DENÚNCIA: Indígenas desaparecem e são encontrados feridos em área de conflito, no MS

DENÚNCIA: Indígenas desaparecem e são encontrados feridos em área de conflito, no MS

A suspeita é que eles teriam sido sequestrados por fazendeiros da região. Apib e Aty Guasu cobram medidas do órgãos federais e estaduais

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) por meio da Aty Guasu, organização de referência da Apib na região, denuncia mais uma violência contra o povo Guarani Kaiowá. Dois indígenas, que iremos preservar os nomes por motivos de segurança, são da Terra Indígena Pyelito Kue, localizada no município de Iguatemi, no estado do Mato Grosso do Sul, desapareceram na tarde da última quarta-feira (22/11). Eles já teriam sido encontrados, mas estariam feridos.

Segundo a organização, a TI Pyelito Kue está em processo de retomada dos seus territórios ancestrais e tem enfrentado diversas ameaças e ataques com armas de fogo cometidos por seguranças privados.  Lideranças locais afirmam que os dois indígenas teriam desaparecido após um conflito com fazendeiros da Fazenda Maringá e da Fazenda Cachoeira. A suspeita é que eles teriam sido sequestrados por fazendeiros da região.

A Apib e Aty Guasu estão acompanhando o caso e aguardam mais informações das lideranças da região. As organizações também cobram que instituições federais e do estado do Mato Grosso do Sul tomem medidas urgentes. O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) também solicitou à Delegacia da Polícia Federal em Naviraí, unidade mais próxima da área, uma ação imediata da polícia em relação aos ataques sofridos pelo povo Guarani Kaiowá.

“Há séculos o povo Guarani Kaiowá enfrenta uma série de violências contra as suas comunidades e territórios, muitas delas cometidas por fazendeiros e seus capangas e com o apoio da polícia. Isso tem que acabar! O Estado brasileiro precisa intervir imediatamente”, diz Norivaldo Kaiowá, coordenador executivo da Apib.

Além dos indígenas, o jornalista canadense Renaud Philippe e a cineasta Ana Carolina Mira Porto foram agredidos enquanto apuravam os ataques contra o povo Guarani Kaiowá em Iguatemi. Eles contam que foram abordados por homens encapuzados e armados em via pública e que durante a agressão uma viatura da Polícia Militar passou pelo local, mas ignorou os apelos por ajuda do casal.

ADPF 1059

No mês de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) sobre violência contra o povo Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul.

A ação, agora ADPF 1059, é histórica e foi proposta pelo departamento jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil no mês abril com o objetivo de combater a violência e as violações sistemáticas de direitos dos povos indígenas no estado.

Na ADPF, a Apib propõe que seja concedida uma medida cautelar e que a secretaria de segurança pública elabore um plano de enfrentamento à violência policial. A organização também pede a instalação de equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, além do devido armazenamento digital dos arquivos.

Saiba mais sobre a ADPF 1059 aqui: https://apiboficial.org/2023/04/17/diante-dos-ataques-historicos-aos-guarani-e-kaiowa-no-ms-o-departamento-juridico-da-apib-pede-no-stf-que-a-violencia-policial-no-estado-seja-investigada/

Movimento indígena lança campanha “Emergência Indígena” e reivindica garantia dos direitos dos povos indígenas

Movimento indígena lança campanha “Emergência Indígena” e reivindica garantia dos direitos dos povos indígenas

No dia da Proclamação da República Brasileira, Apib proclama emergência indígena e cria comitê de denúncias 

 A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e suas sete organizações regionais de base proclamam ’emergência indígena’ e reivindicam a garantia dos direitos dos povos indígenas nesta quarta-feira (15/11), data que marca a Proclamação da República Brasileira. 

A campanha Emergência Indígena entra na sua segunda edição e enfatiza o tema: “Direitos não se negociam. Demarcação Já!”. O objetivo da campanha é estruturar o enfrentamento de ataques à vida dos povos indígenas, que estão constantemente lutando contra as negociações dos seus direitos, o aumento de assassinatos e o avanço do agronegócio, mineração e das invasões. A primeira edição do Emergência Indígena iniciou em 2020 e teve foco no enfrentamento da pandemia da Covid-19 e das violações cometidas pelo governo de Jair Bolsonaro.

Com o lançamento da nova fase da mobilização, a Apib também torna público um manifesto que será enviado para agentes dos poderes públicos e atores da sociedade civil e a criação do Comitê Emergência Indígena. No Comitê, lideranças indígenas e pontos focais, indicados pelas organizações regionais de base da Apib, irão reportar e discutir semanalmente as ameaças ocorridas nos territórios, nas ruas, redes e no Estado. 

Integram o Comitê Emergência Indígena: a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpinsudeste), a Assembleia Geral do Povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu), a Comissão Guarani Yvyrupa, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o Conselho do Povo Terena. 

“O Marco-Tráfico mostrou o toma lá dá cá entre os poderes da república. Os direitos indígenas viraram moeda de troca… A eleição do presidente Lula foi uma conquista coletiva. No entanto, o contexto eleitoral forçou uma aliança ampla, que incluiu setores econômicos e políticos conservadores e anti-indígenas. O Congresso Nacional segue dominado por parlamentares patrocinados por corporações nacionais e internacionais e acionistas do agronegócio, que querem acabar com os direitos indígenas. As Bancadas do boi, da Bíblia, e da bala representam uma verdadeira ameaça às nossas vidas! A maioria dos Governos Estaduais e Municipais seguem sendo conservadores e anti-indígenas.”, diz trecho do documento. 

Leia o manifesto completo aqui: https://apiboficial.org/2023/11/14/emergencia-indigena-direitos-nao-se-negociam/

Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, ressalta que as violências e violações contra os povos originários duram mais de cinco séculos, porém se intensificou após o golpe sobre a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) e a eleição de Jair Bolsonaro. 

“O racismo está enraizado na sociedade e nas estruturas do Estado. Enfrentamos a pandemia da Covid-19 e derrubamos o marco temporal no STF, mas as ameaças seguem em todas as esferas. Os territórios continuam sendo invadidos, parentes continuam sem comida e projetos anti-indígenas surgem todos os dias no Congresso. A emergência é constante e nós não iremos parar de lutar”, diz Tuxá. 

