NOTA DE SOLIDARIEDADE AO EX-PRESIDENTE LULA EM DEFESA DA DEMOCRACIA

NOTA DE SOLIDARIEDADE AO EX-PRESIDENTE LULA EM DEFESA DA DEMOCRACIA

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será julgado em segunda instância na Operação Lava Jato pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, no dia 24 de janeiro. A sentença condenatória do juiz de primeira instância Sérgio Moro, referente ao “caso triplex”, de Guarujá – SP foi encaminhada aos desembargadores do TRF4, que podem confirmar os nove anos e meio de prisão determinados por Moro, absolver o ex-presidente ou alterar a pena. A acusação amplamente divulgada pela mídia golpista é que Lula teria cometido crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Mas a defesa do ex-presidente sustenta que não há nenhuma prova que justifique a condenação. Nem mesmo a ligação com os atos de corrupção na Petrobras foram provados. Dessa forma, Moro condenou Lula por “um ato de ofício indeterminado”, ou seja, que o próprio juiz não conhece. O curioso é que o julgamento do ex-presidente passou à frente de pelos menos outros sete processos, certamente em função dos passos subsequentes da condenação e da proximidade do período de validação de candidaturas para as próximas eleições presidenciais. Está na cara, querem impedir que Lula possa se candidatar a Presidente da República nas próximas eleições de outubro.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) – conhecedora da trajetória do ex-presidente – no processo da abertura democrática do Brasil e de algumas políticas sociais de seu governo – não poderia se omitir diante desta injustiça, na verdade, um julgamento político. Se não fosse, já teriam sido também julgados e condenados outros tantos políticos que junto com Michel Temer, estando dentro ou fora do governo, tomaram por assalto o Palácio do Planalto para decidir o destino do Brasil.

A APIB faz pública a sua indignação e se solidariza com o ex-presidente Lula, que mesmo engessado pela herança maldita da máquina pública viciada pelas oligarquias, o que lhe impediu de fazer mais coisas em favor dos povos indígenas, deixou alguns legados que é preciso reconhecer: abriu espaços de participação e controle social no âmbito de vários ministérios: Meio Ambiente, Desenvolvimento Social, Desenvolvimento Agrário, Saúde e Justiça, destacando-se nesses feitos o fortalecimento do subsistema de saúde indígena, a construção de uma Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas e a criação da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), instância esta que o governo golpista de Michel Temer enterrou silenciosamente.

A condenação de Lula, se confirmada, configurará mais um golpe à democracia, deturpada que já é pela elite deste país, que quer imperar, autoritariamente, como a única classe social, sociedade monoétnica e intolerante às diferenças políticas, sociais e culturais.

A APIB, soma-se às mais diversas iniciativas de solidariedade e de luta em curso no Brasil, contra não apenas este caso emblemático, mas contra todas as medidas antipopulares – reformas diversas e aniquilação de políticas públicas – promovidas pelo governo ilegítimo de Michel Temer e chama suas bases a continuarem aguerridas na defesa de seus territórios e de seu direito à diferença, assegurados pela Constituição Federal.

Brasília – DF, 22 de janeiro de 2018.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

Letícia Sabatella e Wagner Moura lançam campanha global pelas tribos isoladas

Letícia Sabatella e Wagner Moura lançam campanha global pelas tribos isoladas

© G. Miranda/FUNAI/Survival

 

Letícia Sabatella e Wagner Moura, apoiadores da Survival International, lançaram uma campanha global pelas tribos isoladas – os povos mais vulneráveis do planeta.

Ambos os atores estrelam o novo filme da campanha.

Letícia Sabatella disse: “Eu estou ajudando a defender os direitos das tribos isoladas – pelo futuro delas, pela natureza e por toda a humanidade.”

Assista ao filme aqui.

O filme lidera uma onda de pressão internacional para proteger as tribos isoladas, que enfrentam ameaças sem precedentes para sua sobrevivência. Elas estão sendo dizimadas pela violência de estranhos que roubam suas terras e recursos, e por doenças como a gripe e o sarampo, às quais não têm resistência.

