Organizações indígenas repudiam comissão Bolsonarista criada na Câmara para discutir situação do Povo Yanomami

Organizações indígenas repudiam comissão Bolsonarista criada na Câmara para discutir situação do Povo Yanomami

A Apib, a Coiab, a Hutukara Associação Yanomami (HAY), Urihi Associação Yanomami (URIHI), Associação Parawami Yanomami (Parawami), a Associação Wanasseduume Ye’kwana e outras 76 organizações do Movimento Nacional Indígena assinam a nota de repúdio à comissão criada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que teria a função de “investigar” a situação dos Yanomami.

“Manifestamos nosso repúdio e indignação por mais uma ação truculenta da Câmara dos Deputados que, longe de manifestar preocupação e compromisso com nosso povo, pretende utilizar a dor e a morte do povo Yanomami e Ye’kwana para objetivos simulados de disputas políticas e de defesa do garimpo e da mineração em territórios indígenas”, afirma a nota. Após, as declarações contrárias à comissão, a deputada Célia Xakriabá passou a integrara a comissão, como única representante indígena.

A calamidade que afeta o povo Yanomami e Ye’kwana é responsabilidade da política anti-indígena estabelecida durante os quatro anos do governo Bolsonaro, que estimulou publicamente a invasão das Terras Indígenas e o garimpo. É inadmissível que os mesmos partidários da promoção do genocídio indígena assumam o papel de investigar as ações de reparação que estão em curso neste momento.

Em 2022 e 2023 já foram constituídas duas Comissões especiais no Congresso Nacional para acompanhar a situação na TI Yanomami, que apontaram o descaso, a omissão e o abandono do atendimento à saúde pelo Estado brasileiro como causas do flagelo que enfrentam os indígenas. Para os povos originários, se trata de “um escárnio e uma afronta ao sofrimento dos povos Yanomami e Ye’kuana e de todos os povos indígenas do Brasil”.

As organizações que compõem o Movimento Nacional Indígena reforçam que a obrigação do Estado brasileiro é realizar as medidas necessárias para garantir o direito à vida, à saúde e à proteção dos territórios. Urge ao Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade da lei 14.701/2023, que instalou arbitrariamente o marco temporal, na tentativa criminosa de abrir os territórios aos interesses do capital. Esperamos também que o Poder Executivo intensifique as ações de combate ao garimpo e desintrusão na TI Yanomami e fortaleça a política de atendimento à saúde.

Leia a nota de repúdio aqui.

CNDH critica decisão do ministro Gilmar Mendes sobre ações de inconstitucionalidade da lei 14.703/2023

CNDH critica decisão do ministro Gilmar Mendes sobre ações de inconstitucionalidade da lei 14.703/2023

A lei 14.703/2023, que regulamentou a tese do marco temporal e outras violações à constituição e aos direitos indígenas, aprovada no final de 2023, foi contestada no Supremo Tribunal Federal através de quatro ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO). O relator, ministro Gilmar Mendes, suspendeu as ações de número ADC 87, ADI 7.582, ADI 7.583, ADI 7.586 e a ADO 86, monocraticamente.

A decisão individual do ministro vai contra a votação da suprema corte, que derrubou a tese com 9 votos contrários e 2 favoráveis. O ministro aponta para um processo de mediação e conciliação com o agronegócio. Trata-se de mais uma violação ao direito originário indígena. Gilmar Mendes já havia exposto sua posição anti-indígena durante o julgamento realizado em 21 de setembro de 2023.

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), se manifestou através de nota pública, na última sexta-feira, indicando a “necessidade de garantia e respeito aos direitos originários dos povos indígenas sobre seus territórios” e reafirmando que a posição sobre a inconstitucionalidade da lei deve ser mantida pelo STF.

De acordo com a nota “a tese do marco temporal, assim como os demais dispositivos da Lei 14.701/2023, são inconstitucionais e inconvencionais, e aumentam a susceptibilidade dos povos indígenas às investidas criminosas contra seus territórios, que já estão sofrendo com invasões, grilagem, arrendamentos, garimpos, pesca e caça ilegais, exploração ilegal de madeira e o tráfico de drogas”. A CNDH também relembrou seus diversos posicionamentos emitidos durante o julgamento da tese da inversão da história.

O marco temporal estabelece que a demarcação dos territórios indígenas está condicionada à ocupação das áreas reivindicadas na data da promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.

Acesse a nota completa aqui.

Manifesto Indígena LGBTQIAP+

Manifesto Indígena LGBTQIAP+

Foto: Kauê Terena

Nós somos!

A Terra Livre que dá nome ao maior encontro de nossos povos, nos aponta um horizonte de liberdade. Para nós, ser livre sem a Terra não faz o menor sentido.

Se é da Terra que nascem as águas, que brotam as matas, que se fortalecem as raízes, as folhas, as flores, os frutos e toda flora, que se dá abrigo e alimento ao pássaro, ao peixe, a onça, a cabra, e toda fauna… se é da Terra que toda vida emana, é por ela também que nós nos afirmamos LGBTQIA+ Indígenas.

É a partir do horizonte da Terra Livre que nós há 20 anos ocupamos Brasília para reafirmar a soberania de nossos povos. É a agenda do ATL que empurra, há anos, o Estado brasileiro para um sentido de reconhecimento, de acolhimento, de reparação!

