Apib condena norma da Funai e do IBAMA que permite exploração madeireira em Terras Indígenas

Apib condena norma da Funai e do IBAMA que permite exploração madeireira em Terras Indígenas

NOTA TÉCNICA N. 05/2022 – AJUR/APIB

EMENTA: INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA N. 12/2022 – IBAMA E FUNAI. ESTABELECE AS DIRETRIZES E OS PROCEDIMENTOS PARA ELABORAÇÃO, ANÁLISE, APROVAÇÃO E MONITORAMENTO DE PLANO DE MANEJO FLORESTAL SUSTENTÁVEL (PMFS) COMUNITÁRIO PARA A EXPLORAÇÃO DE RECURSOS MADEIREIROS EM TERRAS INDÍGENAS. ATO NORMATIVO QUE AFETA DIREITOS E INTERESSES DOS POVOS INDÍGENAS. AUSÊNCIA DE CONSULTA. OFENSA A CONVENÇÃO 169 DA OIT. VIOLAÇÃO A PRECEITO FUNDAMENTAL DOS POVOS INDÍGENAS: USUFRUTO EXCLUSIVO DAS RIQUEZAS DO SOLO, DOS RIOS E DOS LAGOS NELAS EXISTENTES.

1. A Coordenação Executiva da APIB solicita manifestação da Assessoria Jurídica a despeito da publicação da Instrução Normativa n. 12, de 16 de dezembro de 2022, assinada de forma conjunta pelos presidentes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que estabelece as diretrizes e os procedimentos para elaboração, análise, aprovação e monitoramento de plano de manejo florestal sustentável (pmfs) comunitário para a exploração de recursos madeireiros em terras indígenas.

2. Feita uma análise preliminar, denota-se que o ato normativo foi publicado e entrará em vigor a partir do dia 14 de janeiro de 2023, trinta dias após a sua publicação.

3. O presente ato busca regulamentar a exploração de recursos madeireiros no interior de terras indígenas, por meio de organizações indígenas bem como por organizações mistas, ou seja, organizações com composição de não indígenas, conforme disposto no art. 2°, inciso II, in verbis:

Art. 2º Para os fins de aplicação desta Instrução Normativa, são adotados os seguintes conceitos:

I – organização indígena: forma de associação ou cooperativa composta exclusivamente por integrantes indígenas;

II – organização de composição mista: forma de associação ou cooperativa onde é admitida a participação de não indígenas, desde que essa participação seja inferior a cinquenta por cento (50 %).

4. Tal norma, configura uma resposta do governo atual à demanda dos madeireiros, visando o incentivo à extração de madeira nas terras indígenas, atividade que por sua própria natureza, não pode ser realizada de forma sustentável.

5. Do ponto de vista formal, o decreto afronta o princípio da consulta e consentimento prévio, livre e informado dos povos indígenas, consagrado no art. 6º, da Convenção 169 da OIT, norma de caráter supralegal no ordenamento jurídico brasileiro, já consubstanciado em recentes decisões do Egrégio Supremo Tribunal Federal (STF), vide decisium, ADPF 709. O Estado tem o dever de consultar previamente os povos indígenas, todas as vezes que atos de caráter administrativo e legislativos, foram capazes de lhes afetar. In casu, o ato normativo em comento, traz previsões legais que afetam diretamente a vida dos povos indígenas e a defesa de seus territórios.

6. E, tratando-se de exploração dentro de terras indígenas, fica estabelecida a necessidade de consulta aos povos que residem nos territórios afetados, a fim de se determinar se seus interesses serão prejudicados. Tais ações são anteriores a qualquer tipo de empreendimento ou autorização legal de pesquisa e lavra dos recursos existentes nas suas terras.

7. A respeito do princípio da consulta e consentimento prévio e livre, é importante salientar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos se pronunciou sobre o dever dos Estados de consultar, determinando que para garantir a participação efetiva dos povos indígenas, o mesmo tem o dever de consultar ativamente a comunidade, de acordo com seus costumes e tradições1 . Vejamos:

“ […] aceite e divulgue informações, o que implica uma comunicação constante entre as partes. As consultas devem realizar-se de boa-fé, através de procedimentos culturalmente apropriados e devem objetivar um acordo. Também se deve consultar o povo, de acordo com suas próprias tradições, nos estágios iniciais do plano de desenvolvimento ou investimento e não apenas quando surge a necessidade de obter a aprovação da comunidade, se for o caso. O alerta precoce proporciona tempo para discussão interna nas comunidades e resposta adequada ao Estado. O Estado deve também garantir que os membros do povo Saramaka tenham conhecimento dos possíveis riscos, incluindo os riscos ambientais e de saúde, a fim de que aceitem o plano proposto de desenvolvimento ou investimento de forma consciente e voluntária. Finalmente, a consulta deve levar em conta os métodos tradicionais do povo Saramaka para a tomada de decisões”.

8. Do ponto de vista material, a instrução normativa viola preceitos constitucionais: O usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre as riquezas de seus territórios. No que tange aos direitos sobre o território a Constituição Federal de 1988 no Título VIII, da Ordem Social, no Capítulo VIII, estabelece:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5o É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º. (g.n).

