A DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS INDÍGENAS E A VIOLÊNCIA INSTITUCIONALIZADA
Esta Nota Técnica tem por objetivo analisar as PECs de n° 48/2023 (marco temporal de ocupação das terras indígenas), 59/2023 (transferência da competência para demarcação ao Congresso Nacional), 132/2015 (indenização de possuidores de títulos dominiais em áreas declaradas e homologadas como terras indígenas apartir de 5 de outubro de 2013) e 10/2024 (exploração econômica das terras indígenas), que ameaçam desconstituir direitos fundamentais dos povos indígenas assegurados pela Constituição Federal de 1988. As proposições aqui discutidas revelam um movimento de retrocesso institucional que visa alterar a ordem constitucional vigente, fragilizando garantias históricas, bem como direitos originários.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), organização que representa os povos indígenas a nível nacional, formada por organizações indígenas de base de distintas regiões do país, por intermédio de sua assessoria jurídica, vem apresentar Nota Técnica sobre o PL 1331/2022 e o PL nº 6050/2023, bem como suas implicações para os direitos dos povos indígenas do Brasil.
Por Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Apib pela Apoinme, e Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Apib pela Coiab*.
O relatório de Violências contra os Povos Indígenas, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), registrou 211 assassinatos em 2024, evidenciando uma escalada da brutalidade nos territórios. Mas a violência contra os indígenas não ocorre apenas nas aldeias, pelas mãos de garimpeiros e grileiros. O principal agente dos ataques aos direitos indígenas está na capital do país.
O avanço da violência nos territórios é resultado da violência institucionalizada. Em 2023, parlamentares aprovaram a lei 14.701, nomeada pelo movimento indígena como Lei do Genocídio Indígena. A norma altera o artigo 231 da Constituição Federal e fixa a tese do marco temporal, limitando a demarcação de terras indígenas àquelas ocupadas em 5 de outubro de 1988. A tese ignora as violências históricas e perseguições enfrentadas pelos povos indígenas, especialmente durante a ditadura militar, que impediram a permanência em seus territórios na década de 1980.
A aprovação da lei representou uma disputa direta com o Supremo Tribunal Federal (STF), que no mesmo ano, por 9 votos a 2, declarou a tese inconstitucional.
A lei 14.701/23 representa o genocídio dos povos originários, verdadeiros guardiões dos biomas brasileiros. A legislação impacta todas as terras indígenas, independentemente de sua situação jurídica, e incentiva a violência. Nos últimos meses, ocorreram diversos ataques contra os guarani kaiowá (MS), avá-guarani (PR) e pataxó hã-hã-hãe e pataxó (BA), resultando no assassinato da liderança Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe e em feridos.
Essa brutalidade afeta diretamente os modos de vida, a educação, a cultura e a saúde mental dos povos, que convivem diariamente com o medo, além de comprometer a preservação ambiental e agravar a crise climática.
Hoje, o Congresso Nacional abriga mais de 20 propostas que prejudicam os povos indígenas e o meio ambiente, segundo levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). O que ocorreu com a lei 14.701 pode se repetir com o chamado PL da Devastação, que abre caminho para grandes empreendimentos em terras indígenas e reduz a zona de impacto ambiental, mesmo em áreas já homologadas.
Mais do que nunca, em ano de COP30, o Congresso deve cumprir seu papel constitucional e entender que a demarcação e proteção dos territórios indígenas são essenciais no combate às mudanças climáticas globais.
A Apib reivindica a revogação da lei 14.701/23 por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.582 e exige que o Estado brasileiro inclua a demarcação, regularização e proteção dos territórios indígenas como política de mitigação climática nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC).
A resposta para a crise climática são os povos indígenas!
*Publicado originalmente na coluna “Tendências/Debates” no Jornal Folha de S.Paulo. Link: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2025/08/congresso-nacional-e-inimigo-dos-povos-indigenas-e-do-meio-ambiente.shtml.
O documento reivindica o reconhecimento específico da demarcação, regularização e proteção dos territórios indígenas como política de mitigação climática
Nesta segunda-feira, 4 de agosto de 2025, durante a IV Marcha das Mulheres Indígenas e primeira Conferência Nacional das Mulheres Indígenas em Brasília (DF), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou oficialmente a NDC dos Povos Indígenas do Brasil. Elaborado por lideranças indígenas da Articulação, em conjunto com suas organizações regionais de base, o documento apresenta as demandas coletivas dos povos originários para as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) brasileiras, no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC).