As nossas identidades LGBTQIA+ transcendem os sentidos dados pelo colonialismo europeu ou pela modernidade ocidental. Nossas identidades são fruto da transmutação da dor em alegria, do sofrimento em prazer, das perdas em vitórias.

Mais ainda, nossas identidades são a representação de uma consciência de nós sobre nós, de nós sobre o outro, de nós sobre a Terra.

Como LGBTQIA+ indígenas, nós temos orgulho de nossas identidades sexuais e de gênero, pois elas se tornaram ferramentas de luta política que se articula e soma ao nosso orgulho de sermos centenas de pessoas em diversas terras indígenas do Brasil.

Falamos diferentes línguas, temos nossos costumes e modos de vida. Acreditamos em um mundo onde a natureza e seus povos sejam mais valorizados do que o lucro e as violências.

Somos múltiplos e estamos trilhando um caminho de respeito e reconhecimento por nosso corpo na mesma intensidade que por nossos territórios.

Se as desigualdades sociais, raciais, sexuais e de gênero, de classe, e tantas outras formas estruturais de violência, têm na mineração desenfreada, no agronegócio predatório e nas invasões contra nossas terras e culturas, uma aliança formada e articulada para nos aniquilar… cabe a nós, e somente a nós, costurar o outro rumo que o horizonte da Terra Livre deseja apontar!

Nossa identidade LGBTQIA+ INDÍGENA não é contemporânea, não é moda. Nós existimos e resistimos na luta pela terra desde o princípio. Nós somos herdeiras do legado de Tibira.

O colonialismo, herdeiro presente da colonização de territórios e povos, segue tentando impor um único modelo de vida, baseado em culturas que condenam e criminalizam tudo que lhes é diferente, diverso.

Se as herdeiras da sociedade colonial seguem negando a possibilidade de nossa existência, livre, afetiva, prazerosa, tal qual negam a demarcação de nossos territórios… nós responderemos marchando juntas, somando forças, como um encontro de águas, que de onde nascem parecem frágeis e dóceis, mas que quando se encontram, formam correntezas e oceanos.

Nós acreditamos em um Brasil que é território indígena. As filhas e os filhos desse território se levantam por demarcação. Se levantam por reparação. Se levantam por igualdade na diversidade. As LGBTQIA+ indígenas são parte do projeto de uma sociedade verdadeiramente feliz. A felicidade e a liberdade só serão possíveis se nossas existências também forem respeitadas.

Somos indígenas e LGBTQI+… Nós e a Terra somos LIVRES!

Vinte anos de Acampamento Terra Livre e a Urgência da Ação

Vinte anos de Acampamento Terra Livre e a Urgência da Ação

Carta dos Povos Indígenas do Brasil aos Três Poderes do Estado Acampamento Terra Livre, Brasília, 22 de abril de 2024

Ao marcar os vinte anos de luta e resistência do Acampamento Terra Livre, a maior manifestação indígena do Brasil, redigimos esta carta no contexto de um momento crucial para os povos indígenas do Brasil. Apesar da recente mudança de governo, as ameaças aos nossos territórios, culturas e direitos persistem, reforçadas pelo contexto do ano mais quente já registrado na história, evidenciando a contínua emergência indígena. Seguimos afirmando a URGÊNCIA para as demarcações de nossas Terras! Presidente Lula, não queremos viver em fazendas! A proposta feita de comprar terras para assentar nossos povos afronta o direito originário de ocupação tradicional assegurado pela Constituição Federal de 1988. Já estamos no segundo ano de Governo, e as suas promessas sobre demarcações continuam pendentes. Rui Costa, Ministro Chefe da Casa Civil, segue “mandando” sobre as homologações de Terras Indígenas e não podemos admitir esta situação.

Em recente declaração do presidente Lula, foi mencionado que os governadores precisam de “um tempo” para negociar sobre as demarcações de terras indígenas. Mas e o nosso tempo, os tempos dos povos indígenas? Nosso tempo é agora, urgente e inadiável. Enquanto se discute marcos temporais e se concede mais tempo aos políticos, nossas terras e territórios continuam sob ameaça, nossas vidas e culturas em risco e nossas comunidades em constante luta pela sobrevivência. Não podemos simplesmente dar um tempo enquanto nossos direitos fundamentais estão sendo negligenciados. O tempo que queremos é o tempo de ação imediata, onde cada segundo conta para honrarmos nossa ancestralidade e para proteger o futuro de nossas gerações e da humanidade.

Basta de genocídio legislado! Nossos direitos não podem ser negociados e ninguém tira os Direitos Indígenas da Constituição! A entrada em vigor da Lei no 14.701/2023 é o maior retrocesso aos nossos direitos desde a redemocratização e resulta no derramamento de sangue indígena em todo o país. O assassinato da Pajé Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe pelo atentado de milicianos contra a retomada do território Caramuru-Paraguaçu, na Bahia, é exemplo disso. A nova lei proporciona a “legalização” de crimes e premia os invasores dos territórios. Apenas no primeiro mês da Lei no 14.701/2023, a expansão do agronegócio e o arrendamento de terras para monoculturas e garimpo causaram 09 assassinatos de indígenas e 23 conflitos em territórios localizados em 07 estados e 05 biomas. A bancada do boi e da bala atenta contra nossas vidas e territórios e quer tirar os direitos indígenas da Constituição, mas o STF reafirmou que nossos direitos originários não podem sofrer retrocessos.