9. A carta magna, reconheceu o direito originário dos povos indígenas sobre a terra, e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nela existentes. A não observância dessa garantia constitucional, tem promovido uma série de impactos nocivos aos povos indígenas. A Funai, em conjunto com o Ibama, ao expedir a normativa em tela, retroalimenta a violência aos povos indígenas, inclusive os indígenas isolados e de recente contato, colocando-os em situação de risco de vida. Indígenas do povo Guajajara da terra indígena Araribóia, têm denunciado a situação de insegurança na terra indígena, pois a invasão madeireira tem repercutido na estabilidade dos direitos fundamentais dos povos indígenas daquela região. A Instrução Normativa nº 12/2022, está eivada de inconstitucionalidade, para além da lesar o usufruto exclusivo dos povos indígenas, as instituições governamentais que assinam o expediente descaracterizam a autodeterminação dos povos indígenas, pois abre-se um precedente deletério a autonomia dos indígenas e suas organizações em gerir seus territórios. A abertura da exploração econômica em terras indígenas deve ser feita sob o manto da ampla participação via consulta prévia, pois quando não feita, incorre em ilegitimidade do expediente, considerando que a exploração econômica de não indígenas em territórios tradicionais, pode interferir na dinâmica cultural desses povos. Desta forma, o art. 215 da Constituição Federal de 1988, confere ao Estado brasileiro o dever de garantir o pleno exercício dos direitos culturais dos povos indígenas brasileiros, nesse sentido, a exploração de madeira nos territórios indígenas feita por não indígenas, tende a agravar uma situação que tem contribuído para o avanço do desmatamento no interior de terras indígenas, e assassinatos de lideranças que dedicam suas vidas na proteção dos seus territórios. Assim sendo, os impactos da Instrução Normativa, tende a exortar conflitos em territórios indígenas, implicando desta forma nas dinâmicas do cotidiano tradicional.

10. Cabe consignar que os recursos naturais para os povos indígenas, são necessariamente uma condição, se ne quan non, para a garantia a expressão cultura e de vida, portanto, o meio ambiente, é essencial para assegurar o direito fundamental à vida (art. 5º, caput CF 88). Salvaguardar os direitos territoriais dos povos indígenas, impedindo a expropriação do meio ambiente é promover o princípio da ubiquidade, que para Celso Antônio Pacheco Fiorilo:

“este princípio vem evidenciar que o objeto de proteção do meio ambiente, localizado no epicentro dos direitos humanos, deve ser levado em consideração toda vez que uma política, atuação, legislação sobre qualquer tema, atividade, obra etc. tiver que ser criada e desenvolvida. Isso porque, na medida em que possui como ponto cardeal de tutela constitucional a ‘vida’ e a ‘qualidade de vida’, tudo que se pretende fazer, criar ou desenvolver deve antes passar por uma consulta ambiental, enfim, para saber se há ou não a possibilidade de que o meio ambiente seja degradado” (in “Curso de Direito Ambiental Brasileiro”, Ed. Saraiva, 7ª ed., p. 45).

11. Ademais, em que pese a tentativa demasiadamente equivocada de se colocar e enquadrar as organizações indígenas dentro de um parâmetro eurocêntrico, é de grande valia invocar que a Constituição Federal estabeleceu nos seus artigos 231 e 232 a liberdade aos povos indígenas de se organizarem. Assim aduz o advogado indígena Eloy Terena, em recente livro publicado:

“No direito brasileiro temos, nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal, o reconhecimento das formas de organizações tradicionais indígenas. Como visto, a Constituição inovou ao reconhecer o Estado pluriétnico, reconhecendo os indígenas, comunidades e povos enquanto sujeito de direitos. O caput do art. 231 é categórico ao reconhecer as organizações sociais dos povos indígenas […] a organização social indígena é a estrutura política de determinado povo e/ou comunidade que tem na identidade cultural sua fonte normativa para regular as relações intra e extracomunitária.”

12. Sabe-se que as atividades regulamentadas pela instrução normativa impactam diretamente o meio ambiente, trazendo profundas mudanças aos povos indígenas e culturais, portanto, a doutrina estrangeira como a nacional reconhece a existência do princípio da proibição do retrocesso ambiental. Neste sentido Canotilho lesiona:

“No âmbito interno, o princípio da proibição do retrocesso ecológico, espécie de cláusula rebus sic stantibus, significa que, a menos que as circunstâncias de fato se alterem significativamente, não é de admitir o recuo para níveis de proteção inferiores aos anteriormente consagrados. Nesta vertente, o princípio põe limites à adoção de legislação de revisão ou revogatória. As circunstâncias de fato às quais nos referimos são, por exemplo, o afastamento do perigo de extinção antropogênica, isto é, a efetiva recuperação ecológica do bem cuja proteção era regulada pela lei vigente, desde que cientificamente comprovada; ou a confirmação científica de que a lei vigente não era a forma mais adequada de proteção do bem natural carecido de proteção. Internamente, o princípio do retrocesso ecológico significa, por outro lado, que a suspensão da legislação em vigor só é de admitir se se verificar uma situação de calamidade pública, um estado de sítio ou um estado de emergência grave. Neste caso, o retrocesso ecológico será necessariamente transitório, correspondendo ao período em que se verifica o estado de exceção.”

13. Ademais, cabe ressaltar que o ato normativo centraliza suas atividades econômicas na exploração de recursos naturais, sob argumento de regulamentação sob o crivo da sustentabilidade de tal atividade. Dados do Relatório violência contra os povos indígenas do Brasil: Dados 2021, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI)4 revelam que as invasões em terras indígenas, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, triplicaram desde o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, passando de 108 casos em 2018, para 305 no ano de 2021, atingindo 226 terras indígenas em 20 estados do país.

14. No contexto geral, os ataques aos territórios indígenas, está diretamente ligado a medidas do poder Executivo, que ao fim do mandato, edita normas que favorece e incentiva a exploração e a apropriação privada de terras indígenas por parte de não indígenas, dando a invasores confiança para avançarem em suas ações ilegais dentro dos territórios.

15. Nesse cenário, órgãos estatais como a Funai, que tem como missão institucional a proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas, tornou-se uma agência reguladora de negócios criminosos, tendo como prova disto a operação deflagrada pela Polícia Federal5 no dia 15 de dezembro de 2022, que visa combater o desmatamento e grilagem de terras indígenas, onde cumpriu com 16 mandados de busca e apreensão em 4 estados e na sede da Funai em Brasília, tendo como principal alvo das investigações a diretoria de proteção territorial (DPT) e servidores do alto escalão do órgão indigenista, que atuavam para dificultar a proteção dos territórios.

