Sob ameaças de Bolsonaro, STF pauta para 1º semestre de 2022 o julgamento sobre aplicação do marco temporal na demarcação de terras indígenas

Sob ameaças de Bolsonaro, STF pauta para 1º semestre de 2022 o julgamento sobre aplicação do marco temporal na demarcação de terras indígenas

No dia 17 de dezembro de 2021, foi divulgada a data da sessão de julgamento do STF que deverá decidir sobre a aplicação da tese do marco temporal, como ficou conhecida, aos processos de demarcação de terras indígenas no Brasil: 23 de junho de 2022.

A tese do marco temporal é uma interpretação defendida por ruralistas e interessados na exploração de terras indígenas que, caso aplicada, restringe severamente o direito das comunidades às terras que tradicionalmente ocupam, previsto no artigo 231 da Constituição.

Eleito com um discurso racista e contrário à demarcação das terras indígenas – Bolsonaro chegou a afirmar em 2017 que não demarcaria “um centímetro a mais de terra indígena” –, o atual Presidente da República já anunciou que vai “tomar uma decisão” caso o STF decida a favor das comunidades indígenas.

Bolsonaro também indicou dois ministros para o Supremo Tribunal Federal: Nunes Marques, que tomou posse em agosto do ano passado, e André Mendonça, que tomou posse no dia 16/12/2021, e já declarou inclusive contar com o suporte do último em julgamentos estratégicos como o do marco temporal.

Mas o que é o marco temporal e por que essa tese viola o direito das comunidades indígenas às suas terras tradicionais?  E de onde vem a competência do STF pra proferir esse tipo de decisão?

O julgamento sobre a TI Raposa Serra do Sol e o caso Xokleng vs. Estado de Santa Catarina.

Desde a colonização, foram diversas as formas como o Estado tratou as comunidades indígenas, passando do extermínio direto e escancarado e a escravização até uma política de “assimilação” que sugeria converter o indígena em força de trabalho, esperando que, com isso, abrisse mão de sua identidade, cultura, práticas e costumes ancestrais.

A ditadura militar acirrou essa política integracionista que transformou o indígena em inimigo público e percebia a sua presença como obstáculo ao progresso: para dar um exemplo, só na construção da transamazônica, chamada de “legado” dos militares por Bolsonaro, cerca de 8 mil indígenas foram mortos, cortando terras de 29 etnias, sendo 11 de povos isolados. É desse período a criação da FUNAI – Fundação Nacional do Índio e do Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973).

Com a Constituição de 1988, as comunidades indígenas conquistaram o reconhecimento de seus “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, conforme o texto do art. 231. A constituição não fixou nenhum marco temporal pra que a terra fosse considerada indígena.

Por isso, terra tradicionalmente ocupada é aquela utilizada pela comunidade para realizar suas atividades tradicionais e de subsistência, independente do tempo de ocupação, como está na Convenção nº 169 da OIT, já que esses povos são constantemente expulsos e ameaçados em seus territórios.

Contudo, em 2009, no julgamento do caso da terra indígena Raposa Serra do Sol, o STF entendeu que a terra pertencia à comunidade porque já estava sendo ocupada quando a Constituição foi promulgada, em 05/10/1988, além de fixar inúmeras condicionantes à demarcação de terra indígena.

Dessa forma, ao fixar um marco temporal que não estava na Constituição, o STF atribuiu um ônus às comunidades indígenas que não foi estabelecido pelo legislador constituinte, nem consta de qualquer lei, o que, ao violar a regra geral de interpretação dos direitos fundamentais prevista no art. 5º, inciso II, da Constituição de 1988, acaba transferindo para as populações indígenas a conta histórica do genocídio e das remoções forçadas.

Mesmo que a decisão proferida pelo STF no caso Raposa Serra do Sol não tenha efeito vinculante e o próprio STF tenha reconhecido em 2013 que esse marco só se aplicava àquela decisão, a Advocacia-geral da União – AGU vem defendendo a aplicação irrestrita das condicionantes utilizadas naquele caso, de modo que só fosse considerada terra indígena aquela que estava sendo ocupada em 05/10/1988, entendimento que vem sendo utilizado em ações de reintegração de posse e expulsões, como é o caso do processo do Estado de Santa Catarina contra o povo indígena Xokleng.

Essa é a tese que está em discussão no STF.

A discussão sobre a constitucionalidade do chamado “microssistema de precedentes judiciais obrigatórios”

O STF atribuiu repercussão geral ao RE 1.017.365 – processo Xokleng vs. Estado de Santa Catarina. Isso quer dizer que a decisão tomada pode constituir precedente obrigatório em todos os processos que envolvam direito dos povos indígenas a seus territórios ancestrais.

É importante chamar a atenção para a diferença entre a decisão vinculante do STF e o precedente judicial obrigatório: a Constituição de 1988 atribuiu ao STF a competência para tomar decisões dotadas de eficácia vinculante, ou seja, que devem ser observadas por todo o judiciário e administração pública: são apenas as chamadas súmulas vinculantes e as decisões tomadas em controle concentrado de constitucionalidade (artigos 102, § 2º, e 103-A da Constituição).

Contudo, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe a possibilidade de que o STF e demais Tribunais tomassem decisões que tivessem o caráter de “precedente judicial obrigatório”, adotando uma tese que, mesmo não se enquadrando nas hipóteses trazidas inicialmente na Constituição, deveria ser aplicada a todos os processos semelhantes.

Essa possibilidade tem sido objeto de críticas e questionamentos quanto à sua constitucionalidade, de um lado, porque atribui ao judiciário a possibilidade de editar preceitos gerais e abstratos fora das hipóteses autorizadas pela Constituição; de outro, porque, atribuindo a essas decisões uma autoridade que não resulta do texto constitucional, também limita o direito à ampla defesa e ao contraditório das partes que não integraram o processo em que o precedente foi formado.

Isso quer dizer que mesmo as teses fixadas pelo STF em julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral podem e devem ter sua aplicação questionada em cada caso, inclusive por meio de controle concreto de constitucionalidade, quando sua utilização resultar em violação a direitos constitucionais das comunidades indígenas.

O marco temporal contribui para a insegurança territorial das comunidades indígenas e representa um retrocesso jurídico e social

Mesmo sem ter sido finalizado o julgamento, o Ministério Público Federal estima que 27 processos de demarcação de terras indígenas já estão parados por conta do parecer da Advocacia-geral da União.

Essa situação de insegurança jurídica leva ao acirramento dos conflitos nas terras indígenas, das ameaças e violações de direitos humanos e de práticas de exploração ilegal em seus territórios, sem controle ou fiscalização do Estado, resultando em tragédias como a das duas crianças Yanomami que foram mortas sugadas por dragas de garimpo ilegal na comunidade Makuxi Yano, em outubro do ano passado.

Outro caso emblemático é o da TI Dzorobabé, da etnia Tuxá, na região de Rodelas-BA. Nos anos 80, a comunidade viu suas casas e parte de suas terras inundadas com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaparica (atual UHE Luiz Gonzaga), sob a condução da Cia. Hidrelétrica do São Francisco – CHESF e com financiamento do Banco Mundial, que resultou no alagamento de 07 municípios e no reassentamento de cerca de 10,5 mil famílias.

Até hoje, as famílias Tuxá não foram indenizadas pelos danos decorrentes do reassentamento forçado, e são vítimas de processo de reintegração de posse sobre sua terra ancestral Dzorobabé, que está suspenso aguardando a decisão do STF sobre o marco temporal, muito embora a Justiça Federal já tenha condenado a União e a FUNAI a iniciarem o processo de demarcação.

Na contramão, Bolsonaro enviou ao Congresso, no início de 2020, o PL 191/2020, que espera facilitar a exploração de terras indígenas. O governo federal também desengavetou a proposta de construir a Usina nuclear de Itacuruba, um megaprojeto de instalação de 06 reatores nucleares às margens do Rio São Francisco, com impactos diretos sobre inúmeros povos indígenas e quilombolas.

A insegurança territorial também foi um dos fatores que dificultou o estabelecimento de barreiras sanitárias nas comunidades indígenas em meio à pandemia de coronavírus: atualizado até 24/12/2021, o Boletim epidemiológico da SESAI registrou 56.612 casos confirmados de COVID-19, com 847 óbitos.