Enquanto eles querem passar a boiada, nós aldeamos o Estado! Depois de muita luta e articulação da Campanha Indígena, elegemos a Bancada do Cocar no Congresso Nacional e ocupamos pela primeira vez cargos de alto escalão no Governo Federal e em Governos Estaduais. Mas, para seguir ocupando espaços de poder, precisamos da regulamentação das ações afirmativas para enfrentar o racismo institucional. Dessa forma, reconhecemos os esforços do Tribunal Superior Eleitoral e do Conselho Nacional de Justiça em garantir reserva de fundos e de propaganda eleitoral para candidaturas indígenas e de pelo menos 3% das vagas para indígenas em concursos públicos para a Magistratura. Contudo, precisamos que os 3 Poderes se comprometam com a regulamentação imediata e com a ampliação de cotas para pessoas indígenas em todos os concursos públicos.

Alguns veículos de comunicação têm dito que o ATL excluiu a presença de Lula na mobilização, mas na verdade quem está sendo excluído são os povos que não têm tido suas Terras demarcadas. Na iminência da Amazônia brasileira sediar a COP 30, temos pouco a comemorar enquanto nossos direitos territoriais e nossos saberes ancestrais não forem compreendidos como a principal solução para a emergência climática.

Diante desta realidade inegável, esta carta, endereçada aos três poderes do Estado – Executivo, Legislativo e Judiciário –, carrega as exigências e urgências do nosso movimento. Nós da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em conjunto com todas as nossas organizações regionais de base (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpinsudeste), a Assembleia Geral do Povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu), a Comissão Guarani Yvyrupa, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o Conselho do Povo Terena) buscamos medidas efetivas que assegurem a proteção e o fortalecimento dos direitos indígenas, alinhadas com a dignidade e a justiça historicamente reivindicadas por nossos povos.

 

Ao Poder Executivo

1. Demarcação imediata das Terras Indígenas Morro dos Cavalos (SC), Toldo Imbu (SC), Xucuru Kariri (AL) e Potiguara de Monte-Mor (PB), anunciadas entre as terras indígenas que seriam homologadas nos primeiros 100 dias de mandato, conforme indicado no relatório do Governo de Transição.

2. Finalização do processo de demarcação das 23 Terras Indígenas cujos processos administrativos de demarcação aguardam apenas a portaria declaratória, e que estão na relação enviada pelo Ministério dos Povos Indígenas ao Ministério da Justiça à época da reforma ministerial de 2023.

3. Determinação política e dotação orçamentária para o prosseguimento da demarcação, homologação, proteção e garantia da posse plena e permanente de TODAS as Terras Indígenas existentes em todas as regiões e biomas do Brasil: Cerrado, Pampa, Pantanal, Caatinga, Mata Atlântica e Amazônia.

4. Fortalecimento do Ministério dos Povos Indígenas, FUNAI e Sesai com dotação orçamentária robusta e compatível com os desafios de fortalecer as políticas e ações voltadas para os povos indígenas.

5. Maior empenho do Governo Federal para interromper a agenda anti-indígena no Congresso Nacional, com compromisso concreto da Casa Civil e do Ministério de Relações Institucionais e das lideranças do Governo no Parlamento, no Senado e na Câmara dos Deputados.

6. Garantir o fortalecimento do Subsistema da Saúde Indígena por meio da Sesai e impedir a municipalização das políticas e ações voltadas para os povos indígenas na área da saúde. Garantir, no âmbito de quaisquer políticas públicas de saúde, o Controle Social para a Saúde Indígena, com a participação efetiva dos Conselhos Locais, Distritais, Fórum de Presidentes dos Condsi’s e do movimento indígena.

7. Criar a Secretaria Específica para a Educação Escolar Indígena, no âmbito do Ministério da Educação, para a gerir as políticas públicas voltadas para os povos indígenas e articular um Sistema Próprio, composto por equipes formadas por indígenas e especialistas, assegurando recursos financeiros específicos para implantação e funcionamento do Sistema, valorização dos profissionais e formação continuada.

8. Introduzir o Ensino Médio e Técnico Profissionalizante nas escolas indígenas, proporcionando uma formação mais abrangente e alinhada com os projetos societários dos povos indígenas. Bem como garantir o acesso e a permanência de estudantes indígenas ao ensino superior e à pós-graduação, com inclusão dos saberes tradicionais e línguas indígenas nos planos político-pedagógicos.

9. Assegurar a autoaplicabilidade da Convenção 169 da Organização Internacional Do Trabalho (OIT), no tocante ao direito de consulta livre, prévia e informada sobre quaisquer medidas administrativas e legislativas que nos afetem, tais como a instalação de empreendimentos nos nossos territórios, que nos exclui da fase de planejamento, monitoramento e avaliação, e políticas diversas decorrentes na nova economia verde. É fundamental que o governo respeite os protocolos comunitários produzidos coletivamente pelos nossos povos

10. Garantir a implementação efetiva dos espaços institucionais de participação e do controle social, respeitando a autonomia dos nossos povos e das suas instâncias legítimas de representatividade.

