgou uma nota apontando que as decisões de Bolsonaro demonstram publicamente a adoção de uma política anti-indígena, uma vez que os trechos rejeitados obrigavam o governo a garantir desde o fornecimento de água potável a facilitação do acesso ao auxílio emergencial.

A mobilização do movimento indígena foi fundamental para articular um projeto de lei conectado com as demandas de 305 povos brasileiros e mais o povo Warao – originalmente da Venezuela e que se encontra refugiado em vários estados do Brasil. A incidência política da Apib em parceria com a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas e demais parceiros da sociedade civil organizada tem sido primordial na tramitação do projeto de lei até a aprovação no Congresso.

A deputada Joenia Wapichana, relatora do PL na Câmara, destaca a importância da aprovação da lei com a derrubada dos vetos: “Esses povos têm contribuído para a conservação da biodiversidade, mantendo os territórios indígenas a salvo, protegendo o meio ambiente. Enquanto nós falamos aqui em retrocessos, em flexibilização das regras ambientais, os povos indígenas têm mantido a qualidade do meio ambiente com a própria vida.”

Apesar de ser uma vitória política significativa, é necessário acompanhar a implementação da lei para garantir que a proteção aos direitos indígenas sejam, minimamente, garantidos. Para Sônia Guajajara, a derrubada dos vetos não significa, de fato, a efetividade do plano: “Temos que continuar na pressão para que o governo de as condições para que o plano seja implementado. Chegamos no STF, no Legislativo e de ação concreta nada até agora. Por que os óbitos continuam crescendo? Se as ações tivesse sendo efetivas não teríamos números tão alarmantes.”

Uma prova da negligência do Governo para com os povos originários durante a pandemia é o orçamento da Sesai. Em comparação com ano passado, os gastos com saúde indígena nos meses de abril e maio foram 9% menores, enquanto os números de indígenas contaminados e falecidos por Covid-19 cresciam rapidamente. Em junho, uma reportagem do Brasil de Fato revelou que, desde o primeiro caso do novo coronavírus no Brasil, a Funai gastou R$ 8,35 por indígena de março a junho, o que significa R$ 0,07 por dia.

Parte do esforço em conter o impacto da pandemia entre povos indígenas, segue com a decisão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 709 no Supremo Tribunal Federal, que determina que o Governo adote medidas para conter o avanço da pandemia nos territórios indígenas, buscando evitar o genocídio e o etnocídio dos povos originários no país.

O PL 1142 é de autoria da deputada federal Rosa Neide (PT/MT) e as relatorias de responsabilidade da deputada Joenia Wapichana (Rede/RR), na Câmara dos Deputados e do senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP), no Senado. Além de dispor sobre medidas para povos indígenas, o PL 1142 também prevê apoio às comunidades quilombolas e outros povos tradicionais que se encontram em extrema vulnerabilidade social neste momento de pandemia, e ainda assegura mais recursos no orçamento da União para viabilizar a execução do plano.

Não são apenas números, são vidas!

Continuaremos na luta para proteger nossa ancestralidade, nossos territórios e nossas vidas.

Juíza federal em Itaituba reconsidera decisão e convoca audiência de conciliação para resolver impasse entre Kayapó Mekragnotire e governo

Juíza federal em Itaituba reconsidera decisão e convoca audiência de conciliação para resolver impasse entre Kayapó Mekragnotire e governo

Estão convocados para a audiência virtual dia 24/08, às 14h, lideranças Kayapó, União, Funai e Ministério Público Federal.

Via Instituto Kabu  – A juíza federal Sandra Maria Correia da Silva, da Vara Federal de Itaituba, revogou os prazos para que as partes do processo de reintegração de posse da BR-163 se manifestassem e convocou uma audiência de conciliação virtual para a próxima segunda-feira (24), às 14 horas.

O pedido de liminar concedido na segunda-feira, quando os Kayapó Mekragnotire filiados ao Instituto Kabu bloquearam o km 302 da BR-163, foi movido pelo Advogado-Geral da União.

Além de representação da União e lideranças Kayapó, a juíza incluiu entre as partes intimidadas a Funai – que ainda não havia buscado interlocução com os Kayapó – e o Ministério Público Federal, que tem como missão constitucional a proteção dos indígenas. A reunião virtual de conciliação foi pedida pelo advogado do Instituto Kabu, Melillo Dinis.

Os Kayapó das Terras Indígenas Baú e Menkragnoti ocuparam a BR-163 como último recurso para chamar atenção sobre promessas não cumpridas do governo federal, que incluem apoio ao enfrentamento da Covid-19 ( que tem sido insuficiente), a falta de consultas prometidas nos processos de concessão da BR-163 e da construção da Ferrogrão, adiamentos sucessivos na renovação do Plano Básico Ambiental e atrasos nos repasses.

No quarto dia do protesto (20/08), a Funai depositou os montantes devidos de janeiro a junho de 2020 na conta do Instituto Kabu. A portaria que permite a transferência dos repasses foi publicada no Diário Oficial da União no dia 15 de agosto, quando já era pública a decisão dos Kayapó de interditar a BR-163 para se fazerem ouvir.

O sonho da cura: a resistência Karajá na pandemia

O sonho da cura: a resistência Karajá na pandemia

Texto de Lumararu Karajá e Sofia Scartezini

29 de junho de 2020 foi o dia em que o medo chegou na aldeia Ibutuna. A pandemia da COVID-19 já havia se instalado como uma realidade global, mas até que ponto o global incidiria no local e se as fronteiras entre culturas tão distantes iriam ser dissolvidas diante da contaminação do vírus era uma dúvida até então. Para Celina, a matriarca de 86 da aldeia, era um dia normal, até que o mesmo fosse perturbado por febre, tosse e dores no corpo. Foi um alerta para toda a aldeia, que tem cerca de 116 pessoas e é envolvida pelo Rio Araguaia, na Ilha do Bananal. A saúde de Celina já há um tempo é motivo de preocupação e espanto, pois mesmo sendo diabética e passando por momentos delicados de doença, a força e superação sempre surpreendeu aos demais. É uma senhora forte, que mesmo com as pernas que vez ou outra acusam dores, levanta-se todo dia as sete da manhã, vai ao rio tomar seu banho antes até do despertar dos mais jovens, coa o café para a família enquanto resmunga para cachorros e galinhas intrusos na casa.

Com o passar do tempo o corpo foi sentindo mais e cedendo, ficou ruim a ponto de sentir que a morte estava perto dela, como narrou ao seu neto, Lumararu Karajá. Chegou mesmo a pensar que morreria diante da nova doença, e o tratamento imposto a ela incluiu dipirona, amoxicilina e xarope guaco. Nada. Anoiteceu outro dia e Celina piorava, as pernas já fracas respondiam ainda menos, não conseguia levantar e nem cumprir suas tarefas diárias. Eis que ao adormecer, em sonho seu falecido pai Wahukuma veio até a filha doente e lhe disse: “Coitada filha, você está doente! Você tem que tomar remédio, tem que banhar! ”. Celina assustada, levantou a cabeça e ouviu a mesma voz de seu pai: “Filha, pega esse remédio Kotxueni, as folhas você usa para banhar e as raízes você toma chá, vai ficar boa com isso. Esse remédio é encontrado somente no brejo”. Após a visita do pai em sonho, Celina dormiu tranquila, como se a febre e os sintomas da doença tivessem atenuado.

Ao amanhecer, chamou suas filhas Myreiru e Imahiki, que são boas raizeiras, contou a elas, aos netos e demais em frente à casa, em sua esteira, sobre os conselhos de seu pai e pediu que as filhas fossem a procura do remédio, que até então era desconhecido. Myreiru e Imahiki, foram por volta das nove da manhã em busca da planta, e após cinco horas de andança e procura, avistaram uma planta parecida com a tiririca, que Wahukuma, pai
falecido de Lahire já havia alertado no sonho: “ É parecido com a tiririca, mas não corta”. Já cansadas, enfim acharam a planta chamada kotxueni, o remédio tradicional, no brejo. Voltaram até a aldeia, fizeram o preparo do chá separando as raízes das folhas e deram primeiro para Celina que estava mais fraca e depois para os demais. Todos tomaram banho com as folhas. Após a ingestão do remédio, o corpo foi ficando forte e a doença aos poucos indo embora. O uso desse remédio tradicional pode ser de no máximo três dias, mas as pessoas adoentadas ficaram boas logo, em dois dias, como explicou Celina. Essa narrativa chegou a mim junto ao pedido de estender a boa notícia, de mostrar como o mato, o conhecimento tradicional Karajá e seres que encantam e povoam esses outros mundos trabalham e tem muito a nos dizer em crises como a que estamos vivendo. A intenção é que o remédio esteja a serviço, na medida do possível, aos parentes adoentados, como os próprios karajá, mas também aos Tapirapé, Bakayry e Guajajara, por exemplo. É comum que os raizeiros recebam algo em troca de seu trabalho, tradicionalmente a rede de trocas inclui panelas, gás, celular, a depender do remédio e do trabalho de quem faz.

O relato de Lahire (palavra na língua inyrabé para “avó”) Celina a seu neto, e dele para mim, que tenho a alegria de trabalhar com os Karajá de Ibutuna, e de mim para você, vem em um momento oportuno. Momento de refletir sobre a vulnerabilidade dos povos indígenas no Brasil diante de uma pandemia global, diante de um forte período negacionista e uma assistência à saúde debilitada. Momento para abrirmos os olhos e ouvidos para a força que emerge das diversas ancestralidades diante de um cenário de grande fragilidade, nesse momento que escrevo, 12 de agosto, as mortes por Covid-19 entre indígenas no Brasil chega ao triste número de 664 pessoas. A resistência entre mundos de populações que vem lutando pelo direito à vida há muito nesse país envolve uma economia cosmológica poderosa. Que os Karajá, as populações indígenas que resistem no país alcancem e encantem nossas noções de mundo. E essa foi a mensagem que Celina quis nos passar, sua história de resistência.