Existem mais de 100 tribos isoladas em todo o mundo – na América do Sul, na Índia e na Papua Ocidental.

O Brasil é lar para mais tribos isoladas do que em qualquer outro lugar no planeta. Mas, elas estão em risco iminente de genocídio. Algumas bases governamentais que protegem as tribos isoladas da invasão de madeireiros e fazendeiros foram fechadas e outras não conseguem operar normalmente devido a cortes orçamentários.

Os aclamados atores e embaixadores da Survival, Sir Mark Rylance, vencedor do Oscar em 2016, e Gillian Anderson, de Arquivo X, também apoiam a campanha global.

Em agosto de 2017, um suposto massacre de indígenas isolados por garimpeiros no Vale do Javari na Fronteira Isolada Amazônica expôs a vulnerabilidade extrema que estes povos vivem sem a proteção adequada de suas terras.

Em outra parte da Amazônia, povos como os Awá, no Maranhão, sofrem grandes pressões de madeireiros ilegais que estão devastando seus territórios, ilhas verdes em um mar de desflorestamento. Seus vizinhos, os Guardiões Guajajara, trabalham para despejar os madeireiros e proteger sua floresta, para salvar os Awá isolados da extinção. No Mato Grosso, os Kawahiva isolados, uma pequena tribo sobrevivente de um genocídio, vivem fugindo de invasores.

Desde 1969 a Survival International lidera a campanha global pelos direitos das tribos isoladas. Não iremos desistir até que todas suas terras sejam protegidas, para que elas possam viver na maneira em que escolherem. Elas são as melhores guardiãs de seu ambiente, e evidências provam que territórios indígenas são as melhores barreiras ao desmatamento.

O diretor da Survival International, Stephen Corry, disse: “É simples – as tribos isoladas enfrentam uma catástrofe, a não ser que suas terras sejam protegidas. Sem um movimento global que lute pelos seus direitos, eles simplesmente não sobreviverão até a próxima geração. Agradecemos a energia e o entusiasmo de Moura, Sabatella, Rylance e Anderson, que compreendem esta urgência. Com este filme, podemos fazer com que o chamado para deixar as tribos isoladas viverem seja alto demais para ser ignorado.”

(Com informações Survival Brasil)

Pelo fim do racismo institucional e da violência contra os povos indígenas

Pelo fim do racismo institucional e da violência contra os povos indígenas

NOTA PÚBLICA

Contrário ao slogan do governo golpista de Michel Temer – “ordem e progresso” -, o que verifica-se hoje no Brasil é desordem e regresso. Isso mesmo, a volta ao passado, aos tempos da invasão europeia, com uma marca peculiar no Sul do Brasil, onde por terceiro ano consecutivo membros de povos indígenas são vítimas das atrocidades cometidas certamente por descendentes de europeus, que naquela região imperam como se fossem os donos originários das terras e territórios invadidos por seus ascendentes e cobiçadas pelas atuais hordas do agronegócio.

No final de dezembro de 2016 Vitor Kaingang, uma criança de dois anos de idade, foi degolado por um desconhecido, enquanto era alimentado pela mãe, em Imbituba. Em novembro de 2017 a indígena Ivete de Souza, 59, teve a sua mão esquerda decepada a golpes de facão, desferidos por dois adolescentes durante um ataque à aldeia Guarani da Terra Indígena Morro dos Cavalos, e agora, no início de janeiro de 2018 o professor indígena Laklãnõ-Xokleng, Marcondes Namblá Marcondes morre vítima de espancamento, com pauladas na cabeça, quando fazia trabalho temporário – vendendo picolé – no período de férias turísticas no litoral do estado de Santa Catarina. Marcondes era professor indígena empenhado na revitalização da cultura e língua do povo Xokleng, egresso da UFSC, formado pelo Curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica.