16. O governo Bolsonaro naturalizou as violências praticadas por invasores para a extração de recursos naturais e o loteamento das terras da União – afinal, as terras indígenas são bens da União, conforme estabelece a Constituição Federal. Tais práticas se intensificaram pois os órgãos de fiscalização e proteção mudaram seus objetivos, tornando-se intermediadores de crimes em terras indígenas.

17. Nesta senda, fere princípios sensíveis que resguardam os direitos e interesses dos povos indígenas, razão pela qual, cabe a APIB, manifestar sua preocupação e repúdio, bem como acionar as instâncias legais competentes com o fito de reprimir tais violações a direito das comunidades indígenas.

16 de dezembro de 2022

Sede da Funai vira alvo de operação da PF

Sede da Funai vira alvo de operação da PF

A operação tinha objetivo de combater a grilagem na área da TI Ituna/Itatá e reprimir os crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro

Na última quarta-feira (14/12), a sede da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Brasília, e a casa do coordenador geral de indígenas isolados, Geovânio Katukina, foram alvos de uma operação da Polícia Federal. Segundo a PF, a operação tinha o objetivo de combater a grilagem na área da Terra Indígena Ituna/Itatá, localizada nos municípios de Altamira e Senador José Porfírio, ambos no estado do Pará, bem como reprimir os crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro. Desde 2018, a TI Ituna/Itatá tem sido alvo frequente de madeireiros e criadores de gado.

Um relatório da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira e da Organização dos Povos Isolados mostra que 84,5% do desmatamento ocorrido no sudoeste do Pará, ocorreu entre 2019 e 2021, durante o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Em entrevista ao UOL, a Funai disse que não comenta investigações em curso e que está à disposição para colaborar com o trabalho das autoridades policiais. “Temos atuação pautada na legalidade, segurança jurídica e promoção da autonomia dos indígenas”, afirmou.

Na operação, a PF cumpriu 16 ações de busca e apreensão e prendeu uma pessoa em flagrante. Ao todo, foram realizados 10 mandados no Pará, três no Distrito Federal, um no Tocantins, um na Bahia e um em Minas Gerais.

Julgamento interrompido 

Na segunda-feira (12/12), o ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, interrompeu o julgamento virtual, no qual a Corte analisava uma decisão do ministro Edson Fachin que determinava que a União apresentasse em 60 dias um plano de ação para garantir à proteção integral dos territórios com presença de povos indígenas isolados e de recente contato.

O processo foi iniciado depois que a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirmou à Corte que povos indígenas isolados e de recente contato correm risco de extermínio, por causa de ações e omissões do governo federal. Em julho, Fachin havia solicitado informações da Presidência da República e da Funai e parecer da Procuradoria-Geral da República para subsidiar a análise de pedido liminar.

*Com informações do UOL Notícias

Mulheres Yanomami pedem fim do garimpo, em carta ao presidente eleito Lula

Mulheres Yanomami pedem fim do garimpo, em carta ao presidente eleito Lula

Mulheres lideranças, do povo Yanomami, reunidas no XIII Encontro Anual de Mulheres Yanomami, escrevem carta ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, pedindo o fim do tormento causado pelo garimpo ilegal em Terras Yanomami.

A carta foi enviada na ultima segunda-feira (12) com pedido de urgência na desintrusão do território, o qual está invadido por milhares de garimpeiros, o que tem gerado muita violência para o povo Yanomami, com ataques, estupros e aliciamento de mulheres, além de prejudicar o meio ambiente comprometendo a caça e a pesca, além de espalhar doenças. Uma das demandas da carta é uma estrutura melhor de saúde e educação para as crianças Yanomami.

“Queremos viver na floresta viva e bonita. Nós Yanomami queremos viver novamente na terra sadia, que é a verdadeira terra-floresta Yanomami. Nós queremos que nossas crianças continuem nascendo bem e fortes. Precisamos de sua ajuda para curar a floresta e também os animais que aqui vivem”, diz trecho da carta.

Do início do ano até agosto, mais de 1.100 hectares foram destruídos, e de dezembro de 2021 até a agora houve um aumento de 35% de destruição decorrente das ações do garimpo ilegal na região.

Com o aumento do garimpo, também aumentaram os casos de violências sexuais contra as mulheres Yanomami, com registros de casos de estupros, assédios e aliciamento de menores. “Quando o garimpo está próximo, nós mulheres ficamos muito preocupadas e andamos com muito medo. Os garimpeiros nos ameaçam e nós não queremos viver assim, queremos viver em paz.” relatam.

O novo governo que começa em menos de 20 dias, traz esperança aos nossos parentes e parentas, esperança de territórios demarcados e sem invasores, de vida em paz, focada no bem viver, sem violências e com nossa mãe Terra protegida!

Chega de violência contra nossos corpos e territórios! Por nós, por todas e todos que vieram antes de nós e por todas e todos que ainda estão por vir!

GT Povos Indígenas pede revogação de atos normativos anti-indígenas e indica pontos de alerta no relatório final para Governo Lula

GT Povos Indígenas pede revogação de atos normativos anti-indígenas e indica pontos de alerta no relatório final para Governo Lula

Integrantes do GT se reuniram de forma virtual e presencial para analisar a situação política indigenista do Brasil e definir medidas a serem tomadas pelo novo governo 

Na última segunda-feira (12/12), o Grupo Técnico Povos Indígenas entregou o seu relatório final para o gabinete de transição do Governo Lula. O documento pede a revogação de leis anti-indígenas e indica pontos de alerta para o novo governo.

Durante quatro semanas, integrantes do GT se reuniram de forma virtual e presencial no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, para analisar a atual situação da política indigenista do Estado brasileiro. Lideranças indígenas, servidores da Funai, juristas, procuradores, advogados e organizações e comitivas indigenistas também foram recebidas pelo GT em oitivas que tinham o objetivo de ampliar e enriquecer o debate e a construção do relatório final. As oitivas trataram de temas específicos como as pautas das mulheres, juventude, saúde e educação. 

“O descaso do governo Bolsonaro com a implementação de políticas indígenas, garantidas na Constituição Federal, é gigante e nós temos um longo caminho a percorrer. Dividimos o relatório em 10 pontos que tratam destes desmontes, mas também apresentam sugestões de revogações, emergências orçamentárias, pontos de alerta e uma estrutura organizacional do Ministério dos Povos Indígenas. Mais do nunca estamos prontos para reconstruir o Brasil e pautar o futuro indígena!”, diz Kleber Karipuna, coordenador executivo do GT e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). 

Entre os atos normativos anti-indígenas indicados para serem revogados imediatamente está o parecer normativo 001/2017, publicado pelo ex-presidente Michel Temer, que prevê o Marco Temporal. Nesta tese, os povos indígenas teriam direito somente aos territórios ocupados até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A tese do Marco Temporal fere o direito ao território ancestral dos povos indígenas, direito este que é originário e previsto na Constituição.

Além da revogação deste parecer, mais seis atos normativos devem ser revogados imediatamente e outros quatro durante os 100 primeiros dias de Governo Lula. Um exemplo disso é o Decreto 10.965 que facilita a mineração dentro de Terras Indígenas e a Portaria 3.021 do Ministério da Saúde que determina a exclusão da participação social nos Conselhos Distritais de Saúde Indígena. 

O relatório apresentado também possui 12 pontos de alerta que devem ser observados pelo Governo Lula. Eloy Terena, coordenador jurídico da Apib e um dos integrantes do GT, destaca a demarcação de 13 terras indígenas que devem ser homologadas nos primeiros 30 dias de governo. Segundo ele, estas TIs não apresentam nenhuma pendência jurídica e estão prontas para terem o processo de demarcação concluído. 

“Atualmente, temos Terras Indígenas que estão pendentes de estudos, de portaria declaratória, levantamento fundiário, pagamento das benfeitorias ou alguma outra pendência jurídica. Estas 13 TIs não possuem nenhuma pendência, ou seja, estão prontas para serem homologadas. Inclusive, cinco delas já estavam na Casa Civil e foram devolvidas para a Funai pelo governo Bolsonaro. O que falta é vontade política e é por isso que estamos submetendo elas ao presidente Lula”, afirma o advogado. 

Lista com as 13 Terras Indígenas que aguardam homologação:

Terra Indígena  Povo Indígena  Localização
Aldeia Velha Pataxó  Porto Seguro – BA
Kariri-Xocó  Kariri Xocó  São Brás, Porto Real do Colégio – AL
Potiguara de Monte-Mor  Potiguara Marcação, Rio Tinto – PB
Xukuru-Kariri  XukuruKariri  Palmeira dos Índios – AL
Tremembé da Barra do Mundaú  Tremembé Itapipoca – CE
Morro dos Cavalos  Guarani  Palhoça – SC
Rio dos Índios Kaingang  Vicente Dutra – RS
Toldo Imbu  Kaingang Abelardo Luz – SC
Cacique Fontoura Karajá  Luciara, São Félix do Araguaia – MT
Arara do Rio Amônia  Arara  Marechal Thaumaturgo – AC
Rio Gregório  Katukina Tarauacá – AC
Uneiuxi Maku, Tukano  Santa Isabel do Rio Negro – AM
Acapuri de Cima  Kokama  Fonte Boa – AM

Nossa União para reconstruir o Brasil indígena

Nossa União para reconstruir o Brasil indígena

Carta aberta da Apib ao presidente Lula, com a indicação de uma lista tríplice para o Ministério dos Povos Indígenas.  

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), apresenta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma lista tríplice indicada pelo movimento indígena para a escolha do comando do Ministério dos Povos Indígenas.

De forma democrática, encaminhamos os nomes de maior consenso para ocupar o cargo deste novo Ministério, com intuito de fortalecer as políticas indígenas e indigenista no Governo Lula. Para assegurarmos o Bem Viver e autodeterminação dos povos, o respeito às diversidades culturais e espirituais, a Justiça Social e Climática, o enfrentamento ao racismo e a garantia de plenas condições de vida, saúde, educação e sustentabilidade dos povos indígenas e de todo povo Brasileiro apresentamos nossa lista tríplice com os nomes a seguir: 

Sonia Guajajara | Joenia Wapichana | Weibe Tapeba

Acreditamos na importância da escuta e participação do movimento indígena nesse momento de reconstrução da democracia no Brasil, após o Golpe de 2016 e os anos de política de morte dos últimos quatro anos. Decidimos encaminhar esta lista tríplice ao senhor, presidente Lula, por acreditarmos que seu Governo será participativo e está atento aos anseios do nosso movimento, que luta pelo fortalecimento dos direitos dos povos indígenas. 

Sonia Guajajara, deputada federal eleita por São Paulo, liderança reconhecida nacional e internacionalmente pela luta por direitos dos povos indígenas. 

Weibe Tapeba, liderança com vasta participação nas políticas indígenas, advogado, vereador de segundo mandato na cidade de Caucaia/CE e nome de consenso dos povos e organizações Indígenas do nordeste.

Joenia Wapichana, deputada federal por Roraima, sendo a primeira mulher indígena a ocupar o cargo e também a primeira advogada indígena a exercer a profissão no país com ampla experiência na luta por direitos dos povos indígenas

Assinam essa carta as organizações regionais de base da Apib: Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE), Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpin Sul), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o Conselho do Povo Terena, a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e a Grande Assembléia do povo Guarani (ATY GUASU). A Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) também assinam a carta.

Nos colocamos à disposição do diálogo e seguimos unidos para construirmos a democracia e as políticas para os povos indígenas do Brasil.

Brasília, 12 de dezembro de 2022.

1º Festival de Cinema e Cultura Indígena (FeCCI) termina neste fim de semana com Mostra Competitiva e Cerimônia de Premiação 

1º Festival de Cinema e Cultura Indígena (FeCCI) termina neste fim de semana com Mostra Competitiva e Cerimônia de Premiação 

Nesta sexta-feira (09) e sábado (10), o FeCCI apresentou os dez filmes selecionados para sua mostra competitiva, com a presença dos realizadores de cada filme e rodas de conversa sobre as obras exibidas.

Os filmes que disputaram a mostra competitiva foram:

  1. A Tradicional Família Brasileira – KATU (direção: Rodrigo Sena)
  2. Ãjãí: o jogo de cabeça dos Myky e Manoki (direção: Typju Myky e André Tupxi Lopes)
  3. Amary Otomo Ogopitsa: o Resgate da Memória Amary (direção: Kamukaiaka Lappa Yawalapiti)
  4. Ga vī: a voz do barro (direção: Ana Letícia Meira Schweig, Angélica Domingos, Cleber Kronun de Almeida, Eduardo Santos Schaan, Geórgia de Macedo Garcia, Gilda Wankyly Kuita, Iracema Gãh Té Nascimento, Kassiane Schwingel, Marcus A. S. Wittmann, Nyg Kuita e Vini Albernaz)
  5. Levante Pela Terra (direção: Marcelo Cuhexê Krahô)
  6. Nossos Espíritos Seguem Chegando – Nhe’ẽ kuery jogueru teri (direção: Ariel Ortega (Kuaray Poty))
  7. Paola (direção: Ziel Karapotó)
  8. Somos Raízes (direção: Edivan Guajajara)
  9. Um Só Ser – O Grande Encontro (direção: Arthur Ribeiro – Tsãka to.o)
  10. Xixiá – mestre dos cânticos Fulni-ô (direção: Hugo Fulni-ô)

Atividades de domingo (11)

Neste domingo (11), o festival encerra suas sessões de exibição com os filmes longas-metragens “A Última Floresta”, de Luiz Bolognesi, com roteiro do xamã e ativista Davi Kopenawa, e “O Território”, de Alex Pritz, com produção-executiva de Txai Suruí. 

Após a exibição dos filmes, haverá uma roda de conversa às 17h30 com Luiz Bolognesi e Txai Suruí, com medição de Kiki Kaiowá e Marcelo Cuhexê Krahô.

Txai Surui é uma ativista indígena reconhecida internacionalmente, coordenadora do Movimento da Juventude Indígena e a primeira indígena a discursar na abertura da Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (COP 26).

Luiz Bolognesi é um roteirista, produtor e diretor de cinema brasileiro. Formado em jornalismo pela PUC São Paulo, Bolognesi foi redator do jornal Folha de S. Paulo e da Rede Globo. Com seu filme “A Última Floresta” foi vencedor do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, na categoria Melhor Longa-Metragem de Documentário em 2022. 

Cerimônia de encerramento e premiação

O encerramento do FeCCI 2022 acontece a partir das 20h com a Cerimônia de Premiação do festival. O público irá conhecer os grandes ganhadores do prêmio FeCCI 2022 nas categorias Melhor Filme pelo Júri Especializado e Melhor Filme pelo Júri Popular (categorias que disputam os filmes da Mostra Competitiva) e, ainda, o prêmio “Lente Ancestral”, do Instituto Alok, nas categorias Melhor Roteiro, Melhor Direção e Melhor Fotografia.

 

UE nega proteção de todos os biomas e não reconhece direitos internacionais dos povos indígenas na Lei Antidesmatamento do Parlamento Europeu

UE nega proteção de todos os biomas e não reconhece direitos internacionais dos povos indígenas na Lei Antidesmatamento do Parlamento Europeu

A partir de 2023, a lei passará por um período de transição de 18 meses e as empresas serão obrigadas a cumprir suas exigências somente em 2025

Na última terça-feira (06/12), a União Europeia aprovou a lei sobre importação de produtos com risco florestal (FERC – Forest and ecosystem-risk commodities) do Parlamento Europeu, mas negou a inclusão de todos os biomas na lei. Além disso, os parlamentares recuaram e não reconheceram os direitos internacionais dos povos indígenas, que tinha sido incluído na proposta durante uma votação no mês de setembro. 

A lei antidesmatamento, como também é conhecida, prevê regulações sobre commodities (como carne, couro e madeira) oriundos do desmatamento e da degradação florestal. No entanto, o conceito de floresta considerado pela legislação é definido pela Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), que exclui boa parte dos biomas e áreas naturais brasileiras como o Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal, dessa forma desconsiderando também a vida dos povos originários que vivem nestes locais. 

Com a aplicação da lei, apenas 15% do Pantanal, um dos biomas mais atingidos com as queimadas nos últimos anos, será protegido pela lei antidesmatamento. Situação semelhante irá ocorrer com o Cerrado, que tem apenas ¼ de sua área reconhecida como floresta pela FAO e é uma das áreas com avanço significativo do agronegócio e da pecuária. 

Em junho de 2022, lideranças da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) estiveram com o Parlamento Europeu e pediram que todos os biomas fossem incluídos na proposta, bem como o respeito aos tratados e acordos internacionais que protegem os direitos humanos e indígenas. À época, os representantes afirmaram que as medidas seriam uma resposta concreta à emergência climática e aos casos de violência nos territórios ancestrais. 

Além disso, no dia 16 de novembro, a Apib e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais e Quilombolas (CONAQ) lançaram a nota “Sobre proteção urgente do Cerrado e outros ecossistemas naturais”. O documento ressalta a posição das organizações em defesa de todos os ecossistemas naturais do Brasil.

“Nós instamos à União Europeia a tomar as medidas necessárias urgentes para prevenir o desmatamento importado a partir de florestas, e também o desmatamento importado de outras áreas arbóreas nativas. Isso é crucial no contexto do Cerrado, uma vez que a maior parte da soja exportada para a União Europeia é produzida neste bioma tão ameaçado”, afirma um trecho da nota.  

Para Dinamam Tuxá,  coordenador executivo da Apib, o Parlamento precisa ouvir quem sofre diretamente com os impactos das cadeias de produção de commodities.  “Desconsiderar os biomas e os direitos internacionais é deixar os povos indígenas à mercê de governos nacionais como o de Jair Bolsonaro, que implementou uma agenda anti-indígena no Brasil e nos ataca constantemente”, afirma ele. 

O coordenador também ressalta que, de acordo com um cruzamento de dados realizado pela Apib, em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), cerca de 29% do território ao redor das Terras Indígenas está desmatado, enquanto dentro das TIs foi identificado apenas 2% de área de desmatada.

A lei antidesmatamento entrará em vigor em 2023, mas antes passará por um período de transição de 18 meses, ou seja, obrigando as empresas a cumprir suas exigências somente em 2025. Os parlamentares afirmam que questões não resolvidas em negociações anteriores serão decididas nas revisões da lei. 

A primeira delas será em um ano, onde a UE avaliará a inclusão de outras terras arborizadas. Depois os parlamentares procurarão incluir o setor financeiro e ampliar a lista de produtos e commodities e, por último, em cinco anos uma revisão geral pretende examinar os impactos da regulação nas comunidades indígenas.

“Nós, povos indígenas, somos os verdadeiros guardiões das florestas. A proteção dos biomas não pode esperar mais tempo, isso é urgente! A Apib continuará incidindo na política internacional e lutando para que todos os biomas sejam adicionados e os povos indígenas sejam respeitados na legislação europeia”, diz Tuxá.

Sobre a Apib

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) foi criada pelo movimento indígena no Acampamento Terra Livre de 2005. A Apib é uma instância de referência nacional do movimento indígena no Brasil, que aglutina organizações regionais indígenas. Ela nasceu com o propósito de fortalecer a união dos povos, a articulação entre as diferentes regiões e organizações indígenas do país, além de mobilizar os povos e organizações indígenas contra as ameaças e agressões aos direitos indígenas.

Justiça pede averbação da demarcação de terra indígena Guarani

Justiça pede averbação da demarcação de terra indígena Guarani



Uma sentença judicial, dada no último dia 22/11, obriga o Estado a adotar providências para averbar o processo de demarcação da Terra Indígena (TI) Morro dos Cavalos. Uma vitória para o povo Guarani. A decisão força a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai) a informar de maneira ampla e pública a existência do processo demarcatório da TI. De acordo com o juiz, a averbação deveria ser feita no Ofício de Registro de Imóveis de Palhoça (SC), em até dez dias, sob pena de multa de R$100 mil.

A averbação é uma proteção importante, que vale até o registro definitivo do território, isto é, a homologação da demarcação pela Presidência da República.
Para a Justiça e o Ministério Público Federal de Santa Catarina (MPF-SC), a identificação da terra indígena deve ser de amplo conhecimento público, para proteger os interesses dos indígenas, das pessoas e das empresas de “boa fé”, que venham a negociar com donos de títulos de terras sobrepostas ao território Guarani.

“A falta da averbação gera insegurança jurídica e pode acarretar danos derivados da utilização de títulos declarados nulos e extintos, incidentes sobre a Terra Indígena, por terceiros de boa fé”, afirma a sentença.

A insegurança é gerada pela prática de comercialização de terras por parte de não indígenas, que possuem posse ou título de terras do território Guarani. Um desvio incentivado pelas políticas anti-indígenas do governo Bolsonaro.

Por isso, a averbação serve de mecanismo para coibir esta prática, dificultando a compra e venda de propriedades dentro da TI Morro dos Cavalos. A venda ilegal também se propaga pela omissão do Estado no procedimento administrativo da demarcação, que precisa apenas da assinatura da Presidência da República.

Foram registrados na Terra Indígena Morro dos Cavalos 78 ocupações não indígenas, sendo 69 de boa fé e cinco de má fé. Para três ocupantes, foi solicitada a apresentação de documentação comprobatória.

A Justiça já havia considerado a omissão do Estado, quando nem a União nem a Funai cumpriram com a liminar concedida e mantida em juízo de primeira e segunda instância que continha o mesmo teor da sentença.
“Atualmente, [a Funai] vem sendo omissa em sua missão institucional de proteger e promover os direitos dos povos indígenas, pois protela atos administrativos e cria obstáculos burocráticos desnecessários”, afirma a sentença.

A Luta pela demarcação

A Terra Indígena Morro dos Cavalos está localizada no município de Palhoça, em Santa Catarina. Indígenas Guarani Mbya e Nhandeva ocupam tradicionalmente a área e em 2001, a Funai criou o Grupo Técnico (GT), coordenado pela antropóloga Maria Inês Ladeira, que iniciou o processo de identificação e demarcação da TI Morro dos Cavalos.

Após anos de estudos, análises jurídicas e contestações, em 18 de abril de 2008, foi emitida pelo Ministério da Justiça (MJ) a Portaria Declaratória n.º 771. A emissão da portaria é uma das últimas etapas do processo de demarcação de terras indígenas, antecedendo apenas a homologação e o registro da TI. Sua expedição reconhece a tradicionalidade da Terra Indígena Morro dos Cavalos e a posse permanente de grupos indígenas em uma área de 1.988 hectares.

Em 2013, os ocupantes não indígenas da área tentaram anular o processo, com uma ação judicial na Justiça Federal de Santa Catarina contra o reconhecimento e a conformação do território Guarani.

Com a alegação do marco temporal, o estado de Santa Catarina pediu a anulação da portaria, atestando a ilegalidade do procedimento administrativo, o que levou a ação, conhecida como Ação Cível Originária 2323 (ACO 2323), ao Supremo Tribunal Federal (STF), cuja relatoria está a encargo do ministro Alexandre de Moraes. O processo de demarcação encontra-se, no momento, suspenso em razão do julgamento do Recurso Extraordinário com repercussão geral (RE-RG) 1.017.365.

No dia 30 de novembro, o grupo de trabalho de povos originários do governo de transição entregou um relatório preliminar pedindo a demarcação imediata de 13 terras indígenas. Segundo o grupo de transição, são terras que estão em via de homologação, como é o caso da Terra Indígena Morro dos Cavalos.

Para a Cacica Eliara, da aldeia Yaka Porã, localizada na TI Morro dos Cavalos, o momento é de esperança. “Como já tinha saído uma ordem judicial no qual o governo Bolsonaro não cumpriu, estamos esperançosos com o atual governo eleito, com o qual participamos do processo de transição. Exigimos que nos 30 primeiros dias de governo a TI Morro dos Cavalos seja homologada, assim como as outras 12 TIs”, reivindica.

COP15: Apib participa da Convenção sobre Diversidade Biológica e pauta demarcação e direitos indígenas, no Canadá

COP15: Apib participa da Convenção sobre Diversidade Biológica e pauta demarcação e direitos indígenas, no Canadá

Proteção dos Biomas brasileiros também é um dos temas centrais abordados pela Apib na COP15

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) participa da 15a Convenção sobre Diversidade Biológica (COP15), que acontece no Canadá entre os dias 7 a 19 de dezembro, para pautar a demarcação das Terras Indígenas (TIs) como prioridade na meta de conservar – pelo menos – 30% dos ecossistemas e recuperar terras degradadas no mundo até 2030. A delegação, que conta com cinco lideranças, reforça que a meta da Conferência precisa ser mais ambiciosa na quantidade de áreas protegidas, sobretudo neste momento que o Parlamento Europeu apresentou na terça-feira (06), texto da lei antidesmatamento que desconsidera a proteção dos direitos internacionais dos povos indígenas e de todos os biomas que não sejam florestas.

“É necessário construir metas e soluções baseadas nos direitos e que essa construção seja feita de forma inclusiva. Os povos indígenas e nossas Terras precisam ser considerados nesse processo. É comprovado que os territórios indígenas têm um papel chave para enfrentar as mudanças climáticas e conservar a biodiversidade no mundo e isso é um fator que não pode ser deixado de lado”, reforça Dinanam Tuxá, coordenador executivo da Apib, que integra a comitiva que está no Canadá.

Um cruzamento de dados realizado pela APIB, em parceria com IPAM, utilizando a localização das Terras Indígenas no Brasil junto com os dados sobre mudanças de uso do solo, 29% do território ao redor das TIs está desmatado, enquanto dentro das mesmas só tem 2% de desmatamento. O mapeamento mostra que a maior parte das áreas desmatadas está destinada a pastagens para criação de gado (para exportação de carne e de couro) e a produção de soja, mas também destacam plantações de cana, arroz ou algodão, entre outras commodities. 

“A mineração é outro tema importante a ser enfrentado. Muitas mineradoras internacionais e financiadas por bancos internacionais, incluindo as canadenses, estão causando muita destruição e gerando conflitos graves nos nossos territórios. Reconhecer e proteger nossos direitos às nossas Terras Indígenas é a maneira mais eficaz de garantir que nossa preciosa biodiversidade permaneça de pé.”, afirma Puyr Tembé, coordenadora da Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (Fepipa) e da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga). 

Além de Dinamam e Puyr, integram a delegação da Apib: Cris Pankararu e Jozileia Kaingang, integrantes  da Anmiga e da articulação política da Apib na conferência, João Vitor Pankararu, representante da juventude indígena pela Apib e Apoinme, Douglas Krenak e Beto Marubo.

IMPORTÂNCIA

A Convenção sobre Biodiversidade é um tratado que possui 3 objetivos principais: 1. A conservação da diversidade biológica, 2. O uso sustentável dos componentes da diversidade biológica, 3. A repartição justa e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos. 

Esta COP15 acontece depois de dois anos sem a realização do encontro devido a pandemia da Covid19. Governos de diversos países negociaram, neste ano, o Marco Global para a Biodiversidade Pós-2020, que oferece uma projeção para 2050. O Marco terá quatro objetivos de longo prazo e uma missão com 22 metas para serem concluídos até 2030: conservar pelo menos 30% de terras, fontes de água doce, oceanos e recuperar globalmente ecossistemas degradados. 

 

GT Povos Indígenas e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil alertam para crise sanitária entre povos indígenas

GT Povos Indígenas e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil alertam para crise sanitária entre povos indígenas

O Grupo Temático Povos Indígenas, do governo de transição e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib),  faz um alerta sobre o risco de colapso do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena e uma nova crise sanitária entre os povos indígenas. Além do corte de 60% do orçamento da saúde indígena para 2023, temos informações de que as entidades conveniadas, responsáveis pela contratação de trabalhadores, a logística e compra de insumos para os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), não estão recebendo novos recursos necessários. Dessa forma, a continuidade da assistência à saúde da população indígena no Brasil está prejudicada e pode se agravar nos próximos meses, pois as renovações devem ser pactuadas com antecedência para evitar a descontinuidade da atenção. Até o momento, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) não confirmou se os contratos das conveniadas estão sendo renovados. Medidas urgentes devem ser tomadas agora, com a prioridade na recomposição e ampliação do orçamento da saúde indígena e garantia dos contratos necessários para a garantia da assistência nos 34 DSEIs.

O Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI) é uma conquista do movimento indígena construído em conjunto com a reforma sanitária brasileira. Somente em 1988, os indígenas foram reconhecidos como sujeitos de direito das políticas de saúde e apenas em 1999 se criou uma política específica a partir da lei 9.836/99. A lei garante “ações e serviços de saúde voltados para o atendimento das populações indígenas, em todo o território nacional, coletiva ou individualmente” e institui o “Subsistema de Atenção à Saúde Indígena [SASI], componente do Sistema Único de Saúde (SUS), tem como base os Distritos Sanitários Especiais Indígenas.”

A formulação de uma política específica de atenção à saúde dos povos indígenas se justifica pela diversidade sociocultural e de ocupação territorial, mas também devido às desigualdades sociais e de saúde que lhes afetam devido a invisibilidade histórica, violência e racismo que os povos indígenas sofrem no Brasil.

Apesar dos dados do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI) não serem públicos, como os demais sistema de informação do SUS, informações disponíveis mostram que, antes da pandemia, a mortalidade de crianças indígenas menores de 5 anos já era 98% maior do que em crianças brancas, sendo que na faixa etária de 1 a 4 anos chega a ser 382% maior. Observa-se que as causas de óbito evitáveis, e de manejo da atenção primária, eram altíssimas para crianças indígenas. A mortalidade de crianças indígenas menores de 5 anos por diarreia encontrada é 14 vezes maior do que em crianças brancas, já por influenza e pneumonia é 6 vezes maior e por desnutrição 16 vezes maior do que em crianças brancas.

Notícias recentes mostram evidências atuais de uma grave crise sanitária e humanitária em várias regiões, sendo urgente a organização de planos emergenciais numa ação intersetorial e interinstitucional direcionada particularmente aos povos Yanomami (RR), Awá Guarani (PR), Gamela (MA) e os Guarani Kaiowá (MS). Ressalta-se que essas situações são todas decorrentes da falta de demarcação e proteção territorial, portanto, a desintrusão de invasores é medida necessária para reverter esse quadro sanitário.

Durante a pandemia da Covid-19, essas desigualdades se mantiveram, pois, a mortalidade pela Covid-19 em indígenas, no primeiro ano da crise sanitária, foi 29% maior que a dos não indígenas. Os impactos nos primeiros 6 meses foram mais graves, particularmente para crianças e adolescentes, que tiveram taxas de mortalidade de 7 e 3 vezes maiores que as não indígenas. A letalidade de indígenas pela Covid-19 chegou a ser 25% e 17% maior do que para não indígenas nas regiões Centro- Oeste e Norte, respectivamente.

Diante de uma nova onda da Covid-19, nesse momento, alertamos que, apesar da inclusão de indígenas no grupo prioritário do Plano Nacional de Imunização (PNI), a cobertura vacinal da Covid-19 é menor em indígenas do que não indígenas, particularmente entre jovens de 10 a 19 anos, e nas regiões Norte e Sul. Alguns DSEIs na região Norte possuem cobertura da 2ª dose do esquema inicial menor que 75%. Medidas imediatas devem ser tomadas para priorizar e retomar a vacinação contra a Covid-19 e dos demais esquemas vacinais para os indígenas, dentro e fora de territórios demarcados.

Além disso, cerca de 2.500 doses da vacina contra a Covid-19 estavam vencidas no DSEI do estado Maranhão e foram incineradas em dezembro de 2021. Existe uma retenção de medicamentos no DSEI que não são enviados para os pólos quando estão perto de vencer. As aldeias precisam de vacina e essa atitude é omissa com a saúde indígena.

A fome e insegurança alimentar está afetando diversos povos e carecemos de informações atuais sobre a situação nutricional dessa população. Sabemos que o saneamento básico e acesso à água potável é insuficiente nos territórios indígenas. Mas alertamos que a garantia ao direito à alimentação e ao saneamento básico devem ser construídos em conjunto com os povos indígenas, sendo adequado aos nossos modos de vida e tradições.

Nesse cenário de transição de governo também não podemos deixar de denunciar o racismo que os indígenas sofrem nos serviços de saúde, expresso pelas notificações como ‘pardo’ no registros, nas barreiras linguísticas, na discriminação no uso das práticas tradicionais, entre outras violências. Ressaltamos que a Lei 9.936/99 preconiza a corresponsabilidade de gestores municipais e estaduais pela atenção diferenciada em todos os níveis de atenção sem discriminações, sendo necessário o compromisso de todos os gestores na garantia do direito à saúde integral, diferenciada e de qualidade aos indígenas.

Alertamos que a equipe de transição encontra diversas dificuldades na obtenção das informações, que deveriam ser públicas, sobre a situação saúde dos povos indígenas e o funcionamento do SASI, além da apresentação de dados inconsistentes e incompletos. Ressaltamos que a falta dessas informações prejudica um diagnóstico preciso da situação atual e o planejamento das ações de saúde indígena e inviabilizam a dramática situação que vivem os povos indígenas. De qualquer forma, as informações acima indicam um grave cenário de desassistência e baixa efetividade das ações que se configuraram pela omissão e má gestão dos últimos anos. Finalizamos afirmando que a construção das soluções para esse grave cenário deve ser feita com a efetiva participação dos povos indígenas, particularmente por suas entidades e lideranças representativas.

Além da garantia da participação dos povos indígenas na reconstrução urgente da saúde indígena, buscamos a total garantia de que nós, movimento indígena do Brasil, assumamos as administrações da saúde indígena no atual governo, regionais e locais de saúde indígenas. Mas do que nunca estamos preparados para retomar a direção do nosso país.

GT Povos Indígenas da Transição de Governo

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

1 Rebouças et al. Ethnoracial inequalities and child mortality in Brazil: a nationwide longitudinal study of 19 million newborn babies The lancet – Global Health. VOLUME 10, ISSUE 10, E1453-E1462, OCTOBER 01, 2022.

2 PONTES, A.L.M.; et al. Pandemia de Covid-19 e os povos indígenas no Brasil: cenários sociopolíticos e epidemiológicos. In: Matta, G. C. (Org).  Os impactos sociais da Covid-19 no Brasil: populações vulnerabilizadas e respostas à pandemia. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2021. p. 123-136.