O marco temporal transfere para as populações indígenas a conta histórica do Estado brasileiro pelo genocídio e pelas remoções forçadas

Embora o Governo Bolsonaro tenha representado o acirramento do desmonte institucional dos mecanismos de efetividade dos direitos indígenas, resultando no aumento das ameaças e violações de direitos humanos, a verdade é que, desde a Constituição de 1988, o Estado não cumpriu o dever de fazer a demarcação das terras indígenas.

Para ilustrar, no Governo Dilma Rousseff (PT – 2011-2016), com um programa marcadamente desenvolvimentista, apenas 21 TI foram homologadas, contra 79 no Governo Lula (PT – 2003-2010) e 145 no Governo FHC (PSDB – 1995-2002), ao passo que, após o golpe de 2016, apenas 1 TI foi demarcada, enquanto 536 territórios permanecem sem qualquer providência estatal para sua regularização.

A ratificação da tese do marco temporal pelo STF representaria um profundo golpe contra a autodeterminação e afirmação dos povos originários, confirmando a conivência e protagonismo do Estado com o massacre e criminalização dos povos indígenas do Brasil, concretizados na negligência com o dever constitucional de demarcar, proteger e respeitar os direitos dessas populações a permanecerem nas terras que tradicionalmente ocupam.

Essa conivência apenas denuncia as condições estruturais de formação do Estado brasileiro: sem a participação democrática dos povos originários e contra a sua presença. Revela também a cumplicidade dos partidários de um programa de desenvolvimento amparado na expansão da fronteira agrícola e na exploração de terras ancestrais, contra o poder de decisão e autodeterminação das comunidades tradicionais.

Ayrumã Flechiá Tuxá, indígena do povo Tuxá, estudante de direito na UFBa, membro do Serviço de Apoio Jurídico da UFBA (SAJU/UFBA) e do Instituto Mahin Gama;

Douglas Mota, advogado, membro do Instituto Mahin Gama.

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https://brasil.elpais.com/brasil/2021-08-20/nem-um-centimetro-a-mais-para-os-indigenas-e-para-a-biodiversidade-no-brasil-de-bolsonaro.html.

https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/12/4971093-bolsonaro-sobre-novo-marco-temporal-nem-era-para-ser-discutido.html

Cf. Brasil. Comissão Nacional da Verdade. Violação de direitos humanos dos povos indígenas. In. CNV, Relatório da Comissão Nacional da Verdade, v. III. Brasília: CNV, 2014. (Disponível em: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_3_digital.pdf).

“Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes.” Art. 14, 1, da Convenção nº 169 da OIT, consolidada no Dec. nº 10.088/2019 (disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D10088.htm#art5).

Cf. Acórdão (decisão) proferido no julgamento do PET nº 3.388/RR (caso Raposa Serra do Sol), sob relatoria do Min. Carlos Ayres Britto, disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630133.

O art. 5º, inciso II, da Constituição, dispõe que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, de modo que o texto constitucional veda ao judiciário interpretações que imponham a particulares obrigações que não foram fixadas em Lei.

Cf. decisão do STF em julgamento de embargos de declaração na PET nº 3.388/RR (caso Raposa Serra do Sol), disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5214423.

A defesa, pela AGU, da extensão das chamadas “salvaguardas institucionais” adotadas no caso Raposa Serra do Sol (PET nº 3.388 RR) aos demais processos de demarcação de terras indígenas teve início ainda no Governo Dilma Roussef, com a Portaria nº 303/2012, e, após o golpe de 2016, foi ratificada no Parecer nº 0001/2017/GAB/CGU/AGU, disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/19185923/do1-2017-07-20-parecer-n-gmf-05–19185807.

Cf. NERY Jr, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 16ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1983.

Cf. inteiro teor do PL nº 191/2020, disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1855498&filename=PL+191/2020.

Cf. Boletim epidemiológico da SESAI, disponível em: http://www.saudeindigena.net.br/coronavirus/mapaEp.php.

Cf. Relatório CIMI/2020 “Violência contra povos indígenas”, disponível em: https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-povos-indigenas-2020-cimi.pdf.

 

Vacina Parente: Exigimos a imunização de todas as crianças indígenas

Vacina Parente: Exigimos a imunização de todas as crianças indígenas

Foto: Cícero Bezerra

A luta da APIB junto ao Supremo Tribunal Federal, com a ADPF 709, garantiu a inclusão dos povos indígenas como grupo prioritário na vacinação contra Covid-19. 

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), juntamente com suas organizações regionais de base, manifesta apoio à decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de iniciar a imunização contra Covid-19 de crianças de 5 a 11 anos. Nesse sentido, exigimos a inclusão de todas as nossas crianças indígenas, as que vivem dentro e fora de territórios homologados, na campanha de vacinação e a continuidade da vacinação dos adolescentes de 12 a 18 anos. 

A luta da Apib junto ao Supremo Tribunal Federal, com a ADPF 709, garantiu a inclusão dos povos indígenas como grupo prioritário na vacinação contra Covid-19, incluindo os povos que vivem no Brasil como povo Warao, que é refugiado da Venezuela. Nesse sentido, queremos a garantia de que a totalidade de nossas crianças sejam incluídas de forma prioritária no programa de vacinação. 

Manifestamos também nosso repúdio aos constantes ataques feitos pelo Governo Bolsonaro contra a decisão da Anvisa, o órgão da administração federal responsável pela verificação das condições da qualidade, segurança e eficácia de uma vacina. A decisão da Anvisa foi realizada no dia 17 de dezembro de 2021 e está baseada em dados epidemiológicos nacionais e internacionais sobre o impacto da COVID-19 nas diferentes faixas etárias, considerando o risco de infecção, transmissão, e agravamento (hospitalização e morte) e dados dos estudos sobre a eficiência e segurança da vacinação de crianças. 

A pandemia ainda não acabou e é preciso seguir com os cuidados para evitar o aumento de casos e de mortes pela Covid-19. Além da vacina, reforçamos o uso de máscara, álcool 70% e prezar pelo distanciamento social. 

Carta da 17° Assembleia Geral Munduruku do Médio Tapajós

Carta da 17° Assembleia Geral Munduruku do Médio Tapajós

Reunidos em assembleia entre os dias dias 18 e 20 de dezembro, na aldeia Sawre Jaybu, o povo Munduruku do Baixo Tapajós reafirma luta incansável contra as violências e explorações e segue com pautas importantes contra o governo brasileiro e cobra pelo cumprimento de ações pertinentes afirmadas em carta final da assembleia.

Carta da 17° Assembleia Geral Munduruku do Médio Tapajós: 

Nós, Munduruku do Médio e Alto Tapajós, junto com representantes da Federação dos Povos Indígenas do Pará, parentes Kayapó e Kumaruara, estivemos reunidos na 17ª Assembleia Geral Munduruku do Médio Tapajós entre os dias 18 e 20 de dezembro de 2021. Discutimos a demarcação de nossas terras e a proteção do nosso território, incluindo lugares sagrados que estão fora das terras demarcadas.  

Já explicamos em diversas cartas que toda a Bacia do rio Tapajós tem marcas de nossos antepassados e está cheia de lugares importantes para nossa existência como povo Munduruku. Mesmo assim, não paramos de ser surpreendidos pelo Governo e pelas empresas que querem destruir nosso território e a vida do povo Munduruku. No início do mês de novembro de 2021, recebemos a notícia de que o Governo está estudando como “destravar” a construção de novas hidrelétricas, incluindo São Luiz do Tapajós, falando do potencial energético do rio Tapajós. Foi por causa dessa hidrelétrica que a Funai demorou três anos para assinar o RCID da TI Sawre Muybu.

As demarcações das terras indígenas Munduruku do médio Tapajós continuam ameaçadas por hidrelétricas, hidrovia, ferrovia, portos e projetos de exploração mineral, tanto Sawre Muybu como Sawre Ba’pim. O Governo atual não tem interesse em demarcar nossas terras, muito pelo contrário. Bolsonaro foi eleito com a promessa de que não demarcaria nem um centímetro de Terras Indígenas e colocou na Funai um representante dos ruralistas que está cumprindo bem essa promessa. Apesar de termos sido informados na Funai em Brasília que as contestações à TI Sawre Muybu foram respondidas e o processo estava pronto para seguir para o Ministério da Justiça, recebemos notícia de que a Presidência da Funai fez o processo andar para trás e pediu nova análise. Agora, dá a desculpa de que precisa aguardar o julgamento do marco temporal, mais esse enorme ataque aos nossos direitos territoriais.

