21/jun/2023
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) realizou uma audiência com líderes indígenas para receber informações atualizadas sobre a situação dos direitos humanos dos povos indígenas no Brasil, nesta terça-feira, 20 de junho.
O pedido de audiência foi solicitado ainda em 2022 pelas seguintes organizações: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIVAJA), Terra de Direitos, Conectas, Robert F. Kennedy Human Rights, Greenpeace Brasil, Amazon Watch, Washington Brazil Office, Anistia Internacional Brasil e Fundação para o Devido Processo.
A primeira audiência pública foi realizada em outubro de 2022, sendo esta agora uma oportunidade de reforçar as solicitações apresentadas na ocasião e contextualizar os representantes da CIDH sobre os atuais desdobramentos e riscos frente o cenário de ameaça dos direitos dos povos indígenas do Brasil com a votação do PL 2903/2023 no Senado e a retomada do julgamento da tese do Marco Temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Nessa segunda audiência, houve a presença da Comissária Esmeralda Arosemena, Relatora para os Povos Indígenas. Do lado brasileiro, participaram Kleber Karipuna (APIB/COIAB), Maurício Terena (advogado da APIB), Alessandra Korap Munduruku (presidente da Associação Indígena Pariri) e Eliesio Marubo (advogado do UNIVAJA).
Durante a audiência de seguimento, as lideranças indígenas destacaram as preocupações urgentes relacionadas aos direitos humanos dos povos indígenas no Brasil. Em particular, enfatizaram a necessidade de abordar o Marco Temporal, uma tese jurídica que não reconhece os direitos territoriais dos povos indígenas brasileiros.
“Justamente a bancada do agronegócio tem feito uma empreitada de diversas violações de direitos humanos e ambientais, por isso buscamos o apoio da comunidade internacional, que pode se tornar um aliado fundamental dos povos indígenas.” disse Maurício Terena
Ainda, Alessandra Korap Munduruku e Eliesio Marubo compartilharam informações sobre o impacto do Marco Temporal em seus respectivos territórios e alertaram sobre o estado de grave violência e desproteção ao qual estão expostas as comunidades indígenas.
“O Marco Temporal já está nos afetando diretamente no território. No meu caso, não temos o território demarcado, a cidade está crescendo e é muito fácil para os brancos (grileiros, fazendeiros etc.) mapearem a terra, comprarem e dizerem que é deles. Enquanto isso, os povos indígenas estão em uma luta há muitos anos pela terra. Antigamente não precisávamos pedir terra para ninguém, porque era nossa. Agora temos que pedir para o Estado. Muitos pedaços dessa terra estão sendo destruídos para tirar madeira, tirar ouro, construir rodovia, esmagar comunidades… as nossas crianças e mulheres estão adoecendo por conta do mercúrio.” frisou Alessandra.
“Nós temos apresentado para o governo brasileiro desde junho do ano passado e nós não temos só apresentado o problema, mas apresentado a solução para o problema. Eu ouso dizer que o Brasil tem descumprido tantas obrigações como os países em guerra. Só no ano passado, 1/3 das mortes decorrentes por conflitos no campo foram de indígenas. É preciso que tomemos uma decisão conjunta para trazer responsabilidade do Governo… nós esgotamos todas as instâncias internas e estamos buscando instâncias internacionais para garantir a proteção dos direitos à vida, à saúde, ao bem-estar e ao território que rege nossa tradicionalidade, coletividade e meio de vida. Seguimos no combate entrincheirado até o último minuto.” reforçou Eusébio Marubo em sua fala.
Durante a audiência, as organizações indígenas solicitaram à CIDH:
1. Designação de uma pessoa de contato permanente na CIDH para receber informações e atualizações sobre a situação indígena no Brasil, bem como sobre as atividades empreendidas pela APIB.
2. Criação de um grupo de trabalho liderado pela Comissão, com a participação de representantes do Estado brasileiro, a fim de abordar de maneira aprofundada as questões relacionadas aos direitos humanos dos povos indígenas no país.
3. Realização de uma nova visita ao Brasil pela CIDH, a fim de documentar a situação dos direitos humanos dos povos indígenas e fornecer recomendações específicas ao Estado brasileiro.
4. Emissão de uma declaração conjunta da CIDH e das Nações Unidas, reconhecendo a importância de proteger e promover os direitos humanos dos povos indígenas no Brasil.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos reafirmou seu compromisso de monitorar e proteger os direitos humanos dos povos indígenas no Brasil e em toda a região. A CIDH comunicou que levará em consideração as solicitações apresentadas pelas organizações indígenas e buscará abordá-las de maneira apropriada e oportuna.
A audiência de hoje representa mais um passo importante para destacar a necessidade contínua de proteger e promover os direitos humanos dos povos indígenas no Brasil. Esperamos que a CIDH permaneça comprometida em buscar soluções concretas para as preocupações levantadas e trabalhe em prol da garantia dos direitos fundamentais dos povos indígenas.
15/jun/2023
A Apib e o povo Xokleng/Laklãnõ manifestam seu repúdio ao governador do estado de Santa Catarina, Jorginho Mello, filiado ao Partido Liberal, agremiação que reúne diversos representantes da extrema direita no Brasil. O governador quer celeridade no Senado para aprovação do Marco Temporal, o que pode acarretar na perda do território pelo povo, que é protagonista do processo de inconstitucionalidade da tese dentro do Supremo Tribunal Federal.
De acordo com a nota de repúdio emitida nesta terça-feira, 13/06, o interesse do Estado é ampliar uma barragem sobre a TI, expulsando definitivamente o povo indígena de seu território sagrado. “Lamentamos a ignorância da parte do governo que inicia seu mandato mostrando para quem governará: defendendo os mais ricos, latifundiários, ignorando séculos de resistência do povo Laklãnõ Xokleng”, afirma a nota.
Leia o texto completo.