Com o lema “Nossos Territórios são a Resposta à Crise Climática”, a NDC Indígena pleiteia o reconhecimento específico na NDC brasileira e no Plano Clima Nacional, da demarcação, regularização e proteção dos territórios indígenas como política de mitigação climática, com metas específicas, quantificáveis e monitoráveis. Além disso, a Apib exige que todos os territórios indígenas que possuam Portaria Declaratória sejam homologados no prazo de até 5 anos, com incorporação dessa meta no Plano Clima Nacional.
A Marcha das Mulheres Indígenas é organizada pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), com o apoio da Apib. Na plenária “COP30”, onde a NDC Indígena foi lançada, estiveram presentes autoridades indígenas e não indígenas como representantes do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e representantes da Presidência da COP30.
Sineia Wapichana, autoridade Climática e Co-Presidenta do Caucus Indígena, e Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib, também compareceram ao evento. O lançamento faz parte das estratégias da Apib para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas 2025 (COP30), que ocorrerá entre os dias 10 e 21 de novembro em Belém (PA), e da campanha global “A Resposta Somos Nós”.
“No Acampamento Terra Livre deste ano, lançamos a ideia e uma carta de expectativas para a COP. Desde então, nos debruçamos sobre o tema e elaboramos as contribuições indígenas para a NDC brasileira. Reivindicamos que nossas propostas sejam incorporadas aos compromissos do Brasil como uma responsabilidade do Estado brasileiro no enfrentamento da crise climática. Não é admissível que uma conferência do clima aconteça na Amazônia — o maior pulmão do mundo — enquanto o Congresso Nacional segue aprovando projetos anti-indígenas, anti-ambientais e anti-clima, como o PL da Devastação. Não podemos permitir isso. Precisamos nos manifestar contra todas as ameaças aos nossos territórios. As NDCs Indígenas dialogam com o compromisso que os governos devem assumir com os povos originários. Esse é o legado que queremos da COP30”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.
A NDC Indígena reafirma o papel dos povos indígenas como guardiões de conhecimentos ancestrais e parceiros-chave na construção de um futuro sustentável e justo para todos. Apesar de representarem apenas 0,8% da população brasileira, a diversidade cultural e os modos de vida ancestrais dos mais de 300 povos indígenas do país são elementos centrais para conter o ponto de não retorno da mudança do clima global.
A NDC Indígena apresenta sete eixos de demandas:
O reconhecimento da demarcação e proteção dos territórios indígenas como política de mitigação climática fundamental;
A implementação de planos de adaptação baseados nos modos de vida e governança tradicionais;
O fim dos combustíveis fósseis e a exclusão de mineração e monoculturas em territórios indígenas como parte da transição justa;
O acesso direto e proporcional ao financiamento climático;
O respeito aos direitos indígenas e a observância à participação indígena para a justiça climática;
A valorização do conhecimento tradicional e a formação climática culturalmente adaptada;
E a conexão entre clima, biodiversidade, desertificação e oceanos para ações integradas.
Entre as 36 demandas apresentadas pelo documento, está a exigência do reconhecimento legal dos 86 registros atualmente não reconhecidos de Povos Indígenas em Isolamento Voluntário e a priorização da demarcação e proteção dos territórios mais afetados por conflitos fundiários, com as maiores taxas de violação de direitos e violência contra Povos Indígenas.
Além disso, as contribuições indígenas demandam a implementação integral dos sete eixos previstos pela Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), e promoção da construção dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PGTA) como instrumento de adaptação climática para os territórios indígenas, com vinculação ao Plano Clima Nacional.
Menores taxas de desmatamento
O documento aponta ainda que os territórios indígenas, que correspondem a 13,8% do território nacional, apresentaram as menores taxas de desmatamento registradas no Brasil, com uma perda de apenas 1,2% da vegetação nativa nas últimas quatro décadas. Em contraste, a taxa de conversão da vegetação nativa em todo o território nacional é de 14,8% no mesmo período.
Dados do SEEG mostraram que, entre 2013 e 2023, o desmatamento em áreas privadas e públicas não destinadas gerou a emissão de 10,6 bilhões de CO2 equivalente. Essa disparidade ressalta que as TIs atuam como verdadeiras barreiras contra o desmatamento, especialmente quando possuem sua demarcação homologada.