Mesmo a TI Kayabi, onde também vivemos, que é homologada, está ameaçada pelo marco temporal. O Governo, com apoio da Funai, está querendo negociar a redução de parte da Terra Indígena localizada no estado do Mato Grosso. Já teve a decisão liminar do Ministro Luíz Fux de suspender o registro em cartório da nossa Terra, usando o argumento do marco temporal. Nem precisamos dizer que os Munduruku ocupam tradicionalmente a região do Teles Pires há séculos, inclusive, há lugares sagrados no rio Teles Pires – como Karobixexe e Dekoka’a – que já foram destruídos por duas barragens hidrelétricas. Não permitiremos mais ataques à nossa vida e ao povo Munduruku.

A demarcação da TI Sawre Ba’pim segue a passos muito lentos. Depois de quase dez anos, recebemos a notícia de que os estudos foram concluídos e de que o Relatório foi enviado para Brasília, mas que o processo parou de novo no departamento de demarcação. O nosso cacique Suberalino Saw, grande liderança que lutou pela demarcação dessa terra, faleceu e não viu a demarcação ser concluída. Quantas lideranças que lutaram por essa Terra vão falecer antes de a Funai concluir essa demarcação? Não vamos esperar mais. Já fizemos a autodemarcação da TI Sawre Muybu e sabemos como agir quando o Estado não cumpre o seu papel.

As Terras Munduruku e Sai Cinza continuam invadidas por garimpos, trazendo destruição de rios e floresta, doenças e muita violência para nosso povo. Não temos nem como contar quantas cartas e denúncias já fizemos sobre isso e não vemos nenhuma solução definitiva.

Exigimos que:

– o processo de demarcação da TI Sawre Muybu seja encaminhado para declaração do Ministro da Justiça

– a Funai publique o resumo do Relatório Circunstanciado da Terra Indígena Sawre Ba’pim.

– o cumprimento das decisões do STF de retirada dos garimpos e a permanência da Força Nacional em Jacareacanga.

– a decisão do Ministro Luíz Fux seja revertida, que a TI Kayabi seja registrada em cartório com urgência e a Funai e a AGU cumpram seu dever constitucional de proteger as Terras Indígenas, não negociáveis e de usufruto exclusivo dos povos indígenas. 

Decisão judicial dificulta chegada de água e vacina a aldeias pataxós na BA

Decisão judicial dificulta chegada de água e vacina a aldeias pataxós na BA

Sem luz, sem água potável e sem perspectiva de melhora, o povo pataxó que vive no território de Ponta Grande, na região de Porto Seguro (BA), enfrenta, além da pandemia de covid-19 e das consequências da forte chuva que atingiu a região, uma decisão judicial que veta a “implantação de serviços básicos de qualquer natureza”. Na prática, o território não pode fazer melhorias em pontos de energia —já precários— ou obras de saneamento básico. As chuvas atingiram as poucas instalações elétricas, dificultando o uso de eletrodomésticos.
“A queda de energia é frequente, porque a rede daqui é ‘gato’ e somos cem famílias usando a mesma rede”, explica Thyara Pataxó, liderança indígena da aldeia Novos Guerreiros, uma das cinco aldeias pataxós localizadas no território.

As cinco aldeias —Mirapé, Nova Coroa, Txihí Kamaiurá e Ytapororoca, além da Novos Guerreiros— concentram cerca de mil famílias que foram duramente atingidas pelas chuvas no início deste mês. Thyara relata que, em meio ao drama de perderem suas casas, muitos têm sofrido com alergias e coceiras na pele por causa da má qualidade da água disponível para beber. “Usamos a água de poços artesianos construídos por nós”, diz. “Mas, com as chuvas e sem saneamento, ficamos com áreas de esgoto aberto que acabam contaminando os poços. Por falta de opção as famílias continuam bebendo desta água.”

A água retirada dos poços é amarela e apresenta um forte cheiro. Thaya afirma que a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) não considera a água própria para consumo. Procurada pelo UOL, a secretaria não retornou sobre o assunto. Lethicia Reis, assessora jurídica do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), afirma que a proibição também afetou a campanha de vacinação contra o coronavírus nas aldeias. “Não pudemos reforçar a distribuição de água para ter congelador que armazenasse as doses de vacina. Tivemos de colocar [os imunizantes] em outras terras indígenas”, explica ela. Marcelo Bloizi, advogado dos pataxós, observa que, mesmo no grupo prioritário da vacinação, os indígenas tiveram “sufocado o direito à saúde” pelo Poder Judiciário. “A gente sabe o quanto a água foi importante neste período de pandemia, principalmente para a higiene. Como você mantém a água potável numa área sem poder reformar as instalações?”, questiona.

Decisão segue pedido de reintegração de posse

A determinação judicial que proíbe obras para implementar luz e água no território veio do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) e acata um pedido da Goés Cohabita, tradicional construtora baiana que move o processo contra os pataxós desde 2003. A empreiteira tem um longo histórico de processos de reintegração de posse na área, sendo o primeiro deles em 1997. A decisão pegou não só as comunidades de surpresa como também os advogados, que alegam não terem sido informados deste pedido da empresa. “Isso é relativamente comum”, lamenta Lethicia Reis. A assessora jurídica do Cimi disse que é prática corriqueira a Funai (Fundação Nacional do Índio) ser citada em processos em vez de informarem à comunidade. Isso vem de um período anterior à Constituição de 1988.
“Antes, a Funai tinha uma atitude de garantir a permanência dos indígenas ali. Mas a situação ficou mais grave no governo de Jair Bolsonaro, porque o entendimento interno mudou. Agora, usam a tese da mínima defesa, em que só defendem aldeias indígenas já demarcadas.” Lethicia Reis, assessora jurídica do Cimi.

Além da natureza da decisão, surpreendeu também a data em que foi publicada: 13 de novembro de 2020, seis meses após o ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspender qualquer ação de reintegração de posse em terras indígenas durante a pandemia ou antes que seja definida a votação do marco temporal, ainda em julgamento no Supremo. A defesa dos pataxós recorreu ao STF, mas o ministro Nunes Marques manteve a decisão do TRF-1. Em nota enviada ao UOL, o advogado Manoel Almeida Neto, representante jurídico da Goés Cohabita, afirma que o pedido foi feito em 2019, “após reiterados descumprimentos de ordens judiciais”, quando foram instalados pontos de luz por meio de um programa social do governo da Bahia. Almeida Neto argumenta que as instalações são ilegais, já que a área original não pode mais sofrer alterações desde que o processo de reintegração foi determinado. A defesa dos indígenas, por outro lado, disse que a presença deles no local é anterior à chegada da construtora e que, nos autos do processo, o procurador da Bahia conclui que a matrícula em nome da Goés Cohabita é irregular.

O parecer, publicado em 2015, de fato indica irregularidade na matrícula mãe —que foi desmembrada em várias outras no decorrer dos anos. Nos autos, consta que o terreno adquirido pela construtora não foi devidamente demarcado e que não há provas de que a área tenha sido cedida, doada ou vendida pelo estado da Bahia. “Vale observar que, se assim foi perpetrado o dito registro, em verdade fora levado indevidamente a registro no Cartório de Imóveis, mascarando “posses” em terras devolutas do Estado como se propriedades particulares fossem, criando-se, assim, a grande confusão fundiária existente no Estado da Bahia”, diz trecho do texto assinado pelo procurador estadual Odilair Carvalho Júnior.

