13/out/2020
O Supremo Tribunal Federal (STF) pode decidir ou começar a decidir o futuro das demarcações das Terras Indígenas (TIs) no mesmo mês que a Constituição completa 32 anos. O julgamento da reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra a demarcação da TI Ibirama-Laklanõ, estava previsto para acontecer dia 28 de outubro, mas foi tirada de pauta na noite do dia 22 de outubro. Como o STF reconheceu a “repercussão geral” do caso, ele vai fixar orientações gerais para todas as demarcações (saiba mais no quadro abaixo). A Constituição completa aniversário neste 5 de outubro e é considerada o maior marco na história do país da garantia dos direitos indígenas, em especial dos direitos territoriais.
O STF discutirá se mantém ou não a medida cautelar deferida pelo ministro Edson Fachin, em maio, que suspendeu os efeitos do Parecer 001/2017, instrumento usado para institucionalizar o “marco temporal” como norma dos procedimentos administrativos de demarcação. Pelo menos 17 terras indígenas tiveram seus processos de demarcação devolvidos da Casa Civil e do Ministério da Justiça para a Fundação Nacional do Índio (Funai) com base no parecer 001 (saiba mais). A medida cautelar é um procedimento usado pelo Judiciário para prevenir, conservar ou defender direitos.
Também no âmbito do processo de repercussão geral, do qual é relator, Fachin suspendeu todos processos judiciais que poderiam resultar em despejos ou na anulação de demarcações de terras indígenas até o final da pandemia de covid-19.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou, nesta segunda, uma nota em defesa dos direitos indígenas em função do julgamento. “Obviamente que os nossos povos anseiam a reafirmação do Indigenato, o direito originário, congênito sobre as nossas terras e territórios, contra a tese do marco temporal defendido pela bancada ruralista e forças contrárias aos nossos direitos fundamentais”, afirma a nota da Apib.
Para comemorar o aniversário de 32 anos da Constituição, que garantiu o direito dos povos indígenas às suas terras, e alertar sobre a importância do julgamento, a Apib e organizações parceiras, como o ISA, estão lançando ainda uma campanha em defesa desses direitos e das demarcações.
Entenda porque o caso de repercussão geral no STF pode definir o futuro das terras indígenas
Em 2019, o STF reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, caso que discute uma reintegração de posse movida contra o povo Xokleng, em Santa Catarina. Isso significa que a decisão tomada nesse julgamento, marcado para iniciar no dia 28 de outubro, repercutirá sobre todos os povos indígenas do Brasil. A Suprema Corte poderá, assim, dar uma solução definitiva aos conflitos envolvendo terras indígenas no país. Embora a data do julgamento esteja marcada, isso não quer dizer que ele será finalizado nesse mesmo dia: algum ministro pode pedir vistas do processo ou a presidência do STF pode alterar sua pauta por outros motivos.
Entenda o que se discutirá nesse julgamento e o que está em jogo.
Do que trata o RE 1.017.365?
O Recurso Extraordinário com repercussão geral (RE-RG) 1.017.365, que tramita no STF, é um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, envolvendo uma área reivindicada – e já identificada – como parte de seu território tradicional.
A terra em disputa é parte do território Ibirama-Laklanõ, que foi reduzido ao longo do século XX. Os indígenas nunca deixaram de reivindicar a área, que foi identificada pelos estudos antropológicos da Funai e declarada pelo Ministério da Justiça como parte da sua terra tradicional.
Por que esse julgamento é central para o futuro dos povos indígenas no Brasil?
Em decisão publicada no dia 11 de abril de 2019, o plenário do STF reconheceu por unanimidade a repercussão geral do julgamento do RE 1.017.365. Isso significa que o que for julgado nesse caso servirá para fixar uma tese de referência a todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do judiciário.
Há muitos casos de demarcação de terras e disputas possessórias sobre terras tradicionais que se encontram, atualmente, judicializados. Também há muitas medidas legislativas que visam retirar ou relativizar os direitos constitucionais dos povos indígenas. Ao admitir a repercussão geral, o STF reconhece, também, que há necessidade de uma definição sobre o tema.
Quando ocorrerá o julgamento?
Atualmente, o julgamento não possui data prevista para iniciar. Ele havia sido incluído na pauta do dia 28 de outubro de 2020 pelo novo presidente da Corte, o ministro Luiz Fux, mas foi retirado no dia 22.
Durante o julgamento, cada uma das partes deverá ter 15 minutos para se manifestar. Além delas, os amici curiae ou “amigos da corte” terão, ao todo, uma hora para sustentação oral – tempo que deverá ser dividido entre aqueles que tiverem interesse em se manifestar, com 30 minutos para que os que se posicionam a favor dos direitos indígenas e 30 minutos para os que defendem restringi-los.
O que está em jogo?
No limite, o que está em jogo é o reconhecimento ou a negação do direito mais fundamental aos povos indígenas: o direito à terra. Há, em síntese, duas teses principais que se encontram atualmente em disputa: de um lado, a chamada “teoria do indigenato”, uma tradição legislativa que vem desde o período colonial e que reconhece o direito dos povos indígenas sobre suas terras como um direito originário – ou seja, anterior ao próprio Estado. A Constituição Federal de 1988 segue essa tradição e garante aos indígenas “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”.