O governo ilegítimo, porém, ainda diz, por meio de seus porta-vozes que a comunidade internacional tem que respeitar os seus feitos – no quesito preservação ambiental; desqualifica e criminaliza, com graves calunias e difamações, por meio de seus capatazes de plantão, a lideranças indígenas que denunciam no âmbito nacional e internacional os seus desmandos, especificamente com relação à política indigenista, sucateada e totalmente anti-indígena para atender os interesses da bancada ruralista em troca de apoio ao seu projeto golpista.

A APIB entende que estas atrocidades cometidas contra os povos indígenas, especialmente no sul do país, fazem parte do contexto de discriminação e de racismo institucional, alimentado nos últimos anos inclusive por discursos de parlamentares da região, por noticias mentirosas veiculadas nos meios de comunicação afins ou patrocinados pelo agronegócio e ainda por declarações de agentes públicos, até mesmo da Funai – leia-se ouvidor-, e de autoridades de governo como o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, quem declarou recentemente que as retomadas de terras por indígenas constituem terrorismo.

A APIB clama por isso às instituições constituídas no Estado de Direito observância rigorosa dos direitos dos povos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal de 1988, e julgamento e punição dos responsáveis dos crimes cometidos contra membros e comunidades dos povos indígenas.

Brasília – DF, 08 de janeiro de 2018.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

NOTA DE REPÚDIO CONTRA DIRETOR DA FUNAI

NOTA DE REPÚDIO CONTRA DIRETOR DA FUNAI

A APIB repudia veementemente a atitude leviana do director de Administração e Gestão (DAGES) da FUNAI, Francisco José Nunes Ferreiro, e PEDE SUA EXONERAÇÃO IMEDIATA por proferir mentiras e ataques aos povos indígenas em especial na tentativa de desqualificar uma das mais respeitadas lideranças indígenas do Brasil e coordenadora executiva da APIB, Sonia Guajajara, além das organizações INA – Indigenistas Associados e ANSEF -Associação Nacional dos Servidores da FUNAI.

Em documento resposta ao ofício nº 007/INA, direcionado ao atual ministro da Justiça, Torquato Lorena Jardim, tenta desesperadamente se defender de uma série de denúncias feitas contra sua pessoa por parte de organizações como a APIB, INA e ANSEF, fazendo uso de mentiras, calúnias graves, individuais e coletivas e de cunho racista, sem nenhum tipo de processo formado, descumprindo todos os preceitos de cidadania.

Como é de conhecimento público, o Estado brasileiro infelizmente foi tomado por forças obscuras que se movem em prol de interesses privados para desarticular políticas públicas voltadas para o bem comum, num grande esforço para retroceder os direitos sociais e voltar ao passado. Em ato de denúncia a tais medidas, a APIB publicou em novembro deste ano uma carta em que denuncia as decisões arbitrárias da FUNAI, especialmente advindas do diretor citado, que remanejou recursos internamente sem base em parecer técnico, visando desarticular um dos principais espaços de participação social e formulação de políticas públicas: a PNGATI.

A nota foi elaborada e assinada pela APIB, que não possui presidente, pois trata-se de uma articulação formada por uma coordenação executiva com representantes das organizações indígenas macro regionais das cinco regiões do país.

O golpismo avança em todo o Brasil. Uma das suas facetas mais perversas é a tentativa de criminalizar e silenciar lideranças indígenas e movimentos sociais que lutam diariamente na linha de frente contra os retrocessos e pela garantia de direitos.

Sônia Guajajara juntamente com tantos outras lideranças é voz imprescindível na defesa da vida indígena. Seus trabalhos prestados em prol dos povos indígenas do Brasil e na luta pelo meio ambiente e direitos humanos são reconhecidos e valorizados internacionalmente. Sua voz ecoa em espaços como a ONU, Parlamento Europeu e em fóruns internacionais em todo o mundo. À ela, todo nosso respeito e solidariedade.

A APIB tomará medidas cabíveis para que nenhuma liderança indígena seja novamente injustiçada e exposta ao que de pior esse país já produziu, e convoca todos os povos indígenas a se preparar para estarem mobilizados logo no início de 2018 para entrarmos duramente em defesa do órgão oficial indigenista, FUNAI, que está sendo ocupado hoje por quadros representativos da força do agronegócio, dos ruralistas e sem nenhum compromisso com os direitos indígenas. Não vão conseguir nos calar , a cada ataque e injúria a nossa força se engrandece nos quatro cantos. Mexeu com um(a), mexeu com o mundo!