Terra Indígena Ibirama/Laklãnõ
Nota de repúdio do Povo Laklãnõ/Xokleng – 13/junho/2023
Nós Povo Laklãnõ/Xokleng, do Estado de Santa Catarina, repudiamos de forma veemente o posicionamento do governador estadual Jorginho Mello, no dia 13 de junho de 2023, que “pediu pressa para a votação do Marco Temporal no Senado”. Desde o início do século XIX, o estado sempre se posicionou para exterminar o povo originário da região que é denominado Alto Vale do Itajaí, financiou bugreiros para matar o Povo Xokleng, à medida que os imigrantes alemães e italianos chegavam e avançavam a colonização o povo era morto, bebês, crianças, jovens, mulheres e homens. Para então poder receber o pagamento, os bugreiros cortavam as orelhas dos mortos para provar que tinham êxito ao que foram contratados. Para apagar esse passado sanguinário, o estado quer de qualquer forma aprovar urgentemente o Marco Temporal que só reconhece o direito à terra dos povos originários deste país a partir de 1988, ano em que a Constituição da República foi aprovada.
O Governador de Santa Catarina dá continuidade ao trabalho dos bugreiros, negando o direito do povo Laklãnõ Xokleng sobre seu território tradicional. Lamentamos a ignorância da parte do governo que inicia seu mandato mostrando para quem governará: defendendo os mais ricos, latifundiários, ignorando séculos de resistência do povo Laklãnõ Xokleng.
Na década de 70 nosso território foi reduzido para metade de seus hectares, para a construção de uma barragem no início da aldeia, inundando e separando a comunidade Laklãnõ Xokleng. Ao estado não interessa a vida da nossa comunidade, e sim a expansão da barragem. O Marco Temporal é mais uma tentativa de nos tirar do nosso território tradicional.
Através do medo, o governo do estado tenta colocar as famílias de pequenos agricultores contra a demarcação do nosso território. Jorginho Mello usa do seu poder para vir a Brasília tentar influenciar o Senado, atropelando a democracia. O Marco Temporal diz respeito aos povos indígenas, e nós nos posicionamos totalmente contrários a esse projeto genocida arquitetado pelos latifundiários e ruralistas.
Nosso povo está em Brasília nesse momento, para defender nosso direito à terra, não fomos recebidos pelo presidente do Senado, assim como o governador Jorginho Mello, mas contamos com nossa resistência, nossos ancestrais e a democracia, para que seja reconhecido que o Marco Temporal viola todos os nossos direitos.
14/jun/2023
Em declaração publicada no site oficial das Nações Unidas, José Francisco Calí Tzay, relator Especial da ONU sobre os direitos dos Povos Indígenas, expressou grande preocupação com a aprovação da tese do Marco Temporal (PL 490) na Câmara dos Deputados. Ele ressalta que a tese foi “contestada em diversas ocasiões por organismos internacionais, povos indígenas e defensores dos direitos humanos por desrespeitar o direito dos povos indígenas”.
O relator espera que o STF tome suas decisões em “consonância com os padrões internacionais de direitos humanos”, e pede que o Senado rejeite o Projeto de Lei, que agora é chamado de PL 2309. Ele aconselha também o governo brasileiro “a tomar todas as medidas para proteger os Povos Indígenas, suas culturas e tradições, de acordo com a Constituição Federal Brasileira e as obrigações internacionais de direitos humanos”.
Confira a nota traduzida para o português.
Brasil: Especialista da ONU manifesta preocupação com doutrina jurídica que ameaça os direitos dos povos indígenas
GENEBRA (13 de junho de 2023) – Um especialista da ONU expressou hoje grande preocupação com o provável impacto negativo da tese do “Marco Temporal” que pode ser aplicada pelo Supremo Tribunal Federal do país em sua decisão no caso dos Povos Indígenas Xokleng e do Estado de Santa Catarina. O caso tramita na Justiça desde 2021, a partir de recurso da Fundação Nacional do Índio (Funai). O Relator Especial da ONU sobre os direitos dos Povos Indígenas, José Francisco Calí Tzay, emitiu a seguinte declaração:
“O ‘Marco Temporal’ limita o reconhecimento da terra ancestral dos Povos Indígenas apenas às terras que eles ocupavam no dia da promulgação da constituição, 5 de outubro de 1988. A doutrina do ‘Marco Temporal’ teria sido usada para anular processos administrativos de demarcação de terras indígenas, como no caso da Comunidade Guayaroka, dos Povos Indígenas Guarani Kaiowá. A tese contestada em diversas ocasiões por organismos internacionais, povos indígenas e defensores dos direitos humanos por desrespeitar o direito dos povos indígenas às terras das quais foram violentamente expulsos, particularmente entre 1945 e 1988 – um período de grande turbulência política e violações generalizadas dos direitos humanos no Brasil, incluindo a ditadura.
O julgamento pode determinar o andamento de mais de 300 processos pendentes de demarcação de terras indígenas no país. Apelo ao Supremo Tribunal Federal para que não aplique a referida doutrina no caso e decida em consonância com as normas internacionais existentes de Direitos dos Povos Indígenas.
Estou muito preocupado com a aprovação em 30 de maio pela Câmara dos Deputados do Brasil do Projeto de Lei 490/07 que, se aprovado pelo Senado, aplicaria legalmente a tese do “Marco Temporal”.
Se o ‘Marco Temporal’ for aprovado, todas as terras indígenas, independentemente de sua situação e região, serão avaliadas de acordo com a tese, colocando todas as 1.393 Terras Indígenas sob ameaça direta. É particularmente preocupante que o Projeto de Lei 490/07 indique explicitamente que sua regulamentação seria aplicável a todos esses casos pendentes, agravando a situação ao prolongar ou potencialmente obstruir o processo de demarcação e expor os Povos Indígenas a conflitos, contaminação relacionada à mineração, escalada de violência e ameaças aos seus direitos sociais e culturais.
A adoção do ‘Marco Temporal’ é contrária aos padrões internacionais. Espero que a decisão do Supremo Tribunal Federal esteja em consonância com os padrões internacionais de direitos humanos aplicáveis e que proporcione a maior proteção possível aos Povos Indígenas do Brasil.
A decisão precisa garantir reparações históricas para os Povos Indígenas e evitar a perpetuação de mais injustiças. Peço ao Senado brasileiro que rejeite o projeto de lei pendente.
Exorto o Governo do Brasil a tomar todas as medidas para proteger os Povos Indígenas, suas culturas e tradições, de acordo com a Constituição Federal Brasileira e as obrigações internacionais de direitos humanos.”
05/jun/2023
Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas da Convenção do Clima contempla propostas da delegação brasileira, avançando na superação dos desafios de inclusão.