Disputa pela área inclui outros processos Marcelo Bloizi compara o processo a uma hidra, representada na mitologia grega por uma criatura com várias cabeças de serpente; a cada cabeça que fosse cortada, nasciam outras no mesmo lugar. O desmembramento da matrícula mãe em várias outras originou uma série de medidas judiciais contrárias ao povo pataxó. É como uma hidra. Parece que você enfrenta um e já vêm os outros [processos], que entram com medidas judiciais contra para resguardar um direito de propriedade.” Marcelo Bloizi, advogado dos pataxós Bloizi também menciona uma decisão judicial de 1997 que reconheceu a presença dos indígenas na região antes da chegada da construtora. O processo (1997.33.01.001294-4) diz que “conclui-se ser a posse dos índios anterior à dos autores”. Embora a decisão não tenha sido localizada em sistemas eletrônicos de Justiça, ela é citada no segundo volume do “Tratado de Direito Constitucional”, coleção publicada em 2012 sob coordenação dos juristas Ives Gandra Martins, Gilmar Ferreira Mendes e Carlos Valder do Nascimento.
A Goés Cohabita afirma que em 2004 já contava com o reconhecimento da Justiça de que havia um “risco iminente de invasão de propriedade”. “Mesmo assim, em 2006, os indígenas invadiram a área privada e a Justiça converteu a decisão descumprida em reintegração de posse. Desde então, os indígenas vêm progressivamente ocupando a extensão da área em descumprimento às ordens judiciais e tentando junto do TRF-1 a supressão dos efeitos das decisões, sem sucesso”, diz o texto enviado por Almeida Neto. Bloizi argumenta que a decisão judicial também prejudica os pataxós na Justiça, já que o território ficou com pouca ou nenhuma energia e, diante das inundações provocadas da chuva, soma-se a dificuldade de deslocamento na região. “Até pedi a compreensão do MPF (Ministério Público Federal) para aceitar um recurso sem procuração diante das circunstâncias, porque eles estão sem energia elétrica para poder imprimir os papéis que necessitam de assinaturas e mesmo dificuldade de chegar a algum local onde possam fazer isso”, conclui. O TRF-1 estipulou que, em caso de manutenção da rede elétrica ou “continuidade de obras de distribuição de água na localidade”, a multa diária será de R$ 20 mil.

Matéria originalmente publicada no UOL em 23/12/2021

MNI: Basta de Privatização da saúde indígena!

MNI: Basta de Privatização da saúde indígena!

A Mobilização Nacional Indígena (MNI), publicou hoje uma Nota Técnica sobre a minuta do edital de chamamento público da Sesai para contratação de entidades privadas sem fins lucrativos divulgada em 9 de novembro de 2021. O documento aponta indícios de aprofundamento da estratégia de privatização da saúde indígena que se insere em cenário amplo, que tem ocorrido na atenção primária no SUS, e se relaciona com as tentativas em março de 2019 de extinção de Sesai e municipalização da saúde indígena, com a extinção do departamento de gestão da Sesai, diminuindo sua capacidade executora e com a criação da Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Lei nº 13.958), que tem como um dos focos os chamados “locais de difícil provimento” dentre eles, os Distritos Sanitários Especiais Indígenas.

A nota chama atenção também para potencial violação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) no item “d” no qual dispõe sobre: “Vigilância em saúde com ênfase na coleta, consolidação, análise de dados e disseminação de informações sobre eventos relacionados à saúde dos povos indígenas.” O documento recomenda então que o “edital deve ser mais específico no tratamento dos dados que serão coletados, armazenados, disseminados, bem como a finalidade deste objetivo, para que não haja a violação do direito à privacidade de cada indivíduo, comunidade e povo”.

Outro ponto de gravidade diz respeito ao item 5, quanto aos critérios de elegibilidade e requisitos legais, onde  não consta quaisquer experiências com populações indígenas como requisito. A nota destaca que o edital deveria prever a participação de entidades que já tenham experiência com prestação de serviços de saúde, bem como entidades que tenha experiência no tratamento com os povos indígenas, uma vez que a diversidade cultural, linguista e social dos povos não podem ser empecilho para a prestação de serviços básicos de saúde.

Leia  Nota Técnica completa em:

NOTA TÉCNICA SOBRE A MINUTA DE EDITAL DE CHAMAMENTO PÚBLICO DA SESAI PARA CONTRATAÇÃO DE ENTIDADES PRIVADAS SEM FINS LUCRATIVOS

 

Em 09 de novembro de 2021, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão federal responsável pela coordenação e execução do Subsistema de Atenção a Saúde Indígena (Sasi SUS), divulgou “Minuta do Edital de Chamamento Público” para seleção de entidades privadas sem fins lucrativos na área de saúde para “prestação de serviços complementares na área de atenção à saúde e saneamento ambiental no Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) e nas Casas de Saúde Indígena (CASAI) Nacionais.”[1] A presente nota pretende apresentar reflexões acerca do conteúdo da referida Minuta com vistas a subsidiar as lideranças indígenas, trabalhadores do subsistema, gestores, controle social e entidades parceiras, num debate sobre o tema.

O primeiro alerta que fazemos é com uma ampliação do OBJETO do chamamento que nos parece apontar para transferência de atribuições da Sesai para entidades privadas, e, portanto, um avanço na privatização da saúde indígena. Consideramos que a privatização da saúde indígena se insere em cenário amplo que tem ocorrido na atenção primária no SUS e que se relaciona com: a) as tentativas em março de 2019 de extinção de Sesai e municipalização da saúde indígena; b) extinção do departamento de gestão da Sesai, diminuindo sua capacidade executora; c) criação da Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Lei nº 13.958), que tem como um dos focos os chamados “locais de difícil provimento” dentre eles, os Distritos Sanitários Especiais Indígenas.

Assim, o chamamento perpetua um modelo de gestão terceirizada do Subsistema que, além de contrário aos preceitos da lei.8.080, que preconiza a responsabilidade do Estado pela sua execução, perpetua problemas como: a) interrupções e descontinuidades da atenção a cada nova celebração de convenio; b) descontinuidade da atuação dos trabalhadores que precisam ser demitidos e recontratados periodicamente, prejudicando também a qualificação dos mesmos; c) facilita a interferência política na ocupação dos cargos e postos de trabalho: d) facilita o assédio moral dos trabalhadores; e) transfere para diversas entidades privadas a responsabilidade por diretrizes do Subsistema. Assim, esse modelo de gestão tem falhado na qualidade da atenção ofertada aos povos indígenas e também na articulação com o restante da rede SUS para garantia da integralidade da atenção. Dessa forma, deve-se realizar um amplo debate público com as lideranças e organizações indígenas, representantes do governo, entidades não governamentais, academia, Ministério Publico Federal, entre outros, para que se encontre caminhos alternativos para a execução da saúde indígena.

Destacamos que, em que pese que no documento se encontra repetidamente a descrição como “serviços ou ações complementares” observamos no item 2 que o OBJETO do convênio engloba as principais atribuições do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena e da própria Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) como: a atenção integral à saúde da mulher e à saúde da criança; todas as ações de promoção, proteção e prevenção, tratamento e reabilitação da saúde da família; o sistema de vigilância em saúde, “coleta, consolidação, análise de dados e disseminação da informação” e todo o registro nos sistemas de informações; a imunização e implementação do Plano Nacional de Imunização; Planejamento das ações e analise de indicadores; atenção psicossocial e abordagem de determinantes sociais e ambientais; saúde bucal; articulação interfederativa e pactuação com gestores; apoio as CASAIs; saneamento e edificações de saúde; apoio ao controle social indígena; educação permanente dos trabalhadores; valorização de práticas e saberes tradicionais.

Há que se destacar que mesmo elencando um amplo conjunto de dimensões que abrangem os principais programas de saúde implementados na atenção primária, ainda faltam as dimensões da vigilância e atenção de doenças prevalentes como a malária e tuberculose. Também está ausente a ação quanto a segurança alimentar e a prevenção e atenção a doenças crônicas não transmissíveis como Hipertensão e Diabetes, e para problemas emergentes como câncer e a Covid-19. E, as diretrizes para o saneamento ambiental estão por demais vagas. Nesse sentido o chamamento aponta para uma restrição do âmbito da atuação da atenção primária, movimento que se observa no conjunto da Estratégia de Saúde da Família no país.