Brasília, 22 de dezembro de 2017

Carta de repúdio contra decisão arbitrária do presidente substituto da Funai, Francisco José Nunes Ferreira, de recolher recursos da Diretoria de Desenvolvimento Sustentável, inviabilizando reunião do Comitê Gestor da PNGATI

Carta de repúdio contra decisão arbitrária do presidente substituto da Funai, Francisco José Nunes Ferreira, de recolher recursos da Diretoria de Desenvolvimento Sustentável, inviabilizando reunião do Comitê Gestor da PNGATI

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, manifesta por meio desta o seu veemente repúdio ao ato do Diretor de Administração e Gestão da Fundação Nacional do Índio (Funai) Francisco José Nunes Ferreira, que, em concluio com a Diretora de Proteção Territorial, Azelene Inácio, indígena indicada por ruralistas, e aproveitando-se de uma momentânea substituição do presidente titular, general Franklinberg Ribeiro de Freitas, retirou arbitrariamente recursos de outras diretorias para cobrir os custos de um suposto contrato de monitoramento de Terras Indígenas. Francisco Ferreira agiu sem considerar qualquer parecer técnico, nem mesmo da Coordenação-Geral de TI e Comunicações (CGTIC). A usurpação descarada de mais de 09 milhões de reais das outras instâncias, retirou um total de 4 milhões da Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável (DPDS) parte dos quais seria para cobrir a reunião do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (CG / PNAGATI) que deveria acontecer nesta semana.

A medida do diretor da DAG faz parte de um cenário de disputas, dele e da diretora da DPT, pela direção do órgão e por indicações políticas para cargos de seu interesse.

A APIB denuncia este ato imoral do diretor da DAG, que como outras ações governamentais busca surrupiar o direito de participação e controle social conquistado pelos nossos povos e organizações, ao longo dos últimos anos, e que possibilitaram algumas conquistas significativas como a construção da PNGATI e a sua criação por meio de Decreto Presidencial em junho de 2012. Não admitimos a destinação dos escassos recursos que sustentam as mínimas ações que ainda implementa a Funai para fins escusos ou iniciativas que em momento nenhum foram discutidas com as nossas lideranças e instancias representativas.

Em razão desse flagrante atropelo, que desrespeitou a outras diretorias e prejudica a atuação de servidores e principalmente outras ações destinadas aos nossos povos e comunidades, a APIB reivindica do presidente da Funai, general Franklinberg, a efetivação de seu compromisso de revogar o ato de seu substituto, assegurando por sua vez recursos para a realização da reunião do Comitê Gestor da PNGATI ainda este mês. Aos ministros da Justiça e Segurança Pública, Torquato Jardim, e da Casa Civil, Eliseu Padilha, a APIB solicita a exoneração do Diretor Francisco José Nunes Ferreira e da diretora da DPT Azelene Inácio, bem como a devolução dos recursos tomados pelo presidente substituto das outras diretorias.

Brasília, 06 de dezembro de 2017.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nota de Repúdio da INA – Indigenistas Associados sobre a Tese do Marco Temporal

Nota de Repúdio da INA – Indigenistas Associados sobre a Tese do Marco Temporal

Os direitos territoriais indígenas no Brasil são tema tão antigo quanto a formação do próprio Estado brasileiro. Diversos documentos históricos testemunham que, já no período da colônia, discutia-se, sem a participação dos indígenas, o que fazer com suas terras. A esse respeito diversas legislações foram promulgadas e outorgadas sem, no entanto, afastar a forma universalizadora típica dos textos legais, resultando na exclusão da diversidade sociocultural do país.