Andreia Fanzeres/OPAN
Em meio ao cenário a cada ano mais desafiador para reverter o descaminho que afasta a todos da meta mundial de limitar o aquecimento do planeta em 1.5ºC, os povos indígenas foram mais uma vez reconhecidos como lideranças globais para a sonhada transformação que levaria ao alcance das metas do Acordo de Paris, nos discursos de abertura da 9ª reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP, na sigla em inglês), que tradicionalmente abre as atividades da Conferência do Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Técnico (SBSTA) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), em Bonn, na Alemanha.
“O conhecimento indígena é elemento crucial para enfrentar os desafios climáticos e sabemos que tratar a natureza como mercadoria não dá certo. A liderança dos povos indígenas é mais importante do que nunca”, afirmou Simon Stiel, secretário-executivo da UNFCCC.
Falar é fácil e, neste caso, este é o tom que se espera de quem tem o papel de desatar os nós de 197 países para reduzir as emissões drasticamente em menos de sete anos. Ainda assim, em se tratando do ritmo da diplomacia climática, e considerando o penoso percurso dos povos indígenas na construção de mecanismos de participação, o que acaba de acontecer em Bonn entre 31 de maio e 3 de junho de 2023 é um marco, especialmente para a delegação indígena brasileira. Ela não só teceu contribuições técnicas precisas ao trabalho da Plataforma, como as viu refletidas nas decisões e encaminhamentos feitos por esta instância, que é única em toda a estrutura da UNFCCC.
Em Sharm el-Sheikh, no Egito, os indígenas brasileiros reivindicarem melhores condições de transparência e inclusão na Plataforma, sobretudo quanto às dificuldades de tradução durante sua última reunião na COP27, uma vez que o português não é idioma oficial da UNFCCC. Este ano aconteceu algo bem diferente, a começar pela metodologia da própria reunião. Quatro trabalhos em grupo em quatro dias de reunião representaram, na prática, a confirmação de um modelo testado de modo ainda tímido no Egito para ampliar as possibilidades de participação dos observadores, indígenas e não indígenas, nas reuniões da Plataforma. O Brasil constituiu um grupo de falantes da língua portuguesa que, desta maneira, conseguiu aportar contribuições às agendas de adaptação, Balanço Global, às atividades na COP28, em Dubai, e no novo plano de trabalho 2025-2027.
Sob a condução das recém eleitas co-presidentes da Plataforma, Gun-Britt Retter, representante dos povos indígenas do Ártico, e Tiana Carter, que também é indígena e atua em nome do Grupo de Países da Europa Ocidental e Outros (WEOG, na sigla em inglês), a reunião revisou os progressos em cada uma das atividades do plano de ação 2022-2024 da Plataforma, entre eles os que pretendem proporcionar maior engajamento dos povos indígenas e comunidades locais com os processos e instâncias da UNFCCC e também dos demais órgãos vinculados ou não à Convenção com a pauta indígena.
Harry Vreuls, presidente do SBSTA, disse que ficou impressionado com as contribuições dos povos indígenas para o tema de adaptação durante o 5º Workshop sobre Adaptação do Programa de Trabalho da Meta Global de Adaptação (GGA, na sigla em inglês), realizado em março deste ano, em que foram apresentadas iniciativas ligadas ao reconhecimento constitucional dos direitos da natureza no Equador, o processo de restauração das zonas costeiras nas Ilhas Maldivas e a implementação do manejo de fogo por indígenas na Austrália. “Vocês são líderes nas suas regiões e quem realmente move as políticas climáticas para frente com suas experiências e conhecimento”, afirmou. Ele assegurou que os povos indígenas podem contar com seu comprometimento no apoio à Plataforma e aos alcances de seus propósitos.
Em Bonn, a delegação indígena brasileira contou brevemente sobre o processo de fortalecimento da agenda de adaptação a partir do exemplo do Conselho Indígena de Roraima (CIR) na elaboração dos primeiros Planos de Enfrentamento Indígenas de Mudanças Climáticas, em 2014, que influenciaram o Plano Nacional de Adaptação. E citou o caso das comunidades Manchineri e Jaminawa, da Terra Indígena Mamoadate, Riozinho do Yaco, quanto à perda de sementes de milho, arroz, batata e mandioca, além de peixes no alto curso dos rios, obrigando as comunidades a se adaptarem a outro tipo de alimentação (não tradicional).
No reporte de contribuições sobre o Balanço Global, a demarcação das terras indígenas e a valorização de todos os biomas e povos do país foram ressaltados pelo grupo como parte das medidas necessárias para que o Brasil, enquanto sétimo emissor global de emissões, cumpra sua meta climática. E, como ilustrado através de slides na reunião, não conseguirá honrá-la caso o PL 490 e a tese do marco temporal sejam aprovados.
Revisão da Plataforma em 2024

A Plataforma, criada pelo Acordo de Paris em 2015 e implementada a partir da instituição de um Grupo de Trabalho Facilitador em 2018, em Katowice, na COP24, é um órgão UNFCCC que tem em sua composição sete cadeiras para membros indígenas e sete para as Partes da Convenção, ou seja, os Estados. Há, ainda, mais três para comunidades locais, porém, até hoje estão vagas. Ela será revisada na COP29, em 2024. Por isso, desde já a UNFCCC abriu chamada para avaliação de seus trabalhos, com foco principal nos resultados alcançados e na representação de comunidades locais, assuntos que já demonstraram ser bastante delicados.
A partir de falas fortes, tanto por parte dos membros, como dos observadores, ficou clara a necessidade de que a Plataforma ganhe mais importância dentro do processo de negociação e que sejam instituídos mecanismos de monitoramento das decisões que saem da Plataforma para as demais instâncias da UNFCCC, como sugeriu Kimaren Ole Riamit, da organização Indigenous Livelihoods Enhancement Partners (ILEPA), do Quênia. “A Plataforma não foi criada para ser um corpo desconectado do sistema. Isso é preocupante. Temos que dar vida ao trabalho da Plataforma porque não é suficiente participar, mas influenciar as decisões”, propôs.
“As pessoas comentam que a Plataforma tem pouca relevância, mas ela é uma conquista dos povos indígenas depois de muitos anos de luta e tem um papel muito importante de ser um espaço seguro para discussão e encaminhamento de decisões para o processo de negociação climática através do SBSTA”, avaliou Sineia Wapichana, do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e coordenadora do Comitê Indígena de Mudança Climática do Brasil (CIMC).