Acesse o site da campanha:https://emergenciaindigena.apiboficial.org/

Ameaças

Dados dos relatórios “Os Invasores” I e II, produzidos pelo Observatório De Olho Nos Ruralistas, evidenciam a relação de agentes dos poderes públicos e multinacionais com a invasão de terras indígenas no Brasil. 

A partir do cruzamento de bases de dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o observatório identificou mais 1.600 invasões de fazendas em terras indígenas. Cerca de 1168 pessoas físicas e jurídicas estão envolvidas nas invasões e somam 1,18 milhão de hectares dentro de 213 TIs, sendo 95,5% delas em territórios pendentes de demarcação.

Grandes grupos multinacionais como JBS, Bunge, Amaggi, Bom Futuro, Lactalis, Cosan, Ducoco e Nichio estão ligados a fazendas com sobreposição às terras indígenas. A produção de commodities exportadoras são as principais responsáveis pelas invasões, como os setores de grãos, carne, madeira, açúcar e etanol e fruticultura.

Além disso, representantes no congresso nacional e no executivo possuem 96 mil hectares de terras sobrepostas às terras indígenas. Eles são financiados por fazendeiros invasores de territórios ancestrais, que doaram mais de R$3 milhões para campanha eleitoral de ruralistas. O grupo bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando cerca de R$5 milhões, sendo mais de R$1 milhão destinados ao candidato derrotado na última eleição, Jair Bolsonaro (PL). 

Entre 2019 e 2022, 795 indígenas foram assassinados durante o governo de Bolsonaro, como aponta o relatório “Violência contra os povos indígenas no Brasil” do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O dado representa um aumento de 54% em comparação aos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer (entre 2015 e 2018), quando 500 indígenas foram assassinados no Brasil.

 Em junho deste ano, a Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Wanasseduume Ye’kwana (SEDUUME) e Urihi Associação Yanomami denunciaram no relatório “Nós ainda estamos sofrendo” a ineficiência de militares nas operações de ajuda humanitária no território Yanomami. Segundo as organizações indígenas, os órgãos federais estariam descumprindo determinações do Supremo Tribunal Federal (STF) e o garimpo teria crescido 4% de janeiro a junho de 2023.

Outra ameaça é a tese do marco temporal. Após dois anos de julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou o julgamento do marco temporal no dia 27 de setembro. O processo, que tinha repercussão geral, encerrou com nove votos contra e três a favor da tese. 

No mesmo dia o Senado aprovou o Projeto de Lei 2903 (antigo PL 490), que transforma em lei o marco temporal e legaliza inúmeros crimes contra os indígenas. O presidente Lula vetou parcialmente o PL, que agora aguarda sessão conjunta entre a Câmara dos Deputados e o Senado onde os parlamentares irão avaliar os vetos presidenciais. 

Com isso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil reforça que a demarcação de terras indígenas é essencial para o futuro dos povos originários, assim como principal ferramenta na manutenção da democracia.

A campanha Emergência Indígena foi inicialmente lançada em 2020 no contexto da pandemia da Covid-19. Na época, a Apib atuou na sistematização dos dados de Covid-19, cobrança de planos de enfrentamento, campanhas de vacinação, incidências no STF e  a criação do Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena. 

 

STF atende pedidos da Apib e determina renovação de contratos da Funai, desintrusão de TIs e entrega de alimentos ao povo Yanomami

STF atende pedidos da Apib e determina renovação de contratos da Funai, desintrusão de TIs e entrega de alimentos ao povo Yanomami

Foto: Reprodução/Internet

As decisões ocorreram após petições do departamento jurídico da Apib na Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 709, protocolada durante a pandemia em 2020

O ministro Luís Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal (STF) atendeu três pedidos da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Em decisões publicadas na última quinta-feira (09/11), ele determinou a renovação de contratos temporários de servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que atuam na proteção de indígenas isolados e de recente contato, por até um ano. Além da criação de um novo plano de desintrusão para sete terras indígenas e adoção de medidas imediatas que garantam a entrega de alimentos ao povo Yanomami. 

“Isso é uma vitória para os povos indígenas, representada no Supremo pela Apib. Vamos continuar incidindo para que as determinações do STF sejam cumpridas pelo governo brasilieiro e o genocídio contra os povos originários seja combatido de maneira efetiva”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib. 

As decisões ocorreram após petições do departamento jurídico da Apib na Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 709. Na ação sobre desintrusão, o ministro Barroso ordenou que a execução do plano seja feita em até um ano pelo Governo Federal. 

O plano deve  apresentar parâmetros claros de ação e financiamento, bem como critérios de avaliação e monitoramento. A ação precisa contemplar os seguintes territórios: Terras Indígenas Yanomami, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Kayapó, Araribóia, Munduruku e Trincheira Bacajá. O ministro também determinou que o Ministério da Saúde apresente, em 90 dias, um plano de ação para aperfeiçoar o sistema de atenção à saúde indígena.

Em 2020, por meio da ADPF 709, o Supremo já tinha ordenado a contenção dos invasores de terras indígenas, o que resultou no Plano de Isolamento de Invasores dos territórios ancestrais citados acima. Porém, a Procuradoria Geral da República (PGR) atestou que o plano não está sendo cumprido e agora o ministro Barrosso cobra mais transparência do Governo Federal com os critérios de avaliação do avanço da desintrusão, metas específicas a serem atingidas e o cronograma para finalizar o processo.

“É preciso estruturar uma intervenção governamental que foque também em medidas de médio e longo prazo, evitando que os invasores retornem às terras. Assim, não basta prever como os invasores serão removidos, é preciso estabelecer como a desintrusão será garantida em médio e longo prazo”, ressalta o ministro Luiz Roberto Barroso no documento. 

Território Yanomami 

Após a Apib apontar ao STF que órgãos federais estão descumprindo determinações da Corte e que há um aumento de 4% no garimpo nas terras do Yanomami, o ministro Barroso classificou como grave e demonstrou preocupação com as falhas na entrega de cestas básicas para os Yanomami. Ele também cobrou medidas imediatas do Governo Federal e a manifestação da Advocacia Geral da União (AGU). 