Porém, a NDC Indígena ressalta que mesmo em territórios indígenas ainda não demarcados, a taxa de desmatamento foi 50% menor que o observado no restante do território nacional no mesmo período, enquanto que em territórios indígenas reconhecidos, a taxa de desmatamento foi 87,5% menor que o registrado em áreas privadas e públicas não destinadas.
A campanha “A Resposta Somos Nós” é uma iniciativa do movimento indígena brasileiro, lançada em 2024, que destaca a liderança e a contribuição dos povos originários nas políticas climáticas globais. O objetivo é garantir a participação efetiva dos povos indígenas nas decisões ambientais — especialmente naquelas relacionadas à COP30.
A campanha foi lançada pela Apib e pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) durante a COP 16 da Biodiversidade, realizada em outubro de 2024, em Cali (Colômbia). Em seguida, foi reafirmada durante a Cúpula do G20, em novembro do mesmo ano, com ações simbólicas no Rio de Janeiro que denunciaram a inércia das nações mais ricas e poluentes diante da crise climática.
Em abril de 2025, durante o Acampamento Terra Livre (ATL), realizado em Brasília entre os dias 7 e 11, o lema “A Resposta Somos Nós: Povos Indígenas rumo à COP 30” tornou-se um dos eixos centrais da mobilização indígena nacional.
“O Brasil, que sediará a COP 30 em nossa Amazônia Indígena, ocupa um papel central na agenda climática mundial. O ano de 2024 foi o mais quente da história, com eventos extremos se tornando rotina. Não há mais tempo! A exploração de combustíveis fósseis impacta diretamente nossos povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e a própria Mãe Terra. A resposta à crise climática exige uma transição energética justa e sustentável. Seguimos alertando para os impactos do petróleo, do gás, da energia nuclear e até mesmo das chamadas renováveis – eólica e solar – quando desrespeitam nossos territórios”, diz a carta final do acampamento.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, diante da agressão do Governo Trump, que rompe mais de 200 anos de parceria comercial e econômica com o Brasil, ao taxar de forma absurda as exportações brasileiras, manifesta que é inadmissível, impugnável, imoral e ilegítimo que esse governo que historicamente articulou golpes de Estado, assessorou ditaduras e bombardeou países mundo afora, ataque ostensivamente o Brasil com medidas políticas punitivas, de aparência econômica e comercial.
O Brasil não pode ser responsabilizado e punido, com tal vilania, pela queda de um país imperial como os Estados Unidos diante do cenário de configuração do multilateralismo no mundo, e ainda pela sua capacidade de julgar e condenar indivíduos e organizações criminosas que em razão de interesses ideológicos e autocráticos, em suma, neofascistas, pretendem deslegitimar e romper a institucionalidade democrática, violar o Estado de Direito, depredar o patrimônio nacional e a dignidade da maioria da população brasileira, como foi na intentona golpista de 8 de janeiro de 2023, sob comando do então ex-presidente da República, Jair Bolsonaroro, família, comandados e base popular iludida, que clamam nos dias de hoje por anistia.
Diante dessa grave tentativa de golpe de Estado empreendida por Bolsonaro e seus seguidores, que incluía planos de assassinato de autoridades públicas, a Apib expressa a sua solidariedade ao Ministro Alexandre de Moraes – sancionado indevidamente por meio da aplicação da Lei Magnitsky – bem como ao Supremo Tribunal Federal, que vêm cumprindo seu papel constitucional com coragem e responsabilidade na condução de um julgamento histórico, mais do que necessário para que ações antidemocráticas do 8 de janeiro não se repitam, em respeito à Constituição Federal, o Estado de Direito e a integridade das instituições do Estado..
A Apib, em razão da sua responsabilidade de representar a maior sociobiodiversidade do mundo, com mais de 305 povos indígenas, e uma quantidade significativa de terras indígenas que compõem o território nacional, repudia essa ofensiva do governo Trump e de seus comparsas nacionais, assim como de quaisquer chantagens que visem inclusive colocar na mesa de negociações as riquezas que dentro ou fora dos territórios indígenas, constituem patrimônio nacional, pois “Esta Terra Tem Dono”. Fazemos parte de um país soberano e independente que jamais deve se dobrar aos propósitos de “vende-pátrias” e de quaisquer ofensivas e interesses estrangeiros que queiram tratar este imenso território, que desde sempre foi nosso, como seu “quintal traseiro”.