A adoção de metodologias culturalmente adequadas aos povos indígenas considerando a diversidade de línguas e níveis de envolvimento com os processos da UNFCCC pela Plataforma em seu próximo ciclo de atividades foi uma contribuição do Brasil contemplada no rascunho do documento final da reunião. Outra questão crucial se refere ao encontro anual de detentores de conhecimentos tradicionais e aos encontros regionais, que deveriam melhorar o engajamento das comunidades e aprimorar seus mecanismos de transparência, inclusão e apoio nas várias regiões socioculturais existentes. Este também foi um ponto que passou, agora, a ser tratado como decisão desta instância.
Uma plataforma nacional
Conforme ressaltou Lapka Nuri Sherpa, ponto focal para a Ásia do Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas, conhecido como Caucus Indígena, o que se viu na COP27 foi a maior representação de povos indígenas entre todos os eventos da UNFCCC e isso é fruto de um processo de conquistas. “Ao mesmo tempo em que precisamos celebrar esses avanços no nível internacional, com uma maior visibilidade para temas importantes como perdas e danos, soluções oriundas dos conhecimentos indígenas e uma abordagem baseada em direitos, sabemos que nosso desafio é levar esta Plataforma para os territórios, por isso enfatizo o trabalho de cada um, no nível nacional e local também”, disse Sherpa.
No Brasil, a criação de uma plataforma nacional é um objetivo a cada dia mais próximo, na medida em que abrem-se condições para a organização dos povos indígenas entorno da pauta climática por meio do recentemente relançado Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC) e da Câmara Técnica de Mudanças Climáticas do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas (PNGATI). “Temos muitas experiências no Brasil que podem contribuir com as discussões. Precisamos comunicá-las e vamos tentar trabalhar criando a nossa plataforma”, avalia Toya Manchineri, coordenador geral da Coiab.
Conforme Patrícia Zuppi, secretária-adjunta da Rede de Cooperação Amazônica (RCA), os avanços vistos na Plataforma em relação à incidência indígena brasileira neste espaço de atuação técnica na pauta de clima são resultados de um trabalho de vários anos. “Os esforços que agora ampliam possibilidades de incidência dos indígenas do Brasil incluem capacitações semestrais para atuação na Plataforma, a organização de equipamentos e intérpretes para a língua portuguesa, as articulações com o secretariado da UNFCCC e com o Caucus Indígena para incidir sobre mudanças nas dinâmicas de participação e na disponibilização de documentos em português”, elenca. “Foi muito importante fazer um alinhamento anterior. Viemos mais preparados. E desta vez pudemos nos comunicar em português”, ressalta Manchineri.
A delegação indígena do Brasil em Bonn é composta por Sineia Wapichana, do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e coordenadora do Comitê Indígena de Mudança Climática do Brasil (CIMC), Toya Manchineri, coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Cassimiro Tapeba, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) representando a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e membro do CIMC, Ianukula Kaiabi Suia, presidente da Associação dos Povos Indígenas do Xingu (ATIX), Eliane Xunakalo, presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), Eliel Rondon (Fepoimt), Kaianako Kamaiura (Coiab) e Dineva Maria Kayabi (Coiab e Rede Juruena Vivo) e tem apoio da Rede de Cooperação Amazônica (RCA), Operação Amazônia Nativa (OPAN) e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
10/abr/2023
“O Direito e as ameaças aos povos indígenas no começo do século 21” é o tema do primeiro encontro de uma série de quatro debates jurídicos sobre o Marco Temporal
O chamado “marco temporal” é uma tese jurídica que limita o direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais por meio da aplicação de um corte temporal restritivo. Segundo a tese, os povos indígenas só teriam direito às terras ocupadas por eles até a data da promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988. Na ausência de ocupação efetiva, seria necessário provar a existência de um conflito instaurado pela terra naquela mesma data. Essa tese redefine radicalmente o conceito de direito originário à terra consagrado na Constituição Federal, reduzindo e mesmo inviabilizando o reconhecimento e a proteção de grande parte das terras indígenas (TIs) no Brasil.
O marco temporal é uma das ameaças mais graves e estruturais aos direitos indígenas, à biodiversidade e ao equilíbrio climático na atualidade. Por isso, nesta sexta, 14/04, a partir das 13h, a Apib em parceria com o curso de direito da Fundação Getúlio Vargas e a Fundação Arns, realiza um ciclo de debates jurídicos dividido em quatro etapas que acontecerá presencialmente na faculdade em São Paulo e online, pela nossa página no YouTube. Os quatro encontros irão tratar da relação entre o marco temporal, os direitos e formas de vida indígenas, o equilíbrio climático e a biodiversidade.
Ao longo dos últimos 15 anos, o Marco Temporal tem sido central no cerceamento dos direitos indígenas, sendo usado para justificar despejos de comunidades e a suspensão da demarcação de TIs pelo governo federal e pelo Poder Judiciário. Esses processos têm deixado povos indígenas em situações de violência, ameaças, invasões territoriais e vulnerabilidade social e cultural constantes. O marco temporal tem contribuído também para o enfraquecimento da proteção das terras indígenas, e, em decorrência disso, para o desmatamento, a degradação ambiental, e a emissão de gases de efeito estufa oriundos de mudanças no uso da terra.
Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) assumiu a urgente tarefa de realizar o controle de constitucionalidade do marco temporal ao iniciar o julgamento do RE 1017365 – conhecido como “Caso Xokleng” -, uma ação na qual o Estado de Santa Catarina se apoia no marco temporal para restringir os direitos territoriais do povo Xokleng. Como o STF reconheceu repercussão geral ao julgamento, as centenas de ações judiciais versando sobre o marco temporal que hoje aguardam julgamento serão afetadas pelo seu desfecho.
O debate sobre o marco temporal é, por todas essas razões, pauta prioritária do movimento indígena, e precisa estar também no centro do debate público sobre direitos humanos, meio ambiente e equilíbrio climático. É neste contexto que a FGV Direito SP, em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Comissão Arns e o Instituto Clima e Sociedade (ICS), realiza o ciclo de debates, com o objetivo de, a partir da interlocução com organizações indígenas e com a comunidade científica, promover uma discussão pública multifacetada sobre o tema e produzir insumos para o julgamento do Caso Xokleng no STF, no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade do marco temporal.