“Particularmente no que diz respeito à entrega de cestas básicas muito aquém do número previsto, que se soma à situação de gravíssima insegurança alimentar dos povos que vivem na região. Além disso, chama atenção a ausência de manifestação da Advocacia-Geral da União com relação a essa situação emergencial”, disse ele.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal indicou que a Apib, Defensoria-Geral da União, Procuradoria-Geral da República e Conselho Nacional dos Direitos Humanos acompanhem a situação e eventuais omissões do Estado brasileiro. 

No STF, Apib alerta sobre riscos a povos isolados e de recente contato em edital lançado pelo Governo do Pará

No STF, Apib alerta sobre riscos a povos isolados e de recente contato em edital lançado pelo Governo do Pará

O alerta foi enviado ao ministro Edson Fachin, relator da ADPF 991 proposta pela Apib, em 2022

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolou no mês de outubro uma petição no Supremo Tribunal Federal (STF), para alertar a Corte sobre o risco à integridade do povo indígena de recente contato Zo’é em edital lançado pelo Governo do Pará, representado pelo governador Helder Barbalho. 

O pedido foi feito no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 991, proposto pela Apib, em 2022, para que o Estado brasileiro tome providências para proteger e garantir os direitos dos povos indígenas isolados e de recente contato.

O edital tem caráter licitatório, em modalidade de concorrência, e tem objetivo de conceder a exploração de partes da Floresta Estadual do Paru, onde está localizada a Terra Indígena Zo’é. Na região, também há três registros de povos isolados no entorno da TI, conforme mostra o Plano de Gestão Territorial e Ambiental da comunidade. 

Segundo a Apib, a exploração na área irá impactar diretamente na saúde dos indígenas com a circulação de novas pessoas pelo local, com a introdução de infecções respiratórias, malária e infectocontagiosas. Além do risco da contaminação do rio Erepecuru, o que prejudicaria a pesca do povo Zo’é que tem a atividade como uma das suas principais formas de alimentação.

Somente há cerca de 30 anos, o povo Zo’é fez os primeiros contatos com não-indígenas com o intuito de manter a tradição, língua e costumes da comunidade intactos. Porém, após a invasão de missionários na Terra Indígena na década de 80, a Funai identificou o agravamento do quadro de doenças virais nas aldeias do território.

Em 2008, o Ministério Público Federal solicitou a criação de uma faixa de amortecimento em volta da Terra Indígena Zo’é, que funciona como uma zona intocável das Florestas Estaduais Trombetas e Paru. No local é proibida qualquer atividade de exploração econômica com o objetivo de evitar a contaminação dos indígenas em situação de recente contato, o que está sendo ignorado pelo Governo do Pará. 

“Os povos indígenas isolados e de recente contato desta região estão ameaçados com a escalada do garimpo, da grilagem, do extrativismo de castanha, da caça e da pesca ilegal. O lançamento deste edital só piora este cenário e não condiz com o discurso de preservação das florestas e proteção dos povos indígenas do Governo do Pará e Federal”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib. 

Confira a petição aqui: Pet Apib – Concessão florestal Floresta do Paru.docx (1)

Sem consulta livre, prévia e informada 

Na petição, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil também aponta que a divulgação do edital foi feita sem consulta livre, prévia e informada adequada às comunidades indígenas e suas organizações representativas, conforme a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) do qual o Brasil é signatário. 

O Governo do Pará teria realizado audiências públicas sobre o empreendimento, mas sem a participação das comunidades afetadas, que não receberam convite formal para as sessões ou eram feitas longe das comunidades. 

“As audiências contaram somente com a presença de representantes do governo e de estudantes de escolas públicas, o que foge do compromisso de consulta aos povos originários firmado pelo Estado brasileiro. Outro ponto que observamos é que 

o edital não prevê a necessidade do estudo de impacto ambiental como requisito obrigatório para iniciar a exploração, assim como não existe um plano para recuperação da área”, ressalta Maurício Terena, advogado indígena e coordenador do departamento jurídico da Apib, que assina a petição enviada ao Supremo. 

Em agosto, 12 associações indígenas e uma associação de castanheiros publicaram uma carta de repúdio à política de concessões florestais do Estado do Pará. 

“Não queremos garimpeiros em nossos territórios. Não queremos madeireiros em nossos territórios. Queremos nossa terra, e a terra de nossos parentes em isolamento, livres de ameaças! Queremos viver em paz! Repudiamos essas concessões!’, diz trecho da carta. Leia a carta completa aqui.

Apib repudia tentativas de autoridades públicas de São Félix do Xingu e do Pará de interromperem a operação de desintrusão da TI Apyterewa

Apib repudia tentativas de autoridades públicas de São Félix do Xingu e do Pará de interromperem a operação de desintrusão da TI Apyterewa

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB vem a público repudiar veementemente as tentativas de autoridades públicas do município de São Félix do Xingu e do Estado do Pará de interromperem a operação de desintrusão da Terra Indígena Apyterewa, em flagrante descumprimento a decisões do Supremo Tribunal Federal e da Justiça Federal.

Em decorrência de sucessivas invasões, há quatro anos consecutivos a TI Apyterewa figura como o primeiro lugar entre as mais desmatadas da Amazônia Legal e do Brasil. Localizada no município de São Félix do Xingu, no estado do Pará, a TI Apyterewa possui 773 mil hectares e é habitada pelo povo indígena Parakanã, povo de recente contato. Do total, 45,6 mil hectares já foram desmatados.

A homologação da área pelo Estado brasileiro se deu em 2007. Após 20 anos da demarcação, portanto, o povo Parakanã ainda não tem garantido o seu direito de usufruto exclusivo de suas terras, que foram invadidas por não indígenas para fins de extração ilegal de madeira, minérios e criação de gado. Atualmente, o povo Parakanã se encontra confinado em sua própria terra, restrito a apenas um quarto da sua área demarcada, o equivalente a 193 mil hectares. 

O Supremo Tribunal Federal homologou o Plano de Operação, apresentado pela União, e foram iniciadas as desintrusões das Terras Indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá, em 02 de outubro de 2023, contando com a participação de 19 órgãos federais. Além da remoção dos invasores e da inutilização das estruturas utilizadas para exploração econômica ilegal nos territórios, houve determinação judicial para que parte do efetivo permaneça in loco para evitar o retorno dos invasores às Terras Indígenas e eventuais represálias contra as comunidades indígenas. 