Sempre estivemos aqui e seguiremos em pé de luta para defender o que é nosso junto com todos os segmentos, organizações e movimentos sociais e populares do país que tem vergonha da cara e orgulho de ser brasileiros, ressalvada a nossa diversidade, especificidade étnica e cultural, contra qualquer propósito monocultural, racista, genocida, etnocida e ecocida.
Sempre estivemos aqui. Por um país soberano, independente, democrático, justo e igualitário, que deve assegurar a demarcação e proteção do nossos territórios, povos e culturas!
A organização reforçou que democracia só será plena com justiça e reparação aos povos indígenas pelas violações do Estado
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) participou, no último dia 21 de julho, da audiência pública da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que abordou a situação das políticas de memória, verdade, reparaçãoe justiça no Brasil, com foco nas violações históricas contra os povos indígenas, principalmente durantea Ditadura cívico-militar e empresarial, do período de 1946 a 1985, e cujos impactos se perpetuam até os dias atuais. Na audiência, a organização indígena defendeu a criação urgente de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade(CNIV).
Realizada durante o 193º período de sessões da CIDH, a audiência reuniu representantes da sociedade civil, do Estado brasileiro e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) para debater os desafios e caminhos para a efetivação da justiça de transição no país.
Em sua intervenção, a Apib, representada pelo coordenador executivo DinamamTuxá, e pela advogada indígena Maíra Pankararu, destacou que as violências cometidas pelo Estado contra os povos indígenas não se limitaram ao período da ditadura militar, mas seguem sendo estruturais e contínuas.
O coordenador relembrou episódios como a perda de territórios para grandes empreendimentos, a exemplo da Usina de Itaipu, e apontou a ausência de políticas de reparação. “A assimilação foi uma estratégia de destruição, resultando em envenenamento de rios, comunidades afetadas e falta de reparação”, disse Dinamam.
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) publicado em 2012, após 2 anos de trabalhos, apontou que pelo menos 8,350 indígenas foram mortos durante o regime. Porém, apenas dez povos foram estudados pela comissão, representando 3,3% dos povos existentes no Brasil, o que indica que esse número pode ser bem maior.
Na audiência, representantes da Apib também denunciaram a invisibilização dos povos indígenas nos processos oficiais de memória, visto que os povos indígenas não foram incluídos como vítimas da ditadura no relatório principal da CNV. Com isso, em 2024 a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), promoveu a criação do Fórum “Povos Indígenas: Memória, Verdade e Justiça”, espaço que tem o objetivo de pressionar e garantir que o Estado brasileiroassegurea reparação integral e a não repetição, commudanças estruturais, das violações cometidas contra os povos indígenas no país, especialmente durante a ditadura.
Liderado em conjunto com o Observatório dos Direitos e Políticas Indigenistas (Obind) da Universidade de Brasília (UnB), o Instituto de Políticas Relacionais (IPR) e o Ministério Público Federal (MPF), o Fórum promove debates entre organizações indígenas, especialistas em direitos humanos e indígenas, entidades indigenistas e socioambientais, instituições acadêmicas nacionais e internacionais e representações de alguns órgãos públicos.
Além da Apib, participaram da audiência com a CIDH representantes da Defensoria Pública da União, organizações indígenas e comunitárias, além de autoridades do Ministério dos Povos Indígenas, Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Supremo Tribunal Federal e Ministério das Relações Exteriores. ElesOs representantes do movimento indígena e da sociedade civil cobraram o Estado por ações concretas, como a tipificação do crime de desaparecimento forçado, e o avanço na demarcação de terras indígenas e a criação da CNIV, como formas de reparação.
A CIDH reiterou que o enfrentamento das violações passadas é essencial para a construção de uma sociedade democrática. Com forte apoio à proposta de uma comissão específica para os povos indígenas, os comissionados reforçaram que a reparação precisa ir além da compensação individual, atuando para transformar as condições estruturais de vida dessas populações.
Conselho pede que Câmara dos Deputados e Senado atenda a recomendação com urgência
O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) recomendou à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal a não aprovação do Projeto de Decreto Legislativo n° 717, de 2024, que pode por fim à demarcação de terras indígenas. A recomendação foi publicada na última terça-feira, 24 de junho.
O projeto suspende os decretos presidenciais que homologaram as Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, em Santa Catarina, e trecho do Decreto 1.775/1996, que detalha as fases do procedimento administrativo de demarcação. Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o projeto é baseado na Lei 14.701/2023, que transformou em lei a tese do marco temporal, de modo a limitar o direito à demarcação apenas às comunidades que ocupavam seus territórios até 5 de outubro de 1988, e alterou o rito do procedimento administrativo de demarcação.