Programação:
Abertura do Ciclo de debates sobre marco temporal
Carlos Nobre, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) – A confirmar
Eloy Terena, Secretário Executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI)
Kenarik Boujikian, Desembargadora aposentada TJSP e Cofundadora Associação Juízes para a Democracia
Manuela Carneiro da Cunha, Universidade de Chicago/Universidade de São Paulo/Comissão Arns
Oscar Vilhena, professor da FGV Direito SP
Serviço:
Data: 14/04
Horário: 13h – 16h
Local: FGV Direito SP e YouTube
30/mar/2023
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), a Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR), o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos (FADDH), o Instituto Hori Educação e Cultura, a Justiça Global e a Terra de Direitos enviaram um relatório à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para esclarecer a situação de violência constante a que o povo Pataxó têm sido submetido, no extremo sul da Bahia. A CIDH recebeu o documento na sexta-feira, 24/03.
O relatório do governo enviado à Comissão afirma que “o Estado tem buscado pacificar os conflitos narrados na área em questão, investigar os crimes ocorridos e, em sede judicial, tem assegurado os direitos dos indígenas”. Porém, até o momento os esforços para conter as investidas dos fazendeiros e milicianos contra a vida dos povos indígenas da região se mostraram ineficazes. E a íntima relação de policiais da Bahia com os fazendeiros têm tornado as instituições de segurança inacessíveis e ameaçadoras para os indígenas.
Em diversas oportunidades, os caciques e lideranças Pataxó têm reiteradamente solicitado o envio urgente da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) à região, inclusive em reuniões do Gabinete de Crise do Ministério dos Povos Indígenas, na crença de que ampliar a força-tarefa diminuirá a ousadia dos fazendeiros.
Insegurança e Estado de guerra
O Estado brasileiro conduziu uma Força Tarefa, no âmbito do Sistema Estadual de Segurança Pública, para intensificar o policiamento feito pela Polícia Militar da Bahia, concluir as investigações e ações de polícia judiciária no âmbito da polícia civil da Bahia (PCBA) e do departamento de polícia técnico (DPT), assim como a fomentação da atuação interinstitucional. A medida foi tomada apenas depois que o jovem Gustavo Pataxó foi assassinado pela milícia, em 4 de setembro de 2022. Mesmo assim, em janeiro de 2023, outros dois indígenas foram assassinados às margens da BR 101.
A Força Tarefa culminou com a prisão de três policiais militares da Companhia Independente de Policiamento Especializado da Mata Atlântica (CIPE – MA / CAEMA), no dia 06 de outubro de 2022. Em janeiro, houve grande apreensão de armas e munições, reforço da Força Tarefa e o soldado autor dos últimos dois assassinatos foi preso temporariamente. Também houve a instauração de uma Força Integrada de Combate a Crimes Comuns envolvendo Povos e Comunidades tradicionais (FI/SSP) e a apresentação de um Plano de Atuação Integrada de Enfrentamento à Violência contra Povos e Comunidades Tradicionais.
Mesmo assim, a Federação Indígena das nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (FINPAT), relata que as comunidades Pataxó tem enfrentado a impossibilidade de realizar denúncias oficiais, por meio de boletins de ocorrência, devido à insegurança em relação às forças de segurança pública.
Como afirma o relatório da Apib, “isso se deu justamente devido à insegurança das comunidades em relação às forças locais, devido à participação de policiais militares em grupos milicianos que, contratados por fazendeiros, atacam as comunidades, o que acaba por comprometer a lisura da Polícia Militar enquanto instituição de segurança, uma vez que muitos policiais que estão agindo à margem da Lei, usando o aparato do Estado, treinamento militar, equipamentos, estrutura e inteligência, para cometer crimes e atentados contra a vida de dezenas de pessoas indígenas vulneráveis, sem condições de defesa.”
Ataque midiático
A mídia protagoniza a guerra contra os indígenas, realizando uma ofensiva contra as comunidades Pataxó, num movimento de propaganda anti-indígena. O povo tem sido alvo de uma série de reportagens em grandes meios de comunicação que questionam a legitimidade da demarcação de seus territórios e, inclusive, a identidade indígena das comunidades envolvidas.
A emissora Jovem Pan News é responsável por circular uma notícia criminosa, no dia 21/03, que, além de trazer uma série de informações falsas, tenta deslegitimar os indígenas em luta pela demarcação de suas terras.
A notícia falsa associa as retomadas das Terras Indígenas de Barra Velha e Comexatibá ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, chama o povo Pataxó de “falsos índios” e atribui a eles crimes praticados pela milícia armada, contratada pelos fazendeiros intrusos, que têm aterrorizado a população da região. Nenhuma liderança indígena foi entrevistada pela reportagem, o que só reforça o caráter racista e calunioso da notícia.
No início de março, a emissora Band também prestou o desserviço de publicar uma matéria difamatória e racista contra o povo Pataxó. Essas e outras empresas de comunicação têm promovido uma campanha midiática contra as autodemarcações na região, que se propagam ainda mais através das redes sociais. As notícias não esclarecem os motivos reais dos conflitos e não apuram responsáveis, atribuindo supostos crimes à luta dos indígenas, ao mesmo tempo em que não reconhecem a legitimidade do povo sobre seu território.
Justiça
O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski suspendeu uma decisão da Justiça de Teixeira de Freitas a favor da reintegração de posse nas retomadas de duas áreas na região, na sexta-feira, 24/03. O ministro considerou o despejo uma ofensa à decisão anterior do STF, do ministro Edson Fachin, que em 2021 suspendeu todos os processos que tratem de demarcações de áreas indígenas até o fim da pandemia de covid-19 ou do julgamento final do caso.
Os territórios de Barra Velha e Comexatibá estão delimitados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), aguardando a assinatura do presidente da república na carta declaratória, para homologação dos documentos.
A Fazenda Marie, em Itamaraju, e a Fazenda Santa Rita III, em Prado são reivindicadas como parte das Terras Indígenas e serão mantidas sob a posse do povo Pataxó. A defensoria também apresentou uma Reclamação Constitucional para impedir a retirada dos indígenas de um terceiro imóvel, a Fazenda Therezinha. A área integra a Terra Indígena Comexatibá, em Prado, mesmo local onde o jovem indígena Gustavo Pataxó, de 14 anos, foi assassinado no final do ano passado. Ainda não há resultado sobre o último pedido de suspensão de desocupação.