11. Instituir uma Política de segurança e proteção territorial específica que priorize a repressão e eliminação rigorosa de todo tipo de organizações criminosas que acirram conflitos e a violência contra os nossos povos e territórios, intimidando as nossas comunidades, perseguindo e assassinando as nossas lideranças.

12. Reestruturar de forma efetiva o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), de modo que haja adequação orçamentária necessária, seja considerada a especificidade das lideranças indígenas ameaçadas, seja dada atenção por parte do Governo Federal aos problemas políticos nas relações com estados federados e órgãos de segurança pública para a implantação de medidas protetivas e se consiga estabelecer um diálogo pedagógico com o Sistema de Justiça para sensibilizar e instrumentalizar os operadores do Direito a respeito da pauta dos defensores e defensoras de Direitos Humanos.

13. Financiar os Planos de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas como alternativa comunitária de conter o avanço da mineração industrial e do garimpo em terras indígenas.

14. Implementar medidas para eliminar os impactos da cadeia de produção e exportação de commodities nos territórios indígenas, incluindo a adoção de um sistema nacional de rastreabilidade e o endosso a regulações internacionais que busquem promover a cadeias produtivas livres de desmatamento e de violações de direitos. Além disso, refutar acordos bilaterais ou multilaterais que promovam a expansão da fronteira agrícola, como o Acordo de Livre Comércio Mercosul – União Europeia.

15. Fomentar a sustentabilidade econômica dos nossos territórios, estimulando e financiando as múltiplas formas de produção indígena. Uma forma eficaz de promover a proteção territorial contra os arrendamentos, a agricultura extensiva que utiliza agrotóxicos e as invasões de grileiros, madeireiros e diversas organizações criminosas. Precisamos gerar renda e valorizar os conhecimentos ancestrais de nossos povos que vivem em equilíbrio com o meio ambiente há gerações.

16. Criar políticas públicas específicas para mulheres, jovens e pessoas indígenas em contexto urbano, com a finalidade de enfrentar as vulnerabilidades vivenciadas, considerando as diversidades e a organização social de cada povo.

17. Impulsionar a descarbonização da matriz energética brasileira, com incentivo às energias renováveis que previnam e reparem danos socioambientais, com o devido respeito aos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, de modo a proteger nossos modos de vida, tradicionalidades e biodiversidades da produção em larga escala de energia. A produção de energia limpa deve, portanto, incluir entre as salvaguardas o controle público do uso da terra, a obrigatoriedade de realização da consulta prévia, do EIA/RIMA, o monitoramento dos empreendimentos e a reparação integral dos danos causados.

18. Consolidação da experiência do Comitê de Desintrusão, derivado das conquistas judiciais do movimento indígena na ADPF 709, em política pública de Estado, que regulamente e preveja orçamento para a desintrusão de todas as terras indígenas invadidas.

19. Esforço interministerial para a implementação da Convenção de Minamata no Brasil, garantidos os espaços para a efetiva participação indígena neste processo e o compromisso do Poder Público com a apresentação de medidas e respectivo orçamento para a recuperação dos territórios indígenas contaminados pelo mercúrio utilizado no garimpo ilegal.

Ao Poder Legislativo

20. Retirada de tramitação e arquivamento definitivo das Propostas de Emenda à Constituição que desconstitucionalizam os direitos indígenas, a exemplo da PEC 132/2015, PEC 48/2023, PEC 59/2023 e PEC 10/2024, tendo em vista que os direitos indígenas são cláusulas pétreas e não podem sofrer retrocessos mesmo na forma de propostas de emenda à Constituição Federal.

21. Interromper o genocídio legislado e aprovar projetos de lei que garantam direitos aos povos indígenas, tornando a PNGATI uma política de Estado (PL 4347/2021), reconhecendo os Agentes Indígenas de Saúde e Agentes Indígenas de Saneamento no Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (PL 3514/2019), viabilizando medidas de enfrentamento às violências contra as mulheres indígenas (PL 4381/2023) e garantindo cotas para pessoas indígenas em concursos públicos federais, estaduais e municipais (PL 4386/2019, PL 5.476/2020 e PL 1.958/2021).

22. Ratificação do Acordo de Escazú pelo Estado brasileiro, para comprometer o Brasil internacionalmente com a defesa do meio ambiente e de seus defensores e aumentar a transparência e a participação social na tomada de decisões ambientais e climáticas.

Ao Poder Judiciário

23. Declaração imediata da inconstitucionalidade da Lei no 14.701/2023 pelo STF para conter as violências contra os povos indígenas, reafirmando o Direito Originário e excluindo em definitivo a aplicação da tese do Marco Temporal, em consonância com a decisão do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365.

24. Regulamentação já da Consulta em que o TSE reconheceu o direito de candidaturas indígenas à reserva de fundos e de propaganda partidária, para impulsionar o aldeamento da política institucional a partir das eleições municipais de 2024, ampliando a bancada do cocar nos Poderes Legislativo e Executivo. Além da autodeclaração das candidaturas indígenas, o movimento indígena reivindica que haja a declaração de lideranças indígenas que atestem o pertencimento étnico da pessoa candidata segundo os usos, costumes e tradições de cada povo.