Do outro lado, há uma proposta mais restritiva, que pretende limitar os direitos dos povos indígenas às suas terras ao reinterpretar a Constituição com base na tese do chamado “marco temporal”. Há ainda a possibilidade de reavaliação das chamadas “salvaguardas institucionais”, conhecidas como “condicionantes”, fixadas, em 2009, no julgamento do caso Raposa Serra do Sol e que igualmente restringem a posse e o uso fruto exclusivos dos povos indígenas sobre suas terras.
O que é marco temporal?
O marco temporal é uma tese que busca restringir dos direitos constitucionais dos povos indígenas. Nessa interpretação, defendida por ruralistas e setores interessados na exploração das terras tradicionais, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, ou que, naquela data, estivessem sob disputa física ou judicial comprovada.
Na avaliação de indigenistas, juristas, lideranças indígenas e do Ministério Público Federal (MPF), essa é uma tese perversa, pois legaliza e legitima as violências a que os povos foram submetidos até a promulgação da Constituição de 1988, em especial durante a Ditadura Militar.
Além disso, essa posição ignora o fato de que, até 1988, os povos indígenas eram tutelados pelo Estado e não tinham autonomia para lutar, judicialmente, por seus direitos. Por tudo isso, os povos indígenas vêm dizendo, em manifestações e mobilizações: “Nossa história não começa em 1988”.
Que consequências esse julgamento pode ter para os povos indígenas?
Caso o STF reafirme o caráter originário dos direitos indígenas e, portanto, rechace definitivamente a tese do marco temporal, centenas de conflitos em todo o país terão o caminho aberto para sua solução, assim como dezenas de processos judiciais poderão ser imediatamente resolvidos.
As 310 terras indígenas que estão estagnadas em alguma etapa do processo de demarcação já não teriam, em tese, nenhum impedimento para que seus processos administrativos fossem concluídos.
Por outro lado, caso o STF opte pela tese anti-indígena do marco temporal, acabará por legalizar o esbulho e as violações ocorridas no passado contra os povos originários. Nesse caso, pode-se prever uma enxurrada de outras decisões anulando demarcações, com o consequente surgimento de conflitos em regiões pacificadas e o acirramento dos conflitos em áreas já deflagradas.
Esta decisão poderia incentivar, ainda, um novo processo de invasão e esbulho possessório a terras demarcadas – situação que já está em curso em várias regiões do país, especialmente na Amazônia.
Além disso,há referências de povos indígenas isolados ainda não reconhecidas pelo Estado, ou seja, ainda em estudo – um procedimento demorado, em função da política de não contato. Se o marco temporal de 1988 for aprovado, muitas terras de povos isolados não serão reconhecidas, pois sequer sabemos onde eles estão.
Há outros casos, como o do povo Kawahiva, em que a comprovação da existência desse povo isolado se deu, para o Estado brasileiro, em 1999, ou seja, muito depois de 1988. Como vai ficar a situação desses povos? Ademais, não é possível contatá-los para saber se já estavam lá em 1988.
Os povos indígenas participarão do julgamento?
O relator do caso, ministro Edson Fachin, defendeu a ampla participação de todos os setores interessados no tema, dada a importância da matéria. Tal participação se dará a partir da figura do amicus curiae – termo em latim que significa “amigo da corte” e que permite que pessoas, entidades ou órgãos com interesse e conhecimento sobre o tema contribuam subsidiando o tribunal com informações. Quase 40 amici curiae foram admitidos e estão habilitados a contribuir no processo – entre eles, muitas comunidades e organizações indígenas.
Além disso, a própria comunidade Xokleng também é parte no processo, tendo em vista que é diretamente afetada por ele. Usufruindo do direito de acesso à Justiça que foi assegurado aos povos indígenas pela Constituição de 1988, o povo Xokleng também se manifestará no julgamento.
Texto atualizado dia 23 de outubro
09/out/2020
Documento entregue nesta sexta (9) no Ministério do Meio Ambiente, assinado por organizações nacionais e internacionais, destaca destruição da Amazônia e medidas para garantir uma política ambiental voltada à preservação dos ecossistemas e povos tradicionais brasileiros.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib e Associação para os Povos Ameaçados (APA) realizaram a entrega de uma carta que reivindica ao governo brasileiro que acabe com o desmatamento, proteja a Amazônia de forma sustentável e garanta os direitos dos povos Indígenas com um plano de ação de longo prazo.
A carta foi entregue pelo coordenador da Apib Kretã Kaingang na sede do Ministério do Meio Ambiente, a ação faz parte da mobilização global #HandsOffTheAmazon. “Se medidas eficazes para a proteção a longo prazo da Amazônia e biomas adjacentes não forem implementadas agora, a Amazônia entrará em colapso – com conseqüências fatais para o clima regional e global”, destaca o documento.
Segundo o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), nunca antes, desde o início do monitoramento, a Amazônia havia sido tão destruída como nos primeiros seis meses de 2020. Uma área do tamanho de 120 campos de futebol desaparece por hora. O Pantanal, o Cerrado e outras zonas de vegetação únicas também estão em chamas em uma escala sem precedentes.
Durante os últimos meses, representantes de empresas brasileiras e internacionais, e do setor financeiro, têm exigido repetidamente do Brasil medidas sustentáveis e rigorosas para controlar os incêndios e a destruição ambiental. Entretanto, como mostram os números historicamente elevados de desmatamento e destruição, tanto o decreto presidencial nº 10.424 quanto a fundação do Conselho Nacional da Amazônia Legal não são capazes de conter a iminente catástrofe.