No documento, o Conselho afirma que o PDL nº 717/24 viola o princípio da separação de poderes e a consulta livre, prévia e informada às comunidades indígenas afetadas (art. 6° e 7° da Convenção 169 da OIT). O CNDH também ressalta que o texto pode acirrar ainda mais o conflito nas terras indígenas e pede que a recomendação seja atendida pelas casas com urgência.
”O principal ato normativo que regula a execução da política indigenista oficial, vigente há quase 30 anos, perderá seus efeitos, vulnerabilizando ainda mais o cumprimento do art. 231 da CF e, consequentemente, os povos indígenas do Brasil”, diz a recomendação do CNDH.
Brasil deve abandonar o “Marco Temporal” de uma vez por todas, diz especialista da ONU
Albert Kwokwo Barume, Relator Especial das Nações Unidas sobre os direitos dos Povos Indígenas, também expressou preocupação com o PDL 717. Em comunicado publicado no dia 11 de junho, o relator afirmou que o Brasil deve abandonar a tese do marco temporal de uma vez por todas e reforça que os direitos dos povos indígenas são inegociáveis.
“Trata-se de um retrocesso grave que mina os direitos dos Povos Indígenas, a proteção ambiental e os esforços de combate à crise climática. Peço aos parlamentares que não aprovem o referido Projeto”, disse Barume.
Foto: Andressa Zumpano/Articulação das Pastorais do Campo
A última sessão da Câmara de Conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF), que debate a Lei 14.701/23 e é presidida pelo ministro Gilmar Mendes, está marcada para esta segunda-feira, 23 de junho. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reivindica a suspensão do texto, que inseriu a tese do marco temporal e diversos crimes contra os povos indígenas no ordenamento jurídico brasileiro, e cobra respostas da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.582, movida contra a legislação e protocolada em dezembro de 2023.
“Chega de adiamentos desta farsa. A câmara é um espaço inconstitucional que tenta negociar os direitos indígenas e realizar uma conciliação forçada. Queremos a suspensão da Lei do Genocídio Indígena, que tem promovido constantes violências contra nossos corpos e territórios”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
Em 2023, ano em que a Lei 14.701 tramitou no Congresso Nacional e foi aprovada, foram registrados 200 assassinatos de indígenas no Brasil. Isso representa um aumento de 15% no número de vítimas em comparação com o ano de 2022, conforme aponta o relatório Violência contra os povos indígenas do Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Nos anos seguintes, a Apib denunciou uma série de ataques contra diversos povos em todas as regiões do país, como o povo Guarani Mbya, no Rio Grande do Sul; Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul; Avá-Guarani, no Paraná; Parakanã, no Pará; e Pataxó, no estado da Bahia.
Com o encerramento, a proposta da câmara segue para a avaliação e votação dos demais ministros do Supremo. Anteriormente, o plenário do STF declarou a tese do marco temporal como inconstitucional. “Confiamos que o plenário da Corte não irá voltar atrás da sua decisão e se manterá ao lado dos povos indígenas e da democracia”, diz o coordenador executivo da Apib, Kleber Karipuna.
O movimento indígena convoca uma mobilização para esta segunda-feira, 23 de junho. A Apib convida organizações indígenas regionais e parceiros a se mobilizarem em seus territórios e redes sociais. O objetivo é pressionar e sensibilizar representantes dos três Poderes – Legislativo, Judiciário e Executivo – e impedir mais retrocessos aos direitos indígenas.
Proposta de Gilmar Mendes
Em fevereiro deste ano, o gabinete do ministro Gilmar Mendes apresentou uma minuta de proposta legislativa que prevê a retirada do marco temporal da Lei do Genocídio Indígena. Porém, o departamento jurídico da Apib aponta que o texto possui ao menos 10 retrocessos aos direitos indígenas, como: exploração em Terras Indígenas, mineração, consulta indígena enfraquecida, mudança nas demarcações, criminalização de retomadas, indenização de ocupantes não indígenas, interferência de Estados e Municípios, interferência de proprietários rurais, indenizações mais lentas e limite para revisão de Terras Indígenas.
De acordo com o site jornalístico InfoAmazonia, o artigo 21 da proposta do ministro, que trata da “exploração de minerais estratégicos”, foi inspirado em uma sugestão do advogado Luís Inácio Lucena Adams, representante do Partido Progressista (PP) na mesa de negociação. Adams também advoga para a Potássio do Brasil, mineradora canadense que obteve aprovação para instalar uma mina sobre um território reivindicado pelo povo Mura, no município de Autazes, Amazonas.
Retrospectiva
A Câmara de Conciliação foi criada pelo ministro Gilmar Mendes em abril de 2024, durante o Acampamento Terra Livre. Participam das audiências membros do Senado, da Câmara dos Deputados, do Governo Federal, governadores, representantes da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP).
Para a Apib, o ministro ignorou o movimento indígena, que solicitou a inconstitucionalidade e suspensão da lei até a finalização do julgamento no STF da ADI 7.582. Em outra ação, a Articulação pede que todos os processos que tratam do marco temporal tenham como relator o ministro Edson Fachin, visto que ele foi responsável pelo Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que tratou da Terra Indígena (TI) Ibirama La-Klãnõ, território do povo Xokleng.
Após o Supremo não atender às condições de participação dos indígenas na câmara, a Apib, em conjunto com suas sete organizações de base, se retirou da Câmara de Conciliação. Além da suspensão da lei, as organizações indígenas reivindicaram o reconhecimento da inadequação da criação da Comissão de Conciliação para tratar de ações que abordam a proteção dos direitos indígenas e a preservação da decisão do Supremo sobre o marco temporal.
“Neste cenário, a Apib não encontra ambiente para prosseguir na mesa de conciliação. Não há garantias de proteção suficiente, pressupostos sólidos de não retrocessos e, tampouco, garantia de um acordo que resguarde a autonomia da vontade dos povos indígenas. Nos colocamos à disposição para sentar à mesa em um ambiente em que os acordos possam ser cumpridos com respeito à livre determinação dos povos indígenas”, ressalta a Articulação no manifesto.
A organização indígena pede ao STF a suspensão da Lei 14.701/2023 e denuncia inconstitucionalidades no projeto que tenta barrar homologações de terras Kaingang e Guarani em Santa Catarina e sustar o Art. 2º do Decreto 1775/1996.
Na segunda-feira, 09 de junho, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) apresentou manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87 e Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7582, contra o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 717/2024, aprovado pelo Senado Federal. A organização pede a suspensão da Lei 14.701/2023 e contesta a tentativa do Congresso de sustar decretos presidenciais que homologaram as Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, em Santa Catarina e trecho do Decreto 1.775/1996, que detalha as fases do procedimento administrativo de demarcação.
Na manifestação, a Apib afirma que o PDL é inconstitucional e viola a separação entre os poderes ao invadir a competência do Executivo na demarcação de terras indígenas. A entidade também aponta que a proposta legislativa desrespeita decisões do STF que reconhecem o caráter administrativo e concreto dos atos de homologação, que não podem ser suspensos pelo Legislativo.
Outro ponto destacado pela Apib é a ausência de consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas afetados, como previsto na Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário. Para a organização, o Senado ignorou o direito dos povos Kaingang e Guarani e de todos os povos indígenas do Brasil de serem ouvidos antes da tramitação da medida, o que compromete a legalidade do processo.
A entidade também alerta para os riscos de retrocesso e insegurança jurídica com a tentativa de aplicar a Lei 14.701/2023 de forma retroativa. Segundo a Apib, a medida ameaça procedimentos demarcatórios já concluídos, contrariando o direito adquirido e o princípio do ato jurídico perfeito, protegidos pela Constituição.
A Apib pede ao STF que suspenda integralmente os efeitos da Lei 14.701/2023 ou, de forma subsidiária, os dispositivos que permitem a adequação de procedimentos demarcatórios em andamento. A organização afirma que a proposta legislativa é mais um instrumento político para obstruir o direito originário dos povos indígenas à terra, garantido pela Constituição de 1988.
No dia 11 de junho de 2025, o Relator Especial das Nações Unidas sobre os direitos dos Povos Indígenas reforçou o posicionamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) ao divulgar um novo comunicado em que expressa profunda preocupação com a aplicação contínua da tese do Marco Temporal. Em especial, ele destaca a gravidade da vigência da Lei nº 14.701/2023 e a recente aprovação do Projeto de Decreto Legislativo nº 717/2024, considerado um desdobramento direto dessa tese, como ameaças concretas aos direitos territoriais dos povos indígenas no Brasil.