Absurdamente, desde o início de outubro de 2023, amparada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas, parte do povo indígena Parakanã saiu provisoriamente de seu território, temendo retaliações contra suas vidas por parte dos invasores e, no aguardo do final da operação, para que possa retornar seguro à terra que é sua por direito.

Contudo, o Prefeito de São Félix do Xingu, os Deputados e os Senadores do Estado do Pará, ao invés de incentivarem que os invasores se retirem voluntariamente da terra indígena em cumprimento às decisões judiciais, veiculam informações inverídicas de que a operação de desintrusão foi interrompida e de que os invasores só deveriam sair mediante pagamentos de indenização pelo Estado brasileiro.

É igualmente preocupante e incabível, para o movimento indígena nacional, a proposta do Ministério da Justiça de instaurar uma comissão de negociação entre os invasores e os povos indígenas na TI Apyterewa, pois exorbita o Plano de Operação da desintrusão homologado pelo STF e põe em risco o sucesso de toda a operação e a vida do povo Parakanã.

Enquanto assistimos a políticos locais defenderem o direito dos invasores não indígenas, o povo Parakanã enfrenta um deslocamento forçado para garantir a própria sobrevivência. Esta prática é vedada pelo artigo 231 da Constituição Federal e por múltiplas normativas e convenções internacionais das quais o Brasil é signatário. A conivência das instituições brasileiras com esta situação e com o agravamento da ameaça e da despossessão territorial que se projetam sobre os Parakanã poderá ensejar a responsabilização do Estado nos âmbitos nacional e internacional.

Por fim, cumpre consignar que o governo federal foi eleito com a promessa de proteger e defender os territórios e os direitos dos povos indígenas. A Criação do Ministério dos Povos Indígenas é uma conquista para toda sociedade brasileira, mas é fundamental dar condições e poder decisório para esse Ministério. Pois dentro da correlação de forças, estamos assistindo a uma possível perda de força no processo de desintrusão, e estamos extremamente preocupados com isso. A desintrusão da terra indígena é uma dívida histórica do Partido dos Trabalhadores e só Estado Brasileiro, pois ela (desintrusão) é uma condicionante de Belo Monte.  

Seguiremos atentos e atuantes em todas as instâncias cabíveis para que não haja a suspensão ou desidratação da operação de desintrusão, o que coloca em risco o retorno do povo Parakanã à área demarcada em 2007, e contribui para expandir o número de invasores e de atividades ilícitas na região. 

APYTEREWA LIVRE DE INVASORES. 

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL


A luta continua: veto parcial de Lula não representa uma vitória

A luta continua: veto parcial de Lula não representa uma vitória

  • Ainda que a tese do Marco Temporal tenha sido um dos pontos vetados pelo Presidente Lula, o Congresso Nacional ainda pode reverter os vetos.

  • Além disso, o Presidente aprovou algumas medidas do PL 2903 que ameaçam a soberania dos Povos Indígenas sobre suas terras e o futuro climático global.

Em contramão à demanda do movimento indígena pelo veto completo ao PL 2.903/2023,  o presidente Lula anunciou seu veto parcial no dia 20 de outubro. Assim, a decisão presidencial retira o Marco Temporal da proposta, assim como o cultivo de espécies transgênicas em Terras Indígenas (TIs); a construção de grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias, sem consulta prévia, livre e informada; e a flexibilização das políticas de proteção aos povos indígenas em isolamento voluntário. Por outro lado, duas das medidas do PL aprovadas pelo Presidente flexibilizam o usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre seus territórios, sendo avaliadas como críticas pela Apib.

Em 2023, o Projeto de Lei 2.903/2023 representou uma das maiores ameaças aos direitos dos Povos Indígenas do Brasil, tendo sido idealizado em base a princípios anti-indígenas, e aprovado pelo Congresso Nacional sob a diligência da bancada ruralista. Por tal motivo, a Apib reivindicou o veto total ao projeto que defende os interesses latifundiários em detrimento dos direitos indígenas.

Na última sexta-feira (20), o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que vetaria alguns pontos do PL, incluindo a proposta de instituição do Marco Temporal, mas aprovou outros pontos ameaçadores para os Povos Indígenas, como a perda do usufruto exclusivo das suas terras provocada por interesses de defesa ou soberania nacional numa terra, assim como por atividades econômicas de cooperação entre indígenas e não indígenas.

Tais medidas já entraram em vigor em 20 de outubro, a partir da Lei 14.701/2023. Os demais pontos vetados serão analisados no dia 9 de novembro por uma comissão mista de senadores e deputados que decidirão se acatam ou anulam as medidas vetadas por Lula.

Quais pontos do PL 2.903/2023 foram vetados por Lula?

  • Marco Temporal: a tese que defende que os Povos Indígenas precisam provar sua presença em seus territórios ancestrais na data de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, para ter direito ao reconhecimento e demarcação como Terra Indígena, foi derrubada. A tese do Marco Temporal já tinha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 27 de setembro de 2023.

  • Indenizações aos invasores e ocupantes ilegais de territórios indígenas reconhecidos.

  • Anulação da demarcação de uma Terra Indígena e expropriação em razão da “alteração dos traços culturais” da comunidade indígena.

  • Instalação de equipamentos e redes de comunicação, assim como construção de infraestruturas em TIs, como estradas e  vias de transporte.

  • Cultivo de organismos genéticamente modificados em TIs.

  • Contato forçado com povos indígenas em isolamento voluntário.

  • Permissão para instalação de bases, unidades, postos militares ou intervenções militares em TIs.

  • Exploração de recursos para geração energética, empreendimentos de energia em geral e extração de riquezas naturais sem consulta prévia, livre e informada das comunidades atingidas ou do órgão indigenista federal competente.

Quais são os próximos passos para a análise dos vetos?

A Apib reforça que a cobrança do movimento indígena era para que Lula vetasse totalmente o PL 2.903/2023. Agora, alertamos sobre a necessidade dos vetos parciais serem mantidos pelos parlamentares. Senadores e deputados vão compor uma comissão mista que analisará os pontos vetados por Lula. A data de tal análise ainda não foi definida, mas a bancada ruralista (Frente Parlamentar da Agropecuária) já emitiu uma nota oficial afirmando que possui votos suficientes para reverter todos os vetos no Congresso Nacional.

A luta, portanto, não acabou. A Apib alerta para a necessidade de continuar na mobilização, pois caso esses vetos sejam anulados pelo Congresso, eles serão oficialmente incluídos como parte da Lei 14.701/2023. Isso ameaça a sobrevivência dos Povos Indígenas, viola as diretrizes do Comitê de Direitos Humanos da ONU do qual o Brasil é signatário, e ameaça o futuro climático global. Apenas o STF poderia rever a constitucionalidade da lei, a partir de um novo processo de judicialização.

Quais medidas não foram vetadas e ameaçam os Povos Indígenas e a luta contra a crise climática?

O PL 2903 já entrou em vigor como Lei 14.701/2023, com os pontos que não foram vetados pelo Presidente Lula. Entre eles, ainda existem várias ameaças para os Povos Indígenas, para a biodiversidade e para a garantia de equilíbrio climático proporcionado pelas Terras Indígenas. Entre os pontos não vetados, dois são críticos pois abrem brecha para violações aos direitos indígenas:

  1. O Artigo 20 afirma que o usufruto exclusivo não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional.

  2. O Artigo 26 trata sobre cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas, o que pode ampliar o assédio de terceiros para flexibilizar o direitos dos Povos Indígenas ao usufruto exclusivo de suas terras.

Afirmamos que o Artigo 20 é perigoso, pois pode, igualmente, abrir margem para mitigar o usufruto exclusivo, diante do conceito genérico de “interesse de política de defesa”, justificando intervenções militares nos territórios. Da mesma forma, é relevante considerar que, ilegalmente, já existem 96 mil hectares de áreas sobrepostas às terras indígenas e que essa suposta cooperação entre indígenas e não indígenas não será pacífica ou livre de altos custos para a autonomia e preservação dos modos de vida dos Povos Indígenas. Além disso, reforçamos que os Povos Indígenas são resguardados pelo Artigo 231, §6o, da Constituição, que prevê que o relevante interesse da União deverá ser disposto por Lei Complementar e não por Lei Ordinária como é o caso da Lei 14.701/2023.

O questionamento da soberania dos Povos Indígenas em seus territórios é uma dos vetores do aumento dos conflitos fundiários no Brasil. O Relatório sobre Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil em 2022 demonstrou que, entre 2019 e 2022, foram registrados 795 assassinatos de indígenas durante o governo de Jair Bolsonaro, representando um aumento de 54% em comparação aos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer e, a maior parte destes crimes, tem relação direta com conflitos territoriais. A Apib considera que esse significativo aumento de violência tem relação direta com os discursos promovidos pelo então Presidente Bolsonaro contrários aos direitos territoriais indígenas, somado ao total desmantelamento da política indigenista nesse período.

Da mesma forma, o desmatamento e a destruição da biodiversidade nas Terras Indígenas representam uma ameaça internacional para o equilíbrio climático global. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em Terras Indígenas. Além disso, os territórios indígenas concentram 80 % da biodiversidade do planeta, mas estão ameaçados pelo avanço do agronegócio e das  indústrias extrativistas, de desenvolvimento e turismo, tal e como alerta o relatório da ONU Estado dos Povos Indígenas no Mundo, publicado em 2021.

Portanto, a Apib alerta que os impactos da Lei 14.701/2023 e da potencial derrubada dos vetos presidenciais ao PL 2903 trarão impactos não apenas para os Povos Indígenas, mas também consequências globais para o equilíbrio climático: não há como construir políticas nacionais e acordos internacionais consistentes contra as mudanças climáticas sem garantir o pleno usufruto dos Povos Indígenas aos seus territórios. Por isso, nossa luta continua.

Apib solicita ao STF a prorrogação dos servidores temporários que atuam na proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato

Apib solicita ao STF a prorrogação dos servidores temporários que atuam na proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato

Foto: REUTERS/ADRIANO MACHADO

O STF acatou a solicitação e pediu ao Ministério dos Povos Indígenas a prorrogação de contratos de servidores da Funai. O MPI tem cinco dias para se manifestar.

Em decisão publicada na última sexta-feira (20/10), o Supremo Tribunal Federal (STF) solicitou a manifestação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) sobre a prorrogação de contratos temporários de servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que atuam na proteção de indígenas isolados e de recente contato. O pedido ocorreu após petição do departamento jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) na Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 709.

Na petição, a Apib solicita que a prorrogação dos contratos ocorra por pelo menos mais seis meses e ressalta a urgência e a importância da medida para garantir os direitos fundamentais dos povos originários. O STF determinou que o MPI se manifeste em até cinco dias. 

“Se nenhuma providência for tomada, já no mês de dezembro de 2023 os serviços mínimos da política de proteção aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato serão gravemente comprometidos, chegando a ter sua existência ameaçada, o que muito provavelmente acarretará em danos irreparáveis ou de difícil reparação para os Direitos Constitucionais dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato”, diz o documento. 

A Articulação explica que a Funai realizou em 2021 um processo seletivo simplificado que ofertou 776 vagas, entre chefes, supervisores e agentes etnoambientais. As contratações eram de seis meses e previam a prorrogação até o prazo máximo de dois anos. Porém, houve uma redução no quadro que hoje conta com apenas 513 servidores, que estão com suas atividades ameaçadas com o encerramento do contrato no mês de novembro. 

Além disso, a organização também alerta que não houve a realização de concurso público para recompor o déficit de servidores da Funai e não há previsão de data para a sua realização.

ADPF 709

Proposta em junho de 2020 pela Apib, inicialmente a ADPF 709 tinha o objetivo de combater ações e omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia de Covid-19, devido ao risco de genocídio de diversos povos. 

Em janeiro de 2022, a Apib entrou com uma petição na ADPF 709 contra a Funai. Desde o dia 29 de dezembro de 2021, o órgão responsável pela política indigenista do Governo Federal havia excluído as Terras Indígenas (TIs) não homologadas das atividades de proteção. Cerca de 239 territórios tradicionais foram afetados diretamente com a medida, o que significaria o abandono de um terço das TIs existentes no Brasil e impactaria justamente as mais vulneráveis juridicamente, que sofrem contínuas invasões e que abrigam 114 povos indígenas em isolamento voluntário e de recente contato. 

Além da petição na ADPF 709, a Apib entrou com uma representação no Ministério Público Federal (MPF). Outras 15 organizações indígenas também entraram com pedido no MPF por improbidade administrativa contra a Funai.

Sementes transgênicas em terras indígenas são uma ameaça para os povos indígenas e para biodiversidade

Sementes transgênicas em terras indígenas são uma ameaça para os povos indígenas e para biodiversidade

Além do marco temporal, o Projeto de Lei 2903 (antigo PL 490) possui outras violações aos povos indígenas e biomas brasileiros. Em ofício enviado ao presidente Lula no dia 9 de outubro, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) elencou uma série de inconstitucionalidades do PL, entre elas o cultivo de sementes transgênicas em terras indígenas.

No Brasil, o plantio de sementes geneticamente modificadas em territórios indígenas é proibido desde 2007 por meio da Lei n.o 11.460. O Artigo 30 do PL 2903 altera esta lei e coloca em risco a biodiversidade e a alimentação dos povos originários. Isso porque esses tipos de sementes são criadas em laboratórios e são estéreis, ou seja, não produzem descendentes. 

“É mais uma ameaça para nós e para a mãe natureza. As sementes transgênicas podem contaminar as sementes crioulas e deixar famílias indígenas refém de um grupo econômico expecífico”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib. As sementes crioulas são sementes nativas dos povos originários melhoradas artesanalmente por eles ao longo de várias gerações.

O documento enviado a Lula, também encaminhado à Casa Civil e ao Ministério dos Povos Indígenas, explica que as sementes transgênicas são patenteadas e possuem pagamento de royalties ao proprietário intelectual. A Apib reforça que o PL 2903 irá prejudicar o patrimônio genético gerado pelas sementes crioulas e, consequentemente, o combate a pragas, a segurança alimentar das famílias indígenas e sua autodeterminação, como previsto na Constituição Federal.   

Dia 27 de setembro, senadores votaram e aprovaram o PL 2903 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário do Senado. Agora, o PL 2903 aguarda a análise do presidente Lula, que tem até o próximo dia 20 de outubro para sancionar ou vetar (total ou parcialmente) o projeto. A Apib, e suas sete organizações de base, pedem o voto total do projeto. 

Saiba mais sobre o marco temporal e o PL 2903: https://apiboficial.org/marco-temporal/

Brasil pode violar diretriz do Comitê de Direitos Humanos da ONU caso Lula não vete todo o PL 2903

Brasil pode violar diretriz do Comitê de Direitos Humanos da ONU caso Lula não vete todo o PL 2903

Comitê da ONU recomenda que o Estado brasileiro rejeite a tese do Marco Temporal

A promulgação do Projeto de Lei 2.903/2023 -que questiona a demarcação das Terras Indígenas (TIs) com a tese do marco temporal e pretende autorizar a construção de infraestruturas em TIs sem consulta prévia, entre outras propostas- inviabiliza o cumprimento das recém publicadas recomendações do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) da ONU. O Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CDESC) recomenda que o Estado brasileiro agilize a demarcação, regularização e titulação dos territórios dos Povos Indígenas, e rejeite a aplicação e institucionalização da tese do marco temporal, entre outras recomendações. Portanto, caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva promulgue este Projeto de Lei, ele estará violando os direitos dos Povos Indígenas no Brasil e, também, descumprindo os compromissos vinculantes do Pacto.

O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PICDESC), monitorado pelo CDESC, e do qual o Brasil é signatário desde 1992, apresentou suas conclusões no dia 13 de outubro, em relação ao terceiro relatório periódico do país,  apresentado pelo governo federal e complementado pelas organizações e movimentos da sociedade civil consultadas. Nesse contexto, a Apib apresentou um documento com várias denúncias sobre violação dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas

Em relação à atual situação de violação de direitos indígenas no Brasil, o Comitê recomendou em seu relatório: a agilidade na demarcação de Terras Indígenas; a rejeição da tese do marco temporal; o estabelecimento de protocolos legalmente vinculantes para o exercício do direito  consulta prévia, livre e informada de qualquer decisão que atinja as populações originárias a adoção de medidas contra o desmatamento; a proteção dos recursos hídricos poluídos por atividades como o garimpo; e a não discriminação racial ou cultural dos povos indígenas, entre outras recomendações.

As recomendações do relatório do Comitê (CDESC) pretendem garantir o respeito aos direitos humanos pelos Estados Partes e orientam a implementação do Pacto (PIDESC), do qual o Brasil é signatário. Portanto, o cumprimento do Pacto é vinculante para o Brasil, uma vez que o país o ratificou.  O Artigo 1o do Pacto garante o direito  à autodeterminação, ao desenvolvimento econômico, social e cultural e ao livre acesso às riquezas, recursos naturais e meios de subsistência por parte de todos os povos. Tais condições são claramente violadas por muitas das propostas do PL 2903.

Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PICDESC)

PARTE I
Artigo 1o

§ 1. Todos os povos têm o direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.

§2. Para a consecução de seus objetivos, todos os povos podem dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes da cooperação econômica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo e do Direito Internacional. Em caso algum poderá um povo ser privado de seus próprios meios de subsistência.

§3. Os Estados Membros no presente Pacto, inclusive aqueles que tenham a responsabilidade de administrar territórios não autônomos e territórios sob tutela, deverão promover o exercício do direito à autodeterminação e respeitar esse direito, em conformidade com as disposições da Carta das Nações Unidas.

Fonte: Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

Essas recomendações emitidas pelo CDESC em relação aos direitos dos Povos Indígenas no Brasil estão alinhadas às recomendações emitidas pelo Comitê sobre os Direitos Humanos em relação ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (CCPR) em setembro de 2023. O Brasil também passou por revisão no CCPR este ano e, após relatório submetido pela Apib e outras organizações, este Comitê também expressou sua preocupação em relação às violações de direitos resultantes da potencial legalização da tese do marco temporal. Assim, a promulgação do PL2903 seria uma violação dos compromissos do Brasil perante ambos Comitês, além de outros tratados internacionais dos quais o país é signatário.