O artigo 231 da Constituição Federal de 1988, de modo geral, contempla os anseios territoriais dos povos indígenas. Apesar de ponderarem que o procedimento administrativo de demarcação deveria ser mais célere, não fazem críticas contundentes quanto ao conteúdo da norma constitucional. O texto da Carta Magna está respaldado pela participação de diversas lideranças indígenas na Assembleia Nacional Constituinte (ANC) conferindo à norma, maior legitimidade que as atuais interpretações que se têm feito dela.

Com o artigo 231, a Constituição Federal de 1988 consagrou o direito originário dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam. O direito originário, portanto (que já havia sido afirmado no alvará régio de 1º de abril de 1680), ingressa definitivamente no rol das normas de mais elevada hierarquia, as normas constitucionais. É constitucional, portanto, o entendimento de que o direito dos indígenas sobre suas terras é inato e que o ato administrativo estatal de demarcação de Terras Indígenas possui natureza jurídica meramente declaratória, e não, constitutiva de direito. Essa teoria, de que os direitos originários são direitos congênitos, em vez de adquiridos, é conhecida como teoria do indigenato.

A participação dos povos indígenas na ANC assegurou que o texto constitucional fosse pautado pela renúncia definitiva de conceitos retrógrados que guiavam a política indigenista até então e pela inauguração de um Estado que reconhece sua realidade pluriétnica e multicultural e pela garantia expressa dos direitos indígenas, tanto os territoriais, como os sociais. As conquistas advindas da luta indígena por reconhecimento lograram ser positivadas no ordenamento jurídico.

A Constituição de 1988 consagrou a utilização do termo “terras tradicionalmente ocupadas”, desvinculando-o da noção de imemoriabilidade, sendo, portanto, referido ao modo de ocupação, desprovido de referência temporal. Um documento elaborado por docentes doutores e especialistas na temática indígena da Universidade de Brasília[1] demonstrou como o debate na época da Constituinte a respeito da manutenção ou não do termo “posse imemorial” teve como desfecho a sua supressão. Procurava-se adequar o texto à histórica situação de deslocamentos forçados indígenas desde o início da conquista europeia até os dias atuais, na qual nenhuma etnia poderia ser considerada na situação de imemorialidade.

A lógica prevalecente anteriormente de que seriam reconhecidos aos indígenas seus direitos originários sobre as terras de posse imemorial onde se encontrariam permanentemente localizados foi considerada como “totalmente supérflua” ou propositalmente colocada para gerar ambiguidade. A imemorialidade poderia dar margem para a interpretação na qual não se consideraria “a migração sazonal do índio, no seu nomadismo, ou quando atua periodicamente em amplas reservas florestais, para sua sobrevivência e para a sobrevivência da sua cultura”[2]. Não se pode exigir fidelidade territorial de 500 anos aos territórios indígenas — fidelidade que já não se verifica no continente europeu, quanto mais em territórios constituídos por processo de colonização que incluíram a expulsão, deslocamento e concentração forçados e violentos, a redução demográfica e a desarticulação social dos povos indígenas.

A tradicionalidade está relacionada a um modo tradicional de relação dos índios com as suas terras, e não a uma noção de antiguidade ou circunstância temporal. O que define a tradicionalidade da ocupação de um povo indígena, do ponto de vista dos seus próprios usos, costumes e tradições, é uma forma determinada de memória da terra, intrinsecamente ligada aos modos indígenas de viver nela. Este entendimento de o que significa o “tradicionalmente ocupado”, tal com se encontra na Constituição, afasta alguns dos argumentos absurdos que sustentam a necessidade de definição de um marco temporal, tal como aquele de que os indígenas poderiam pleitear a demarcação de qualquer e toda parte do território nacional como Terra Indígena. Isso não é nem uma possibilidade administrativa e jurídica do Estado brasileiro nem tampouco uma demanda dos povos indígenas brasileiros.

Entretanto, a garantia formal dos direitos territoriais indígenas não tem sido suficiente para assegurar sua materialização. O texto da chamada Constituição Cidadã conferiu aos indígenas a possibilidade de serem sujeitos de suas histórias, de seus direitos e de suas decisões. Todavia, uma parcela da população ligada a valores antirrepublicanos e antidemocráticos esforça-se para manter viva a mentalidade advinda de séculos de construções sociais privativas de direitos.

Dentre as opções feitas pelo constituinte originário está a decisão de atribuir a prerrogativa de demarcação de Terras Indígenas ao Poder Executivo Federal, que a executa por meio de um ato administrativo complexo. O ato se inicia na Funai, segue para o Ministério da Justiça e por fim vai à Casa Civil.

O Poder Judiciário, quando provocado, pode intervir em qualquer das fases do processo de reconhecimento territorial (identificação e delimitação, contraditório, declaração, homologação, extrusão de ocupantes não-indígenas e registro) a fim de garantir a devida execução do rito e assegurar que não haja abusos por parte das autoridades envolvidas. Atualmente, essas intervenções judiciais, que deveriam ser eventuais, configuram-se como um verdadeiro fenômeno que nos permite afirmar, sem exagero, que o Poder Judiciário tornou-se – informalmente – mais um dos atores a participar das fases do procedimento administrativo de demarcação de Terras Indígenas, influenciando ou, até mesmo, ordenando ao Poder Executivo quais decisões devem ser tomadas. Tornou-se raro encontrar procedimento demarcatório em que não haja judicialização.

Essa realidade sempre vem à tona no caso concreto de cada julgamento, afinal, a virtualidade da lei não dialoga com a imanência do real. Por meio da invisibilização da heterogeneidade de etnias, anula-se a diversidade das realidades territoriais. A invisibilidade dessa complexidade acaba por iludir os operadores do Direito que, a partir de seu lugar de fala ocidental e uniformizadora, não se atentam para o quanto isso desfavorece a resolução de questões territoriais, arrastando-as por anos.

Embora não seja fenômeno recente, a judicialização dos procedimentos de demarcação de Terras Indígenas intensificou-se sobremaneira após o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal na Petição nº 3.388/RR, que tratou da demarcação da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol. Esse julgamento resultou no Acórdão que se fundamentou na combinação da relatoria do ministro Carlos Ayres Britto – assentando a condição indígena da totalidade da área demarcada – com as dezenove condicionantes elaboradas pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito.
O entendimento do relator estabelece nova condição a ser atribuída ao caráter de permanência da habitação dos indígenas em suas terras, ao mesmo passo que engessa e restringe os estudos antropológicos capazes de verificar as variadas facetas que a permanência da habitação pode adquirir ao longo dos anos.

Esse entendimento tem acarretado significativo aumento das demandas ao Judiciário, uma vez que a inovação gerou expectativas de que Terras Indígenas já declaradas possam vir a ser desconstituídas. Para mencionar somente as três primeiras anulações e restringir a análise ao âmbito da Suprema Corte, citamos as TI Porquinhos, no Maranhão, Guyraroká e Limão Verde, no Mato Grosso do Sul.

Não deixa de ser curioso o fato de que os demais tribunais estejam fazendo uso desse exercício interpretativo, uma vez que, nos embargos de declaração, o STF afirmou estarem os termos do julgado restritos ao caso concreto. A análise dos embargos coube ao ministro Roberto Barroso, que assim se pronunciou:

A decisão proferida em ação popular é desprovida de força vinculante, em sentido técnico. Nesses termos, os fundamentos adotados pela Corte não se estendem, de forma automática, a outros processos em que se discuta matéria similar. Sem prejuízo disso, o acórdão embargado ostenta a força moral e persuasiva de uma decisão da mais alta Corte do País, do que decorre um elevado ônus argumentativo nos casos em se cogite da superação de suas razões.

Assim, para autorizar que um território possa ser declarado pelo Poder Executivo Federal como tradicionalmente indígena a Segunda Turma do STF e – não o tribunal pleno, frise-se – tem tentado instituir a rígida exigência de que os indígenas estivessem na posse da área em 5 de outubro de 1988.

Nas três decisões mencionadas, o Poder Judiciário tem interferido de modo a protagonizar o resultado do procedimento demarcatório administrativo de Terras Indígenas, exigindo a nulidade das demarcações. Vale ressaltar que as consequências ocorridas in loco após uma pronunciação dessa natureza podem vir a atrasar a demarcação em anos ou décadas, fazendo com que, na prática, venham a ter efeitos de difícil retroação.

As pesquisas antropológicas realizadas com indígenas brasileiros, com resultados acumulados de cerca de um século e reconhecimento de qualidade científica a nível internacional têm demonstrado a relação constitutiva entre modos de habitar, modos de conhecer e modos de rememorar (e assim transmitir) o conhecimento relativo às terras vividas como território por estes povos. O território indígena, que é identificado e delimitado por meio do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação – RCID, elaborado através de estudo coordenado por um antropólogo, abrange as diferentes formas de utilização da terra pelos indígenas, tais como suas práticas agrícolas, seus regimes de assentamento e deslocamento, suas atividades de caça, pesca e coleta, e também as localidades de importância ritual, espiritual e mítica para cada povo.

É importante reiterar que a situação de cada povo indígena tem que ser tratada por um estudo que o contextualize nas suas relações históricas e sociais particulares. O argumento de que povos indígenas estariam sendo “inventados” é falacioso, pois não é possível inventar toda a relação histórica e social de um povo com uma terra específica. É importante reiterar o caráter técnico dos RCIDs, onde o objeto de estudo tem uma natureza sociocultural e socioecológica complexa, acessível, no que diz respeito à ciência ocidental, aos métodos específicos da antropologia social ou cultural, em articulação necessária com outras disciplinas, tais como história, geografia, ciências ambientais, biologia, entre outras. Os argumentos que têm procurado descaracterizar a excelência da expertise antropológica nos procedimentos de identificação e delimitação de Terras Indígenas não se baseiam em critérios técnicos e científicos e são notáveis pelo seu abundante desconhecimento da temática, das discussões teóricas e metodológicas dessas disciplinas. Os relatórios e as discussões realizadas no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI Funai-Incra são o maior exemplo da falta de qualificação técnica e científica nos argumentos que pretendem desqualificar o trabalho dos antropólogos na elaboração dos RCIDs. O trabalho multidisciplinar, do qual o RCID é fruto, é fundamental para uma apreensão ao mesmo tempo sintética e rigorosa da experiência e do fenômeno da ocupação tradicional por aqueles que não compartilham as mesmas formas de relação com a terra. Trata-se, portanto, da identificação de formas de relação com a terra que esses povos possuem que não podem ser analisadas sob a lógica da sociedade nacional hegemônica, no seu trato com a terra enquanto propriedade privada.

A INA reafirma a confiança nos trabalhos realizados pela equipe técnica da Fundação Nacional do Índio. A ingerência do Judiciário sobre o mérito do procedimento administrativo de demarcação de Terras Indígenas não é razoável, pois conhecimentos específicos e técnicos, alheios à área jurídica estão presentes nos estudos preparatórios de demarcação. O processo de produção probatória típico do processo judicial não é capaz de substituir os dados levantados pelo grupo técnico que realizou o RCID de uma Terra Indígena, tampouco de alcançar a complexidade do pensamento indígena, também presente nos estudos.

A desconfiança para com o trabalho da Funai não pode ser justificativa para um ativismo judicial competitivo, no qual o Poder Judiciário se subroga na posição do gestor público, mas sim um ativismo cooperativo, exigindo do Poder Executivo, quando isso não for feito, que comprove a razoabilidade de sua escolha. Em vez de dar provimento a pleitos individuais geradores de insegurança jurídica, a decisão mais acertada para o Poder Judiciário é a de incentivar o Executivo a aprimorar análises de impacto e a consistência das escolhas administrativas.

Por fim, nos posicionamos contra o desvirtuamento do texto constitucional que resultou na tese do marco temporal, bem como contra qualquer tentativa de se institucionalizar tal tese, como a Portaria nº 303/2012/GAB/CGU/AGU e o Parecer nº 001/2017/GAB/CGU/AGU. Entendemos ser inconstitucional vincular a atuação da Administração Pública Federal à aplicação da tese do marco temporal e às 19 condicionantes que o STF estabeleceu na decisão da Petição nº 3.388/RR.

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[1] LAEPI, T/terra, Moitará. Memorial – Território indígenas e remanescentes de quilombos, ACO 362, 366, e 429, ADI 3239-DF. Em pauta para julgamento no dia 16 de agosto de 2017. Brasília, agosto de 2017. (http://www.cimi.org.br/pub/DF/2017_Ato_MarcoTemporal/Memorial_UNB.pdf)
[2] BRASIL, 1987. Anais da Constituinte, Suplemento C.

INA debaterá nesta quinta (7) o Parecer da AGU e tese do Marco Temporal em Colóquio Indigenista da Funai

INA debaterá nesta quinta (7) o Parecer da AGU e tese do Marco Temporal em Colóquio Indigenista da Funai

Em meio às comemorações dos 50 anos da Fundação Nacional do Índio, a INA – Indigenistas Associados traz a público seu posicionamento contra o Marco Temporal e as tentativas de institucionalizá-lo, como a Portaria nº 303/2012/GAB/CGU/AGU e o Parecer nº 001/2017/GAB/CGU/AGU.

Nesta quinta-feira (7), a INA organiza mais um Café com Rapé durante o I Colóquio Indigenista da Funai, com o tema: O Parecer nº 001/AGU/2017 e seus impactos nas políticas indigenistas e no trabalho da Funai. O evento é aberto ao público e ocorre no Centro de Formação em Política Indigenista (CFPI) da Funai, em Sobradinho/DF, e os debates estão sendo transmitidos ao vivo pelo canal do CFPI no Youtube (acesse aqui).

No debate, serão discutidos os retrocessos, ameaças e impactos decorrentes deste parecer, não só na demarcação de terras indígenas, mas também na salvaguarda dos direitos dos povos indígenas como um todo, e tem como base a Nota de Repúdio da INA sobre a Tese do Marco Temporal (veja abaixo). A Nota foi escrita em setembro de 2017 em virtude do 10º Aniversário da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, e após chamamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Mobilização Nacional Indígena.

Brasil, 13 de setembro de 2017

10º Aniversário da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas

Povos indígenas ocupam AGU contra Parecer anti-demarcações de Temer

Povos indígenas ocupam AGU contra Parecer anti-demarcações de Temer

Texto: CIMI | Foto: APIB

Indígenas dos povos Kaingang, Terena, Kadiwéu, Kinikinau e Guarani Mbya ocuparam a sede da Advocacia-Geral da União (AGU) na manhã desta quarta (6). Eles exigem a revogação do parecer anti-demarcações do governo Temer que obriga a administração pública a aplicar a tese do marco temporal e as condicionantes estabelecidas pelo STF para a terra indígena Raposa Serra do Sol – o que contraria decisões do próprio STF e restringe o direito ao reconhecimento de suas terras tradicionais.

Os cerca de 90 indígenas protestam contra a Advogada-Geral da União (AGU), Grace Mendonça, responsável pela elaboração do Parecer 001/2017. Eles também são contra a alteração do Decreto 1775/1996, que regulamenta os procedimentos para demarcação de terras indígenas no Brasil, e querem esclarecimentos do governo Temer a respeito do boato de que um novo decreto está sendo preparado com o intuito de adequar o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas às exigências do Parecer 001/17 da AGU/Temer.

 

‘Há um genocídio dos índios no Brasil’

‘Há um genocídio dos índios no Brasil’

Foto e texto: Site Brasil 245

Relatório “Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – Dados 2016” do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) apontou que, só em 2016, foram 118 mortes, 106 suicídios e 735 casos de mortalidade infantil; advogado Dinamam Tuxá, integrante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, faz um alerta: “Há uma verdadeira prática de genocídio dos povos indígenas pelo Estado brasileiro, com a mão do Judiciário, do poder de polícia, do Executivo e do Legislativo”.

Confira matéria na íntegra no site do Brasil 247