O Ministério dos Povos Indígenas, apesar de vigilante, ainda não apresentou propostas efetivas para a situação. O gabinete de crise que atua desde janeiro em Brasília, foi prorrogado por 45 dias, mas surtiu poucos efeitos reais sobre a violência. A chegada da comitiva ministerial ao estado é inadiável. A vida de 12 mil indígenas Pataxó não pode mais esperar a discussão de soluções dos conflitos que assolam o território. O único caminho é a demarcação das Terras Indígenas Pataxó e a prisão dos fazendeiros e milicianos criminosos.
28/mar/2023
A decisão da Justiça de Teixeira de Freitas a favor da reintegração de posse nas retomadas de dois territórios no extremo sul baiano, foi suspensa pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. O ministro considerou o despejo uma ofensa à decisão anterior do STF, do ministro Edson Fachin, que em 2021 suspendeu todos os processos que tratem de demarcações de áreas indígenas até o fim da pandemia de covid-19 ou do julgamento final do caso.
A Fazenda Marie, em Itamaraju, e a Fazenda Santa Rita III, em Prado são reivindicadas como parte da Terras Indígenas (TI) Barra Velha e Comexatibá, e serão mantidas sob a posse do povo Pataxó. Lewandowski acatou, nesta sexta-feira, 24/03, as reclamações apresentadas pela Defensoria Pública da União (DPU) contra decisões da Vara Federal em Teixeira de Freitas que determinou a retirada do povo das comunidades em Barra Velha do Monte Pascoal e Nova Alegria.
A defensoria também apresentou uma Reclamação Constitucional para impedir a retirada dos indígenas de um terceiro imóvel, a Fazenda Therezinha. A área integra a Terra Indígena Comexatibá, em Prado, mesmo local onde o jovem indígena Gustavo Pataxó, de 14 anos, foi assassinado no final do ano passado. Ainda não há resultado sobre o último pedido de suspensão de desocupação.
Os territórios de Barra Velha e Comexatibá estão delimitados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), aguardando a assinatura do presidente da república na carta declaratória, para homologação dos documentos.
Com as políticas anti-indígenas do governo anterior, as demarcações foram paralisadas e os conflitos se intensificaram após os indígenas avançarem com as autodemarcações. Desde junho de 2022, os fazendeiros reagem violentamente às retomadas, bancando a atuação de uma milícia armada, vinculada à polícia militar, que aterroriza os moradores da região.
O governo no Estado da Bahia criou, em janeiro, uma Força Integrada (FI) composta por policiais Militares, Civis, além do Corpo de Bombeiros e Polícia Federal para conter a violência dos conflitos, que já deixaram três indígenas mortos. No entanto, as comunidades denunciam a relação próxima entre a FI e os fazendeiros invasores.
Já o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) criou um gabinete de crise para acompanhar a situação e planeja ir até a região em breve.
27/mar/2023
Funcionários da petroleira vão à aldeia Manga dois anos após assumir projeto na Foz do Amazonas
“As palavras se vão. Nós, indígenas, aprendemos isso a duras penas. Temos que documentar.” Com essa frase Priscila Karipuna repetiu a solicitação para que a Petrobras se comprometesse a seguir o Protocolo de Consulta Prévia dos Povos Indígenas do Oiapoque, documento que informa ao governo e empresas como devem incluir os povos em decisões administrativas e legislativas que afetarão suas vidas e seus direitos. O pedido, algumas vezes ignorado pela equipe de 13 pessoas da Petrobras, foi feito em reunião do Conselho de Cacique dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO) na aldeia Manga, na Terra Indígena Uaçá, no dia 13 de fevereiro. Ao fim do encontro ficou acordado com o cacique Edmilson Oliveira, do povo Karipuna, que o CCPIO criará um grupo de trabalho com representantes indígenas, da Petrobras, para acompanhamento das atividades na Foz do Amazonas.

Petrobras quer explorar petróleo na foz do Rio Amazonas
“As contrapartidas são um leque de opções. Vamos ouvir vocês e construir juntos com seus anseios e queremos saber os seus receios. A mão de obra hoje é muito pequena, a Petrobras não tem escritório em Oiapoque. No aeroporto empregamos 20 pessoas, três delas são indígenas. Sempre que possível vamos buscar absorver mão de obra indígena. Indiquem quem vocês querem que seja o elo de contato, que estamos dispostos a criar um comitê”, disse uma funcionária da Petrobras.
Estavam presentes 36 cacicas e caciques dos povos Karipuna, Palikur-Arukwayene, Galibi Marworno e Galibi Kali’na, além de integrantes das aldeias, das organizações indígenas, a secretária extraordinária de povos indígenas do Estado do Amapá, Simone Karipuna, representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e as organizações da sociedade civil Iepé (Instituto de Pesquisa e Formação Indígena) e WWF-Brasil.
Solicitada por ofício do CCPIO à Petrobras, a reunião foi a primeira oportunidade dos povos dialogarem com a petroleira sobre as movimentações já iniciadas em Oiapoque para o processo de licenciamento ambiental para exploração do bloco FZM-59 na bacia da Foz do Amazonas, a 178 km da cidade no extremo norte do Brasil.

Na primeira reunião participaram 36 cacicas e caciques dos povos Karipuna, Palikur-Arukwayene, Galibi Marworno e Galibi Kali’na
As colaboradoras e colaboradores da Petrobras informaram que cinco embarcações, equipes treinadas e helicópteros estão na região, à espera da liberação da licença ambiental para exploração do bloco. Segundo o CCPIO apurou, os equipamentos e maquinários estão aguardando a licença desde novembro, pois a expectativa era de que a exploração começasse ainda em 2022.
A reunião durou todo o dia. Na parte da manhã, as pessoas presentes se identificaram e a Petrobras fez uma apresentação para mostrar como será feita a atividade de exploração caso a licença ambiental seja concedida pelo Ibama e demonstraram plena confiança sobre as medidas de resposta previstas em caso de acidentes. Além disso, a empresa reforçou que a atividade atual na Foz do Amazonas é temporária e para verificar se há presença de petróleo na localidade (prospecção). Caso seja encontrado, começa a nova fase de licenciamento ambiental para a produção de petróleo, que então será uma atividade permanente, com a construção de um poço de petróleo em alto mar.