25. Garantir o acesso à justiça dos povos indígenas, por meio da obrigatoriedade de atuação de intérpretes da línguas maternas e da elaboração de laudo antropológico que leve em conta o entendimento da comunidade indígena sobre a conduta típica imputada pela justiça criminal e observe nossos mecanismos próprios de julgamento e punição.

 

SEM DEMARCAÇÃO NÃO HÁ DEMOCRACIA! DIGA AO POVO QUE AVANCE!

NOSSO MARCO É ANCESTRAL SEMPRE ESTAREMOS AQUI!

473 dias de Governo, e promessas sobre demarcações de Lula continuam pendentes

473 dias de Governo, e promessas sobre demarcações de Lula continuam pendentes

Foto: André Borges/EFE

Rui Costa, da Casa Civil, segue governando sobre homologações de Terras Indígenas

Há um dia do 19 de abril, data alusiva à resistência dos Povos Indígenas, o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assina decreto de homologação de apenas 2 Terras Indígenas, e reforça o não comprimento da promessa com o Movimento Indígena de demarcar 14 terras indígenas em seus 100 primeiros dias de governo. Com as T.I.s: Aldeia Velha(BA) e Cacique Fontoura em São Félix do Araguaia (MT) homologadas hoje(18), Lula demarcou 10 das 14 terras apontadas pelo Grupo de Transição como prontas para a assinatura.

“Exigimos que o ministro da Casa Civil da Presidência da República, Rui Costa, pare de embarreirar as demarcações dentro do Governo Lula e respeite os direitos indígenas.” escreveu a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil em nota publicada em novembro de 2023. A APIB denuncia o uso dos direitos originários dos Povos Indígenas como moeda de troca, e cobra o cumprimento das promessas feitas pelo o Presidente ainda durante sua campanha à presidência.

A aprovação da Lei nº 14.701/2023, lei do Marco Temporal é um alerta vermelho à negociação da vida dos Povos Indígenas. Desde a aprovação, já foram registrados pelo menos  9 assassinatos de lideranças indígenas e mais de 23 conflitos territoriais. 



Aty Guasu e Apib repudiam tentativa de difamação de missionário do Cimi

Aty Guasu e Apib repudiam tentativa de difamação de missionário do Cimi

A Grande Assembleia Guarani e Kaiowá (Aty Guasu) emitiu uma nota denunciando e repudiando a circulação de uma notícia falsa sobre Matias Rempel, do Conselho Indigenista Missionário do Mato Grosso do Sul. A informação mentirosa dizia que o missionário estaria perseguindo mulheres, adotando práticas homofóbicas e machistas contra lideranças e pessoas do povo Guarani e Kaiowá.

A Aty Guasu e a Apib repudiam quaisquer mentiras e tentativas de descrédito dos nossos aliados. De acordo com a nota, a fake news “tem objetivo de utilizar criminosamente nossa organização, nossas mulheres, para atingir nossos apoiadores e enfraquecer a relação histórica que existe entre o Cimi e nosso povo”.

A nota destaca que a relação dos integrantes do CIMI com os povos e comunidades “sempre aconteceu com muito respeito, amizade, compromisso e seriedade” e que a prática de propagar mentiras da extrema direita tem objetivo de “impedir nossa luta contra o genocídio e pela demarcação de nossos territórios”.

A aliança entre Apib, Aty Guasu e Cimi segue forte, na busca pelos direitos do povo Guarani e Kaiowá, em especial na luta pela demarcação de nossos territórios tradicionais e sagrados.

Confira a nota completa aqui. 

Lula, não queremos fazenda, queremos a demarcação das nossas terras

Lula, não queremos fazenda, queremos a demarcação das nossas terras

O presidente Lula sugeriu ao governador do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB), que compre terras para salvar os indígenas da etnia guarani que vivem “na beira da estrada” em Dourados (MS). “Eu quero lhe dizer que se você encontrar as terras para que a gente recupere a dignidade desse povo, o governo federal será parceiro na compra e no cuidado para que eles voltem a viver dignamente. O que eles não podem é ficar na beira da estrada mendigando”, afirmou.

A proposta foi feita nesta sexta-feira, 12/04, durante um ato de comemoração pela habilitação (permissão para funcionar) de frigoríficos da JBS, em Campo Grande (MS). A carne será exportada para a China. A produção de carne no Brasil é um dos expoentes da agropecuária, ou do agronegócio, junto a soja, a cana-de-açúcar, o café e o milho. Também é uma das maiores ameaças às florestas. Em 2021, a produção de gado impulsionou sozinha 75% do desmatamento e0m terras públicas (Dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Ipam).

Com a afirmação, Lula endossa a posição do governador de direita, que gravou um vídeo para redes sociais reiterando a ideia de que assim, solucionaria o conflito fundiário que se estende há anos no MS. “Esse é um caminho que a gente está propondo há muito tempo”, disse Riedel.

A proposta de “comprar uma terra” para os indígenas é tão contraditória quanto o evento escolhido para fazer tal anúncio.

