O ano de 2022 se mostrou estratégico para os Povos Indígenas. Mobilizações nos territórios, nas redes sociais e nas cidades, pautaram a importância da representatividade indígena na sociedade, da demarcação das Terras Indígenas e do enfrentamento das violências e do racismo. 

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) promoveu, junto com suas organizações regionais de base, mais de 30 ações chave dentro e fora do Brasil, ao longo do ano de 2022.  A maior mobilização indígena da história, em Brasília, foi realizada durante a 18a edição do Acampamento Terra Livre, com a participação de oito mil pessoas de mais de 200 povos de todas as regiões do Brasil. 

O encontro proporcionou um realinhamento das organizações indígenas dentro do calendário eleitoral para apoiar Lula, tirar Bolsonaro do poder e articular a Campanha Indígena para “Aldear a Política’’ e ampliar a participação de lideranças nos parlamentos e poderes executivo.  

As organizações regionais  que compõem as bases da Apib fortaleceram suas ações com assembleias e recompondo o Fórum de Lideranças Indígenas da Apib.  APOINME,  ATY GUASU, ARPIN SUDESTE,  ARPINSUL, Comissão Guarani Yvyrupa, Conselho do Povo Terena e COIAB mobilizaram o movimento indígena para ampliar as incidências políticas, jurídicas e de comunicação dentro e fora do Brasil. 

A Apib enfrentou o racismo ambiental para seguir pautando mundo afora o reconhecimento dos povos e da demarcação das Terras Indígenas no enfrentamento da crise climática. “Fomos para semana do clima, nos Estados Unidos, para a COP 27, no Egito, estivemos também na COP15 da Biodiversidade, no Canadá e seguimos lutando para que leis internacionais, como a do Anti Desmatamento do Parlamento Europeu, reconheçam os direitos dos povos indígenas e a proteção de todos os biomas nas suas legislações”, reforçou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

O Ministério Indígena, inédito na história do Brasil, foi anunciado por Lula durante o ATL 2022 e é o resultado concreto da luta que vem sendo articulada pelo Movimento Indígena ao longo dos últimos anos com mobilizações e estratégias de ocupação de espaços que assegurem as bandeiras prioritárias dos povos. 

A construção da representatividade na política institucional é articulada pela Apib com a Campanha Indígena, um processo que iniciou em 2017,  com o lançamento de uma carta aberta “Por um parlamento cada vez mais indígena”. Em 2022, a Apib lançou pela primeira vez a Bancada Indígena com 30 candidaturas, que juntas obtiveram 500 mil votos e pautaram o debate público sobre os povos indígenas dentro do calendário eleitoral

Sônia Guajajara e Célia Xakriabá elegeram-se pelos maiores colégios eleitorais do País, São Paulo e Minas Gerais, respectivamente, dobrando o número de vagas ocupadas por indígenas na Câmara Federal, que nos últimos quatro anos foi representada por Joenia Wapichana. 

Para além do resultado eleitoral, o alcance político da mensagem registrou 4.229.117 milhões de pessoas alcançadas por meio das mídias digitais da Apib. Dentro do plano de trabalho adotado pela Campanha Indígena esteve ainda a parceria com indígenas influencers, a distribuição de conteúdo informativo para Eleitores e Candidatos, incluindo uma cartilha orientativa sobre as regras eleitorais, além de conteúdo combate à desinformação entre os grupos que integram as redes Apib e tuitaços articulados com organizações parceiras.  

Cerco à boiada

O chamado “Pacote de Destruição” se configurou como a principal ameaça a ser enfrentada pelo Movimento Indígena no Congresso Nacional ao longo de 2022, o que incluiu, além do PL 191/2020, que regulamenta mineração em terras indígenas, também os projetos de lei nº 2.159, que altera as regras do licenciamento ambiental; o de nº 2.633 e de nº  510, que tratam da grilagem de terras públicas; e o nº 490, que altera a legislação da demarcação de terras indígenas, a partir da tese do Marco Temporal, que passa a exigir dos povos originários uma comprovação de posse anterior à data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, para ter direito à terra. 

A Apib acessou a justiça federal para denunciar as medidas e normativas anti indígenas feitas pela Funai do delegado Marcelo Xavier e seguiu acompanhando a denúncia internacional feita contra Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional. No Supremo Tribunal Federal (STF) a Apib protocolou uma nova Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para proteção dos povos que vivem em isolamento voluntário. O Ministro Edson Fachin decidiu, liminarmente, em favor do pedido, em novembro.

O departamento jurídico da Apib também fortaleceu a iniciativa do Observatório  Sistema de Justiça Criminal e Povos Indígenas para enfrentar a criminalização de lideranças e organizações indígenas. O Tribunal Permanente dos Povos foi outra iniciativa encampada pela Apib para responsabilizar a atuação de Bolsonaro na pandemia. 

Violências

A Apib promoveu denúncias ao desmonte articulado pelo Governo Federal na Saúde Indígena e na proteção dos territórios. No período eleitoral a violência foi agravada. Assassinatos contra o povo Guarani Kaiowá, em Mato Grosso do Sul. Milícia bolsonarista matou criança Pataxó de 14 anos com tiro na cabeça, na Bahia, e uma liderança Yanomami foi assassinada no primeiro turno das eleições, em Roraima. 

Em 2022, um levantamento feito pela Apib denuncia que no período eleitoral, entre junho e setembro, nove indígenas foram mortos em conflitos territoriais. Além de Vitor Fernandes, Márcio Moreira, Janildo Oliveira, Jael Carlos Miranda e Gustavo Silva da Conceição, Edinaldo Manoel de Souza, do povo Atikum, Eliseu Kanela, do povo Kanela, Cleomar Yanomami e Alex Recante Vasques Lopes, do povo Guarani Kaiowá, também foram assassinados neste período. 

As mortes representam pouco mais da metade dos casos de assassinatos ocorridos em todo o ano de 2021, quando 10 indígenas morreram em conflitos no campo no Brasil, segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT). 

“Há mais de 500 anos os povos originários do Brasil tem lutado contra o genocídio, mas nos nos últimos quatro anos isso ficou ainda pior com o desgoverno Bolsonaro. Ele e seus aliados incentivam a invasão dos territórios indígenas a todo momento e a disputa eleitoral tem intensificado isso. Em menos de dois dias, três parentes foram mortos e outros tantos ficaram feridos”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib. 

Participação

Pela primeira vez na história do Brasil, os povos indígenas tiveram voz ativa dentro do Governo de Transição. A Apib integrou o grupo de trabalho que apontou caminhos e alertas para a reconstrução das políticas públicas sobre povos indígenas no Governo Lula. 

Foram apontadas a necessidade de homologar 13 Terras Indígenas, ainda no primeiro mês de Governo e retomar o processo de demarcação das demais Terras que ficaram parados e precisam avançar nas fases dos processos demarcatórios. A recomposição do orçamento da saúde indígena e da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a retirada urgente de invasores das Terras Indígenas também foram apontadas como prioridades no relatório final.

Outro ponto de atenção foi o pedido de revogação de atos normativos e decretos, entre eles, o parecer normativo 001/2017, publicado pelo ex-presidente Michel Temer, que prevê o Marco Temporal e o Decreto 10.965, que facilita a mineração dentro de Terras Indígenas, além da Portaria 3.021 do Ministério da Saúde que determina a exclusão da participação social nos Conselhos Distritais de Saúde Indígena. Outros sete atos foram listados como prioritários para revogação.