Na parte da tarde da reunião, diversos indígenas presentes colocaram suas preocupações com a movimentação na cidade de 28 mil habitantes (IBGE, estimativa 2021), da qual um terço é indígena. A cidade tem três terras indígenas, com algumas aldeias que ficam nas margens da BR 156 AP Norte, que liga a capital amapaense a Oiapoque. O trecho final da rodovia atravessa por cerca de 40 quilômetros a TI Uaçá. Já as outras aldeias se localizam às margens do rio Oiapoque, rio Uaçá. Esse território, que sofre grande influência das marés, é muito sensível e tem enorme importância sob a ótica da biodiversidade, além dos modos de vida local.
A presença da empresa na região já começou a afetar a vida dos povos indígenas, pois foi a movimentação provocada pelo uso do aeroporto de Oiapoque que levou à mudança do lixão de lugar. O Cacique Edmilson destacou a insatisfação com a mudança.

A movimentação no aeroporto já causou impactos nas comunidades, antes mesmo de começar a pesquisa sobre a viabilidade da exploração
“Já estamos sofrendo impacto com a mudança do lixão da cidade para o quilômetro 21 da BR, na terra indígena. [Hoje, o lixão] está na rota dos aviões, agora vai ficar na aldeia, perto dos igarapés do rio Curupi. É nosso berçário de peixes que sobem no verão para desova. É um impacto que já vamos sofrer”, alertou.
Para a Secretária Extraordinária dos Povos Indígenas do Amapá, Simone Karipuna, a questão do lixão é consequência do contexto das atividades da Petrobras. Simone fez inúmeros questionamentos. “Quais as contrapartidas vocês trariam aos povos? Os projetos teriam de envolver a população local, capacitar indígenas para trabalhar na Petrobras. Vocês já têm planos de recuperação de danos ambientais? O espaço aéreo sobre os territórios já está sendo afetado. Vocês vão entrar nos territórios?”
Para Hiandra Pedroso, a assessora jurídica da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e do Norte do Pará (APOIANP) já há impactos relacionados à Petrobras. “Com a questão do lixão houve uma aceleração, expectativas têm sido geradas. É só ir à cidade e conversar com as pessoas. A Petrobras tem responsabilidade nesses fatos pelo nexo de casualidade, tem responsabilidade factual”, afirmou a advogada.
O Cacique Odimar fez mais ressalvas sobre a questão do lixo e cobrou a empresa. “A história do lixão começou com 500 metros de distância da aldeia Tuluhi. Sabemos todos os igarapés e espaços das nossas terras indígenas e a nossa preocupação é que o lixão afete nossas águas. Disseram que não vai atingir nada. Mas vai atingir com certeza. Vocês [Petrobras] fazem um estudo agora, mas no futuro sabemos que vai nos atingir. Tem casas e umas 100 pessoas que moram ali perto de onde será o lixão.”
Insegurança ambiental na exploração de petróleo

Povos indígenas cobram projeto para minimizar o impacto ambiental sobre seus territórios e modos de vida
A licença ambiental do bloco FZA-M-59 ainda não foi concedida porque o Ibama e Ministério Público Federal no Amapá e no Pará entendem que faltam elementos que garantam um plano de emergência eficiente para o caso de um derramamento de óleo (que pode causar danos transfronteiriços, chegando por exemplo à Guiana Francesa, além de impactar estados brasileiros como Amapá, Maranhão, Pará). Em 2018, o mesmo problema levou o Ibama a negar licença para empreendimentos nessa região, que teve blocos arrematados em leilão pela Petrobras, a empresa francesa Total e a britânica BP. Em 2021, a Petrobras assumiu o bloco, após a saída das duas parceiras.
O Ministério Público Federal, Ibama e pesquisadores vêm apontando há mais de um ano que a modelagem da exploração do FZA-M-59, que simula a dispersão do óleo em caso de acidentes não garante segurança ao processo. O conhecimento tradicional dos povos indígenas sobre a dinâmica das marés no litoral do Amapá também contrapõe os resultados científicos.
Outra condicionante à liberação, cobrada pelo MPF, é a obrigatoriedade da consulta livre, prévia e informada aos povos locais sobre a forma como os seus modos de vida seriam impactados. Portanto, a petroleira brasileira quer fazer a exploração, mas não conseguiu ainda comprovar que a operação seja segura.
Conheça os receios dos indígenas e as respostas da Petrobras

Empresa defende que trará impactos positivos às vidas indígenas, porém o território sofre mudanças negativas antes mesmo do projeto começar
Na reunião, todos puderam fazer seus questionamentos à equipe da Petrobras. Uma colaboradora da Petrobras garantiu que todas as perguntas feitas pelos indígenas seriam respondidas e sugeriu que a comunidade escolhesse as pessoas que seriam o ponto focal para a empresa manter o diálogo. “A voz dos povos indígenas vai ser ouvida dentro da Petrobras. Minha sugestão é que o ponto focal seja o cacique Edmilson e a Sonia [secretária de estado].” Por ser uma fase ainda de investigação, as colaboradoras da companhia informaram que querem ouvir os povos para saber “qual impacto positivo podemos trazer, para trazer desenvolvimento local”.
Porém, na primeira questão que aparece, sobre o lixo e o uso do aeroporto, a Petrobras não se responsabilizou. Uma das funcionárias disse que “a Petrobras não pode falar pela prefeitura [de Oiapoque, responsável pela administração do aeroporto]. Fazemos a reparação de evento adicional se for decorrente da nossa atividade. [Em caso de algum incidente] a indenização ou compensação seguirá os ritos para entender o que houve. Os impactos esperados serão bem localizados na [região do bloco] FZA-M- 59, e não afetam a atividade pesqueira.”
A discussão, no entanto, é muito anterior a isso. A preocupação dos indígenas diz respeito aos impactos ambientais, sobre suas vidas e territórios, como alertou Ramon Karipuna, representante dos Povos Indígenas do Oiapoque pela Prefeitura Municipal de Oiapoque.
“Se tiver um acidente [na atividade de exploração de petróleo], vamos perder nossos peixes, tracajás e pássaros. A gente se preocupa com essas aeronaves. Nós preservamos o nosso território.”