A compra de terras para assentar. povos indígenas afronta o direito originário de ocupação tradicional assegurado pela Constituição Federal de 1988. A Carta Magna (Art. 231) não manda comprar terras e sim demarcar e proteger as terras tradicionalmente ocupadas, assegurando sua posse permanente e o usufruto exclusivo para os povos. Terras essas, que são inalienáveis e indisponíveis, sendo os direitos originários sobre elas imprescritíveis. O que tornam nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras indígenas.

Lula, erra ao assumir o discurso presente na Lei do Marco Temporal, uma Lei inconstitucional, que foi imposta no final do ano passado pelo Congresso ruralista, e certamente, será mais uma vez derrubada no STF.

O mais grave é que o governo Lula está manchando a sua trajetória histórica. Desde a campanha do seu primeiro mandato em 2002, o presidente se comprometeu a demarcar o passivo das terras indígenas, mas foi um dos governos que menos demarcou. E agora, como outros velhos e conservadores governos, em nome do progresso e do desenvolvimento econômico do país, rifa a base de existência dos povos indígenas, tornando-se refém do mercado, do Centrão, do Agronegócio, dos Evangélicos e dos militares.

Ao admitir a “compra de fazendas”, Lula está renunciando a seu programa de viés social e popular, faltando com sua palavra e aderindo a injustiça histórica que até hoje coloca os povos indígenas à beira da extinção física e sociocultural, pois sem terra e território, perdemos a razão mais sagrada de nosso existir e bem viver.

Em todo o Brasil, até o momento, foram criados nove assentamentos de reforma agrária, no terceiro governo Lula e apenas seis Terras Indígenas foram homologadas. O investimento do governo no agronegócio foi de R$ 363 bilhões em 2023. Já a agricultura familiar recebeu R$ 71 bilhões, um total cinco vezes menor. Já o orçamento do Ministério dos Povos Indígenas foi de R$ 813 milhões e do INCRA, órgão responsável pela Reforma Agrária, foi inferior a R$ 500 milhões.

Os números mostram as prioridades do governo petista, um governo de coalisão de forças contraditórias. Alianças que foram necessárias para eleger e manter Lula no páreo, desde seu primeiro mandato e, agora, frente aos avanços fascistas do Bolsonarismo e ao Congresso mais conservador da história da legislatura brasileira

Os povos do campo, das florestas e das águas, como tudo indica, estão longe de ser considerados pilares estruturantes para as políticas dos próximos anos. No entanto, conhecemos de perto essa lição. O projeto popular para o Brasil se tornará realidade à medida de nossa força para organizar, formar consciências, lutar e comunicar. São as lutas que garantem as nossas conquistas. É a luta que garante a democracia, o Estado Democrático de Direito e respeito aos direitos fundamentais, num país em que reina a autocracia de uma burguesia covarde e submissa ao capital internacional, como já dizia Florestan Fernandes.

A demarcação das Terras Indígenas Guarani, Kaiowá, Nhandeva e demais será conquistada pela nossa organização, pela mobilização do movimento indígena, através da luta. Nossos corpos-territórios, a vida das nossas atuais e futuras regionais, não estão em mesa de negociação.

Lula, se tem recursos, demarca e desintrusa as terras indígenas, acaba com as organizações criminosas que intimidam os nossos povos e comunidades, perseguem e assassinam as nossas lideranças. Destine fazendas para a reforma agrária e demarque nossas terras, secularmente invadidas e esbulhadas pelos invasores que aqui chegaram, há 524 anos, e seus atuais descendentes.

O nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui.

Demarcação Já!

Leia a nota da nossa organização de base, Aty Guasu, sobre o caso.

 

APIB e APIAM repudiam a concessão de licença de instalação, pelo governo do Amazonas, à empresa Potássio do Brasil

APIB e APIAM repudiam a concessão de licença de instalação, pelo governo do Amazonas, à empresa Potássio do Brasil

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (APIAM) repudiam veementemente a concessão de licença de instalação, por parte do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), para que a empresa Potássio do Brasil explore o minério na região de Autazes, onde estão localizadas as Terras Indígenas Lago do Soares e Urucurituba.

O governador amazonense, Wilson Lima, entregou a licença expedida pelo IPAAM ao presidente da empresa em um evento realizado na tarde do dia 08 de abril. A performance, claramente encenada com o objetivo de dar visibilidade política ao ato administrativo de concessão de licença ambiental, denuncia as relações espúrias entre o poder público local e as empresas que avançam sobre territórios indígenas, produzindo conflitos internos, violência e despossessão territorial. 

Desde 2015, o Ministério Público Federal questiona judicialmente a legitimidade do IPAAM para realizar o licenciamento do empreendimento minerário, visto que não houve elaboração Estudo de Componente Indígena, há previsão de construção de instalações em terras indígenas em processo de demarcação e que os povos indígenas impactados não foram devidamente consultados, apesar de, atualmente, contarem com protocolo de consulta. Deste modo, de acordo com a legislação nacional, seria o Ibama, órgão federal, o responsável por levar a cabo o licenciamento do projeto Potássio Autazes.