Veja mais:

Quais são as recomendações do relatório do PIDESC que Lula violará caso não vete integralmente o PL 2903:

  1. Meio ambiente e mudanças climáticas: o Comitê mostra preocupação com o aumento de desmatamento provocado pela expansão agrícola e pela exploração de recursos naturais, o que impacta os meios de subsistência das comunidades locais e tradicionais e aumenta sua vulnerabilidade às mudanças climáticas. Portanto, recomenda que o Estado adote medidas para deter o desmatamento.

    O PL 2903, através da tese do marco temporal, questiona os processos de demarcação dos territórios, inclusive os das Terras Indígenas já demarcadas, o que supõe uma ameaça não só para o futuro dos Povos Indígenas, mas de toda a humanidade. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Aliás, será impossível zerar o desmatamento, conforme prometido pelo presidente Lula, e cumprir com as metas climáticas de redução de emissões de gases de efeito estufa (conhecidas como NDC, pelas siglas em inglês) se o PL 2903 passar o trator por cima de algumas das terras do país onde os índices de desmatamento são mais baixos e a taxa de biodiversidade mais alta. Não há como considerar a preservação de nossos biomas e políticas comprometidas contra as mudanças climáticas sem garantir o pleno usufruto dos povos indígenas aos seus territórios.

  • 2. Direto de acesso à terra: o Comitê alerta sobre as disputas de terras e a consequente violência causada pelos conflitos territoriais, e recomenda que o Estado brasileiro “proteja o direito dos Povos Indígenas à propriedade, uso, desenvolvimento e controle de suas terras, territórios e recursos com total segurança, e evite a intrusão de ocupantes de terceiros”. Também recomenda que o Estado compense os Povos Indígenas por danos ou perdas em seus territórios. Além disso, o Comitê recomenda que o Brasil agilize a demarcação, regularização e titulação das terras dos Povos Indígenas, e também rejeite a aplicação e institucionalização da doutrina do marco temporal.

    Esta seria a principal violação do PIDESC  caso o PL 2903 seja promulgado pelo presidente Lula, pois o intuito do projeto -aprovado em caráter de urgência no Senado pela bancada ruralista- é de legalizar a invasão de territórios indígenas no Brasil, desconsiderando a teoria do indigenato que reconhece o direito ancestral e inalienável dos povos originários aos seus territórios. O PL pretende legalizar a condição do marco temporal para a demarcação de novas terras e revisar demarcações já realizadas, questionando a tradicionalidade da ocupação, o direito originário e o usufruto exclusivo dos povos indígenas aos seus territórios.

    3. Direitos culturais e de sobrevivência: de acordo com o Comitê, a falta de proteção e demarcação das TIs prejudica o exercício de seus direitos culturais. Portanto recomenda que o Estado garanta que as populações tradicionais tenham as condições para “preservar, desenvolver, expressar e compartilhar sua identidade, história, cultura, línguas, tradições e costumes, bem como manter sua relação espiritual com suas terras, territórios e recursos”.

    Como mencionado anteriormente, o PL 2903 questiona de diversas formas o direito dos Povos Indígenas às suas terras, o que implica negar condições dignas de vida para os Povos Indígenas no Brasil e colocar suas culturas e sobrevivência em risco. Além disso, o PL flexibiliza a política de não-contato com Povos Indígenas em isolamento voluntário, o que pode significar o genocídio desses povos. Por tais motivos, o movimento indígena batizou o PL 2903 como PL do Genocidio Indígena.

  1. Exploração de recursos, investimentos, e o direito de consulta prévia, livre e informada dos Povos Indígenas: o Comitê solicita que o Brasil desenvolva e implemente protocolos legalmente vinculantes e adote as medidas administrativas necessárias para garantir que as consultas prévias, livres e informadas sejam conduzidas de maneira sistemática e transparente com os Povos Indígenas, Quilombolas e outras comunidades tradicionais, sobre projetos que possam afetá-los, e que garanta a realização de estudos independentes sobre o potencial impacto social, ambiental e de direitos humanos.

    O Comitê expressa sua preocupação com a falta de cumprimento de tais medidas no país, sublinha o fato de que o Brasil continua a conceder licenças para exploração de recursos naturais e investimentos em larga escala sem consulta às comunidades atingidas, e solicita que o governo brasileiro “tenha em mente e cumpra as obrigações e compromissos internacionais decorrentes de sua ratificação da Convenção da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais (OIT 169), e de seu endosso à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e outras normas internacionais relevantes”.

    O PL propõe a legalização de exploração de recursos naturais em Terras Indígenas, parcerias de exploração agropecuária, assim como a autorização da construção de rodovias, hidrelétricas e outros empreendimentos em Terras Indígenas, sem consulta prévia, livre e informada;

  2. Discriminação aos Povos Indígenas no Brasil: o Comitê aponta para a “contínua ausência de uma legislação abrangente de combate à discriminação” no Brasil, assim como a prevalência de desigualdades socioeconômicas, raciais e de gênero, estigma social e a discriminação contra grupos desfavorecidos e marginalizados. Recomenda que o Estado brasileiro “adote todas as medidas necessárias para para prevenir e combater a persistente discriminação contra Povos Indígenas e outras comunidades tradicionais”. 

    O PL apresenta critérios racistas sobre quem é ou não indígena, estabelece ameaças à chamada “aculturação” dos Povos Indígenas e viola o direito de auto identificação racial garantido na Constituição.

  3. Direito à água e ao saneamento básico: O Comitê manifesta sua  preocupação com o acesso à água potável e com sua crescente poluição devido à expansão agrícola e das atividades de mineração. Portanto, recomenda que o Estado “adote medidas para proteger seus recursos hídricos, incluindo abordar os impactos negativos das atividades econômicas e da exploração de recursos naturais, bem como os efeitos das mudanças climáticas, e adotar um quadro legislativo que garanta responsabilidade legal para empresas estatais e privadas que, por meio de suas atividades, poluem os recursos hídricos”.

O PL prevê a legalização de monoculturas, plantação de soja, criação de gado, promoção de garimpo e mineração em Terras Indígenas, atividades que têm como consequência a  poluição dos recursos hídricos.

Sobre o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) da ONU:

O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) foi adotado pela Resolução n.2.200-A (XXI) da Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, com o objetivo de conferir obrigatoriedade aos compromissos estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Dessa forma, a situação desses direitos deve ser monitorada mediante elaboração de relatórios periódicos dos Estados-Partes, avaliando o grau de sua implementação e as dificuldades para efetivá-los, enquanto a supervisão do Pacto cabe ao Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, ao avaliar esses relatórios. O Brasil foi sujeito a avaliações periódicas pelo Comitê do PIDESC em outras ocasiões, a última delas em 2009. No entanto, vale destacar que o Brasil optou por ainda não ratificar o Protocolo Facultativo de petições, o que proporcionaria acesso à justiça internacional às vítimas de violações de DESCs.






PL 2903 representa o genocídio dos povos indígenas e o desrespeito ao STF, afirma Apib em documento enviado a Lula

PL 2903 representa o genocídio dos povos indígenas e o desrespeito ao STF, afirma Apib em documento enviado a Lula

O PL aguarda a análise de Lula, que tem até o dia 20 de outubro para sancionar ou vetar o projeto. Movimento indígena pede que o presidente vete totalmente o PL do genocídio 

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), por meio do seu departamento jurídico, enviou um ofício ao presidente Lula em que cobra o veto total do Projeto de Lei 2903, que transforma em lei o marco temporal e legaliza crimes contra os indígenas e o meio ambiente. A organização, referência nacional do movimento indígena, afirma que o PL representa o genocídio dos povos originários e o desrespeito do Congresso Nacional as deciões do Supremo Tribunal Federal (STF). 

Dia 27 de setembro, enquanto o STF decidia anular a tese por maioria de 9×2 votos, parlamentares votaram e aprovaram o Projeto de Lei na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário do Senado. Agora, o PL 2903 aguarda a análise de Lula, que tem até o próximo dia 20 de outubro para sancionar ou vetar (total ou parcialmente) o projeto. 

No ofício enviado no último dia 9 de outubro, a Apib lista mais de dez argumentos pelos quais Lula deve vetar o PL. A Articulação assegura que o projeto é inconstitucional, pois prevê alteração em direitos fundamentais – como o direito originário dos povos indígenas sob as terras que tradicionalmente ocupam – previstos na Constituição Federal de 1988 por meio de Lei Ordinária, o que não é permitido pela própria Constituição.

“Registre-se que o reconhecimento do Direito Originário dos Povos Indígenas sob as Terras que tradicionalmente ocupam não é algo novo, que foi inaugurado com a Constituição Federal de 1988. Ao contrário, é uma tradição do direito brasileiro, com disposições semelhantes na primeira Lei de Terras do ano de 1850 e nas Constituições de 1934, 1937,1946 e 1967”, diz trecho do ofício também encaminhado à Casa Civil e ao Ministério dos Povos Indígenas.

Outra inconstitucionalidade apontada no documento é a exploração hídrica e mineral em Terras Indígenas sem autorização do Congresso Nacional e Consulta Prévia, Livre e Informada às comunidades afetadas. A medida é prevista pela Convenção 169 do Tratado Internacional de Direitos Humanos, do qual o Brasil faz parte.

Retrocesso ambiental e climático

Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib, alerta que a abertura de Terras Indígenas para mineração e pecuária representa um retrocesso ambiental. “Essas atividades destroem os nossos territórios, a nossa natureza, poluem as águas, aumentam o desmatamento e, consequentemente, a emissão de gases de efeito estufa. Por isso, vetar totalmente o PL 2903 representa o compromisso de Lula com os direitos indígenas, mas também com o meio ambiente e com o combate à crise climática”, afirmou Karipuna.

No artigo “Mudanças climáticas e a homologação de Terras Indígenas”, o Instituto de Pesquisa Ambiental do Amazonas (Ipam) afirma que a demarcação e a proteção dos territórios indígenas é essencial para reduzir as taxas de desmatamento. 

O dossiê “Somos Todos Biomas”, resultado do cruzamento de dados realizado pela Apib em parceria com o Ipam em 2022, também reitera que as TIs são as áreas com maior biodiversidade e com vegetação mais preservadas, visto que são protegidas e manejadas pelos povos originários. O documento aponta que no Brasil 29% do território ao redor das TIs está desmatado, enquanto dentro das Terras Indígenas o desmatamento é de apenas 2%. 

“O STF enterrou o marco temporal e reconheceu que os direitos territoriais indígenas estão intimamente vinculados com a preservação dos biomas brasileiros. Porém, a bancada do agronegócio no Congresso Nacional quer acelerar a crise climática e perpetuar o genocídio dos povos indígenas. Nós já estamos vivenciando isso com as enchentes e a seca de sul a norte do Brasil”, diz Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

Povos isolados e de recente contato

O Projeto de Lei 2903 também possui ameaças para os povos isolados e de recente contato. O Artigo 28 do projeto autoriza o Estado e a sociedade civil a ter contato com esses povos em caso de auxílio médico ou quando necessário “intermediar ação estatal de utilidade pública”, o que representa a flexibilização e o regresso da política de não contato.

Em nota, o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato ressalta que, desde 1987, é proibida toda e qualquer ação ou projeto desenvolvimentista em território de indígenas em isolamento voluntário. 

“O Decreto no 11.226/2022 define, por exemplo, que compete a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) “garantir aos povos indígenas isolados o exercício de sua liberdade e de suas atividades tradicionais sem a obrigatoriedade de contatá-los (Artigo 2o, d)”. Por fim, no que concerne ao atendimento específico em saúde, que compete conjuntamente à SESAI/MS e à Funai elaborar, executar e avaliar os Planos de Contingência para Situações de Contato e os Planos de Contingência para Surtos e Epidemias”, diz o ofício enviado ao presidente. 

Em junho de 2022, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil ajuizou no STF a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 991, que trata dos povos isolados e de recente contato. A medida foi tomada considerando as “ações e omissões” do governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), que colocaram em risco os povos indígenas isolados e de recente contato no país. 

Recentemente, a Articulação solicitou ao STF, por meio da ADPF 991, a proteção imediata aos povos isolados da Terra Indígena Kawahiva, que vem sofrendo com a invasão da reserva Rooselvet no entorno da TI. 

Leia o ofício na íntegra: Ofício N 207_2023 – AJUR_APIB