“O governo brasileiro deveria saber: O mundo está assistindo – não sentimos indiferença pela destruição da Amazônia. Nunca, desde o início do monitoramento, tanta floresta amazônica brasileira foi destruída como no primeiro semestre de 2020”, diz Julia Büsser, gerente de campanha da Associação para os Povos Ameaçados (APA).
Entre as medidas listadas na carta protocolada no Ministério do Meio Ambiente, estão a suspensão e proibição de produção ou comércio em áreas desmatadas após 2018 e em áreas habitadas por povos indígenas e comunidades tradicionais sem consentimento; demarcação dos territórios de povos originários de acordo com a Constituição; fortalecimento dos órgãos ambientais; garantia de que a origem de produtos como carne bovina, soja, madeira e minerais seja rastreável para certificar que eles não provenham de áreas desmatadas ilegalmente; e,principalmente a elaboração e implementação de um plano com marcos concretos para combater o desmatamento e proteger os direitos dos povos indígenas a longo prazo.
A destruição aumenta sob a gestão Bolsonaro
Sob o Presidente Bolsonaro, a destruição da floresta amazônica, devido a incêndios e desmatamento, está aumentando dramaticamente: entre agosto de 2018 e julho de 2019, o desmatamento aumentou 34,4% em comparação com o mesmo período do ano anterior. E de agosto de 2019 a julho de 2020, outros 34,6% a mais foram desmatados do que durante os mesmos meses do ano anterior. Os incêndios não estão apenas colocando a floresta tropical amazônica sob pressão: o pântano do Pantanal também está ardendo como nunca antes.
As comunidades indígenas da Amazônia são os mais atingidos pela destruição: seu habitat está desaparecendo. Os madeireiros e agricultores ilegais estão limpando a floresta, apenas para queimá-la mais tarde para a criação de gado, campos de grãos ou mineração. A demanda mundial por óleo de palma, carne, ouro e ração animal apóia este desenvolvimento. A APA e seus parceiros apelam, portanto, à Suíça e à comunidade internacional para que exerçam pressão política e econômica sobre o Brasil para deter a destruição ambiental maciça e as violações dos direitos indígenas. Um acordo de livre comércio com o Brasil só é sustentável se os direitos indígenas e a proteção do meio ambiente estiverem ancorados no capítulo sobre sustentabilidade de forma concreta e com condições rigorosas.
Acesse a carta protocolada aqui
08/out/2020
Apoie o povo Mẽbêngôkre-Kayapó na sua luta em defesa da natureza!
Nós, cerca de 6,2 mil indígenas do povo Mẽbêngôkre – Kayapó de 56 comunidades das Terras Indígenas Baú, Capoto/Jarina, Kayapó, Las Casas e Menkragnoti, associadas à Associação Floresta Protegida, ao Instituto Kabu e ao Instituto Raoni, vimos através deste manifesto esclarecer que não compactuamos com manifestações individuais de parentes Kayapó a favor do garimpo. Mais uma vez queremos deixar bem claro que somos contra o garimpo e qualquer atividade predatória em nossos territórios!
Repudiamos a forma como o governo federal vem estimulando a invasão de nossos territórios, seja pela retórica que fortalece o crime organizado, seja pela omissão e fragilização dos órgãos responsáveis pela proteção dos territórios indígenas e pelo combate a atividades ilegais e predatórias. Apesar de a grande maioria do povo Kayapó ser contra o garimpo em nossos territórios, a crescente pressão sobre nossas comunidades fez com que algumas poucas lideranças fossem seduzidas pelo ganho financeiro rápido e fácil que o garimpo proporciona.
Não autorizamos que eles falem em nome do Povo Kayapó,
especialmente porque muitas famílias de suas próprias aldeias não apoiam essa atividade. Como poderíamos ser a favor de uma atividade que gera profundos impactos ambientais e sociais aos nossos territórios e comunidades? Como poderíamos privar nossos filhos e netos de um território preservado para seguirem vivendo segundo nossos usos, costumes e tradições, como garante a Constituição Federal?
Nossos territórios nos dão quase tudo o que precisamos para nosso bem viver. É da caça e da pesca, da coleta de
frutos e sementes em nossas florestas e do cultivo de nossos roçados que conseguimos a maior parte de nossos alimentos. É em nossas florestas e cerrados que nossos pajés coletam uma infinidade de produtos que utilizamos em nossa medicina tradicional na prevenção e tratamento de inúmeros problemas de saúde. Foi esse conhecimento tradicional que reduziu o impacto da pandemia da Covid-19 em nossas comunidades, ajudando a nos proteger e tratar nossos doentes.
É também de nossas florestas e cerrados que tiramos materiais para a construção de nossas casas, a produção de utensílios que usamos no dia-a-dia e a confecção de artesanatos e enfeites que usamos em nossos rituais tradicionais. É em nossas florestas e rios onde fazemos caçadas e pescarias coletivas que precedem nossos rituais; onde coletamos castanha, cumaru, açaí, entre centenas de outros alimentos e materiais; onde nossas crianças se divertem e aprendem, na prática, com seus pais e especialmente com nossas anciãs e anciões, como ser um Mẽbêngôkre.