Até o momento, não estão claras as mudanças que tal empreendimento poderá trazer para a região
Até o momento, não estão claras as mudanças que tal empreendimento poderá trazer para a região. É o que questiona o Cacique Jacson. “Se a corrente marinha faz o que tá perto chegar a Oiapoque, quais serão os impactos ambientais aos mangues, matas ciliares? Queríamos ver isso em estudo, mostrando isso. É a nossa preocupação.” Já o Cacique Nazildo, levanta a amplitude dos impactos. “Vemos que os trabalhos já iniciaram. Se houver um acidente que chegue a uma terra indígena, vai afetar as três terras indígenas”, ressalva.
Outro impacto informado pelos caciques foi sobre a perda dos alimentos cotidianos dos povos. “Com a passagem dos helicópteros hoje nossas caças fogem e já sentimos essa dificuldade de achar alimento que antes eram comuns.
Queremos que sigam o nosso protocolo de consulta prévia porque nós, povos indígenas trabalhamos na coletividade. Nossas decisões são de todos. Vamos avaliar, cada povo, como queremos que seja. E queria pedir que tenha uma identificação nos helicópteros para saber se é da Funai, da polícia, da Petrobras”, protestou o Cacique Edmilson.
22/mar/2023
Um juiz substituto da Vara de Relações de Consumo, Cíveis e Comerciais da Comarca de Prado emitiu uma decisão completamente arbitrária a favor do despejo da Comunidade Indígena Pataxó Quero Vê, localizada na Terra Indígena Barra Velha, distrito de Corumbau, no extremo sul da Bahia. A área foi retomada em 8 de janeiro de 2021 e faz parte da Terra Indígena já delimitada pela Funai. Diversas fazendas estão sobrepostas ao território, explorando a terra com monocultivo de café, pimenta e eucalipto.
A decisão do juiz ignora os artigos 231 e 232 da Constituição Federal e a jurisprudência vigente no Supremo Tribunal Federal, em favor do direito originário indígena. O fazendeiro favorecido é um conhecido produtor de café conilon, do município de Itamaraju.
Segundo Putumuju Pataxó, liderança da aldeia Quero Vê, essas ameaças ocorrem desde 1970, pois a área onde estão “é a área mais cobiçada e mais cara” da região. “Nós estamos no miolo de Corumbau. Os caras [os empresários] aqui são muito poderosos em questão de dinheiro, por isso que eles querem matar a gente”, denuncia Putumuju.
O Conselho Indigenista Missionário, a Defensoria Pública da União em parceria com o jurídico da Apib entraram com uma “Reclamação Constitucional”, na qual procura-se “sustar os efeitos das decisões reclamadas, bem como de pronto determinar a suspensão do processo nº 1002677-04.2022.4.01.3313, sob risco de grave lesão a direitos e risco de irreversibilidade da decisão reclamada”.
No dia 27 de dezembro de 2022 a mesma comunidade foi invadida por um grupo de homens armados, que apesar de se identificarem como policiais, estavam encapuzados e sem nenhuma documentação. Membros da comunidade relataram ameaças de expulsão e atos de violência física e psicológica por parte pistoleiros a mando de empresários locais.
A atuação da milícia armada, bancada por fazendeiros locais tem sido denunciada aos órgãos competentes e à mídia há meses. No entanto, uma campanha racista da imprensa local tenta desacreditar o direito indígena às suas terras. A Apib reitera a urgência da intervenção do Estado para agilizar o processo de demarcação e criar saídas para solucionar os conflitos que ameaçam toda a população da região.
22/mar/2023
A Jovem Pan News circulou nesta terça-feira, 21/03, uma notícia criminosa, que além de trazer uma série de informações falsas, tenta deslegitimar os indígenas em luta pela demarcação de suas terras. A notícia falsa associa as retomadas das Terras Indígenas (TIs) de Barra Velha e Comexatibá ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, chama o povo Pataxó de “falsos índios” e atribui a eles crimes praticados pela milícia armada, contratada pelos fazendeiros intrusos, que têm aterrorizado a população da região. Nenhuma liderança indígena foi entrevistada pela reportagem, o que só reforça o caráter racista e calunioso da notícia.
O mapa apresentado na matéria é falso, assim como o número de 40 retomadas apresentado. Quem anda no território encapuzado, de preto, com armas de alto calibre é a milícia, não os indígenas ou os sem-terra. Já o senhor entrevistado, que afirma ser pai de um garoto assassinado, cita a fazenda Brasília, local exato onde a milícia tem usado de base para se esconder e promover seus ataques.
Os territórios em questão já foram delimitados pela Funai e aguardam o andamento do processo de demarcação. Porém, desde que os indígenas iniciaram as retomadas, em junho de 2022, os conflitos acirraram, chegando a matar três indígenas e deixar as comunidades mais próximas à BR 101, na altura do município de Itamaraju, isoladas pelos milicianos. A população local realizou inúmeras denúncias sobre a ligação da pistolagem com policiais militares. E a força-tarefa enviada pelo governo do Estado para garantir a segurança dos moradores das comunidades resultou em mais perseguição contra os indígenas, enquanto a relação com os fazendeiros é de diálogo prioritário.
Recentemente, no dia 07 de março, a emissora Band também publicou uma matéria difamatória e racista contra o povo Pataxó. Algumas empresas de comunicação têm promovido uma campanha midiática contra as autodemarcações na região. Não esclarecem os motivos reais dos conflitos e não apuram responsáveis, atribuindo supostos crimes à luta dos indígenas, ao mesmo tempo que não reconhecem a legitimidade do povo sobre seu território. Ou seja, estão realizando um desserviço à sociedade baiana e brasileira, com a prática de um jornalismo antiético e mal-feito, que mais confunde do que informa. Queremos saber quem está pagando pela criação e circulação destas notícias falsas.
As Terras Indígenas na região do extremo sul baiano são alvo da cobiça de empresas produtoras de celulose, como a Suzano, que lucram com a vasta invasão da monocultura do eucalipto, dos fazendeiros de café e pimenta, além da especulação imobiliária e turística nas proximidades do litoral.
Exigimos que a Jovem Pan News faça uma retratação pública e permita o devido direito de resposta aos indígenas.