Apesar de haver decisão judicial em primeira instância favorável às comunidades Mura atingidas pelo empreendimento, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, autorizou a continuidade do licenciamento pelo órgão estadual, o que culminou no evento político realizado pelo governo do Amazonas no dia de ontem na flagrante violação de direitos indígenas. 

Há muito pelo que se lamentar frente às decisões judiciais e políticas que levaram à concessão da licença de instalação em favor da Potássio do Brasil. A empresa vem promovendo, há anos, a fragmentação social do povo Mura, acumulando diversas denúncias de assédio e cooptação de lideranças indígenas. O resultado foi a ruptura de comunidades com o Conselho Indígena Mura, organização política histórica deste povo, que, agora, à revelia de seu estatuto e de seus compromissos para com os direitos indígenas, se coloca ao lado do governo amazonense e da presidência da Potássio do Brasil no momento da entrega da licença de instalação. 

O caso também desperta nossa preocupação a nível nacional, por se desenhar como um “projeto piloto” para a autorização de mineração em terras indígenas. É preciso frisar que a Constituição Federal condiciona este tipo de atividade extrativista em terras indígenas à existência de lei federal que a regule e de autorização do Congresso Nacional, requisitos que não estão presentes na situação em tela. 

Este é mais um dos nefastos efeitos da vigência da inconstitucional Lei 14.701/2023, que mitiga direitos fundamentais dos povos indígenas e abre caminho para ataques e violências contra os corpos-territórios originários deste país.  É nosso dever e dever de nossos aliados nos mantermos vigilantes contra aqueles que buscam fragilizar e desconstitucionalizar os direitos indígenas. 

Manifestamos nosso apoio ao povo Mura, que luta pelo seu território, sua cultura e sua organização social, enfrentando com coragem e determinação os avanços do poder econômico sobre suas terras tradicionais. Nos unimos às comunidades Mura que se pronunciaram e repudiamos integralmente a concessão da licença de instalação à Potássio do Brasil e a midiatização do feito por meio do evento realizado na sede do Governo do Amazonas. 

Brasília e Manaus

09 de abril de 2024


Povo Guató critica proposta de Estatuto do Pantanal

Povo Guató critica proposta de Estatuto do Pantanal

O Conselho de Lideranças do Povo Guató no Guadakan/Pantanal, nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, publicou neste domingo, 07/04, uma nota sobre o Projeto de Lei n° 5.482/2020, chamado de Estatuto do Pantanal, de autoria do Senador Wellington Fagundes (PL/MT). No texto, a comunidade se manifesta por uma maior atenção aos povos originários da região na elaboração da lei.

O povo do Guadakan, palavra da língua mãe para designar o Pantanal profundo e seus rios, habita a região há mais de 8 mil anos. “Somos conhecidos como especialistas na arte de construir e navegar em canoas de um pau só, mas também sabemos cultivar florestas e roças, construir solos férteis(…) Apesar de toda a nossa contribuição para o Brasil, atualmente temos apenas duas terras indígenas demarcadas: uma em Barão de Melgaço, Mato Grosso, chamada Terra Indígena Baía dos Guató, e outra em Corumbá, Mato Grosso do Sul, denominada Terra Indígena Guató. Outras áreas tradicionalmente ocupadas aguardam o processo de identificação, delimitação e demarcação por parte do governo federal”, afirmam as lideranças, que reivindicam doze questões a serem consideradas no PL.

Para eles, a ideia de preservar o Pantanal é incompatível com o propósito de aprofundar a exploração econômica para “dar lucros infinitos aos não indígenas”, através da pecuária, turismo, pesca, mineração etc. “Não somos nós que poluímos o mundo a ponto de levar a humanidade ao precipício do fim do mundo”, aponta a nota.

Entre os pontos destacados estão o respeito à convenção 169 da OIT; o entendimento do Guadakan como sujeito de direitos, como é percebido o meio ambiente em outros países; que seja assegurada a participação indígena, indicada por suas comunidades, em todos os conselhos consultivos e deliberativos, e nas demais instâncias da tomada de decisões; que a regularização fundiária de propriedades privadas da terra seja precedida de estudos antropológicos e históricos oficiais para saber se houve ou não a remoção forçada ou o esbulho de coletivos indígenas; que sejam incluídos princípios da filosofia indígena do bem viver nos fundamentos das políticas públicas e da macroeconomia destinadas para o bioma Pantanal: solidariedade superlativa, equilíbrio nas relações com o meio ambiente, reconhecimento e respeito às diferenças étnicas e socioculturais, valorização dos saberes ancestrais, construção de consensos, viver com simplicidade na vida em sociedade.

Leia a nota completa e conheça os doze pontos aqui: NOTA DO POVO GUATÓ SOBRE O ESTATUTO DO PANTANAL

APIB:  NOTA PÚBLICA SOBRE A AGÊNCIA BRASILEIRA DE APOIO À GESTÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (AGSUS)

APIB: NOTA PÚBLICA SOBRE A AGÊNCIA BRASILEIRA DE APOIO À GESTÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (AGSUS)

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), diante da criação da Agência Brasileira de Apoio à Gestão do Sistema Único de Saúde (AGSUS), por meio do Decreto presidencial de nº 11.790, de 20 de novembro de 2023, em consonância com a Lei Federal nº 13. 958 de 18 de dezembro de 2019, alterada pela Lei nº 14.621, de 2023, considerando os seus potenciais e graves impactos negativos sobre a gestão e efetividade do Subsistema de Saúde dos Povos Indígenas, vem a pública questionar e manifestar as suas reivindicações a propósito da estrutura e finalidades desta instituição.