No entanto, ao longo das cerca de sete décadas de contato, nós, indígenas do povo Mẽbêngôkre – Kayapó, passamos a consumir alguns produtos industrializados que não produzimos em nossos territórios, como vestuários, medicamentos e ferramentas que nos auxiliam no nosso dia-a-dia. Assim, hoje, todos nós precisamos de algum dinheiro para suprir nossas necessidades. Mas existem dois caminhos muito diferentes para termos acesso ao dinheiro.
Um caminho é o do dinheiro fácil e rápido, que destrói nossos territórios e recursos naturais, traz brigas, envenena nossos rios e comunidades e condena as
presentes e futuras gerações a uma vida cada vez pior e mais dependente dos Kuben (não indígena). Esse é o caminho do garimpo, da pesca predatória e da madeira! O outro é o caminho do aproveitamento da floresta em pé, do jeito que a gente aprendeu de nossos antepassados e que protege nossos territórios e nosso povo.
É esse o caminho de futuro que escolhemos, um caminho que já está trazendo resultados bastante
positivos para nossas comunidades. Aos poucos, nossos projetos de geração de renda através do fortalecimento de cadeias produtivas da biodiversidade e do artesanato Kayapó, assim como de iniciativas de turismo de base comunitária, estão se fortalecendo e demonstrando que não precisamos destruir nossas florestas e rios, nem abrir mão de nosso futuro, para ter acesso aos bens do Kuben que hoje precisamos para viver bem.
Nós, povos indígenas e populações tradicionais, protegemos diariamente a natureza e continuaremos a assim fazer. A proteção de nossos territórios é uma prática que vem de nossos ancestrais. Ao protegermos a floresta, cuidamos do que o Kuben chama de biodiversidade. E a biodiversidade também cuida de nós, garantindo o que precisamos para viver bem e continuar com nossa cultura forte.
Sabemos que quando cuidamos de nosso território, não são apenas nossas comunidades que se beneficiam das florestas e rios preservados. Sem nossas florestas, o clima e as chuvas na região vão mudar, afetando a produção de alimentos e a vida de milhares de pessoas, indígenas e não indígenas. Os rios que nascem ou passam por nossos territórios correm para outras regiões e se não cuidarmos deles muitas outras pessoas também serão prejudicadas.
Fazemos um apelo a toda a sociedade brasileira e internacional para que nos apoie na luta pela proteção de nossos territórios, exigindo do governo o respeito à Constituição Federal, o direito de usufruirmos de nossos territórios segundo nossos costumes, e o direito de todos nós a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Somos contra o garimpo em nossos territórios e contra o PL 191/2020!
Baixe o manifesto aqui
08/out/2020
Nós povo Munduruku do alto e médio Tapajós já nos pronunciamos muitas vezes. Somos contra o garimpo em nosso território e todo o avanço da destruição dos grandes projetos. Somos caciques, lideranças, guerreiros e guerreiras com nossas organizações, Movimento Munduruku Ipereg Ayu, Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun, Associações Pariri, Dau’k, Arikico, Wuyxaximã Conselho Indígena Munduruku do Alto Tapajós- CIMAT. Tivemos reunidos entre os dias 20 e 22 de agosto de 2020, protocolamos carta contrária ao crescimento dos empreendimentos minerários em nosso território, contrária o projeto de Lei 191 que pretende legalizar as atividades que exploram os recursos do nosso território.
Nos reunimos mais uma vez alto e médio Tapajós no dia 05 de outubro de 2020. Estamos em um momento muito triste para o nosso povo, a destruição está crescendo muito em nosso território, apoiada por esse governo de projetos de morte. As invasões do nosso território aumentaram e com ela a destruição em nosso território desde a chegada desse desgoverno e ainda mais após a visita do ministro do meio ambiente no nosso território.
Somos a maioria dos Munduruku, estamos nas nossas aldeias e somos contra empreendimento minerários e madeireiros em nosso território!
Não aceitamos os poucos que são enganados pelos pariwat e usam o nome do nosso povo. Não queremos regularizar atividades de destruição no nosso território. Queremos a retirada dos madeireiros do nosso território no médio Tapajós e a demarcação das nossas terras indígenas Sawre Muybu e Sawre Bapim.
A Funai está devendo com nós a nossa demarcação, e se posiciona favorável a PL 191 que serve para legalizar a invasão do nosso território. Abrindo portas também para diversos empreendimentos que impactam nossas vidas, como a proposta da ferrogrão. Nunca nos recebeu tão fácil em Brasília e não atende os nossos pedidos como a continuidade do Ibaorebu, nossa educação diferenciada, e a continuidade das fiscalizações no nosso território. A Funai esta colaborando com a destruição.
Sem nossa terra é impossível preservar nossa cultura para as outras gerações. Temos o nosso protocolo de consulta e exigimos ser consultados de acordo a 169 da OIT.
Os Munduruku que trabalham no garimpo, não ganham com isso, sabemos que quem ganham são só os pariwat empresários. Se legalizar a prática da mineração em terras indígenas todos os indígenas do Brasil vão sofrer e não são eles que vão continuar trabalhando, vão chegar grandes empresas. Eles enganam alguns que estão enfeitiçados dessa doença e usam a voz de poucos gananciosos para representar o povo inteiro. E deixam acreditar que dependemos de muito para viver, enquanto estamos destruindo nossa real fonte de vida, nossos rios e nosso território.
A Operação de fiscalização ocorrida em nosso território, precisa acontecer com continuidade, precisa ser mais bem organizada e gerida. Eles precisam ter uma base de fiscalização em cada rio de nosso território como também na área urbana de Jacareacanga, para conseguir realmente expulsar os invasores. E precisam ficar aqui com a gente. Não adianta passar dois dias. Exigimos também base de fiscalização do Ibama na aldeia Karoebak na Terra indígena Sawre Muybu (Daje Kapap Eipi) médio Tapajós para fazer fiscalização contra os madeireiros.
Sabemos que tudo isso que está acontecendo é organizado pelo governo, pelos brancos, pelos comércios, e vieram atrás de fonte de vida. Não temos medo e vamos continuar na luta! Nós decidimos, os caciques e organizações do nosso povo, que nossa assembleia geral será dia 15 de dezembro de 2020. Exigimos soluções efetivas sobre a destruição desenfreadas em nosso território. Assim como pedimos uma visita do Ministério Público Federal em nossas Terras indígenas tanto do médio quanto do alto.
05/out/2020
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, neste 5 de outubro, data histórica de promulgação da Nova Constituição Federal, que em 1988 encerrou um período sombrio na história do nosso país, e reconhece aos nossos povos no capítulo VIII “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (Art. 231) manifesta por meio desta nota pública:
Primeiro – A sua homenagem, respeito e agradecimentos ao Constituinte originário, que soube se posicionar contra a política genocida, assimilacionista e integracionista que marcava até então a formação social do Brasil, ainda com muita força durante a ditadura militar, cujos projetos de desenvolvimento atingiram na Amazônia povos indígenas em isolamento voluntário ou de recente contato como o povo Waimiri Atroari, com a Usina de Balbina, e o Yanomami, já no início dos anos 90, por conta da invasão garimpeira, fora os indígenas assassinados Brasil afora.
A APIB lamenta, porém, que após 32 anos da Carta Magna, as diversas garantias de direitos arrancadas com articulação e pressão social, incluindo as intensas mobilizações dos povos indígenas, estejam no atual momento político em franco retrocesso, sob a égide de um governo assumidamente autoritário, racista e anti-indígena, subserviente de interesses de corporações nacionais e internacionais, e que aproveitou-se da pandemia da Covid-19 para literalmente “passar a boiada”, atropelando ou suprimindo direitos de trabalhadores, as instituições e políticas públicas de saúde, educação, entre outras (estas, diferenciadas para os povos indígenas), bem como a reforma agrária e a demarcação e proteção, enfim, o respeito aos direitos territoriais, à organização social, à identidade e cultura, o usufruto exclusivo e a autonomia dos povos indígenas.
Por conta dessa afronta aos direitos indígenas, executada pela via administrativa, jurídica e legislativa, é que a APIB, reitera o seu entendimento de que após 520 anos os povos indígenas brasileiros deparam-se com um novo projeto de invasão e genocida, comandado pelo governo Bolsonaro.
Segundo – A APIB homenageia a memória dos nossos ancestrais que durante a história toda nunca se dobraram a quaisquer projetos de morte. Especial reconhecimento fazemos aos nossos líderes tradicionais, muitos dos quais em decorrência do descaso governamental se foram, vítimas do novo Coronavírus, e que mesmo sem as condições tecnológicas dos tempos atuais influenciaram a aprovação do capítulo constitucional que nos diz respeito. Eles continuarão a ser as nossas referências, fontes de inspiração para resistir aos ataques que com o atual governo se intensificaram contra nós, por meio de políticas e ações de criminalização, mentiras e acusações que buscam nos culpabilizar, por exemplo dos crimes ambientais, que na verdade acontecem muitas vezes incentivados por este governo.
Terceiro – Esperamos, por todas essas ameaças e ataques, uma vez que tem a atribuição de zelar pelo respeito à Lei, que o Supremo Tribunal Federal estabeleça de uma vez por todas a interpretação do marco legal do direito de ocupação tradicional dos nossos povos sobre suas terras, julgando o Recurso Extraordinário 1.017.365, que envolve os povos Xokleng, Kaingang e Guarani da T.I. Ibirama-La Klãnõ no estado de Santa Catarina, e que é considerado pelos ministros de ‘Repercussão Geral’, ou seja, terá caráter vinculante, impactando todos os casos semelhantes no país inteiro. Obviamente que os nossos povos anseiam a reafirmação do Indigenato, o direito originário, congênito sobre as nossas terras e territórios, contra a tese do marco temporal defendido pela bancada ruralista e forças contrárias aos nossos direitos fundamentais.
Brasília-DF, 5 de outubro de 2020.
Sangue Indígena nenhuma gota mais!
ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB
02/out/2020
Governo Federal tem sido o principal vetor para disseminação do novo coronavírus entre os indígenas seja pela omissão na atenção aos povos ou pela interferência direta com ações que estimulam o aumento de crimes nos territórios indígenas.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denuncia nesta terça-feira (6) à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) as principais denúncias de violações cometidas contra os direitos e a vida dos povos indígenas que aconteceram nos últimos sete meses da pandemia da Covid-19. A ação é feita em conjunto com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a organização Indian Law e integra as audiências do 177º período de sessões da comissão, que trata sobre os impactos do vírus entre indígenas. O teor das denúncias aborda o papel do governo Bolsonaro no agravamento das violações neste período de crise sanitária.
Mais de 50% dos povos indígenas do Brasil já foram atingidos diretamente pelo novo coronavírus, até setembro de 2020. Uma situação alarmante que se agrava a cada dia, pois além da ameaça do vírus, o racismo, o desmatamento ilegal, o agronegócio, a ação criminosa de grileiros e tantos outros crimes seguem avançando para dentro dos territórios.
Para a Apib, o Governo Federal tem sido o principal vetor para disseminação da Covid-19 entre indígenas seja pela omissão na atenção aos povos ou seja pela interferência direta com ações que estimulam o aumento de crimes nos territórios indígenas. Discursos carregados de racismo e ódio, decretos, medidas provisórias e projetos de lei que pretendem legalizar crimes e diminuir os direitos constitucionais dos povos indígenas, marcaram as ações do atual presidente e do alto escalão do governo federal durante essa crise humanitária e sanitária global.
Dados do Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena, criado pela Apib para o monitoramento de casos de contaminação do vírus, apontam que 828 indígenas faleceram em decorrência da Covid-19 e outros 33.412 foram infectados, atingindo diretamente 158 povos. A morte entre indígenas por Covid-19 no Brasil já é maior que o número total de mortes da população geral de seis países da América do Sul.
Até maio de 2020, por exemplo, o atual governo certificou 114 fazendas no sistema de gestão de terras (Sigef), que passam em trechos de áreas indígenas não homologadas. Juntas, essas fazendas ocupam mais de 250 mil hectares de áreas indígenas. É o crime de invasão dos territórios tradicionais sendo incentivado abertamente pelo governo federal em plena pandemia.
A Amazônia é a região mais impactada pela pandemia com a maior quantidade de indígenas contaminados. Os estados mais atingidos foram Amazonas, Mato Grosso, Pará e Roraima.
O primeiro caso confirmado de contaminação por Covid-19 entre indígenas, demonstra que o Governo Bolsonaro é o principal responsável pela entrada do vírus em muitos territórios. A falta de protocolos da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) fez com que uma agente de saúde do povo Kokama fosse infectada no dia 25 de março, no município amazonense Santo Antônio do Içá. O contágio foi feito por um médico vindo de São Paulo a serviço da SESAI, que estava infectado com o vírus. A região do Alto Rio Solimões, onde aconteceu este primeiro caso, concentra grande parte dos casos confirmados e morte entre indígenas. O povo Kokama, que possui muitas comunidades nessa região é o segundo povo com maior quantidade de registro de mortes, no Brasil, com 58 parentes falecidos.
A participação da Apib no 177º período de sessões da CIDH integra os esforços para denunciar e cobrar a responsabilidade constitucional do Governo brasileiro em garantir a proteção dos povos indígenas.
30/set/2020
Ação que está sendo organizada pelo Ministério da Defesa, no Maranhão, descumpre as orientações da Organização Mundial da Saúde, dos órgãos sanitários e de saúde e da nova lei nº 14.021 que obriga realização de quarentena antes da execução de atividades nos territórios indígenas. Em julho, ação similar em aldeias do norte do Pará, que pretendia realizar junto da comitiva de saúde a ida da imprensa, foi adiada devido a nova lei aprovada em 4 de julho.
O Ministério da Defesa está organizando uma comitiva para acompanhar as ações de saúde em comunidades do povo Guajajara, no município de Imperatriz, no Maranhão, sem respeitar protocolos para evitar novas contaminações da Covid-19. A ação, que pretende levar materiais de proteção e cestas básicas entre os dias 2 e 6 de outubro, convida profissionais da comunicação para acompanhar a comitiva. O chamado para imprensa foi feito via Whatsapp pela assessoria do órgão, no dia 28 de setembro. Na convocação é solicitado o envio de testagem PCR com resultado negativo para Covid-19 até o dia 1 de outubro e solicita que as pessoas façam quarentena até o dia 2. Um dia de quarentena está fora dos requisitos solicitados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que orienta o mínimo de 14 dias e desobedece determinação da Lei nº 14.021, que obriga a realização de quarentena antes da entrada nos territórios indígenas.
A pergunta que fazemos é: existe um limite para esse governo provar sua narrativa? Para nós, da Apib, esse limite é muito nítido e está evidente no desrespeito à Lei e nos números de indígenas contaminados ou mortos pelo novo coronavírus.
Dados do Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena, instância criada pela Apib no contexto da pandemia, registrados até 29 de setembro, apontam que 830 parentes já morreram e outros 33.412 foram infectados por Covid-19, impactando diretamente 158 povos (inclusive os Warao, da Venezuela, que se encontram refugiados no Brasil). Não são apenas números, são vidas e mais da metade de todos os povos que vivem no Brasil já foram atingidos de forma direta pelo vírus. Agora, com essa operação criada pelo Governo, que não atende os protocolos básicos exigidos por Lei, colocam mais vidas do povo Guajajara em risco apenas para comunicar a Operação Covid-19, na região.
Já temos alertado o governo, e dados históricos e científicos compravam, que os povos indígenas são os mais suscetíveis à Covid-19, por diversos fatores, dentre os quais o modo de vida comunitária, a vulnerabilidade epidemiológica e sanitária, principalmente por ser uma doença respiratória, que requer tratamento diferenciado na oferta da saúde pública.
Outra ação do Governo Federal que pretendia levar apoio às comunidades do povo Tiriyó, no norte do Pará, com a realização de uma “press trip” (termo usado pelo governo para convocar de profissionais de imprensa) foi cancelada no dia 4 de julho para respeitar os protocolos exigidos na Lei nº 14.021, que dispõe sobre as medidas de proteção às comunidades indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais da pandemia da Covid-19.
De acordo com a nova Lei, devem participar das ações de proteção “Equipes Multiprofissionais de Saúde Indígena (EMSIs) qualificadas e treinadas para enfrentamento à Covid-19, com disponibilização de local adequado e equipado para realização de quarentena pelas equipes antes de entrarem em territórios indígenas”, destaca trecho da lei.
O Governo Bolsonaro poderia ter elaborado um plano de enfrentamento específico ao contexto indígena e tê-lo colocado em prática no início da pandemia, há seis meses. No entanto, medidas começaram a ser tomadas por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), após a Apib entrar com uma ação (ADPF 709), que agora obriga o Governo Federal a adotar medidas de proteção aos povos indígenas e após a aprovação da lei 14.021, no Congresso Nacional.
APOIO DO MOVIMENTO INDÍGENA
Desde o começo da pandemia, a Organização Mundial de Saúde recomendou isolamento social como medida de prevenção à disseminação da Covid-19. Nos territórios, indígenas se organizam, por conta própria, para construir barreiras sanitárias e diminuir a circulação de pessoas e veículos dentro das comunidades.
No Maranhão, desde maio, ações de apoio às comunidades e aos profissionais de saúde indígenas vêm sendo realizadas com apoio da Apib e suas organizações de base. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) junto com a Coordenação das Organizações e Articulação dos Povos Indígenas do Maranhão (COAPIMA) entregam toneladas de alimentos, máscaras, material de higiene e limpeza, também apoiam a instalação de barreiras sanitárias com tecnologia para monitoramento e equipamentos de proteção individual, beneficiando comunidades dos povos Guajajara, Krikati, Gavião, Timbira e Canela.
O apoio aos profissionais de saúde indígena Maranhão foram feitos pelas organizações com a instalação de três Unidades de Atenção Primária Indígena (UAPIs), doação de concentradores e cilindros de oxigênio, mais de 1.800 testes rápidos entregues para seis Polos Bases da Saúde Indígena e mais de 5 mil máscaras para os profissionais.
A ÉTICA DA IMPRENSA
Neste momento de aumento da pandemia entre os povos indígenas, o convite do Ministério da Defesa direcionado a profissionais da imprensa, além de desrespeitar a lei levanta a questão sobre a ética e a responsabilidade do jornalismo, afinal a cobertura sobre a situação dos povos indígenas durante a pandemia e o que o governo tem feito não depende exclusivamente do trabalho em campo, principalmente quando se colocam vidas em risco.
Ao longo da história do Brasil, epidemias de vírus e outras doenças (sarampo, gripe, varíola, entre outras) dizimaram populações indígenas inteiras, inclusive sendo uma estratégia usada pelo Estado no período da ditadura militar. Uma vulnerabilidade apontada na Lei nº 14.021 no trecho que afirma a necessidade de “considerar que os povos indígenas têm maior vulnerabilidade do ponto de vista epidemiológico e têm como característica a vida comunitária, com muitos membros convivendo em uma mesma moradia.”
Lembramos aos profissionais da comunicação, que por ventura aceitem fazer parte da comitiva do Ministério da Defesa, o alerta estabelecido pelo artigo 6º. do Código de Ética da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), segundo o qual é dever do jornalista, “não colocar em risco a integridade das fontes” e “defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas” de grupos sociais.
Além disso, o artigo 7º, registra que o jornalista não pode usar a profissão para incitar a violência e a intolerância. A Apib alerta aos profissionais da imprensa que aceitarem o convite do Ministério da Defesa que estarão ignorando os esforços de isolamento social dos povos indígenas, bem como as denúncias de negligência por parte do governo que vêm sendo feitas desde março.
A imprensa pode ainda incorrer em cumplicidade com as campanhas de desinformação e criminalização que o governo promove contra os povos e organizações indígenas para tentar emplacar a sua narrativa de que este cumprindo a sua obrigação, quando na verdade esconde uma política genocida.
29/set/2020
A Constituição de 1988 trouxe mudanças paradigmáticas a respeito dos direitos dos povos indígenas, as quais, no entanto, não foram incorporadas pelos Códigos Penal e de Processo Penal, e até mesmo pelo Estatuto do Índio, restando lacunas no tratamento jurídico do indígena que é acusado, réu ou condenado por um crime.
Diante disso, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução 287 em junho de 2019, estabelecendo diretrizes vinculantes para o tratamento penal conferido aos indígenas. Tal normativa representa um alinhamento desse tratamento à CF/88 e a instrumentos internacionais de direitos humanos, como a Convenção 169 da OIT e a Declaração da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas, assim como assegura o protagonismo do judiciário na promoção dos direitos fundamentais, levando ao cotidiano dos tribunais o paradigma do Estado pluriétnico.
A Resolução 287 incorpora o entendimento de que a CF/88 reconhece aos indígenas sua organização social, ou seja, o direito de regularem suas condutas e práticas de justiça. Ainda que os indígenas conheçam algumas leis não indígenas, isso não faz com que elas organizem sua vida social.
Neste sentido, os principais aspectos da Resolução são:
a excepcionalidade extrema do encarceramento indígena
a incorporação do critério da autodeclaração
a atenção ao direito de intérprete
a produção de perícia antropológica
a possibilidade de responsabilização pela própria comunidade
a previsão de garantias específicas em estabelecimentos penais
A Resolução 287 ainda visa superar a invisibilidade desses povos no processo penal através do registro dessa informação nos sistemas informatizados do CNJ. Antes de sua aprovação, sequer haviam previsões normativas expressas e uniformes para identificar a presença de indígenas em processos criminais.
Importante salientar que a autodeclaração como mecanismo para atribuir a identidade indígena é pedra angular do modelo constitucional atual, sendo fundamental o reconhecimento imediato da autodeclaração pela autoridade judicial, cuja consequência é a concessão das garantias especificas dos povos indígenas no processo.
RECOMENDAÇÃO: Manual do CNJ sobre a resolução 287
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/Manual-Resolu%C3%A7%C3%A3o-287-2019-CNJ.pdf
Texto: Assessoria Jurídica da APIB, com apoio do Fundo Brasil Direitos Humanos
Série APIB: No banco do réu um “índio”!
23/set/2020
Lideranças denunciam ameaças e aumento das invasões por grileiros dentro da Terra Indígena Bacurizinho, no Maranhão, onde famílias indígenas estão sendo expulsas à força de suas casas. Local tem histórico de violência, há 15 anos o cacique João Araújo Guajajara foi assassinado no local
Homens armados expulsaram à força duas famílias do povo Guajajara, na última terça-feira (22), dentro da Terra Indígena Bacurizinho, localizada no município de Grajaú, no Maranhão. A ação violenta, em plena pandemia da Covid-19, foi feita por grileiros que estão invadindo o território indígena, homologado desde 2008, para lotear e vender terrenos que chegam a custar R$ 5.000,00.
Os crimes de invasão e grilagem dentro da Terra Indígena Bacurizinho ameaçam mais de 5 mil indígenas que vivem na região, em 106 aldeias. A área mais afetada está nas proximidades da aldeia Kwaxi Kamihaw, uma das comunidades mais antigas do povo Guajajara e que está localizada às margens do rio Mearim.
De acordo com lideranças locais, todos os crimes cometidos pelos invasores estão sendo comunicados às autoridades policiais locais, inclusive a Fundação Nacional do Índio (Funai) que não tem tomado providências legais sobre as invasões.
O povo Guajajara é um dos povos com os maiores índices de mortes por Covid-19 no Brasil. Já são mais de 1 mil indígenas contaminados e 37 óbitos entre os Guajajara. Os desafios para proteção da vida dos povos indígenas neste contexto de pandemia é impossível, pois os invasores não fazem “home office”.
Nas últimas 2 semanas, as ameaças na região da proximidade da aldeia Kwaxi Kamihaw têm se intensificado. Cerca de 50 pessoas armadas invadiram a comunidade e se alojaram em uma área do território. Durante a noite os invasores disparam tiros sobre as casas dos indígenas como forma de intimidação atormentando a vida dos moradores da região.
Além das violências de grileiros e das ameaças da pandemia, os Guajajara da TI Bacurizinho sofrem com a pressão e devastações de fazendas de soja, gado, empresas carvoeiras e arrozais.
Histórico de violências
Há décadas o povo Guajajara enfrenta diversas ameaças nas mais de 10 Terras Indígenas em que vivem atualmente, no Maranhão. Em menos de um ano, cinco lideranças indígenas foram assassinadas, no Estado, todas do povo Guajajara. Eram caciques e lideranças que guerreiros lutavam pelo direito constitucional ao território e à vida de seu povo.
Na aldeia Kwaxi Kamihaw, onde os ataques de grileiros estão acontecendo neste momento, o cacique João Araújo Guajajara foi assassinado, no ano de 2005. Fatos que comprovam um revoltante histórico de violências que permanecem até os dias de hoje sem justiça.
Nós da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) exigimos que o direito constitucional dos povos indígenas seja respeitado e que o povo Guajajara da TI Bacurizinho possa ter justiça. Esta onda de violências deve acabar e vamos tomar as medidas cabíveis junto às autoridades competentes para que a lei seja cumprida.
Sangue Indígena, nenhuma gota a mais!
18/set/2020
Enquanto o governo federal assiste passivo aos incêndios criminais que tomaram o país, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, General Heleno, publicou em suas redes sociais uma grave acusação. Disse que a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e uma de suas lideranças, Sonia Guajajara, cometeram crime de lesa-pátria.
A APIB rechaça a declaração. E entende que o maior crime que lesa nossa pátria é a omissão do governo diante da destruição de nossos biomas, das áreas protegidas, das queimadas ilegais, da grilagem, do desmatamento e da invasão de nossas terras e do roubo das nossas riquezas.
Às vésperas da Assembléia Geral das Nações Unidas, o mundo todo está testemunhando esse crime – grande demais para ser ocultado. Em vez de atacar indivíduos que trabalham pela proteção do meio ambiente e garantia dos direitos dos povos indígenas, as autoridades deveriam neste momento cumprir seus juramentos constitucionais e apresentar à nação um plano para enfrentar esses incêndios que afligem o país. E assim proteger, inclusive, a economia e a reputação nacional.
As acusações, além de levianas e mentirosas, são irresponsáveis, pois colocam em risco a segurança pessoal dos citados.
A APIB estudará as medidas cabíveis.