Ressaltamos que o Decreto 9.795. de 2019 define que:

 Art. 40. À Secretaria Especial de Saúde Indígena compete:

I – planejar, coordenar, supervisionar, monitorar e avaliar a implementação da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, observados os princípios e as diretrizes do SUS;

II – coordenar o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena para a

promoção, a proteção e a recuperação da saúde dos povos indígenas, e a sua integração ao SUS;

III – planejar, coordenar, supervisionar, monitorar e avaliar as ações referentes ao saneamento e às edificações de saúde indígena;

IV – orientar o desenvolvimento das ações de atenção integral à saúde indígena e de educação em saúde segundo as peculiaridades, o perfil epidemiológico e a condição sanitária de cada Distrito Sanitário Especial Indígena, em consonância com as políticas e os programas do SUS , às práticas de saúde e às medicinas tradicionais indígenas, e a sua integração com as instâncias assistenciais do SUS na região e nos Municípios que compõem cada Distrito Sanitário Especial Indígena;

V – planejar, coordenar, supervisionar, monitorar e avaliar as ações de atenção integral à saúde no âmbito do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena e sua integração com o SUS;

VI – promover ações para o fortalecimento da participação social dos povos indígenas no SUS;

VII – incentivar a articulação e a integração com os setores governamentais e não governamentais que possuam interface com a atenção à saúde indígena;

VIII – promover e apoiar o desenvolvimento de estudos e pesquisas em saúde indígena; e

IX – identificar, organizar e disseminar conhecimentos referentes à saúde indígena.

Nos parece que o chamamento público está transferindo a entidades privadas um conjunto de atribuições da Sesai, principalmente quanto ao planejamento, coordenação, supervisão, monitoramento e avaliação das ações. Mais alarmante é indicar que dimensões políticas como a articulação interfederativa com gestores municipais, estaduais e federais está sendo repassada para entidades privadas, que não possuem assento nas instâncias intergestoras do SUS e não terão respaldo para negociar a integralidade da atenção. Também nos preocupa a transferência para uma entidade privada da coleta e gestão dos dados e sistemas de informação em saúde, o que pode comprometer a segurança desses dados.

Dentre os objetivos do termo de chamamento outro ponto de atenção está o item “d” no qual dispõe sobre:

Vigilância em saúde com ênfase na coleta, consolidação, análise de dados e disseminação de informações sobre eventos relacionados à saúde dos povos indígenas. ” E ainda: “A entidade privada sem fins lucrativos parceira se obrigará a colaborar com o desenvolvimento das políticas públicas à população indígena também mediante as seguintes ações: a) Adotar rotina de envio de dados e estatísticas de perfil da população atendida ou beneficiada, como etnia, idade, sexo e escolaridade, os quais deverão ser consolidados e apresentados no relatório final de execução do objeto, sem prejuízo de atendimento de demanda de informações do ente público parceiro, a qualquer momento, durante a vigência da parceria; b) Aplicar instrumentos de coleta de dados sempre que solicitado pela Administração Pública Federal; 

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais n° 13709/18 para o tratamento sensível dos dados pessoais de pessoas naturais, por pessoas jurídicas de direito público, devendo proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade conforme prever o artigo n° 1 da lei em questão.  Considerando que o artigo 5°, inciso II da lei 13709/16 entende como dado pessoal sensível todas as informações referentes a dados de saúde, não podendo ser replicado sem a devida autorização do usuário, conforme abaixo exposto:

Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:

II – Dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.

Com isso o presente edital deve ser mais específico no tratamento dos dados que serão coletados, armazenados, disseminados, bem como a finalidade deste objetivo, para que não haja a violação do direito à privacidade de cada indivíduo, comunidade e povo.  Nesse sentido, o armazenamento e disponibilização de dados deveria ser de responsabilidade de órgão governamental e não de entidades privadas. Ressaltamos que há que proteger os dados ao mesmo tempo que se garante a transparência e acesso das informações dos sistemas de saúde, necessários para a avaliação e aprimoramento das políticas públicas de saúde[2]. Afinal, a análise da situação de saúde e execução das ações de saúde é fundamental para o planejamento, avaliação e aprimoramento do Subsistema, devendo ser acessível para qualquer cidadão, garantido o anonimato e privacidade dos usuários, da mesma forma como é feito regularmente nos diversos sistemas de informação do SUS, com exceção do Sistema de Atenção à Saúde Indígena (SIASI).

A Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, por meio do Decreto nº 5.051/2004, estabelece ao Governo Brasileiro que adote medidas para que se promova a plena efetividade dos direitos sociais dos povos indígenas.

Outro aspecto  que destacamos é referente aos 07 eixos para as “ações complementares” (p.06) que, por um lado não dão conta do conjunto de dimensões apresentadas no OBJETO do convênio, e tampouco especifica o que seriam “apoio à Educação permanente” e “apoio ao controle social”. Por outro lado, no item “apoio a elaboração de Práticas Integrativas de Saúde voltadas à valorização de práticas e saberes tradicionais” além de imprecisa apresenta um equívoco pois as medicinas indígenas não são entendidas como “práticas integrativas e complementares”, sendo que o debate sobre sua valorização estava previsto para a 6ª Conferência Nacional de Saúde Indígena. Nos parece que o item “apoio às atividades de supervisão e organizações dos processos de trabalho em área” claramente transfere as entidades privadas a definição do modelo de atenção e uma atribuição da Sesai. Por fim, “apoio à manutenção e permanência das equipes multidisciplinares de saúde indígena, profissionais da gestão e no controle social” parece transferir a estruturação e condições de trabalho para as entidades privadas.

A lei 8.080 é bem clara quanto a responsabilidade do Estado em prover os serviços de saúde, no seu conjunto de diretrizes e princípios para o SUS, com destaque para o Artigo 4º:

Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).

  • 1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde.
  • 2º A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar.

Reforçamos que é bastante equivocada a noção de que é nas parcerias com as entidades privadas que estão as estratégias de inovação no enfrentamento aos problemas sociais (pg 6-7). No campo da saúde, as inovações historicamente foram desenvolvimento no âmbito das universidades e serviços públicos.

No item 5, quanto aos critérios de elegibilidade e requisitos legais não consta quaisquer experiências com populações indígenas (p.8). O edital deveria prever a participação de entidades que já tenham experiência com prestação de serviços de saúde, bem como entidades que tenha experiência no tratamento com os povos indígenas, uma vez que a diversidade cultural, linguista e social dos povos não podem serem empecilho para a prestação de serviços básicos de saúde, uma vez que o serviço de saúde deve levar em conta as suas especificidades conforme prever o artigo 25, 2 da OIT 169:

“Os serviços de saúde deverão ser organizados, na medida do possível, em nível comunitário. Esses serviços deverão ser planejados e administrados em cooperação com os povos interessados e levar em conta as suas condições econômicas, geográficas, sociais e culturais, bem como os seus métodos de prevenção, práticas curativas e medicamentos tradicionais.

Pode-se ressaltar ainda previsão legal trazido pela lei federal ao qual dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes ao Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, que versa em seu Art. 19-F sobre diretrizes que deverão ser adotadas afim de respeitar a diversidade dos povos e suas formas de vida:

Lei nº 9.836/99:

Dever-se-á obrigatoriamente levar em consideração a realidade local e as especificidades da cultura dos povos indígenas e o modelo a ser adotado para a atenção à saúde indígena, que se deve pautar por uma abordagem diferenciada e global, contemplando os aspectos de assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração institucional.

No entanto, não há qualquer menção ou previsão legal para que as previsões legais sejam efetivadas pelos órgãos governamentais, tão pouco pela entidade vencedora do certame.

Destacamos que a organização dos lotes, apesar de ser referido “com base no critério orçamentário, de modo haver compatibilidade e proporcionalidade entre os mesmo” (p.20) efetivamente não são apresentados esses critérios orçamentários e tampouco estão claros quaisquer outros critérios inclusive geográficos, com agregação de distritos bastante heterogêneos. Também nos pareceu pouco claros o processo de construção do “Plano de Trabalho” e qual a participação do controle social nesse processo e da sua transparência. Faltam também os indicadores e metas de saúde a serem utilizados como parâmetros no acompanhamento das ações (p.25).

No item 7 (p.12-13), quanto a Comissão de Seleção, não existe quaisquer indicativos ou detalhamentos acerca de sua composição ou se haverá participação indígena, além de como se garantirá a transparência do processo.