1. A AGSUS, “pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos” e cuja finalidade “é promover, em âmbito nacional, a execução de políticas de desenvolvimento da atenção à saúde indígena, nos diferentes níveis, e da atenção primária à saúde, em caráter complementar e colaborativo com a atuação dos entes federativos”, foi concebida e instituída sem que o governo Lula assegurasse o direito de consulta aos povos e organizações indígenas do país, assegurado pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), toda vez que o Estado adote “medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”.

2. Nos preocupa bastante, pois não fica muito transparente e meio dúbio a proposta desse novo modelo de gestão da saúde indígena, que o Governo propõe, que implica na descentralização da execução/prestação do serviço de atenção básica à saúde dos Povos Indígenas, portanto de uma política pública, ou se pretende atuar somente para a efetivação da força de trabalho da saúde indígena. Dessa maneira, uma parte importante da execução dos serviços oferecidos pelo subsistema de saúde indígena deixam de ficar sob a autoridade hierárquica direta da Secretaria Especial de Atenção a Saúde Indígena – SESAI e do Ministério da Saúde, que passa a ter um papel de órgão fiscalizador.

3. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), conquistada pelos nossos povos e organizações com muita luta, principal responsável pela coordenação e execução da Política Nacional de Atenção Básica e da gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), nesse novo modelo tenderá a ser fragilizada, diante uma estrutura paralela desenhada praticamente com as mesmas atribuições. E pior, a proposta governamental, sinaliza perspectivas já ensaiadas durante o governo de Dilma Rousseff, por meio da figura de um Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), que dentre outros propósitos, além de burlar a participação e controle social dos nossos povos, pretendia a municipalização da saúde indígena.

4. Alertamos ainda para a falta de garantia de resolutividade da situação problemática dos trabalhadores existente até hoje na saúde indígena, pois entende-se que a AGSUS também utilizará exatamente o mesmo regime de contratação celetista que atualmente é utilizado pelas conveniadas e que é um dos principais pontos de discussão quando se trata sobre o formato de contratação da força de trabalho para a saúde indígena.

5. Preocupa-nos gravemente o fato de que os três Diretores Executivos que serão responsáveis pela gestão da AGSUS são cargos eminentemente políticos, que serão indicados pelo Presidente da República, sem qualquer exigência de capacidade técnica ou de conhecimento sobre a saúde indígena. Este será um fator há mais de fragilização da gestão da saúde indígena, haja vista que deixa as ações a cargo de indicações políticas; e consequentemente gera grave risco de loteamento de cargos entre partidos políticos sem comprometimento com os Direitos dos Povos Indígenas e contra a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI).
É lamentável que o Governo do Presidente Lula, com este formato, traga de volta as velhas práticas de politicagem que tanto prejudicaram a saúde indígena durante a gestão da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e que motivou a luta dos nossos povos e organizações para essa conquista histórica que é a Sesai.

6. Fase a estes motivos, que contrariam as nossas expectativas e demandas manifestadas antes e durante o governo de transição a respeito do fortalecimento da Sesai, garantindo orçamento condizente com as atribuições do órgão, reiteramos as nossas reinvindicações:

6.1. Quaisquer políticas públicas de desenvolvimento da atenção à saúde indígena devem necessariamente implicar no fortalecimento institucional da Secretaria Especial e não no seu esvaziamento ou substituição.

6.2. Num governo que veio para resgatar a democracia e o Estado social reafirmamos que a participação dos nossos povos e organizações na tomada de decisões que afetam nossas vidas é fundamental, sob pena das decisões governamentais resultarem em políticas públicas inadequadas para o enfrentamento e superação dos problemas de saúde que atingem os nossos povos e comunidades. O direito a sermos consultados é assegurado por lei, e não apenas para esta questão específica da saúde, mas para todas as políticas públicas que nos dizem respeito. Cabe ao governo entender que fazemos parte do processo democrático.

6.3. Aceitamos fazer parte do governo de transição com o propósito de termos condições para nortear o monitoramento e a nossa incidência na formulação e implementação da política indigenista do atual governo, visando superar a omissão e o descaso histórico de sucessivos governos com relação â proteção e promoção dos nossos direitos originários e fundamentais assegurados pela Carta Magna de 1988. É essa determinação que nos move a exigir do governo maior comprometimento com a defesa e respeito aos nossos direitos, em quaisquer medidas que venha adotar, em esta ocasião especial em relação à saúde dos nossos povos, e especialmente no tocante à essa discussão sobre a AGSUS e que deve ser debatida amplamente, seja no âmbito do Grupo de Trabalho constituído para esse fim, seja no âmbito do Controle Social para a Saúde Indígena, nos espaços dos Conselhos Locais, Distritais e Fórum de Presidentes dos Condsi´s, seja no âmbito do movimento indígena.

Brasília – DF, 26 de fevereiro de 2024.
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB