30/nov/2019
Nós do povo Kaiowá e Guarani de Mato Grosso do Sul, reunidos de 26 a 30 de novembro de 2019, com mais de 300 lideranças de 23 aldeias, na nossa grande assembleia – ATY GUASU – na Terra Indígena Ñande Ru Marangatú, Município de Antonio João, estado de Mato Grosso do Sul, Brasil, saudando a memória de nossos guerreiros que tombaram na luta pelos nossos direitos, vimos apresentar nosso documento final.
Temos a pior situação de violação de direitos indígenas de todo Brasil. Somos uma das maiores populações indígenas do Brasil com os piores índices de demarcação de terras tradicionais e os piores índices de acesso a direitos fundamentais. A violência contra nosso povo é histórica e de conhecimento público da sociedade brasileira, internacional e dos órgãos do Estado brasileiro. As violações de direitos do povo Kaiowá e Guarani de Mato Grosso do Sul já foi amplamente noticiada e denunciada pela imprensa e organismos Nacionais e Internacionais.
Assistimos diariamente a falta de justiça e a impunidade contra aqueles que há décadas provocam através de vários meios, um verdadeiro genocídio do nosso povo. Não vemos assassinos de nossas lideranças serem julgados e condenados. Por outro lado, vemos a criminalização, perseguição e assassinato de nossas lideranças que lutam e reivindicam nossos direitos. Há muitos anos, em todos os Governos, desde a Constituição Federal de 1988, lutamos e esperamos soluções concretas para a demarcação definitiva de nossos territórios tradicionais e de nossos direitos.
A monocultura e a pecuária, que financiados por dinheiro público e todo tipo de apoio governamental, tomam o espaço sagrado de nossos tekohá. Inviabilizam a agricultura familiar indígena, levando nosso povo a rumos incertos sobre nossa segurança alimentar e econômica, visando a sobrevivência e bem estar de nossas futuras gerações. Além disso, vem destruindo o pouco que ainda resta de nossas florestas e recursos naturais indispensáveis para nossa sobrevivência física e cultural.
Há anos vimos repudiando a postura do Governo Federal em não buscar soluções concretas para a demarcação de terras do Estado de Mato Grosso do Sul, conforme várias orientações já feitas pelo Ministério Público Federal, inclusive com mecanismos legais que já foram criados visando indenizações de ocupantes não-indígenas estabelecidos em nossas terras tradicionais. Até hoje nada foi resolvido e assistimos atualmente uma drástica e muito grave piora desse quadro com o atual Governo Federal a cargo do Presidente Jair Bolsonaro.
Vimos há anos empreendendo todos os esforços de diálogo com as autoridades para que sejam efetivados nossos direitos fundamentais, sem quaisquer resultados efetivos. Pelo desespero de nossas comunidades muitas vezes partimos para nossas manifestações e retomadas e somos massacrados por aqueles que são contra nosso povo com o apoio dos órgãos dos Governos.
A sociedade brasileira e os órgãos do Governo devem entender que nossa luta remonta há muitas décadas e nosso povo nunca irá abandoná-la, especialmente a luta pela demarcação de nossos tekohá, pelo atendimento de saúde e educação de qualidade! O povo indígena de Mato Grosso do Sul quer a paz e nunca a violência! Os Governos e a sociedade brasileira devem entender que a conquista de nossos direitos é garantia de nossa sobrevivência humana.
Demarcar as terras de nosso povo não afetará a economia do estado e o que queremos é muito pouco perto daquilo que perdemos ao longo da história e de todo mal que estamos sofrendo! Soluções existem para a garantia de nossos direito básicos. O que falta é a vontade política, de sermos ouvidos e consultados pelo respeito a nossa autonomia!
Temos uma grande preocupação sobre a situação da FUNAI no Brasil, especialmente na nossa região de Mato Grosso do Sul em vista da inviabilidade de ações efetivas do órgão conforme determina a Legislação brasileira. É visível que o órgão vem sofrendo intervenções de ordem política sem quaisquer critérios técnicos e plausíveis e que estão comprometendo as ações básicas de atendimento às comunidades.
É lamentável que durante um momento tão importante como uma Aty Guasu nenhum servidor representante do órgão (FUNAI) tenha sequer comparecido para participar das discussões feitas pelo povo Kaiowá e Guarani visando levar as pautas dos debates para os agentes políticos do Governo Federal.
É preocupante as informações que chegam a nossas comunidades acerca da orientação vinda do Governo Federal em não permitir que servidores públicos desse órgão venham participar, ouvir e apoiar as reivindicações do povo Kaiowá e Guarani. Percebemos que mesmo depois de mais 30 anos, a FUNAI continua nos abandonando e se posicionando contra nossos direitos constitucionais.
Percebemos claramente que a atual conjuntura política brasileira não tem interesse de sequer ouvir as pautas e reivindicações das comunidades indígenas do Brasil. Situação que fere direitos fundamentais dos povos indígenas em nível Nacional e Internacional.
Recebemos com muita tristeza e preocupação a absurda informação de que o presidente da FUNAI anunciou que o órgão não irá atender o povo Kaiowá e Guarani com assistência jurídica, seja administrativa ou judicial, e material em áreas que não estão totalmente regularizadas pelas demarcações, inclusive com o corte de envio de cestas básicas para as famílias.
Denunciaremos esse fato em nível nacional e internacional em todas as instâncias pois quase a totalidade dessas áreas possuem decisões judiciais favoráveis à posse da terra pelo povo Kaiowá e Guarani. O Ministério Público Federal será comunicado pelas nossas lideranças para que tome as providências jurídicas previstas na Constituição de 1988.
Estamos diante de um retrocesso jamais visto na história da democracia brasileira no que tange à política indigenista do Governo Federal! Decisões claramente inconstitucionais estão sendo tomadas diariamente e poderão gerar o caos e a desgraça nas comunidades!
Queremos manifestar que a falta de diálogo com as comunidades é marca visível do atual Governo que vem tratando os povos indígenas como sujeitos à margem dos valores fundamentais da dignidade humana, excluindo suas decisões internas e comunitárias das políticas administrativas do Governo. Nega-se o protagonismo histórico do povo Kaiowá e Guarani nas lutas pela conquista e efetividade de seus direitos e acima de tudo de sua autonomia.
Volta-se mais uma vez o tratamento colonizador das autoridades brasileiras, muito visto durante as ditaduras do século XX, onde se tomam decisões “de cima para baixo” totalmente contrárias àquilo que realmente as comunidades historicamente vem lutando e reivindicando.
As decisões dos órgãos do Governo Federal na atualidade, que visam atender os povos indígenas, descumprem todos os preceitos fundamentais da Constituição Federal Brasileira de 1988 e de todos os tratados internacionais os quais o Brasil é signatário. Inclusive, já foram encaminhadas às autoridades internacionais várias denúncias de violações de direitos dos povos indígenas do Brasil que vem sendo praticadas pelo atual Governo Federal.
Há muitos anos o povo Kaiowá e Guarani vem sofrendo pela omissão e ação do Governo Brasileiro e o que vemos é uma piora muito grande dessa realidade histórica!
Desde muito tempo é denunciado para o mundo a situação difícil que vem passando nosso povo. Somos um dos povos mais numerosos do Brasil com os piores índices de acesso à direitos fundamentais. Todos os Governos vem negando nossos direitos à terra, saúde, educação, segurança, sustentabilidade e autonomia. Com muita tristeza vemos o atual Governo piorando ainda mais aquilo que já era ruim.
As políticas e ações voltadas para a saúde indígena do povo Kaiowá e Guarani, a cargo da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Governo Federal, vem sendo uma das piores já vistas ao longo desses anos.
Reivindicações básicas e previstas na legislação não são cumpridas pelos agentes do Governo que estão responsáveis pelo órgão.
Precisamos ser ouvidos e consultados sobre as políticas públicas da saúde indígena do povo Kaiowá e Guarani. A legislação assim determina e não temos qualquer efetividade nesse sentido.
Nosso povo vem reivindicando há muito tempo a criação do DSEI para atendimento exclusivo de nosso povo, tal como já ocorre em outras regiões do Brasil com nossos parentes indígenas.
Ouvimos promessas de deputados acerca dessa possibilidade. Inclusive o atual Ministro da Saúde do Governo Federal, Luiz Henrique Mandetta, é parlamentar de Mato Grosso do Sul e já manifestou a sua concordância há muito tempo sobre essa possiblidade. Agora que é Ministro da Saúde estamos aguardando o cumprimento de sua promessa, mas nada foi feito.
Recebemos em nossa Assembleia o atual coordenador da DSEI de Campo Grande, Sr. Eldo Elcidio Moro, e apresentamos todas as nossas reivindicações e reclamações. Não houve naquele momento nenhuma resposta razoável por parte desse representante do Governo sobre as reivindicações, mas esperamos que sejam levadas ao Ministro da Saúde, que é de nossa região e conhece a nossa realidade.
Nosso povo está vivendo momentos de incertezas e de evidentes violações de direitos básicos já amplamente assegurados pela Legislação brasileira e internacional. O que estamos assistindo é o total descaso e abandono por parte das autoridades brasileiras do Governo Federal acerca das políticas públicas necessárias ao bem estar de nosso povo.
É importante que as autoridades públicas entendam que JAMAIS iremos desistir de nossa luta história pelo nossos direitos e pelo bem estar de nosso povo e de nossas futuras gerações!
Foram séculos de lutas, com o sangue derramado de nossos guerreiros! Continuaremos até o fim com nossas lutas e fortalecendo ainda mais a nossa organização! A cada dia que passa conhecemos mais o desafio que teremos que enfrentar. A cada dia que passa mais forte estaremos, até alcançarmos a paz e o bem estar de nosso povo conforme nossa cultura e nossa memória!
Reivindicamos políticas objetivas dos Governos, em todas as esferas. Precisamos de projetos claros e objetivos para a produção de alimentos, saúde, educação e segurança. Para isso, também precisamos de recursos públicos para que esses projetos sejam efetivados e atendam nossas expectativas. Porém, sem que os Governos nos consultem e ouçam nossas reivindicações nada será feito.
A educação Escolar Indígena deve ser feita conforme a Legislação vigente e conforme as deliberações feitas pelas comunidades indígenas. Uma educação que seja bilíngue, pluricultural e de qualidade.
Reivindicamos políticas sérias sobre segurança pública para nossas aldeias. A violência interna e externa há anos vem afetando nosso povo. As polícias não vem cumprindo seu papel constitucional para com nosso povo.
Precisamos de uma Polícia que nos atenda nas demandas diárias e que esteja devidamente preparada. As polícias do estado e federal precisam de formação adequada para trabalhar junto com nosso povo e atender nossas comunidades. Estamos abandonados pela segurança pública. Precisamos de uma Polícia que esteja do lado de nosso povo e não contra nós.
Pedimos ainda a todos os organismos internacionais de direitos humanos e sociedades de todos os países do mundo que acompanhem de perto e que apoiem nossa realidade e nossa luta histórica pela justiça e efetivação de nossos direitos diante do absurdo instalado na política indigenista brasileira para evitar mais tragédias, constantemente vista em governos passados, e drasticamente na atual conjuntura, evitando-se que haja ainda mais genocídios perpetuados.
Por fim, agradecemos a presença de todos nossos aliados que compareceram em nossa Aty Guasu, como o Ministério Público Federal, e todas as pessoas de bem que compreendem a nossa realidade e se somam à nossa luta por dias melhores para nosso povo.
Nossos rezadores estão conosco e sabemos que o bem vencerá!
As rezas de nossos Ñande Ru e Ñande Sy nos fortalecem a cada dia!
Sabemos de nossa força e desafios, junto com nossas lideranças, jovens e crianças.
Sangue Indígena: Nenhuma gota a mais!
Jamais desistiremos de nossa luta e estaremos cada dia mais fortes!
Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, Antonio João, Mato Grosso do Sul, Brasil, 29 de novembro de 2019.
02/nov/2019
Foto: Patrick Raynaud
A Coordenação das Organizações Indigenas da Amazônia Brasileira – COIAB em nome dos povos indígenas, dos nove estados da Amazônia (Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), representante de mais de 180 povos, mais de 430 mil população indígena, mais de 300 organizações indígenas e seus mais de 430 territórios, vem a público manifestar, primeiramente, toda a sua solidariedade ao povo indígena Guajajara, da Terra Indígena Araribóia, especialmente aos “Waizazar” da Araribóia, pelo assassinato do guerreiro Paulo Paulino Guajajara, Guardião da Floresta, brutal e cruelmente executado por um grupo de madeireiros e invasores da Terra Indígena Araribóia. Assim como nos somar a corrente de força pela saúde do líder indígena guardião Laércio Guajajara que também foi ferido covardemente e que está em estado grave e em recuperação.
Do mesmo modo vimos através desta expressae o nosso VEEMENTE REPÚDIO contra toda essa onda de ódio, raiva, preconceito, racismo, ataques, criminalização e assassinato aos povos indígenas, encabeçada pelo Estado brasileiro, através da maior autoridade do Poder Executivo do país, o senhor presidente Jair Messias Bolsonaro.
Os ataques orquestrado do atual Estado brasileiro contra os povos indígenas, através do governo Bolsonaro tem as mãos totalmente manchadas de sangue indígena e a consciência impregnada de culpa e responsabilidades pelos assassinatos e o aumento da violência nos territórios indígenas, que estão sendo invadidas, nossas lideranças assassinadas, atacadas e criminalizadas e o Estado Brasileiro está sendo conivente, negligente e deixando os povos indígenas a mercê dos criminosos com sua política antí-indígena e ambiental que vem impondo e destruindo aos país.
E para isso conclamamos a sociedade brasileira e internacional para nos impormos a essa política genocida contra os povos indígenas e exigirmos um bem viver, unidade de pensar e respeito a visão e modo de vida específica dos povos indígenas do Brasil, assim como REPUDIARMOS VEEMENTEMENTE qualquer posicionamento preconceituoso e racista, e qualquer forma de violência contra nossos povos e solicitamos as penalidades e sanções cabíveis aos criminosos do nosso defensor da floresta Paulo Paulino Guajajara e a apuração de responsabilidades do governo brasileiro por ameaçar a vida da humanidade e dos povos originários do Brasil e a Amazônia.
Manaus/AM, 02 de novembro de 2019.
COORDENAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DA AMAZÔNIA BRASILEIRA
02/nov/2019
Foto: Patrick Raynaud
Maranhão, 2 de novembro de 2019 – É com profunda tristeza e revolta, que nós, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), vimos a público denunciar e prestar solidariedade ao Povo Guajajara pelo assassinato do guardião Paulo Paulino Guajajara após o grupo dos agentes florestais indígenas “Guardiões da Floresta” ter sido emboscado por madeireiros dentro de seu próprio território. O líder indígena guardião Laércio Guajajara também foi ferido, ele está internado e seu quadro é estável.
O crime ocorreu ontem no interior da Terra Indígena Araribóia, região de Bom Jesus das Selvas-MA, entre as aldeias Lagoa Comprida e Jenipapo. Houve intenso confronto. O indígena Paulo Paulino Guajajara, conhecido como “Lobo mau”, foi brutalmente assassinado com um tiro no rosto; Há informações de que um madeireiro envolvido no crime também pode ter morrido no confronto, seu corpo está desaparecido.
O Governo Bolsonaro tem sangue indígena em suas mãos, o aumento da violência nos territórios indígenas é reflexo direto de seu discurso de ódio e medidas contra os povos indígenas do Brasil. Nossas terras estão sendo invadidas, nossas lideranças assassinadas, atacadas e criminalizadas e o Estado Brasileiro está deixando os povos abandonados a todo tipo de sorte com o desmonte em curso das políticas ambientais e indigenistas.
Neste momento, oito líderes indígenas da APIB estão em uma intensa jornada pela Europa para denunciar a grave crise de direitos humanos que os povos indígenas do Brasil enfrentam sob o presidente Jair Bolsonaro. Intitulada “Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais”, a campanha pede às autoridades e aos líderes empresariais da Europa que respondam à crescente violência e devastação ambiental na Amazônia e em todo o país.
Um relatório recente do Conselho Missionário Indígena do Brasil (CIMI) mostrou um aumento dramático da violência contra comunidades nativas e invasões de territórios indígenas. Durante os primeiros nove meses de posse de Bolsonaro, houve 160 casos relatados de invasões de terras, o dobro dos números registrados no ano passado.
Sonia Guajajara, coordenadora executiva da APIB e liderança do Povo Guajajara, declarou que o Território Indígena Araribóia está em luto e que já faz tempo que eles vêm denunciando a situação de ausência do poder público na proteção dos territórios indígenas, assim como a invasão do território Araribóia para a exploração ilegal de madeira e a luta dos guardiões para protegê-lo. “Não queremos mais ser estatística, queremos providências do Poder Público, dos órgãos que estão cada vez mais sucateados exatamente para não fazerem a proteção dos povos que estão pagando com a própria vida por fazer o trabalho que é responsabilidade do Estado. Exigimos justiça urgente!”.
Nesta segunda-feira, dia 4, está agendada audiência pública em Imperatriz (MA) para discutir o arrendamento dos Territórios Indígenas e o entreguismo para o agronegócio. Não aceitaremos a legalização da destruição de nossos territórios.
Sabemos que os povos indígenas em todo mundo são responsáveis pela preservação de 80% da biodiversidade, assim como para o combate à crise climática que é um dos maiores problemas enfrentados pela humanidade neste século XXI. Onde há indígenas, há floresta em pé. Por isso, um ataque aos nossos povos, representa um ataque a todas às sociedades e ao futuro das próximas gerações.
É preciso dar um basta à escalada dessa política genocida contra os nossos povos indígenas do Brasil. É por isso que estamos com a nossa campanha pelos países da Europa, para alertar ao mundo o que está acontecendo no Brasil e pedir apoio para que nenhuma gota a mais de sangue indígena seja derramada.
Sangue Indígena: Nenhuma Gota Mais!
30/out/2019
Acompanhe as atualizações diárias da delegação que está circulando por 12 países e 18 cidades na Europa para denunciar a política ambiental do governo Bolsonaro para parlamentares, organizações, empresários e governos da Europa.
Acompanhe os diários de bordo, ouça os podcasts com relatos por cada país visitado e siga o instagram e o facebook da APIB com as novidades todos os dias.
30/out/2019
Além de requerer a proposição de ação civil pública por ato de improbidade administrativa em desfavor de Gilson Machado Guimarães Neto, presidente do Instituto Brasileiro de Turismo – Embratur; a organização indígena requereu instauração de Inquérito Civil com o fito de investigar e apurar, no âmbito da Fundação Nacional do Índio – Funai, eventual responsabilidade administrativa atentatória à probidade administrativa, a democracia e ofensa aos direitos culturais dos povos indígenas.
Confira petição na íntegra: Representação Apib – Caso Embratur
23/out/2019
À Sua Santidade
Papa Francisco
Estimado Santo Padre,
Nós, lideranças indígenas, representando a nossa instância maior de referência nacional, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) temos a honra de cumprimentá-lo reverentemente, agradecendo em primeiro lugar a explícita opção que a sua missão papal, tem feito em favor dos menos favorecidos do planeta, com destaque para os povos e organizações do campo. Em especial para nós, povos originários, que a colonização de mais de 500 anos subjuga até os dias de hoje, visando o nosso desterro e a nossa extinção para satisfazer os interesses de lucro e consumo exacerbado de minorias movidas pelo espírito do capital, da destruição e da morte progressiva da Mãe Terra e de todos os seres vivos que ela acolhe no seu sagrado colo.
É sobre essa hecatombe programada que começa a desmoronar sobre os nossos povos no Brasil que queremos falar com a Vossa Santidade. O governo do presidente Jair Bolsonaro, desde o 1º. dia de seu governo decidiu nos escolher como alvos da artilharia do projeto de suposto desenvolvimento que quer impor a qualquer custo sobre as nossas terras, territórios e bens naturais que protegemos há milhares de anos.
Bolsonaro desmontou as instituições e políticas públicas diferenciadas que com muita luta, em razão da nossa especificidade étnica e cultural, conquistamos junto ao Estado brasileiro, para materializar o pacto constitucional que em 1988 reconheceu a nossa organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os nossos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupamos, cabendo à União demarcá-las e protegê-las. Terras imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a nosso bem-estar e necessárias à nossa reprodução física e cultural, segundo os nossos usos, costumes e tradições, portanto, de posse permanente e usufruto exclusivo no tocante às riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Segundo a mesma Carta Magna, nossas terras são inalienáveis e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
Não obstante o texto constitucional, respaldado por tratados internacionais firmados pelo Brasil, o governo intensificou os ataques aos nossos direitos fundamentais: o próprio presidente Bolsonaro tem afirmado repetidas vezes que enquanto for mandatário do país, não irá demarcar mais nenhum centímetro de terra indígena. Também desmantelou o órgão indigenista, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) responsável pela política de demarcação e proteção das terras indígenas e pela promoção dos direitos indígenas em articulação com outros órgãos de gestão das políticas públicas; desarticulou a política nacional do meio ambiente, desfigurando a função de fiscalização e controle ambiental de órgãos de fiscalização e controle; acabou ou restringiu instituições e políticas de atenção diferenciada voltadas aos nossos povos na área da gestão ambiental e territorial, da educação escolar indígena e do subsistema de saúde indígena; extinguiu mecanismos e espaços de participação e controle social. Exerce ainda uma ostensiva incidência no Congresso Nacional para, em conluio com as forças econômicas aí representadas, flexibilizar ou regredir na legislação ambiental, restringir ou suprimir os nossos direitos constitucionais, principalmente o nosso direito originário aos nossos territórios, também ameaçados no âmbito do poder judiciário, que sob pressão da latifúndio e do agronegócio, ameaça regredir na interpretação da ocupação tradicional dos mesmos.
A política e discursos do governo tem sido, assim, um dos elementos principais de estímulo às ações de violência, conflitos e criminalização que os nossos povos e lideranças sofrem nos territórios por parte dos mais diversos tipos de invasores. Situação que tem aumentado o número de lideranças indígenas ameaçadas, perseguidas e assassinadas.
O projeto de morte do governo brasileiro ainda propõe levar adiante a implantação de grandes empreendimentos que terão impactos imprevisíveis e irreversíveis sobre as nossas terras e territórios inclusive onde há presença de povos em isolamento voluntário e de recente contato, portanto sobre as nossas vidas, tais como agronegócio, pecuária, mineração, hidrelétricas, estradas e linhas de transmissão, violando espantosamente o nosso direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado, assegurado pela legislação nacional e internacional.
Por tudo isso, Santo Padre, viemos por meio desta apresentar a vossa Santidade o nosso clamor, esperando ser possível acionar mecanismos e meios que possam levar o governo brasileiro a frear ou encerrar esta brutal ofensiva que ameaça o nosso bem viver e a continuidade dos nossos povos, línguas e culturas.
Vaticano, 21 de outubro de 2019.
DELEGAÇÃO SANGUE INDÍGENA: NENHUMA GOTA MAIS
09/out/2019
Organizado por la Articulación de los Pueblos Indígenas de Brasil (APIB), un viaje con líderes de todo Brasil visitará 12 países para informar a las autoridades, las empresas y la sociedad europea sobre la violencia contra los pueblos indígenas.
Brasilia, 9 de octubre de 2019: del 17 de octubre al 20 de noviembre, una delegación de líderes indígenas visitará 12 países europeos para denunciar las graves violaciones que están ocurriendo contra los pueblos indígenas y contra el medio ambiente en Brasil desde la asunción del presidente Jair Bolsonaro, en enero de este año.
Realizada por APIB (Articulación de Pueblos Indígenas de Brasil), en asociación con organizaciones de la sociedad civil, la campaña “Sangre indígena: Ni Una Gota Más” tendrá como objetivo presionar al gobierno brasileño y a las empresas agroindustriales para que cumplan con los acuerdos internacionales sobre cambio climático y derechos humanos de los que Brasil es signatario, como el Acuerdo de París, el Convenio 169 de la Organización Internacional del Trabajo (OIT), que garantiza la consulta libre, previa e informada, la Declaración de las Naciones Unidas sobre los Derechos de los Pueblos Declaración de Nueva York, entre otros.
La delegación, compuesta por Sonia Guajajara, Alberto Terena, Angela Kaxuyana, Celia Xakriabá, Dinaman Tuxá, Elizeu Guarani Kaiowá y Kretã Kaingang, buscará espacios importantes para el diálogo y acciones de impacto político junto con la población europea para atraer la atención del mundo hacia el momento grave que vive Brasil y también para informar a las autoridades y a la opinión pública sobre el origen de los productos brasileños que se producen en zonas de conflicto o en tierras indígenas. Según los líderes, el viaje será una campaña de diálogo, presión, denuncia, difusión y sensibilización a la sociedad europea sobre el contexto que los pueblos indígenas viven hoy en Brasil, una realidad que amenaza la supervivencia de los pueblos de las selvas y la vida del planeta.
El viaje comenzará en el Vaticano, con la presencia de los líderes en el Sínodo de los Obispos para el Amazonas, inaugurado el viernes pasado por el Papa Francisco, quien exigió respeto por la cultura indígena y rechazó los “asentamientos ideológicos” destructivos o reductivos. A continuación, los líderes van a Roma, Alemania, Suecia, Noruega, Holanda, Bélgica, Francia, Portugal, el Reino Unido y España. Están previstas reuniones con autoridades y líderes políticos, eurodiputados y el Banco Verde, alto comisionado de organismos de cooperación internacional, empresarios, tribunales internacionales, activistas, ambientalistas y artistas.
En abril de este año, los datos de un informe de la APIB, producido en asociación con Amazon Watch, mostraron cómo las empresas europeas y estadounidenses, incluidos bancos, madereros y fabricantes de accesorios, financian la devastación de la Amazonía. Se analizaron empresas brasileñas multadas por delitos ambientales en la Amazonía desde 2017 y se identificó que junto a esas empresas existen una serie de intereses comerciales de los países del norte. También hay informes acerca de empresas que operan en zonas de conflicto y extraen recursos de territorios indígenas.
Los datos preliminares publicados en septiembre por el Consejo Misionero Indígena (Cimi) indican que las invasiones en territorios indígenas protegidos explotaron en 2019. Sólo en enero-septiembre de este año, hubo 160 invasiones en 153 tierras indígenas contra 111 de estos casos en 76 territorios en 2018. A 3 meses de terminar el 2019, ya hay un aumento del 44% en los ataques totales y un aumento del 101% en las tierras alcanzadas.
Otro informe reciente, publicado por Human Rights Watch, mostró cómo una acción de las redes criminales impulsa la deforestación y la quema en la Amazonía, y muestra que la reducción de las políticas de protección ambiental alienta la tala ilegal y generan una mayor presión sobre los pueblos de la selva, que sufren represalias cada vez más violentas al defender sus territorios.
En agosto, el informe del Panel Intergubernamental sobre el Cambio Climático (IPCC) sugirió, por primera vez, como soluciones a la crisis climática, reconocer el papel de los pueblos indígenas como guardianes forestales, ya que sus conocimientos y prácticas son contribuciones importantes a la resiliencia climática.
Para APIB, el momento para ampliar la visibilidad de estos hechos a través de una campaña de articulación y comunicación en el extranjero es ahora, porque el genocidio de los pueblos indígenas en Brasil es real y necesitamos unir fuerzas y aliados para esta batalla por la vida.
Para acompañar el viaje de los líderes, siga los perfiles de APIB, Mídia India y Mídia NINJA en las redes sociales.
Asesoria de prensa
Amazon Watch
Camila Rossi: [email protected] + 55 11 98152-8476
Greenpeace
Rebecca César: [email protected] +55 11 3035-1167
09/out/2019
Led by APIB, a delegation of Brazilian leaders will visit 12 countries to inform authorities, companies and European society about violence against indigenous people.
Brasília, October 9, 2019 – From October 17 to November 20, a delegation of indigenous leaders will visit 12 European countries to denounce serious violations against Brazilian indigenous people since President Jair Bolsonaro took office last January.
Led by APIB (Articulation of Indigenous Peoples of Brazil), in partnership with civil society organizations, the campaign “Indigenous Blood: Not a Single Drop more” aims to pressure Brazilian government and agribusiness companies to fulfill international agreements on climate change and human rights signed by Brazil – such as the Paris Agreement, the International Labour Organization (ILO) Convention 169, which guarantees free, prior and informed consultation, the United Nations Declaration on the rights of indigenous people, the New York Declaration, among others.
The delegation, formed by Sonia Guajajara, Alberto Terena, Angela Kaxuyana, Celia Xakriabá, Dinaman Tuxá, Elizeu Guarani Kaiowá and Kretã Kaingang, will join in important spaces for dialogue and political impact with European public to draw the world’s attention to the serious threats that are taking place in Brazil and also to inform authorities and public opinion about the origin of Brazilian products that are produced in conflict areas or in indigenous lands. According to the leaders, the agenda will be a campaign of dialogue, pressure, denunciation, dissemination and awareness of the European society of the context that indigenous peoples live in Brazil, a reality that threatens the lives of the forest people and of the planet.
The journey will begin at the Vatican, with the presence of the leaders at the Synod for the Pan-Amazon Region, inaugurated last Friday by Pope Francis, who demanded respect for indigenous culture and rejected destructive or reductive “ideological settlements”. Then, the leaders will go to Rome, Germany, Sweden, Norway, the Netherlands, Belgium, France, Portugal, the United Kingdom and Spain. The agenda includes meetings with authorities and political leaders, congressmen of the European Parliament and the Green Bench, high commissioner of international cooperation bodies, businessmen, international courts, activists, environmentalists and artists.
Last April, data from an APIB report, produced in partnership with Amazon Watch, showed how European and US companies, including banks, loggers and accessory makers, finance deforestation in the Amazon region. Brazilian companies fined for environmental crimes in the Amazon since 2017 have been analyzed and the research identified linkages between them and Northern countries’ commercial interests. There is evidence of companies operating in conflict areas and extracting resources from indigenous territories.
Preliminary data published in September by the Indigenous Missionary Council (Cimi) indicates that invasions into indigenous territories exploded in 2019. From January to September, there were 160 invasions in 153 indigenous lands against 111 such cases in 76 territories in 2018. Within three months until the end of 2019, there is already a 44% increase in total attacks and a 101% increase in land affected.
Another recent report, published by Human Rights Watch, showed how an action by criminal networks drives deforestation and fires in the Amazon, showing that reduced environmental fiscalization encourages illegal logging and results in greater pressure on forest peoples, who suffer even more violent reprisals in defending their territories.
In August, an Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) report suggested, for the first time, as solutions to the climate crisis, the act of recognizing the role of indigenous people as guardians of the forest, as their knowledge and practices are important contributions to climate resilience.
For APIB, the moment to amplify the visibility of these facts through a campaign of articulation and communication abroad is now, because the genocide of indigenous peoples in Brazil is real and they need to join forces and allies for this battle for life.
To follow the leadership journey, follow APIB, Mídia Ninja and Mídia Índia on social media.
Media contacts
Amazon Watch
Camila Rossi: [email protected] + 55 11 98152-8476
Greenpeace
Rebecca Cesar: [email protected] +55 11 95640-0443
09/out/2019
Realizada pela APIB, viagem com lideranças de todo o país percorrerá 12 países para informar autoridades, empresas e sociedade europeia sobre as violências aos povos indígenas.
Brasília, 9 de outubro de 2019 – De 17 de outubro a 20 de novembro, uma comitiva de lideranças indígenas visitará 12 países europeus para denunciar as graves violações que estão ocorrendo aos povos indígenas e ao meio ambiente do Brasil desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, em janeiro deste ano.
Realizada pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), em parceria com organizações da sociedade civil, a campanha “Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais” terá o objetivo de pressionar o governo brasileiro e empresas do agronegócio a cumprirem os acordos internacionais sobre mudança do clima e direitos humanos dos quais o Brasil é signatário – como o Acordo de Paris, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante consulta livre, prévia e informada, a Declaração da Organização das Nações Unidas sobre direitos dos povos indígenas, a Declaração de Nova York, entre outros.
A comitiva, composta por Sônia Guajajara, Alberto Terena, Angela Kaxuyana, Célia Xakriabá, Dinaman Tuxá, Elizeu Guarani Kaiowá e Kretã Kaingang, buscará espaços importantes de diálogo e ações de impacto político junto à opinião pública europeia para chamar a atenção do mundo para o momento grave que o Brasil vive e também para informar autoridades e a opinião pública sobre a origem dos produtos brasileiros que são produzidos em áreas de conflitos ou em terras indígenas. Segundo as lideranças, a viagem será uma campanha de diálogo, pressão, denúncia, divulgação e conscientização da sociedade europeia do contexto que os povos indígenas hoje vivem no Brasil, uma realidade que ameaça a sobrevivência dos povos da floresta e a vida do planeta.
A jornada terá início no Vaticano, com presença das lideranças no Sínodo dos Bispos para a Amazônia, inaugurado no último dia 6 pelo Papa Francisco, que cobrou respeito à cultura indígena e rejeitou as “colonizações ideológicas” destrutivas ou redutoras. Na sequência, as lideranças seguem para Roma, Alemanha, Suécia, Noruega, Holanda, Bélgica, França, Portugal, Reino Unido e Espanha. Estão previstos encontros com autoridades e lideranças políticas, deputados do Parlamento Europeu e da bancada verde, alto comissionado de órgãos de cooperação internacional, empresários, tribunais internacionais, ativistas, ambientalistas e artistas.
Em abril deste ano, dados de um relatório da APIB, produzido em parceria com a Amazon Watch, comprovou como empresas europeias e norte-americanas, entre bancos, madeireiras e fabricantes de acessórios, financiam a devastação da Amazônia. Foram analisadas empresas brasileiras multadas por crimes ambientais na Amazônia desde 2017 e identificadas uma série de interesses comerciais de países do Norte com elas. Há denúncias de empresas que operam em áreas de conflitos e extraem recursos de territórios indígenas.
Dados preliminares publicados, em setembro, pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) apontam que as invasões a territórios indígenas explodiram em 2019. Somente de janeiro a setembro deste ano, foram 160 invasões em 153 terras indígenas contra 111 casos do tipo em 76 territórios em 2018. A três meses para encerrar 2019, já há um aumento de 44% no total de ataques e de 101% no de terras atingidas.
Outro relatório recente, publicado pela Human Rights Watch, mostrou como uma ação de redes criminosas impulsionam o desmatamento e as queimadas na Amazônia, comprovando que a redução da fiscalização ambiental incentiva a extração ilegal de madeira e resulta em maior pressão sobre os povos da floresta, que sofrem represálias cada vez mais violentas ao defender seus territórios.
Em agosto, o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sugeriu, pela primeira vez, como soluções para a crise climática, reconhecer o papel dos povos indígenas como guardiões florestais, pois seus conhecimentos e práticas são importantes contribuições para a resiliência climática.
Para a APIB, o momento para amplificar a visibilidade desses fatos por meio de uma campanha de articulação e comunicação no exterior é agora, porque o genocídio dos povos indígenas no Brasil é real e eles precisam unir forças e aliados para essa batalha pela vida.
Para acompanhar a jornada das lideranças, siga o perfil da APIB e do Mídia Índia nas redes sociais.
Assessoria de imprensa
Amazon Watch
Camila Rossi: [email protected] + 55 11 98152-8476
Greenpeace
Rebecca César: [email protected] +55 11 95640-0443
07/out/2019
As lideranças, conhecedores, rezadores e pesquisadores avá, mbya, ñandeva, kaiowa, guarani e tupi-guarani de diversas localidades da América Latina, reunidos em São Paulo, entre os dias 24 e 27 de setembro de 2019, para o II Seminário Internacional de Etnologia Guarani: redes de conhecimento e colaboração, realizado junto com nossos parceiros do Centro de Estudos Ameríndios da USP e do grupo Etnologia e História Indígena da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e tantos outros grupos e instituições que apoiam nossa luta, após quatro dias de debates conjuntos, lançamos esta carta.
Manifestamos à sociedade nacional e internacional nossas reflexões e posicionamentos a respeito da situação de nossas comunidades, das posturas do atual governo brasileiro para com os povos indígenas e a perspectivas de nossa resistência à manutenção de nossas terras e modos de vida. Esperamos que este documento sensibilize a sociedade e oriente as autoridades responsáveis pela proteção dos direitos dos Guarani, cuja presença é fundamental para a garantia e continuidade desse mundo compartilhado entre todos e todas.
Em 2016, no primeiro seminário realizado em Dourados, Mato Grosso do Sul, assim como no evento Redes Guarani, realizado em 2013 em São Paulo, já havíamos nos manifestado nossa preocupação com as graves ameaças a nossos direitos, que agora foram brutalmente atacadas pelo atual governo. Estamos preocupados com os despejos e derramamento de sangue que podem ocorrer, incentivados pelo discurso da Presidência, considerando a atual inflexão anti-indígena que é também sentida no Poder Judiciário.
Alguns de nossos territórios já tem sido sistematicamente atacados por setores do Judiciário, com a imposição de um marco temporal que condiciona a efetivação dos nossos direitos territoriais à data da promulgação da Constituição de 1988, negando o caráter originário que ela reconhece. Nesse sentido, chamamos atenção aos processos envolvendo a Terra Indígena Guyraroka, dos Kaiowá e Guarani em Mato Grosso do Sul, e a Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ, do povo Xokleng em Santa Catarina, marcados para o próximo período e que poderão definir o futuro da demarcação de nossas terras.
Denunciamos, assim, que a chamada “Tese do Marco Temporal” não tem fundamento jurídico, histórico, sociológico ou antropológico razoável e que constitui, na verdade, parte de uma estratégia de setores ligados ao agronegócio para barrar o processo de reparação às comunidades indígenas lesadas, ao longo do século XX, por atos de exceção praticados pelo Estado brasileiro ou com a conivência de seus agentes. Clamamos, portanto, a todos os integrantes do Poder Judiciário comprometidos com a defesa do estado democrático de direito que tomem medidas efetivas para barrar o avanço na adoção do “marco temporal”.
Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade (CNV), ao tratar da questão dos povos indígenas, reconheceu como genocida a política promovida pelo estado brasileiro com vistas à eliminação dos povos indígenas sob falso argumento fraternal da “integração à comunidade nacional”. Segundo a CNV, o estado brasileiro é responsável pela morte de no mínimo 8.300 indígenas ao longo da segunda metade do século XX (entre 1946-1988), bem como pela situação atual de de restrição territorial de diversos povos e comunidades, promovida por meio de sistemáticas remoções e desaparecimentos forçados, expulsões violentas, massacres, entre outras técnicas criminosas de genocídio. Motivados pela cobiça por nossas terras, agentes públicos e privados empreenderam esbulhos generalizados com vistas à apropriação de nossos territórios para satisfação de seus interesses políticos e econômicos.
Esta é a situação, por exemplo, dos mais de 20 tekoha localizados na região do Oeste do Paraná, cujas famílias Avá-Guarani foram removidas compulsoriamente de seus territórios durante a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu Binacional. Sem qualquer tipo de licenciamento, o empreendimento, que na época era a maior UHE do mundo, promoveu a remoção de 8 mil pessoas, apenas no lado brasileiro, sem qualquer plano de realocação minimamente adequado à realidade das famílias e povos ali habitantes, contando ainda com a participação ativa dos mesmos órgão públicos responsáveis pelo resguardo e proteção dos direitos desses povos. Mais de 32 aldeias foram alagadas, e ainda hoje existem xeramoĩ e xejaryi, anciões e anciãs, que se recordam do desespero de ver a água subindo e ter que sair às pressas dos locais que tradicionalmente ocupavam.
Assim, os territórios hoje reivindicados são aqueles que o próprio Estado nos roubou no passado. E hoje, na contramão do que nos reconhece a Constituição, a tese do marco temporal vem para legitimar as violências historicamente cometidas, anistiar nossos opressores e oferecer segurança para que ações violentas sigam sendo praticadas contra nós.
Em Mato Grosso do Sul, a expulsão das terras e o confinamento em pequenas áreas, resultaram em uma histórica violação dos direitos dos povos guarani que ali vivem, impossibilitando a livre circulação das pessoas, que após mais de cem anos confinados nessas áreas, buscam, através da luta, retomar os seus territórios tradicionais, e voltar a suas terras esbulhadas. Isso tem gerado conflitos intensos com os ruralistas, o poder público e a sociedade envolvente, fortalecendo preconceitos e acirrando o ódio contra o nosso povo. Somos chamados de invasores, mas fomos nós que tivemos nossas terras, nossos corpos e nossas vidas invadidas pelos não-indígenas. A violência a que estamos submetidos em Mato Grosso do Sul não é nossa responsabilidade, mas sim do Estado brasileiro, que só poderá reparar isto devolvendo e demarcando as nossas terras.
É necessário denunciarmos também a recente nomeação de uma advogada dos ruralistas para a Direção de Proteção Territorial da FUNAI, gerando um flagrante conflito de interesses, já que tal advogada atuou diretamente em processos contra a demarcação de nossas terras tradicionais no Vale do Ribeira, em São Paulo, região com uma importante faixa remanescente de Mata Atlântica e da qual somos guardiões.
As autoridades, os órgãos ambientais e toda a sociedade precisam compreender que nossos modos de ser não são predatórios, e que nossa presença em áreas atualmente tipificadas de conservação ambiental garante a conservação e a promoção da biodiversidade. Os povos guarani praticam milenarmente a agricultura e sempre o fizemos sem destruir a natureza, diferente dos não-indígenas que acabaram com a quase totalidade das matas em que viveram nossos ancestrais, em nome de seu desenvolvimento irresponsável e inconsequente. Hoje, a partir da renovação e fortalecimento de nossos saberes tradicionais, temos buscado realizar plantios que aliam abundância produtiva à recuperação ambiental nas tantas áreas tradicionais que foram degradadas pela ação perniciosa dos ruralistas. Lamentamos profundamente a posição de parentes que, sob pressão e seduzidos pelo dinheiro do agronegócio, querem criminosamente dispor de terras indígenas para realizar um modelo retrógrado dos ruralistas baseado no veneno e na destruição ambiental, que só gera exclusão e morte e que, se não parar, vai acabar com o mundo.
É preciso que o sistema educacional respeite e reconheça o modelo de educação escolar indígena, assegurado pela legislação brasileira, garantindo que nossos saberes, costumes, línguas e tradições sejam plenamente recepcionados nos currículos e no ambientes escolares como um todo. Que as redes escolares não indígenas também recebam as contribuições que temos a oferecer, efetivando a lei 11.645/2008, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena, e que contribui decisivamente à efetivação de um ambiente sociocultural diverso, plural e cada vez mais democrático, livre de preconceitos, racismo e ignorância.
Repudiamos a política destrutiva do sistema educacional levada a cabo pelo atual governo, que rejeita os anseios e compromete o futuro de nossa juventude. Estudantes e professores indígenas de todo o Brasil mantêm-se em constante mobilização contra as investidas do governo contra nosso direito à educação diferenciada, comunitária, específica e bilíngue que ameaçam as conquistas de décadas de lutas. A educação é a área mais afetada pelos cortes de orçamento do governo Bolsonaro, e, na universidade, o maior impacto recai sobre estudantes indígenas, quilombolas, bem como pessoas de baixa renda, especialmente. Nesse sentido, entendemos os cortes nas bolsas-auxílio como outra imposição à nossa presença nesses espaços, o que não aceitamos, mas antes é preciso ampliar esta presença, com nossos corpos, nossas vozes, nossas histórias, nossa verdade e nossos projetos de futuro.
No dia 24 de setembro, na cerimônia de abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, o atual presidente do país, Jair Bolsonaro, mantendo a linha de seus discursos anti-indígenas, incitou, perante a comunidade internacional, o ódio contra os povos indígenas no Brasil. Reforçou o discurso inverídico de que hoje temos no Brasil “muita terra para pouco índio” e de que não haverá mais demarcações em seu mandato, traduzindo o interesse do governo sobre as riquezas naturais sobre as quais localizam-se as poucas terras indígenas no país. Em um espetáculo de racismo e desinformação, o presidente não teve pudores em se utilizar de uma liderança indígena presente para tentar legitimar seus preconceitos, enquanto atacava o ancião Raoni Metuktire Kayapó, que de fato tem representatividade para o movimento nacional indígena e que, inclusive, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz de 2020. Em um contexto no qual a figura de Jair Bolsonaro é um reflexo do aumento das forças conservadoras em escala mundial, a resistência e o dinamismo dos povos Guarani é crucial para pensar novas saídas em um período de completa desilusão e falta de horizontes para a política nacional e internacional.
Nesse sentido, no mesmo dia em que o presidente mancha a imagem do Brasil perante a comunidade internacional, optamos por fazer um contraponto, com a participação central das mulheres guarani, o evento foi apenas mais uma mostra da potência do nosso povo frente às ameaças atuais, em uma demonstração de força em defesa da autonomia dos povos indígenas, do reconhecimento das mulheres nessa luta, da inclusão dos jovens para atualização dos debates, da educação e saúde diferenciadas e, principalmente, pela demarcação de todas as nossas terras reivindicadas e que aguardamos há muitas décadas. A não demarcação de nossas terras expõe nossas mulheres, homens, velhos e crianças à dependência da relação com o Estado, que interferem no modo como cuidamos dos nossos corpos, de nossas famílias, de como educamos nossos filhos, enfim, de como vivemos em nossas terras.
Alertamos a sociedade brasileira do perigo e conclamamos as mais diversas pessoas, movimentos, instituições a se aliarem a nós nessa luta e fazer valer a Constituição, que garante nosso direito à terra e, portanto, à vida.
DEMARCAÇÃO JÁ!
AGUYJEVETE PRA QUEM LUTA!
São Paulo, 27 de setembro de 2019
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