As leis do Brasil exigem que o governo consulte os povos indígenas sempre que houver medidas ou decisões legislativas ou administrativas que possam afetá-los diretamente. No art. 231 §3º aborda parte desse direito de consulta que ganha ainda mais detalhes através dos instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil. Aos indígenas pelo texto constitucional é garantido o direito de consulta.

Nos preocupa o item 13.2 (p.34) que deturpa as orientações da Convenção 169, dizendo que a proposta contempla a prerrogativa de consulta dos povos indígenas ao indicar que o “Presidente do Fórum de Conselhos Distritais de Saúde Indígena poderá analisar” as documentações e que “o Presidente de cada Conselho Distrital de Saúde indígena deverá participar de todo processo de execução do Plano de trabalho”. Claramente existe uma restrição da atuação do CONDISI aos seus presidentes, e não envolvimento do conjunto dos conselheiros, e tampouco seu envolvimento no planejamento.

Assim, o presente Edital de Chamada Pública não atende à previsão contida no artigo 6° da Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho, mesmo que mencione a participação livre do Fórum de Presidente de CONDISI, cabe ressaltar que o Art. 19-H da lei 9.836/99 garante às populações indígenas o direito a participar dos organismos colegiados de formulação, acompanhamento e avaliação das políticas de saúde. Não sendo apenas o FP CONDISI suficiente para contemplar o previsto pela Convenção.

O art. 6º da convenção 169 da OIT prevê que as comunidades indígenas têm o direito a serem ouvidas (oitiva constitucional) e consultadas de forma livre, prévia e informada (consulta da Convenção nº 169 da OIT) não apenas por meio de órgão colegiado.

Dessa forma, indicamos que deve-se garantir a continuidade e manutenção da execução das ações e serviços de saúde ofertados pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas e das atividades do controle social indígena, e que quaisquer alterações no caráter das parcerias com entidades privadas deveria ser feita após um amplo debate com lideranças e controle social indígenas, acadêmicos, entidades parceiras, trabalhadores, gestores, Ministério Público Federal, entre outros, e sua validação no âmbito de um Conferência Nacional de Saúde Indígena.

[1] Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/consultas-publicas/2021/consulta-publica-de-revisao-de-minuta-do-edital-de-chamamento-publico-para-contratacao-de-entidades-privadas-sem-fins-lucrativos.

[2] https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/servico-de-informacao-ao-cidadao/sobre-a-lei-de-acesso-a-informacao

Acesse também em: Nota técnica do MNI sobre Edital Sesai

Após denúncias de irregularidades, processo eleitoral na Resex Tapaós-Arapiuns é suspenso

Após denúncias de irregularidades, processo eleitoral na Resex Tapaós-Arapiuns é suspenso

No dia 18 de dezembro, moradores da Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns se reuniram na comunidade de São Pedro, na região do Arapiuns, para fazer a eleição da nova diretoria da Organização das Associações e Moradores da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (Tapajoara). A equipe do Tapajós de Fato foi até a comunidade São Pedro e acompanhou a programação.

Criada em 1998, a área da Reserva é de 677.513,24 hectares, sendo a terceira maior do Brasil, em seu território há 76 comunidades e destas, 42 duas são aldeias, é território de 13500 pessoas, sendo a reserva mais populosa do Brasil, abrangendo áreas dos municípios de Santarém e Aveiro, região do Baixo Tapajós, margem esquerda do rio Tapajós.

O encontro ficou marcado pelas discussões acaloradas no segundo dia, em que a Comissão Eleitoral, escolhida no mês de agosto, conduzia o processo. Uma das pessoas que fazia parte da Comissão Eleitoral era Livaldo Sarmento, morador da Resex, Livaldo fez algumas observações sobre alguns pontos que infligiram o estatuto da Tapajoara e que já eram suficientes para que não ocorresse a votação.

Ao Tapajós de Fato, Livaldo Sarmento explicou o que aconteceu. Inicialmente é preciso saber a diferença entre Assembleia Geral e Reunião do Conselho Comunitário,pois, “segundo o estatuto da Tapajoara, a escolha ou aclamação de nova diretoria deve ser feita em Assembleia Geral. Já o conselho Comunitário, que é formado por três lideranças de cada comunidade ou aldeia, tem poder de deliberar questões administrativas, políticas e financeiras, mas não de empossar uma nova diretoria”- disse Livaldo.

Livaldo explicou também que o atual regimento eleitoral diz que “se houvesse mais de uma chapa, às eleições deveriam ocorrer nas comunidades polo no dia 12 de dezembro e a posse no dia 18 de dezembro”. Em sua fala, ele conta que o edital de convocação falava de “reunião do Conselho Comunitário”, não deveria ter ocorrido eleição, para isso era preciso fazer convocação para Assembleia Geral Ordinária, “a chapa que foi inscrita não poderia ser aclamada na reunião do lá em São Pedro”.

Segundo Livaldo, o que foi decidido na reunião do dia 18 de dezembro foi apenas “o procedimento, a metodologia” pelo qual seria feita a escolha da nova diretoria, que, no caso, o Conselho Comunitário, escolheu que fosse através de aclamação. No entanto, “a chapa não foi aclamada, muito menos empossada, bem como não foi escolhido e nem votado o Conselho Fiscal”.

Livaldo explicou também que em relação à chapa que se colocou para concorrer à diretoria, estava tudo certo, as pessoas que faziam parte da atual diretoria e que compunham parte da nova chapa, se afastaram das atividades internas, cumprindo o prazo previsto de 45 dias.

Livaldo falou também que foi inserido no regimento que “a Tapajoara iria enviar para a Comissão Eleitoral a lista de todos os associados aptos a votar até o dia 12 de novembro”, que seria um mês antes da eleição, se houvesse mais de uma chapa concorrendo. “Mas a direção da Tapajoara não deixou ninguém organizando essa lista”. Uma lista foi entregue à Comissão Eleitoral apenas no dia 27 de novembro e continha apenas o nome de 640 pessoas aptas a votar. Livaldo diz que “tinham muito mais pessoas que estavam aptas a votar” além de ser uma lista incompleta, pois não continha data de nascimento e as identificações dos documentos pessoais” e considera isto mais um descumprimento”.

Entretanto, o artigo 4º do regimento, combinado com o artigo 40, fala que “os associados admitidos a menos de trinta dias antes da data da eleição não poderão votar”, ou seja, quem foi admitido antes, se estivesse com atraso na Tapajoara, poderia quitar as mensalidades e votar na eleição.

Por conta dos diversos momentos de tensão que tiveram, que acabaram comprometendo a reunião, não houve mais nenhum encaminhamento. “A Tapajoara precisa ter uma eleição dentro que estabelece o estatuto e o regimento eleitoral”- disse Livaldo Sarmento.
O morador da Resex disse ainda que o correto era que “ no dia 18 fosse marcada uma Assembleia Geral em que os presentes não seriam representantes, seriam os associados para aclamar a chapa”. Pois a única instância que possui poder soberano é a Assembleia Geral, segundo o estatuto. “Pois reunião do conselho comunitário não tem poder para eleger chapa”

Não houve prestação de contas

Outra questão que também impossibilitaria a eleição é a não prestação de contas da última gestão. Como o período da atual gestão finda no dia 31 de dezembro de 2021, a prestação de contas deveria ter sido feita no dia 18 de dezembro, na Assembleia Geral, entretanto, não foi definido data para uma nova assembleia para fazer a prestação de contas e a partir do dia 01 de janeiro de 2022 a atual diretoria não poderá responder mais pela Tapajoara.

Ataques aos povos indígenas da Resex

Dentre as diversas falas e insultos, várias foram direcionadas aos indígenas que estavam na reunião, algumas falas que se enquadram até mesmo como crime de racismo, direcionada a grupo de indígenas que estavam na reunião.

Os indígenas foram acusados publicamente de atrapalhar a Tapajoara. Procurada pelo tapajós de Fato, Auricélia Arapiun, que é coordenadora do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), que representa 13 povos da região do Baixo Tapajós, contou que esses conflitos não são recentes, eles acontecem “a partir do momento em que CITA e o STTR (Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém), pedem na justiça a suspensão de projetos de manejo madeireiro dentro da Resex, por falta de consulta prévia livre e informada aos povos tradicionais, começa os grandes conflitos”

Auricélia Arapiun disse que o que ocorre é uma intensificação dos conflitos a partir do momento em que o CITA passou a questionar, dentro do Conselho Deliberativo da Resex, vários projetos, “começamos a ser visto com outros olhos… passamos a ser visto pela coordenação da Tapajoara como inimigos do povo, inimigos da Resex”.

Auricélia falou ainda que o momento é muito tenso porque o que se quer é “que as coisas sejam feitas do jeito certo, mas infelizmente foi um momento muito conturbado, momento de muitos conflitos na própria assembleia”. A coordenadora disse que o que os indígenas gostariam é que fosse um processo em que todos pudessem participar, “um processo limpo”.

Auricélia disse que será cobrada a prestação de contas “pois não está tendo a prestação, não está tendo transparência. E sobre os ataques e até mesmo criminalização feita às lideranças indígenas, a coordenadora do CITA falou que todas as medidas cabíveis serão tomadas por meio da assessoria jurídica pois, “que não dá para aceitar as pessoas desrespeitando a população que vive dentro do território da Resex”.

Solidariedade ao povo Maxakali atingidos por tempestade em Minas Gerais

Solidariedade ao povo Maxakali atingidos por tempestade em Minas Gerais

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), por meio da organização de base  Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), manifesta sua solidariedade ao povo indígena Maxakali, afetado pelas chuvas torrenciais que têm atingido o nordeste de Minas Gerais nos últimos dias, ocasionando enchentes e alagamentos. De acordo com relatos nas redes sociais dos moradores da Aldeia Pradinho, localizada no município de Umburaninha, em Minas Gerais, os povos Maxakali encontram-se, atualmente, ilhados em decorrência da chuva. 

O transbordamento dos rios e a interdição de estradas, ainda não reparadas, agravam a situação da comunidade indígena, que já sofre com a falta de alimentos e as dificuldades na realização dos trabalhos do cotidiano. 

Além disso, as crianças e os adultos da Aldeia Pradinho também têm enfrentado, conforme noticiado pelo jornal Estado de Minas, um grave surto de gastroenterite, agravando ainda mais a situação de calamidade vivenciada pelos povos Maxakali, que carecem de assistência médica.

As informações obtidas junto à comunidade indígena dão conta de que ainda há muitos pontos a serem reparados nas estradas, especialmente para as aldeias principais. Em relação às aldeias menores, a notícia que se possui é a necessidade de uma nova abertura de estrada que comporte manilhamento nos pontos baixos. 

Ilhados, os povos Maxakali não podem ser esquecidos pelas autoridades públicas e políticas nesse cenário de verdadeira calamidade que atinge o nordeste de Minas Gerais. Apesar das chuvas fortes apresentarem um obstáculo momentâneo à atuação do corpo de bombeiros e das autoridades locais, entendemos a urgência na construção de uma agenda local, regional e nacional de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas que impactam, sobretudo, aqueles que desempenham o papel de guarda e proteção da natureza: os próprios indígenas.

Não é novidade que as ações cada vez mais destrutivas dos homens ocasionam a destruição do meio ambiente e das reservas naturais, desencadeando, entre outros eventos catastróficos, chuvas torrenciais que afligem comunidades e trazem dor, sofrimento e angústia aos povos atingidos. É preciso que o Poder Público deixe de ser omisso e atue na construção de uma política conjunta de defesa, preservação e manutenção do meio ambiente.

Enquanto essa agenda política ambiental ainda não se consolida, os povos Maxakali não podem esperar por socorro. E é por isso que todos aqueles que podem colaborar o façam, ajudando os povos Maxakali a adquirirem, principalmente, gêneros alimentícios.

Nesse momento conturbado que tem assolado as comunidades indígenas do nordeste de Minas Gerais, a Apib e Apoime manifestam sua profunda solidariedade e esperam que todos os nossos parentes possam ser amparados pela fraternidade da sociedade, e que o Poder Público assuma a responsabilidade pela realização das medidas emergenciais necessárias.

 A todas e todos que puderem colaborar, por favor, ajudem. Os povos Maxakali precisam de apoio!

 

Nota de Solidariedade aos povos indígenas do Sul e Extremo-Sul da Bahia

Nota de Solidariedade aos povos indígenas do Sul e Extremo-Sul da Bahia

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) manifesta sua solidariedade aos parentes afetados por um ciclone extratropical, que atingiu o sul e o extremo-sul da Bahia nesta quarta-feira (8), ocasionando chuvas torrenciais, enchentes e alagamentos. Diversas aldeias dos povos Pataxó, Pataxó Hã Hã Hãe e Tupinambá estão em estado de calamidade em consequência deste evento climático. Rios estão transbordando, estradas interditadas, e as barragens correm grande risco de desabamento, o que impossibilita aos moradores saírem de casa. E as chuvas seguem cada vez mais fortes.

Por meio do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (MUPOIBA), Movimento Indígena da Bahia (MIBA) e da nossa organização de base, a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), recebemos informações de que, em Porto Seguro, a ponte que dá acesso à aldeia indígena Pataxó Boca da Mata, foi totalmente destruída. Moradores da região estão isolados em casa e as fortes chuvas dificultam o trabalho do corpo de bombeiros e ajudantes.

Grande parte das demais aldeias,  como Encanto da Patioba, Cachimbo e aldeias localizadas em Itamaraju encontram-se ilhadas. O cacique Roni, da aldeia Encanto da Patioba, informou que os níveis dos rios estão muito altos, o que dificulta a saída dos indígenas da aldeia para um lugar seguro. Além disso, barragens próximas à localidade correm grande risco de desabamento, fato que põe a vida dos moradores da aldeia ainda mais em risco.

Em Cumurutaxiba, a situação também é bastante crítica, com famílias desabrigadas precisando de ajuda emergencial. O corpo de bombeiros da região já se mobilizou e está arrecadando algumas doações como cestas básicas, produtos de higiene, fraldas e leite em pó.

Sempre que um povo é atingido por impactos naturais, notadamente em virtude da crise climática provocada por ações predatórias e destrutivas, todos nós também somos afetados. É necessária uma agenda política urgente de mitigação das mudanças climáticas e de apoio aos Povos Indígenas,  que são os principais guardiões das florestas e do meio ambiente. Entendemos que estas chuvas são sinais diretos da revolta da Mãe Terra, que atingem toda a humanidade. 

A Apib espera que todos nossos parentes possam ser amparados nesse momento pela solidariedade da sociedade e que o Poder Público assuma sua responsabilidade de amparo social e das medidas de proteção e acolhimento emergenciais necessárias.  

Pedimos aos nossos encantados que cuidem dos povos nesse momento, para que os nossos territórios se recuperem e nós sigamos cuidando da natureza e criando as possibilidades para nos  recuperarmos dessa tragédia que há anos estamos anunciando e que são consequência do ecocídio que está em curso no mundo.  

Carta do Povo Tentehar da Terra Indígena Araribóia

Carta do Povo Tentehar da Terra Indígena Araribóia

Em Carta, o povo Guajajara da Terra Indígena Arariboia reafirma o compromisso com a luta pelo território, contra as violências, soberania dos povos e direito a vida. Em assembleia avaliativa da Coordenação Geral da Comissão de Caciques e Lideranças Indígenas da Terra Indígena Araribóia (Coccalitia), que aconteceu dos dias 3 a 5 de dezembro, na aldeia Abraão Terra Indígena Arariboia- MA. 

CARTA DO POVO TENTEHAR DA TERRA INDÍGENA ARARIBÓIA

A Coordenação Geral da Comissão de Caciques e Lideranças Indígenas da Terra Indígena Araribóia vem por meio desta carta reafirmar que estamos juntos na proteção de nossos direitos: direitos de cada liderança, cada criança, cada homem, cada mulher, cada ancião, cada anciã.

Estamos firmes, atentos, vigilantes, informados e amparados pela justiça. Vamos continuar combatendo todo e qualquer racismo, preconceito, difamação, injúria, mentiras e intolerância contra qualquer Povo Indígena, contra as suas organizações de base – a exemplo da nossa – contra o Movimento Indígena, contra as organizações indígenas e indigenistas.

Não aceitamos e vamos continuar combatendo as “autoridades” governamentais, que deveriam promover e proteger os nossos direitos constitucionalmente conquistados, mas que, na verdade, estão buscando nos criminalizar e/ou estimulando Povo a brigar com Povo, Povos a disputarem entre Povos.

Isso é um retrocesso estampado. É imoral e antiético. É uma vergonha mundial. Não vamos aceitar ameaças, venham de onde vierem: de Karaiw Kuzà, Karaiw e até mesmo de parentes. Não vamos aceitar e vamos combater qualquer um que venha ameaçar os nossos direitos comuns e provocar desavenças e desunião entre nós.

Nós, Guajajara, sempre tivemos questões internas entre nós. E sempre evocamos a nossa sabedoria ancestral para resolver as nossas questões, as nossas tensões entre nós. Mesmo quando precisamos enfrentar interferências de não indígenas que se infiltram para perturbar nossos diálogos.

No Território Araribóia, além de nós, Guajajara, vivem de forma autônoma os Wazayzar. Wazayzar é como os nossos Tàmuz, os nossos mais velhos, chamavam o Povo autônomo que aqui vive. Nós, Guajajara, sempre defendemos, protegemos e respeitamos os Wazayzar e nos orgulhamos disso.

Eles são muito vulneráveis e não há nenhuma sinalização mais efetiva por parte do Estado em protegê-los. Estão cercados por madeireiros, grileiros, caçadores e traficantes.

E agora querem vir também os sojeiros para agravar ainda mais a dura realidade de nossos parentes, de nossa realidade? Não, não pode, não vamos aceitar, não vamos deixar.

O território Araribóia perdeu em 2015 mais de 50% de sua cobertura vegetal por causa de desmatamentos e incêndios florestais, ocasionando grande degradação ambiental. Isso é muito grave. As consequências se expressam até os dias atuais, prejudicando a naturalidade dos nossos modos de vida que dependem da nossa rica biodiversidade local.

Já roubaram os nossos cumaru, os nossos ipês, os nossos cedros, as nossas maçarandubas, as nossas sapucaias, as nossas jaranas, as nossas taúbas, as nossas tatajubas, as nossas copaíbas, as nossas aroeiras, as nossas sucupiras, os nossos jaborandi, as nossas quinas.  Já levaram muitos animais silvestres também. Dia a dia, a sobrevivência dos Wazayzar, a nossa própria sobrevivência, está sendo ameaçada.

Portanto, nós, Guajajara da Araribóia, reafirmamos: aqui no nosso Território a cerca não vai imperar, a boiada não vai passar, a soja não vai entrar.

Parentes, a nossa segurança alimentar é garantida por meio dos nossos modos de produção tradicionais. Somos Povos Originários. Vamos respeitar os nossos ancestrais. Vamos respeitar as nossas crianças. Aqui, na Araribóia, o agro e todos os seus tanques de veneno não irão entrar.

A questão não é a produção de alimentos e outros produtos, Parentes. A questão é que querem nos tirar de nosso Território. Querem invadir, grilar ainda mais. É uma estratégia de tentar consolidar o nosso genocídio que vem acontecendo há mais de quinhentos anos. Como viveríamos sem o nosso território, sem a nossa Mãe Terra?

Não estamos passando fome. Se tivermos a garantia da proteção efetiva de nosso território e de políticas públicas adequadas, o nosso desenvolvimento local estará garantido por gerações. Realizamos o controle territorial basicamente sozinhos!

A constituição brasileira nos garante o usufruto exclusivo de nossos territórios para o nosso bem comum, para a nossa reprodução física e cultural. Por isso o agronegócio não cabe. Ele lesa esse direito. É ilegal.

É obrigação do estado proteger os nossos territórios, em especial por se tratarem de terras da União. Quem está lesando a Pátria, Parentes? Nós?

A Convenção 169 nos garante o direito de ser consultados sobre tudo e qualquer medida que nos afete diretamente ou indiretamente. Se tem parente que está iludido, assediado, se está em dúvida sobre o que estão querendo trazer para cá, vamos conversar, vamos discutir, vamos colocar de forma clara que projeto estão defendendo pra ver o que as comunidades vão escolher.

Morte ou Vida? Veneno ou Alimentos? Território de usufruto exclusivo nosso ou invasão, arrendamento, grilagem? A Comunidade ou o Individual?

Não temos dúvidas: Vida, Alimentos, Território e Comunidade.

Por fim, a região do Angico Torto, a região do Zutiwa, a região do Abraão, a região do Lago Branco, a região do Canudal, a região do Barreiro, a região do Jenipapo, a região da Lagoa Comprida e a região da Araribóia, que fazem parte da Ccocalitia e que representam politicamente os interesses do Povo Guajajara do Território Araribóia, reafirmam que irão continuar promovendo e protegendo os nossos direitos.

Estamos juntos com as nossas instituições indígenas e indigenistas aliadas. Estamos juntos com o Movimento Indígena. Não vamos largar a mão de ninguém.

À Terra é o nosso Pai, é a nossa Mãe. O que você plantar nessa Terra você vai colher. Ela te alimenta. Os karayw querem tomar essa Terra….se eles tomarem a nossa Terra, o que vamos fazer? Eles só querem negociar. Os homens que pegaram à Terra venderam como lote. Os parceiros estão ajudando. Se nós nos unirmos, vamos ter mais força. O que esta Terra tem? Tem ouro, tem gasolina, por isso os Karayw não esquecem a nossa Terra. Os nossos avós seguraram essa Terra. Isso foi muito bom o que fizeram. Os karayw estão em cima, mas os índios que aqui estão são donos dessa Terra, os caçadores… Começam a fazer politica interna contra os indígenas… Hoje os brancos vêm, aí pedem uma morada, aí vão ficando, se casam, oferecem trocas pelas meninas jovens para se casar, mas nós não liberamos, nós não negociamos as nossas meninas. Os karayw não tem mais mata. Limitam as suas terras com cerca. Querem fazer o mesmo com a nossa Terra. Hoje não tem ninguém diferente aqui. Somos todos donos,i dessa Terra. Por isso criamos a nossa Força!!!  (Tàmuz Francisco da aldeia Ipiranga).

 

Terra Indígena Araribóia, maio de 2021

Apib comunica à Comissão Interamericana de Direitos Humanos invasão em casa de liderança do povo Munduruku

Apib comunica à Comissão Interamericana de Direitos Humanos invasão em casa de liderança do povo Munduruku

A Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib), ao lado de diversas outras entidades, apresentou uma comunicação à Comissão Interamericana de Direitos Humanos informando sobre o ataque à residência da liderança indígena do povo Munduruku, Alessandra Korap. Além disso, foi reiterada a solicitação para que a Comissão apresente à Corte Interamericana de Direitos Humanos um pedido de medidas provisórias em favor dos membros e lideranças do povo Munduruku. 

Entre a noite do dia 12 de novembro e a manhã do dia 13, a residência de Alessandra Munduruku, que não estava presente no local, foi invadida em Santarém (PA), tendo sido levados diversos documentos, o cartão de memória de uma câmera de segurança e dinheiro, mas foram deixados um notebook, um telefone celular e uma televisão. Alessandra é liderança indígena do povo Munduruku e foi integrante da comitiva indígena brasileira que foi à Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021 (COP26), em Glasgow.

Segundo a comunicação apresentada à Comissão Interamericana, “o fato de os invasores não terem levado bens de valor levanta a forte suspeita de um crime político contra as organizações indígenas que são contrárias ao garimpo e aos madeireiros que têm sistematicamente invadido as terras Munduruku”. O documento ainda ressalta a participação de destaque de Alessandra e outras lideranças indígenas na COP26, que ocorreu poucos dias antes da invasão.

Em razão da omissão deliberada do Estado brasileiro em proteger as lideranças indígenas do povo Munduruku, o que resulta em ataques como a invasão à residência de Alessandra e também no aumento da vulnerabilidade da saúde da comunidade, as entidades que assinam a comunicação reforçaram a solicitação à Comissão Interamericana que apresente um pedido de medidas provisórias à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Essas medidas visam proteger os direitos humanos e evitar danos irreparáveis à vida e integridade das lideranças e dos membros do povo Munduruku.