13/out/2022
Foto: @kaititopramrefoto
Mobilização ‘Aldear a Política’, que contabilizou 446 mil votos em candidatos indígenas no 1º turno e as organizações de base da Apib reforçam apoio a Lula.
Em carta aberta aos Povos Indígenas e ao Brasil, divulgada nesta quinta-feira, 13.10, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) declarou, oficialmente, apoio ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno das Eleições presidenciais 2022. O posicionamento foi anunciado durante coletiva de imprensa realizada na sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, em Brasília.
O evento reuniu representantes de várias etnias, membros da coordenação executiva da Apib, além das candidatas eleitas pela Bancada Indígena, Célia Xakriabá (MG) e Sônia Guajajara (SP) e de mulheres integrantes da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
“As candidaturas indígenas que fizeram parte da Bancada Indígena da Apib tiveram mais de 446 mil votos nas urnas. Demonstramos a força da mobilização coletiva para ocupação das Casas Legislativas estadual e federal, encabeçando, principalmente, a questão da identidade territorial por meio da retomada da demarcação de territórios, principal luta do movimento indígena”, diz trecho do documento.
O chamado convoca as bases para atuar, por meio de sensibilização, junto a quem não votou no primeiro turno seja por abstenção ou pela opção do voto nulo ou em branco. Além disso, reforça a necessidade do retorno às demarcações e proteção dos territórios, a reestruturação das instituições responsáveis pelas políticas públicas voltadas aos povos originários e a retomada dos compromissos ambientais internacionais assumidos pelo Brasil em relação ao clima e ao meio ambiente.
A carta traz ainda, em oito pontos, uma análise de conjuntura do contexto de violações contra os direitos humanos, cometidos pelo atual governo ao longo dos últimos quatro anos. Entre elas estão: a paralisação da demarcação de terras indígenas; omissão e morosidade no atendimento às comunidades, principalmente no período da pandemia de Covid-19; desmonte de instituições e políticas públicas específicas e diferenciadas garantidas na Constituição Federal de 88; violação do direito de consulta livre, prévia e informada assegurada aos povos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); e propositura de leis antiindígenas, em consonância com o Congresso Nacional.
“Vamos construir um novo horizonte, de respeito total aos nossos direitos fundamentais, à nossa vida e dignidade, no marco de uma nova relação com o Estado brasileiro, multiétnico e cultural, que ainda tem muitas dívidas a pagar pelo histórico de violência e morte, física e cultural, que por séculos vitimou os nossos povos e comunidades”, destaca outro trecho da carta aberta.
“Neste momento, somos um movimento unificado. Viemos romper com o racismo da ofensa, retomar o Brasil que foi arrancado de nós; Nunca existiu Brasil sem a nossa presença. Nossa candidatura trouxe uma reflexão diferente: vimos pessoas que votavam em mulheres e em outros candidatos presidenciais. Agora, não existem duas pautas, não se trata de partido, mas de plano de vida ou plano da morte”, afirmou a deputada eleita pela Bancada Indígena, Célia Xakriabá (PSOL-MG).
Ela lembrou ainda que, em 2021, a Apib denunciou o presidente Jair Bolsonaro junto Tribunal de Haia por crimes contra a humanidade, que incluiu o desmantelamento das estruturas públicas de proteção socioambiental e aos povos indígenas, o que desencadeou invasões nas Terras Indígenas, desmatamento e incêndios nos biomas brasileiros, além do aumento do garimpo e da mineração nos territórios. A denúncia foi atualizada em junho, incluindo a negligência nas buscas por Bruno da Cunha Araújo Pereira e Dom Phillips e a barbárie no território Yanomami.
A deputada Sônia Guajajara (PSOL-SP) lembrou que os povos indígenas sempre estiveram na luta pela cobrança de seus direitos, em todos os governos, e que este fato nunca significou ignorar lacunas deixadas em gestões anteriores.
“O voto no presidente Lula é para podemos ter o direito de continuar brigando por nossas pautas. Sempre fomos recebidos. Enquanto nossas pautas não forem atendidas, nossos povos estiverem em segurança nos territórios, a gente não vai deixar de exigir ou cobrar essa responsabilização do estado brasileiro”, afirmou a deputada eleita por São Paulo.
“A política e o projeto de genocídio deste governo não tem comparação a nenhum outro momento histórico do Brasil. Não podemos adiar o processo de retomada da democracia”, completou.
Aldear o Congresso
Na ocasião, as deputadas eleitas Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, avaliaram como positivo o movimento ‘Aldear a Política’, que trabalhou de forma articulada e coletiva em todo o Brasil para conseguir aumentar o número de representantes da Bancada Indígena no Congresso Nacional.
O resultado foi um crescimento de 100% em relação à última eleição proporcional, em 2018, quando a deputada federal Joênia Wapichana tornou-se a primeira mulher indígena eleita como deputada federal.
“Este é um recado para além do saldo eleitoral: estamos trazendo uma voz importante de um Brasil que reconhece que nós existimos e que estamos vivendo um ecocídio contra a humanidade”, afirmou. Xakriabá afirmou que os povos indígenas representa 5% da população mundial, responsável pela proteção de mais de 80% do patrimônio natural do planeta.
“A presença da Joênia (Wapichana) no Congresso foi fundamental para a gente entender que era necessário ampliar nossa voz. A forma de fazer campanha no Brasil ainda é muito desigual, mas conseguimos chegar e estaremos lá fazendo jus a esse voto e a essa consciência política ambiental para salvar a mãe Terra”, afirmou Sônia Gujajara.
Ela ressaltou que priorizará a retomada da demarcação das terras indígenas, a Politica Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGAT) e o Conselho Nacional de Políticas Indigenistas (CNPI), por meio de alianças com candidatos eleitos provenientes de movimentos e segmentos sociais sub-representados no Parlamento. O objetivo é formar uma linha de enfrentamento da agenda de retrocessos na Câmara dos Deputados.
ATL 2022
Há 28 anos, em 1994, as organizações dos povos indígenas do Brasil pautavam a democracia junto ao presidente Lula. Na ocasião, a liderança Fausto Mandulão, de Roraima, fez a entrega de um manifesto, solicitando a proteção dos direitos constitucionais à terra, à saúde, à educação e à representatividade dos povos nas instâncias do governo.
Em abril deste ano, a Apib divulgou carta compromisso endereçada ao então pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva, durante a 18° edição do Acampamento Terra Livre (ATL), maior mobilização nacional indígena que reuniu mais de 8 mil parentes de 200 povos diferentes.
Na ocasião, o movimento indígena anunciou os cinco eixos de ação necessários para assegurar a defesa dos direitos fundamentais dos povos indígenas no Brasil: Direitos territoriais indígenas: demarcação e proteção aos territórios indígenas (Eixo 1); Retomada dos espaços de participação e controle social indígenas (Eixo 2); Reconstrução de políticas e instituições indígenas (Eixo 3); Interrupção da agenda anti-indígena no congresso federal (Eixo 4) e Agenda ambiental (Eixo 5).
13/out/2022
Petição afirma que candidato à reeleição tem “história política de desprezo e estímulo à morte aos povos tradicionais brasileiros”
A Apib entrou com uma petição no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em repúdio ao candidato à reeleição, Jair Messias Bolsonaro. O documento foi agregado ao processo que solicita a retirada de circulação do vídeo divulgado pela campanha de Luiz Inácio Lula da Silva, no qual Bolsonaro afirma que “comeria um índio sem problema nenhum”. O vídeo mostra trechos de uma entrevista concedida ao jornal New York Times em 2016. O processo será julgado nesta quinta-feira, 13/10.
Os Advogados de Bolsonaro alegaram ao TSE que se trata de “descontextualização” da entrevista, além de “constituir fato ofensivo à honra do candidato”. O processo ainda defende a fala do então deputado: “longe de comportamento repulsivo e desumano que busca construir artificialmente a Representada, consubstancia, na realidade, a deferência do Representante à cultura indígena”.
Para a Apib, o conteúdo da entrevista e as alegações da defesa do candidato, são absolutamente mentirosas e ofensivas à cultura e à história do Povo Yanomami. A petição registra que “durante os anos de 2019 a 2021, período de mandato de Jair Bolsonaro na presidência do país e de Marcelo Xavier na presidência da Funai – Fundação Nacional do Índio, nenhuma terra indígena foi identificada, declarada ou homologada. Ao contrário, nessa gestão, o governo federal retardou pelo menos 27 processos de demarcação de Terras Indígenas que já estavam em fase avançada de andamento”.
As políticas conduzidas por Bolsonaro durante sua gestão e as mudanças feitas na Funai, tiveram como consequência uma escalada de violências contra os indígenas, a invasão de territórios e a ampliação de crimes ambientais como desmatamento e mineração ilegal. Conforme relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), apenas até agosto deste ano foram registrados 355 casos de violência contra indígenas em 2021, enquanto que em todo o ano de 2020 foram registrados 304 casos. Além disso, pelo mesmo estudo, enquanto que em 2020 foram registradas 263 invasões aos territórios dos povos originários, em 2021 foram 305, um crescimento de 16%.
13/out/2022
Foto: @scarlettrphoto
O resultado das eleições do 1º turno, em 2 de outubro, certamente gerou um sentimento de frustração nos cidadãos e cidadãs que votaram no ex-presidente Lula e que tinham a expectativa de “mandar para casa” o neofascista Jair Bolsonaro e dar um passo fundamental para o enterro do bolsonarismo – fenômeno político que aglutina desde 2018 os setores mais reacionários e de extrema-direita do país, turbinado pelos partidos de direita que compõem o chamado Centrão no Congresso Nacional e que ainda conseguem iludir amplos setores da população.
Bolsonaro conseguiu reverter o cenário desfavorável que vinha prevalecendo nas pesquisas durante a campanha. Numa guerra-relâmpago em que associou Lula ao tema da corrupção, unificou e fortaleceu o antipetismo, se apresentou como “homem do povo”, conseguindo esconder com mentiras deslavadas (dizendo, por exemplo, que sempre deu atenção especial às mulheres) as maldades que cometeu durante seu governo, como: a fome que atinge mais de 33 milhões de pessoas, discursos de ódio, racismo, misoginia e LGBTQIA+fobia; ódio explícito aos povos originários e quilombolas; negacionismo e deboche para com as pessoas morrendo durante a pandemia de Covid-19; aumento do desemprego e da fome; desmonte da política ambiental e dos órgãos de controle e fiscalização; extinção ou aparelhamento de distintos colegiados de participação e controle social; liberação de armas, sobretudo, a proprietários rurais; incentivo às invasões e, portanto, à violência e prática de atos ilícitos em terras da União e áreas protegidas (terras e territórios indígenas, territórios quilombolas, reservas extrativistas, parques nacionais, unidades de conservação), principalmente, na Amazônia; corrupção e redução ou contingenciamento de recursos de serviços públicos fundamentais, como saúde e educação, em favor do orçamento secreto disponibilizado a parlamentares de sua base de apoio para fins eleitorais. Em suma, ameaças recorrentes à ordem institucional e democrática e ao Estado de Direito.
Do mesmo modo, é temerosa a nova composição do Congresso Nacional que saiu das urnas ainda mais conservadora. O bolsonarismo não só levou Bolsonaro ao segundo turno, como também elegeu muitos dos seus, assim como o Partido Liberal (PL), legenda do candidato, que terá a maior bancada tanto no Senado Federal quanto na Câmara dos Deputados, além de um centrão mais fortalecido.
Não há dúvidas que essa base parlamentar irá priorizar no Senado Federal, inclusive ainda este ano, a aprovação do “pacote da destruição”, que envolve a desregulamentação do licenciamento ambiental, a legalização de agrotóxicos já proibidos na Europa e a aprovação de novas normas para a regularização fundiária, que visam legalizar a grilagem em terras públicas da União. Na Câmara dos Deputados, no mesmo sentido, sob comando do mau político Arthur Lira, direitos conquistados no pacto constitucional de 1988 poderão sofrer graves reveses.
O cenário é frustrante e assustador, porém o resultado do primeiro turno mostrou que mais da metade dos eleitores votou contra Bolsonaro (cerca de 60%). Apenas Lula obteve o voto de mais de 57,2 milhões de eleitores (48,43% dos votos válidos), colocando-se à frente na disputa presidencial com 6,1 milhões de votos de vantagem, faltando apenas 1,6% para vencer nesta primeira rodada. Daí, nota-se o quanto é relevante ter o ex-presidente na disputa, porque sem ele se torna inimaginável o futuro do nosso país, da democracia, dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal e do Estado de direito.
É importante observar, ainda, que esta vitória expressiva de Lula certamente demonstrou um notável avanço e foi resultado da retomada das lutas e mobilizações dos movimentos sociais, sindicais e populares, dos partidos da Federação e da Frente Ampla costurada pelo ex-presidente em torno de um projeto de defesa da democracia, de mudança e reconstrução do Brasil. De fato, vê-se que Lula prima pela justiça social e pelo respeito às diversidades étnicas e culturais, de gênero e de orientação sexual, ao lutar contra o autoritarismo, contra o império da violência e do ódio, contra o racismo e contra o desprezo pelo povo, pela vida e pela dignidade humana – consubstanciais a Bolsonaro e a sua horda de seguidores, civis, fundamentalistas, militares e milicianos.
ALDEAR O CONGRESSO
Reforçamos o resultado histórico para o movimento indígena nessas eleições. Os estados de São Paulo e Minas Gerais elegeram Sônia Guajajara e Célia Xakriabá como representantes no Congresso Nacional. O saldo representa um crescimento de 100% em relação à última eleição proporcional, em 2018, quando a deputada federal Joênia Wapichana tornou-se a primeira mulher indígena eleita como deputada federal.
As candidaturas indígenas que fizeram parte da Bancada Indígena da Apib tiveram mais de 446 mil votos nas urnas. Demonstramos a força da mobilização coletiva para ocupação das Casas Legislativas estadual e federal, encabeçando, principalmente, a questão da identidade territorial por meio da retomada da demarcação de territórios, principal luta do movimento indígena.
Acrescentamos a esse avanço a eleição de candidatos e candidatas provenientes de movimentos e segmentos sociais sub-representados no Parlamento. A união dessas forças sociais no Congresso Nacional será a linha de frente no enfrentamento da agenda de retrocessos na Câmara dos Deputados.
MAS POR QUE NÓS, POVOS INDÍGENAS, DEVEMOS VOTAR EM LULA?
Não é só por esse cenário de maldades que definem o candidato Bolsonaro que os povos indígenas devem votar no ex-presidente Lula. Reforçamos a carta aberta entregue à Lula durante o Acampamento Terra Livre, dia 12 de abril. “Precisamos interromper esses processos de destruição. Nossa luta é por nossos Povos, sim, mas também pelo futuro de todos e todas as brasileiras e pela humanidade inteira! É hora de construirmos um projeto civilizatório de país e de mundo.”
Na recente história democrática do Brasil, nunca os direitos dos povos indígenas foram tão execrados como neste mandato de Jair Bolsonaro que, publicamente, desde antes de sua eleição em 2018, escolheu os nossos povos como inimigos e tomou a determinação de desmontar a política indigenista, sucatear e entregar a Fundação Nacional do Índio (Funai) à gestão da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), isto é, à bancada ruralista.
Dessa forma, os direitos fundamentais dos nossos povos foram submetidos a um regime de regressão e supressão, seja por meio de medidas administrativas (circulares, instruções normativas, portarias ou decretos), jurídicas (pareceres e determinações da Advocacia Geral da União (AGU) e da Funai, ou de dezenas de iniciativas legislativas (Medidas Provisórias – MPs, Projetos de Lei – PLs, Projetos de Emenda Constitucional – PECs, Decretos Legislativos, Projetos de Lei Complementar) que colocam em risco a nossa vida e continuidade enquanto povos social, étnica e culturalmente diferenciados, representantes dos mais de 305 povos diferentes e falantes de mais de 274 línguas.
Bolsonaro massacrou os direitos indígenas, dentre outras, com as seguintes políticas e atos governamentais:
- Paralisou totalmente a demarcação e proteção das terras indígenas, ameaçando de descaracterização e extinção os nossos povos, particularmente aqueles em situação de isolamento voluntário. Para que isso acontecesse, entre outras medidas, desmantelou a Funai, com a redução orçamentária ou não aplicação dos recursos disponíveis, com a exoneração de técnicos especialistas, nas distintas áreas, e com a contratação de cargos comissionados e nomeação de coordenadores regionais, na sua maioria militares, totalmente sem preparo para lidar com as questões indígenas, tornando o órgão, assim, numa “Fundação Anti-Indígena”.
- Incentivou e legitimou, com sua política de devastação, as mais variadas formas de invasão nas nossas terras e territórios – protagonizadas por grileiros, desmatadores, madeireiras, pecuaristas, garimpeiros, pescadores e caçadores ilegais e traficantes –, às quais se somam a expansão das fronteiras agrícolas, dos monocultivos caros ao agronegócio (eucalipto, soja transgénica, cana de açúcar, milho transgênico, palma africana, laranja, etc), a mineração industrial e os empreendimentos de infraestrutura (hidrelétricas – grandes ou pequenas –, portos e estradas).
- Com essa política, Bolsonaro foi conivente com o aumento dos conflitos e da violência contra os nossos povos. Comunidades foram vítimas de massacres (como o caso dos Guarani kaiowá), lideranças foram criminalizadas e assassinadas em distintas regiões do país (Mato Grosso do Sul, Roraima, Maranhão, Bahia) por defenderem o seu território, mulheres foram estupradas e crianças morreram por contaminação do mercúrio ou desnutrição e falta de assistência médica.
- Como consequência de sua política negacionista, a respeito da ciência e das vacinas, e pelo descaso, omissão e morosidade no atendimento aos nossos povos e comunidades, Bolsonaro foi responsável pela morte de mais de 1300 de nossos parentes durante a pandemia de Covid-19, até ser forçado a tomar medidas sob determinação judicial, após a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 709) pleiteada pela APIB junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
- Desmontou as instituições e políticas públicas específicas e diferenciadas conquistadas pelas lideranças que nos antecederam na Constituição Federal de 1988, relacionadas com a saúde, a educação, o esporte, a cultura, alternativas econômicas e espaços de participação e controle social.
- Em efeito, Bolsonaro extinguiu distintos colegiados em que os nossos povos eram representados, principalmente a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) – espaço paritário de diálogo, articulação, orientação e monitoramento das ações do governo. Inviabilizou a implementação do Plano Integrado da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental nas Terras Indígenas (PNGATI), com o fim do Comitê Gestor. Da mesma forma, suprimiu a participação da APIB e organizações membro no Fórum de Presidentes de Conselhos Distritais (FCONDISI) e de representantes da sociedade civil no Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e no Conselho de Segurança Alimentar (CONSEA), entre outros.
- Bolsonaro desrespeitou totalmente o direito de consulta livre, prévia e informada assegurada aos nossos povos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), lei com status constitucional, sobre quaisquer assuntos administrativos e legislativos que os afetam. Ignorou, portanto, os protocolos comunitários construídos pelos nossos povos e comunidades para eventual caso de possibilidade de consulta.
- O candidato em questão, em comum acordo com seus líderes no Congresso Nacional – a bancada ruralista e evangélica, principalmente, e o presidente da Câmara Arthur Lira –, promoveu proposituras de lei, dentre as que se destacam o PL 191, relativo à mineração em terras indígenas que, além da mineração industrial, quer legalizar o garimpo, e o PL 490 que, além de transferir para o Congresso Nacional a prerrogativa de demarcar as terras indígenas, busca a aprovação do Marco Temporal, medida que estabelece a data de promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988) como referência do reconhecimento do nosso direito territorial. Essas iniciativas, junto com o pacote de destruição em trâmite no Senado Federal, e a eventual aprovação desfavorável a nós pelo Marco Temporal na Suprema Corte, se aprovadas, implicarão na supressão fatal do nosso direito originário e congênito, às terras que tradicionalmente ocupamos, homologadas ou não.
Por tudo isso é que neste cenário de polarização, não entre esquerda e direita, mas entre centro-esquerda e extrema-direita, entre democracia e regime autoritário – ditatorial –, entre paz e violência, e entre justiça social e desigualdades, é que os povos indígenas devem votar no ex-presidente Lula no segundo turno das eleições, marcado para o dia 30 de outubro. Da mesma forma, é por tudo isso que nós, povos indígenas, devemos votar nos candidatos ao governo estadual que estejam identificados com a nossa causa e que, por ventura, estejam disputando o segundo turno com candidatos bolsonaristas.
Tomar lado neste momento é uma responsabilidade e tanto com a vida dos nossos povos, das nossas atuais e futuras gerações, é um imperativo ético e um dever de lealdade à memória dos nossos ancestrais e lideranças que deram a vida para assegurar o pouco que nos sobrou após as sucessivas atrocidades, práticas genocidas, esbulhos e todo tipo de violência praticada pelos invasores de todos os tempos contra os nossos povos e territórios.
Nesse sentido, é imprescindível que os povos, organizações e lideranças indígenas de todas as regiões do país se empenhem totalmente na Campanha Lula Presidente pelo Brasil da Esperança. Não podemos nos intimidar. O direito de manifestação e o livre exercício do voto é garantido pela Constituição Federal. Vamos nos envolver em panfletagens, bandeiraços e diálogos com as nossas bases, sem violência. Vamos sensibilizar a quem não votou no primeiro turno – a quem se absteve –, ou a quem votou nulo ou em branco. Enfim, vamos nos mobilizar, para que ao se eleger o Presidente Lula, possamos continuar a nossa luta de forma autônoma, em defesa dos nossos direitos, resgatando as nossas conquistas arrancadas com muita luta em governo anteriores. Vamos construir um novo horizonte, de respeito total aos nossos direitos fundamentais, à nossa vida e dignidade, no marco de uma nova relação com o Estado brasileiro, multiétnico e cultural, que ainda tem muitas dívidas a pagar pelo histórico de violência e morte, física e cultural, que por séculos vitimou os nossos povos e comunidades.
PELO BEM VIVER DOS NOSSOS POVOS, LULA PRESIDENTE!
Brasília – DF, 13 de outubro de 2022.
ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB
13/out/2022
A Comissão também pediu o país informe quais ações serão tomadas para investigar os fatos que levaram à adoção da medida cautelar
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) concedeu medida cautelar em favor da comunidade Guapo’y, do povo Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, solicitando que o Estado Brasileiro proteja o direito à vida e integridade dos indígenas que vivem no local. A medida é resultado de uma solicitação apresentada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em conjunto com a Aty Guassu e a organização Conectadas – Direitos Humanos.
Após analisar a solicitação e as alegações apresentadas pelas partes envolvidas, a Comissão concluiu que os indígenas de Guapo’y se encontram em situação de gravidade e urgência. A CIDH também pediu que o país acorde as medidas a serem adotadas com os moradores da comunidade e seus representantes, além de informar quais ações serão tomadas para investigar os fatos que levaram à adoção da medida cautelar.
Quanto à situação das comunidades Tekoká/São Lucas, também do povo Guarani Kaiowá, a Comissão considera que neste momento não conta com elementos suficientes para analisar o caso, mas ressalta que em caso de novos fatos as organizações podem apresentar uma nova solicitação de medida cautelar.
Guapo’y
Composta por cerca de 300 pessoas, há décadas a comunidade Guapo’y busca a retomada definitiva do seu território ancestral, onde fazendeiros obtiveram a propriedade destas terras. O povo Guarani Kaiowá também enfrenta atuações ilegais da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul que, de 2018 a 2022, já realizou cerca de cinco ataques contra a comunidade sem qualquer decisão judicial.
Em junho de 2022, os indígenas reiniciaram o movimento de retomada quando a PM, com um efetivo de 100 polícias e um helicóptero, atirou bombas de águas lacrimogêneas e disparou armas de fogo contra o grupo, sem nenhuma tentativa de mediação. O caso deixou um indígena morto e 10 feridos, entre eles mulheres e crianças.
Saiba mais sobre o caso aqui.
11/out/2022
Decreto aprovado no dia 7 outubro extingue comitês regionais e do Conselho Fiscal
A Articulação dos Povos Indígenas (Apib) manifesta preocupação e repudia o decreto n. 11.226/2022, publicado no dia 7 de outubro, que aprova o Estatuto e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança da Fundação Nacional do Índio (Funai).
O decreto remaneja e transforma cargos em comissão em funções de confiança, extingue os comitês regionais e do Conselho Fiscal, bem como determina o fim das atribuições das Coordenações Regionais, Coordenações das Frentes de Proteção Etnoambiental e Coordenações Técnicas Locais.
O decreto remaneja e transforma cargos em comissão em funções de confiança, extingue os comitês regionais e do Conselho Fiscal, bem como determina o fim das atribuições das Coordenações Regionais, Coordenações das Frentes de Proteção Etnoambiental e Coordenações Técnicas Locais.
Em nota jurídica, a Apib afirma que o decreto que aprova o novo Estatuto fere o princípio da consulta dos povos indígenas, consagrado no art. 6º, da Convenção 169 da OIT, norma que faz parte do ordenamento jurídico brasileiro.
Funai anti-indígena
Com Marcelo Xavier na presidência da fundação, desde 2019 a Funai atua como instrumento da política anti-indígena do Governo Bolsonaro. Um exemplo disso é que a fundação passou a retardar processos de demarcação de Terras Indígenas que já estavam em andamento, pedindo uma nova análise de cerca de 27 processos de demarcação que já estavam em seus trâmites finais.
Já em abril de 2020, a Funai editou a Instrução Normativa (IN) nº 09/2020, que permite a certificação de propriedades privadas em áreas de ocupação tradicional, o que facilita invasões em territórios indígenas e legitima a grilagem. Com isso, em maio do mesmo ano, mais 72 fazendas foram certificadas em terras indígenas não homologadas.
Confira a linha do tempo completa da Funai de Marcelo Xavier aqui: https://apiboficial.org/foraxavier/
Leia a análise jurídica da Apib abaixo:
Análise_Decreto_N.11226_2022_Funai
09/out/2022
Na primeira semana de campanha deste segundo turno, se espalhou nas redes sociais um vídeo do candidato a reeleição Jair Messias Bolsonaro, no qual ele afirma que “comeria um índio sem problema nenhum”. A entrevista foi concedida ao New York Times em 2016.
De acordo com o candidato, ele teria visitado o território Surucucu, dos Yanomami. Na ocasião teria morrido um indígena e o povo estava realizando o ritual de passagem. “Morreu o índio e eles estão cozinhando, eles cozinham o índio, é a cultura deles. Cozinha por dois três dias, e come com banana. Daí eu queria ver o índio sendo cozinhado, e um cara falou, ‘se for ver, tem que comer’, daí eu disse, eu como”.
E completa, dizendo que só não comeu a carne humana porque ninguém da comitiva quis ir junto. As declarações demonstram total desconhecimento da cultura indígena, são um amontoado de desinformação e preconceito, que causaram grande indignação entre os povos originários do Brasil. A coligação de Jair entrou com ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para tentar impedir a veiculação desse trecho da entrevista, mas o vídeo continua disponível na internet.
Para Junior Hekurari, que vive em Surucucu, toda a história contada por Bolsonaro no vídeo “é mentira”. “É sem cabeça, eu fiquei muito chateado. Presidente candidato mentiroso.”
“Nós, Yanomami do Surucucu, não somos canibais, nunca tivemos isso. Não tem um relato [sobre isso]. Nem relatos ancestrais nem atuais. Esse presidente não tem respeito com o ser humano. Ele inventa da cabeça, porque não tem preocupação com o Brasil. No Sucurucu tem pelotão do Exército e tem parceria boa com os Yanomami. Isso de ‘comer indígena’, isso não existe”, sentenciou Hekurari.
Hekurari explica que um grupo indígena Yanomami, já localizado na Venezuela e conhecido como Xamathari, pratica o ritual fúnebre de cremar o corpo, o que pode durar dias ou semanas, triturar e pulverizar os ossos e, por fim, misturar as cinzas, em pequenas quantidades, como se fosse sal ou pimenta, a um caldo de banana, que somente então é consumido pelos familiares do morto.
Mas esse ritual não prevê o consumo da carne humana e só ocorre eventualmente, “com algumas pessoas, geralmente pessoas muito importantes na comunidade”. Nos rituais fúnebres realizados na região de Surucucu, de acordo com Hekurari, as cinzas são enterradas, e não consumidas com a banana.
O pesquisador Rogerio Pateo, doutor em antropologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professor do departamento de antropologia e arqueologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também desmentiu Jair. Para o antropólogo Rogerio Pateo, o que Bolsonaro faz é reproduzir uma imagem de desenho animado.
“Os relatos que existem são sobre guerreiros tupinambás, no litoral e no século 16, capturarem e assarem inimigos”, afirma. “Os yanomamis não comem nem carne de onça, porque dizem que onça come gente.” Segundo Pateo, as afirmações de Bolsonaro são a manifestação de um “preconceito num nível baixíssimo”. “Ele tem na cabeça aquela imagem que assustou a Europa 500 anos atrás. É preconceito e racismo. Atualmente, não há resquício dessa imagem de canibalismo entre indígenas brasileiros.”
O mito mente, cria mitos para esconder suas reais intenções como agenciador do garimpo e do desmatamento ilegal, especialmente com o povo em questão. No início deste ano o relatório da Hutukara Associação Yanomami expôs as calamidades causadas por invasores do território indígena, entre os crimes, há relatos de estupros de mulheres e crianças, além da queimada e o desaparecimento de uma comunidade inteira, que fugiu para se proteger das violências. Os casos têm acontecido com a conivência da Funai, que opera sistematicamente contra os direitos indígenas desde que Bolsonaro assumiu o governo.
06/out/2022
No dia 5 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição Federal do Brasil, um passo fundamental para a consolidação da democracia e para o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas. A Carta Magna baliza os valores da sociedade brasileira, explicitados em suas primeiras linhas: “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus (…)”.
A definição dos princípios fundamentais da sociedade brasileira e as leis que a regem, foi resultado de grandes lutas, mobilizações contra o regime militar e construção de consensos entre os diversos setores que compõem o país, de diversidade sociocultural em proporções continentais.
O constituinte José Carlos Sabóia relata que “era a subcomissão mais desvalorizada que tinha em toda constituinte, subcomissão de índios, negros e pessoas portadoras de deficiências. E para surpresa de toda casa, o grande mérito disso foi a organização das populações indígenas, que nenhum dia, durante toda constituinte, deixaram de estar presentes no Congresso Nacional”.
Assim, para conquistar os artigos 231 e 232, que garantem os direitos aos povos originários do Brasil, foi preciso ir até Brasília, acampar e pressionar os deputados um a um. O presidente da casa, Ulysses Guimarães, recebeu um cocar para ser lembrado das exigências. Os povos levaram a tinta preta do jenipapo e se pintaram diante de todo plenário, enquanto defendiam as pautas.
A pressão deu resultado e o artigo 231 reconheceu “aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Já o artigo 232, acabou com a tutela do Estado sobre os povos, que não eram tratados como cidadãos capazes de defender seus direitos, sendo representados somente pela voz da Fundação Nacional do Índio (Funai). Está na redação que “os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”.
Atualmente, muito da constituição ainda precisa ser efetivado. Os povos indígenas lutam pela consolidação das demarcações e enfrentam forças retrógradas, que capitaneadas por Bolsonaro, defendem a volta da ditadura militar e querem impor o marco temporal, distorcendo o direito originário previsto na Carta Magna.
“A constituição foi fundamental para reconhecer o nosso direito originário, mas nossa luta nunca acabou. Até hoje precisamos retomar territórios e resistir nos territórios para que nossos direitos sejam cumpridos e respeitados. E agora essa gente cheia de ódio quer impor uma lei absurda que data a nossa existência, mas com a força dos ancestrais e do povo organizado, vamos derrotar eles nas urnas e em seguida na justiça”, anunciou o coordenador executivo da Apib, Dinaman Tuxá.
05/out/2022
O ataque na comunidade Napolepi, em Roraima, também deixou um adolescente gravemente ferido
No domingo de Eleições (02/10), garimpeiros atacaram a comunidade Napolepi, localizada dentro da Terra Indígena Yanomami, no município de Alto Alegre em Roraima . O ataque resultou na morte de uma liderança da comunidade e um adolescente de 15 anos ficou gravemente ferido.
Era por volta de 1h da manhã quando duas embarcações chegaram à comunidade com garimpeiros atirando. Pouco antes do ocorrido, as duas vítimas e outros três indígenas estavam em uma tenda comercial (instalada ilegalmente no território) quando foram avisados do ataque pelo dono do local, que teria recebido o aviso em um grupo de garimpeiros no WhatsApp.
O grupo tentou fugir, mas foi interceptado pelos garimpeiros. A liderança foi assassinada e o adolescente está hospitalizado com um ferimento de uma que bala atravessou o seu rosto e saiu pela nuca. Os demais indígenas caíram no Rio Uraricoera durante o ataque.
Nas redes sociais, a Hutukara Associação Yanomami pede que as autoridades retirem os garimpeiros da Terra Indígena. O caso já foi registrado na Polícia Federal (PF), Ministério Público Federal (MPF) e na Fundação Nacional do Índio (Funai), solicitando com urgência a presença da Força Nacional na comunidade para impedir novos ataques.
“Não aguentamos mais as constantes violações contra nossas crianças, família e a Terra Indígena Yanomami. Clamamos às autoridades por uma resposta efetiva e imediata!”, diz Dário Kopenawa, vice-presidente da Associação em seu perfil no Twitter.
Abaixo, confira a nota da Hutukara:
Em setembro, a Hutukara denunciou a morte de nove crianças Yanomamis entre julho e setembro deste ano, todas vítimas de doenças tratáveis. A TI sofre com a presença de mais de 20 mil garimpeiros e a falta de estrutura da saúde, onde médicos são expulsos pelo garimpo como relatado na reportagem “Nove crianças indígenas morrem sem atendimento de médicos, expulsos pelo garimpo” do site Sumaúma.
03/out/2022
Foto: Christian Braga
Maioria das candidaturas são oriundas de terras homologadas, demonstrando mobilização coletiva pela retomada de processos paralisados
Com mais de 446 mil votos, as candidaturas que integram a Bancada Indígena demonstraram a força da mobilização coletiva para ocupação das Casas Legislativas estadual e federal, encabeçando, principalmente, a questão da identidade territorial por meio da retomada da demarcação de territórios, principal luta do movimento indígena.
Nos Estados, a maioria das candidaturas assumiu a defesa do território por meio da bandeira da reforma agrária agroecológica popular, unindo-se a movimentos de defesa da soberania alimentar, de luta contra a hegemonia de agrotóxicos e de direitos ao acesso à Educação e Saúde dentro de assentamentos.
Dos 30 candidatos indígenas apoiados pelo projeto Campanha Indígena, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), 21 são oriundos de terras já demarcadas e homologadas, que saíram em defesa da demarcação dos territórios.
Entre as 728 terras indígenas existentes no País, 310 ainda aguardam o reconhecimento do Estado brasileiro, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), procedimento que está paralisado há quatro anos.
“O território representa a atividade produtiva para sustento próprio, a identidade de um povo, além de garantir seu bem-estar, fator necessário à reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Não é possível pensar na sobrevivência de povos sem território. Por isso esta é luta por nossa própria sobrevivência”, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kleber Karipuna.
Ele destaca ainda que o fortalecimento dos territórios constitui a melhor estratégia do País para combater o aquecimento global: em 35 anos (1985 a 2020), as terras indígenas foram as áreas mais preservadas do Brasil com registro de desmatamento e a perda de floresta de apenas 1,6%.
“Este é o principal ganho do movimento Aldear a Política: enraizar na sociedade a ideia de os povos indígenas são parte da solução, se apresentam como alternativa viável ao modelo de exploração que nos trouxe até aqui”, completa Karipuna.
O número expressivo de candidatos indígenas nas eleições gerais deste ano – 186 -, o maior já registrado pelo Tribunal Superior Eleitoral, é fruto da indignação e mobilização dos povos originários com a política de morta contra os povos indígenas praticadas pelo Governo do presidente Jair Bolsonaro e pela bancada do agronegócio no Congresso Nacional.
Desempenho
A eleição de duas candidatas da Bancada Indígenas à Câmara Federal marca um novo momento da política nacional com maior representatividade de povos tradicionais e possibilidade de estabelecimento de novos marcos para a cultura de formulação das políticas que ditam os rumos do País.
Célia Xakriabá foi eleita por Minas Gerais com 101.154 votos e Sônia Guajajara por São Paulo, com 156.966 votos. Ambas são as primeiras indígenas a representar os respectivos estados em Brasília.
O número de mulheres candidatas indígenas nas Eleições 2022 foi o responsável pelo crescimento de parentes postulantes a um cargo eletivo desde 2014: a participação delas registrou um aumento de 189%, passando de 29 para 84 candidaturas. O crescimento dos candidatos homens nesse período foi de 78,5%.
No Norte, a candidata estreante no pleito eleitoral pelo Amazonas, Vanda Witoto (Rede) conquistou a marca de 25.382 votos para a vaga de deputada federal. Técnica de enfermagem por formação, ela ganhou destaque durante a pandemia de Covid-19 ao defender atendimento digno para indígenas nos hospitais e a construção de um hospital de campanha dentro do Parque das Tribos, território urbano em Manaus que abriga diversas etnias.
Com 11.221 votos, a primeira indígena eleita deputada federal, Joênia Wapichana, alcançou mais eleitores do que três candidatos eleitos pelo estado de Roraima e foi a mais votada da federação Psol-Rede no Estado. No entanto, acabou não ficando com a vaga por conta do sistema de escolha de deputados estaduais e federais que segue a proporcionalidade: o total de votos válidos é dividido pelo número de vagas que cada estado tem na Câmara Federal ou nas assembleias estaduais.
Em Santa Catarina, Kerexu Guarani totalizou 35.215 votos, tornando-se a mais votada da Federação Psol-Rede. Ela é a primeira cacica Guarani reconhecida no Brasil; coordenadora regional da Comissão Guarani Yvyrupa, da Apib e da Articulação Nacional de Mulheres Indígenas Guerreiras Da Ancestralidade (Anmiga), organização que ajudou a criar.
Nos estados dominados pelo Agro, os candidatos a deputado federal Almir Suruí (RO) e Lúcio Xavante (MT) demonstraram força partidária ao serem os mais votados do PDT: 3.769 e 3.191, respectivamente.
Também foi representativa a conquista de 4.768 votos que a candidata a deputada estadual pelo Psol, Val Eloy, obteve em Mato Grosso do Sul, estado que deu a maioria dos votos a Bolsonaro (52,70%) e sede eleitoral de duas candidatas a presidente com discurso favorável ao agronegócio: Simone Tebet (MDB) e Soraia Thronicke, ambas eleitas ao Senado em 2018. Além disso, o povo Guarani Kawioá paga com a vida a luta pela demarcação do território no Estado que cerca os indígenas com o agronegócio.
Ainda entre os candidatos a estadual, Chirley Pankará (Psol) conseguiu 27.802 votos para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Foi a primeira mulher indígena a ocupar a Assembleia Legislativa de São Paulo como codeputada pela Bancada Ativista, eleita em 2018.
02/out/2022
Foto: Jornalistas Livres
Em votação histórica, estados de SP e MG elegem Sônia Guajajara e Célia Xakriabá como representantes do levante dos povos originários no País.
Resultado histórico para o movimento indígena, a eleição de duas candidatas indígenas à Câmara Federal marca um novo momento da política nacional com maior representatividade de povos tradicionais e possibilidade de estabelecimento de novos marcos para a cultura de formulação das políticas que ditam os rumos do País.
O saldo representa um crescimento de 100% em relação à última eleição proporcional, em 2018, quando a deputada federal Joênia Wapichana tornou-se a primeira mulher indígena eleita ao Congresso Nacional.
O número de mulheres candidatas indígenas nas Eleições 2022 foi o responsável pelo crescimento de parentes postulantes a um cargo eletivo desde 2014: a participação delas registrou um aumento de 189%, passando de 29 para 84 candidaturas. O crescimento dos candidatos homens nesse período foi de 78,5%.
A eleição de candidatos indígenas, movimento denominado Aldear a Política, é uma mobilização para garantir um projeto de vida, voltado à biodiversidade e à defesa dos direitos humanos. “É uma articulação por uma reparação histórica que vem para romper com avanço do projeto genocida e de privilégio de lucros e exploração da natureza em detrimento da vida”, afirma o coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kleber Karipuna,
O resultado é fruto da luta política do movimento indígena que vem se articulando de forma organizada desde 2004 por meio do Acampamento Terra Livre, onde são discutidas pautas fundamentais aos povos originários, mobilização contra as violações de seus direitos e reivindicação do cumprimento dos mesmos junto ao Governo Federal.
A pressão promovida pelo movimento indígena este ano foi fundamental para frear o avanço do Projeto de Lei 191/20, sobre a mineração em Terras Indígenas, cujo regime de urgência foi aprovado pelo plenário da Câmara no mês de março, a partir de uma manobra que partiu do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), passando com 279 votos a favor.
Kleber Karipuna ressalta ainda o caráter estratégico de promover uma Bancada Indígena nas Eleições 2022 por meio do movimento “Aldear a política”, ou seja, a ocupação dos espaços de decisão como a afirmação da luta indígena na pauta nacional.
“A política é território indígena. São nestas instâncias que se travam as lutas por leis que garantem políticas públicas para os diversos setores da sociedade e a representação indígena é mais do que urgente, é uma questão de vida e resistência em um contexto onde estão claros os interesses pela eliminação dos povos originários por meio dos ataques aos seus territórios”, afirma Karipuna que também é coordenador político da Campanha Indígena.
Nos últimos dez anos, entre 2012 e 2022, o percentual de leis aprovadas pelo Executivo caiu de 56,5% para 29%, enquanto as proposições com origem no Congresso Nacional aumentaram 70,9%, segundo levantamento da Action Relações Governamentais.
A disputa nas eleições de 2022 envolveu os cargos de Presidência da República, 27 governos estaduais e o DF, 27 Senadores, 513 Deputados Federais, 1.035 nas Assembleias Legislativas dos estados, além de 24 deputados distritais.
Histórico
Apenas dois candidatos indígenas foram eleitos nos dois últimos pleitos proporcionais: em 2014, José Carlos Nunes da Silva, o Nunes (PT-ES), foi eleito deputado estadual no Espírito Santo, o único candidato indígena a assumir um cargo legislativo em todo o Brasil. Já em 2018, Joênia Wapichana (Rede-RR) entrou para a história como a primeira indígena a ocupar uma cadeira na Câmara Federal.
Wapichana foi a responsável por articular a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, com 237 parlamentares, da qual se tornou coordenadora. A frente, criada em 2019, vem representando o principal contraponto às ações da Frente Parlamentar da Agropecuária, criada em 1995 e composta de 280 parlamentares.
“A eleição da Joênia foi um marco não apenas pelo fato histórico da eleição em si, mas, principalmente, por todo o ato de resistência contra a agenda de morte do Congresso e pelo levante que ajudou a inspirar dentro do movimento indígena e na sociedade em geral. Foi ela a responsável pela maioria dos discursos e manifestos contrários à política indigenista do Governo Federal: um grito em favor da vida”, afirma Kleber Karipuna.