20/out/2023
foto: @bellakariri
O presidente Lula vetou parcialmente o Projeto de Lei (PL) 2903 e retirou o Marco Temporal da proposta. Outras ameaças como cultivo de espécies transgênicas em Terras Indígenas (TIs), a construção de grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias, sem consulta e a flexibilização das políticas de proteção aos povos indígenas isolados também foram retiradas. Os vetos agora serão analisados pelo Congresso Nacional, em uma sessão conjunta entre Deputados e Senadores, com data a ser definida.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reforça que a cobrança do movimento indígena era para Lula vetar totalmente o PL. Agora, alertamos sobre a necessidade dos vetos parciais serem mantidos pelos parlamentares. É necessário seguirmos mobilizados, pois a luta ainda não acabou. A ala ruralista do Congresso Nacional ainda pode derrubar todos esses vetos e aprovar essa lei que legitima crimes contra os povos indígenas.
Além das ameaças do Congresso Nacional, existem dois trechos, que não foram integralmente vetados por Lula, e que a Apib atenta para maiores preocupações sobre violações aos direitos indígenas:
- O Artigo 26 do PL trata sobre cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas, que pode ampliar o assédio nos territórios para flexibilizar o usufruto exclusivo.
- O Artigo 20 que afirma que o usufruto exclusivo não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional.
Afirmamos que o Artigo 20 é perigoso, pois pode, igualmente, abrir margem para mitigar o usufruto exclusivo, diante do conceito genérico de “interesse de política de defesa”, justificando intervenções militares nos territórios. Mesmo com essa ameaça, reforçamos que os Povos indígenas são resguardados pelo Artigo 231, §6o, da Constituição, que prevê que o relevante interesse da União deverá ser disposto por Lei Complementar e não por Lei Ordinária como é o caso do PL 2903.
O que acontece agora?
O Senado aprovou, no dia 27 de setembro, o projeto que pretende transformar o marco temporal em lei e instituir diversos crimes contra os povos indígenas.
O PL 2903 é um projeto genocida patrocinado pelo agronegócio e portanto a Apib enviou ao presidente Lula argumentos para a proposta ser totalmente vetada.
Nesta sexta-feira (20), Lula vetou parcialmente a proposta contrariando a solicitação do movimento indígena.
Agora, os vetos parciais de Lula serão analisados e votados pelo Congresso Nacional em uma sessão conjunta entre Deputados e Senadores. Os parlamentares vão decidir se acatam os vetos ou não.
Caso os vetos sejam mantidos, a lei será aprovada retirando as partes apontadas no veto.
Caso os vetos sejam derrubados, os trechos antes vetados serão desconsiderados e a lei será aprovada com todas as ameaças aos povos indígenas. Ou seja, o Congresso Nacional pode aprovar a lei desconsiderando todos os vetos feitos por Lula.
A Apib reforça a necessidade de constante mobilização do movimento indígena nas aldeias, cidades e redes para impedir que este projeto seja transformado na lei do genocídio indígena.
A luta continua e diga ao povo que avance!
03/out/2023
Caroline de Toni é coordenadora jurídica da FPA e prometeu mais violência caso o PL 2903, que quer transformar marco temporal em lei e legaliza outros crimes contra os povos indígenas, não se torne lei.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), entrou com uma representação no Ministério Público Federal (MPF) contra a deputada federal e coordenadora jurídica da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Caroline de Toni (PL-SC), que prometeu um “banho de sangue” caso o Marco Temporal não seja transformado em lei, através do PL2903.
A fala racista da deputada promove discurso de ódio para ampliar ainda mais a violência contra os povos indígenas. A deputada fez a declaração durante coletiva de imprensa na última quarta-feira (27) no processo de votação do PL 2903, que tenta transformar em Lei o Marco Temporal e legalizar crimes contra povos indígenas.
No mesmo dia da fala da deputada, a aldeia Barra Velha, do povo Pataxó, no município de Porto Seguro, na Bahia, foi atacada com mais de 100 tiros e nos dias seguintes foram registradas outras violências. No dia 18 de setembro, Sebastiana e Rufino, casal de rezadores do povo Guarani e Kaiowá, foram queimados vivos e encontrados mortos, em meio às cinzas da casa onde moravam, em Mato Grosso do Sul. No Amapá, uma adolescente de 15 anos do povo Karipuna, foi estuprada e morta, no dia 17 de setembro.
A Apib denuncia as violências cometidas contra os povos indígenas e exige um BASTA nessa violência. É preciso acabar com o derramamento de sangue indígena e a fala da deputada apenas reforça todas as violências cometidas diariamente contra nossos povos.
Acesse a representação completa aqui
Senado Genocida
Logo após a declaração da deputada, que pede “banho de sangue”, o Senado Federal aprovou na tarde do dia 27 o Projeto de Lei 2903 intitulado pela Apib como PL do Genocídio. A atitude dos parlamentares representa um tensionamento e uma afronta ao Supremo Tribunal Federal que julgou e decidiu por maioria de 9×2 anular o Marco Temporal.
O PL 2903 agora é analisado pelo presidente Lula, que tem 15 dias úteis para sancionar ou vetar (total ou parcialmente) o projeto. A Apib exige o veto total do projeto e cobra compromisso de Lula para respeitar e garantir os direitos dos povos indígenas.
A Apib ressalta ainda que as atitudes da deputada e da FPA são resultados da ligação direta de políticos brasileiros à invasão de terras indígenas, como mostra o dossiê “Os invasores” do site jornalístico “De olho nos ruralistas”. De acordo com o estudo, representantes do Congresso Nacional e do Executivo, possuem cerca de 96 mil hectares de terras sobrepostas às terras indígenas. Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de TIs, que doaram R$ 3,6 milhões para campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).
O Marco Temporal é uma tese política, patrocinada pelo Agronegócio. Os ruralistas querem mudar os processos de demarcação e determinar que só têm direito aos territórios tradicionais os povos que comprovarem que viviam nesses locais no período da aprovação da constituição, 1988. Uma medida que ignora o extermínio e expulsão de milhões de indígenas de suas terras ao longo da história.
Além do Marco Temporal, o PL 2903 pretende legalizar crimes cometidos contra os povos indígenas e por isso é considerado o PL do Genocídio. A Apib evidência sete pontos que podem ampliar as violências e que precisam ser vetados por Lula:
1) o PL 2903 quer definir critérios racistas de quem é ou não indígena;
2) quer autorizar a construção de rodovias, hidrelétricas e outras obras em Terras Indígenas, sem consulta prévia, livre e informada;
3) o PL quer permitir a plantação de soja, criação de gado, promoção de garimpo e mineração em Terras Indígenas;
4) propõe que qualquer pessoa questione os processos de demarcação dos territórios, inclusive os já demarcados;
5) busca reconhecer a legitimidade da posse de terra de invasores de Terras Indígenas;
6) quer flexibilizar a política de não-contato com povos indígenas em isolamento voluntário; 7) quer mudar conceitos constitucionais da política indigenista como: a tradicionalidade da ocupação, o direito originário e o usufruto exclusivo dos povos indígenas aos seus territórios.
31/ago/2023
Genebra, 31 de agosto de 2023 – Foi apresentado hoje o relatório “Desmascarando o Canadá às Nações Unidas: Violações de Direitos em Toda a América Latina” durante a pré-sessão do Processo de Revisão Periódica Universal (RPU) das Nações Unidas em Genebra, que ocorre de 28 de agosto a 1 de setembro. Este documento foi entregue por uma delegação que inclui líderes indígenas do Brasil e da Colômbia, uma líder comunitária da Volta Grande do Xingu e demais representantes da sociedade civil latino-americana. As principais organizações indígenas do Brasil, APIB e COIAB, compõem a delegação.
O relatório é resultado do trabalho de mais de 50 organizações que organizaram três documentos críticos (Informe Regional, Informe Amazônico e Informe Petroleiro), os quais, juntos, cobram responsabilidade por abusos corporativos associados a 37 projetos canadenses distribuídos por 9 países da América Latina e do Caribe. Das conclusões principais, destaca-se que 32 projetos violam o direito a um ambiente limpo, saudável e sustentável, como o caso da Frontera Energy, no Peru, responsável por 105 derramamentos de petróleo. Outros 26 projetos desrespeitam o direito ao Consentimento Livre, Prévio e Informado de comunidades impactadas, evidenciado nas táticas divisionistas usadas no projeto Warintza do Equador pela Solaris Resources Inc. Adicionalmente, 19 projetos infringem os direitos econômicos, sociais e culturais, como o impedimento ao acesso à alimentação e à manutenção de atividades econômicas tradicionais, visto no Projeto Volta Grande pela mineradora canadense Belo Sun no Pará, Brasil. Outros 16 impactam os direitos políticos e civis, gerando situações de risco para os defensores, como a militarização dos territórios, abuso pelas forças públicas em prol dos interesses empresariais e a criminalização desses defensores.
“Viemos aqui para denunciar o envolvimento das empresas canadenses em violações de direitos humanos no Brasil, particularmente o caso da mineradora Belo Sun, no Pará, que almeja estabelecer a maior mina de ouro a céu aberto do país. Embora o Canadá se promova como defensor dos direitos humanos e do meio ambiente, suas ações contradizem seu discurso, especialmente ao violar os direitos dos povos indígenas no Brasil. A discrepância fica clara quando sabemos que o Canadá não assinou a convenção 169 da OIT. Por isso, esperamos que os estados com os quais estamos em diálogo reconheçam essa realidade e pressionem o Canadá a reformular a atuação de suas corporações, buscando uma ação concreta em defesa dos povos indígenas e comunidades tradicionais”, afirma Maurício Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB.
A Revisão Periódica Universal (RPU) é um processo que acontece a cada quatro anos, no qual todos os estados membros da ONU avaliam os registros de direitos humanos de seus pares. Este ano, a avaliação do Canadá será em 10 de novembro de 2023. Espera-se que os Estados membros considerem e incluam as recomendações feitas pela sociedade civil latino-americana. Dentre as sugestões apresentadas, destaca-se a necessidade do Canadá introduzir uma legislação vinculativa e abrangente centrada na devida diligência e responsabilidade corporativa. Isso inclui a supervisão de instituições financeiras e corporações canadenses ao longo de suas cadeias de fornecimento globais, com o objetivo de prevenir, mitigar e penalizar irregularidades corporativas, garantindo que vítimas dessas práticas no exterior possam buscar justiça e reparação completa.
“Esperamos que o processo da RPU se consolide como mais uma estratégia em nossa defesa dos direitos dos povos indígenas, atuando como instrumento de proteção dos direitos humanos, indígenas e ambientais. É essencial reconhecer que as corporações envolvidas em tais violações estão cometendo atos criminosos. Essas ações não devem ser vistas apenas como atos isolados, mas sim em uma escala mais ampla, pois ao violar os direitos indígenas, impacta-se toda a humanidade. Assim, além das legislações nacionais e internacionais, essas infrações devem ser consideradas sob uma ótica mais abrangente. É essencial que os estados assumam o compromisso, dentro da ONU, de integrar um mecanismo global onde reconheçam a necessidade de monitorar e cobrar mutuamente ações que respeitem os direitos humanos, indígenas e ambientais”, diz Kari Guajajara (Brasil), Assessora Jurídica, Organização Indígena Nacional da Amazônia Brasileira (COIAB).
Esta não é a primeira vez que o Canadá enfrenta alegações dentro do Sistema Universal das Nações Unidas devido às atividades de suas corporações no exterior. Seis recomendações foram direcionadas ao Canadá durante o 3º ciclo da Revisão Periódica. Estas abordaram, entre outras preocupações, a garantia e proteção essencial dos direitos humanos pelas empresas canadenses. No entanto, mesmo após se comprometer a atender a essas recomendações, o Canadá falhou consistentemente em cumprir suas obrigações extraterritoriais, negligenciando tomar medidas efetivas para supervisionar atividades corporativas nacional e internacionalmente.
“Nosso relatório revela a perturbadora realidade por trás dos empreendimentos corporativos do Canadá na América Latina. Enquanto o Canadá se gaba de uma conduta empresarial ética e se posiciona como “pró-clima”, as evidências documentadas revelam a proteção do Canadá às indústrias extrativas responsáveis por significativos danos aos direitos humanos e ambientais – onde o lucro é priorizado sobre as pessoas e o meio ambiente”, conclui Gisela Hurtado, gerente de Incidência Política da Amazon Watch.
A delegação presente em Genebra é composta por Mauricio Terena da APIB; Maria Judite “Kari” Guajajara da COIAB; Josefa de Oliveira, Educadora Popular do Movimento Xingu Vivo Para Sempre; Lorena Aranha Curuaia, Vice-Presidente da Comunidade Iawá; e Brayan Mojanajinsoy Pasos, Secretário Geral da Associação de Conselhos Indígenas do Município de Villagarzón Putumayo (ACIMVIP), e teve o apoio das organizações Amazon Watch, AIDA, Earthworks, Gaia e Ambiente y Sociedad.
Sumário executivo
Informe Regional
Informe Amazônico
Informe sobre Petróleo
UPR Canada Advocacy Paper
Resumo dos casos principais de empresas canadenses envolvidas em violações de direitos destacadas no relatório.
1. Frontera Energy no Lote 192 no Peru:
– Mais de 2.000 locais contaminados, afetando 26 comunidades indígenas amazônicas.
– O plano proposto de encerramento da atividade não inclui reparações para as comunidades afetadas.
2. Mineradora Argentina Gold SRL (parceria entre Barrick Gold e Shandong Gold):
– Responsável por pelo menos cinco vazamentos de substâncias tóxicas, incluindo cianeto e arsênio, no Rio Jáchal na Argentina a partir da mina Veladero.
– O projeto viola a Lei dos Glaciares devido à sua localização em uma zona glacial e afeta o patrimônio mundial da biodiversidade reconhecido pela UNESCO, a Reserva San Guilhermo.
3. Projeto Volta Grande da Belo Sun no Brasil:
– Impactos cumulativos com a hidrelétrica Belo Monte, localizada a menos de 10 km do local de mineração prospectado.
– Forças de segurança armadas contratadas pela mineradora para monitorar líderes locais e impedir sua locomocação.
– Total desrespeito ao Consentimento Livre, Prévio e Informado de comunidades indígenas e ribeirinhas.
– Riscos iminentes e irreversíveis de uma tragédia ambiental se resíduos tóxicos forem lançados no Rio Xingu devido a uma possível ruptura da barragem, dada a falta de estudos de segurança sísmica e de barragens de rejeitos.
– Impacto direto nas comunidades, seus meios de subsistência tradicionais e ecossistemas locais.
4. Mina Varadero no Chile:
– Contaminou fontes de água com mercúrio, impactando populações rurais e crianças.
5. Barragem Hidrosogamoso da ISAGEN – Brookfield Asset Management na Colômbia:
– Prejudicou significativamente os ecossistemas e comunidades locais.
6. Projetos de mineração da American Lithium (Falchani, Macusani e Quelccaya) no Peru:
– Liberam regularmente resíduos tóxicos, afetando mais de 700.000 pessoas e contaminando as bacias do Lago Titicaca e do Rio Amazonas.
7. Projeto de mineração Warintza da Solaris Resources Inc. no Equador:
– Ignorou os direitos territoriais do povo indígena Shuar Arutam e adotou táticas divisionistas.
8. Projeto de mineração Ixtaca no México:
– Suspenso devido a violações dos direitos indígenas.
9. Projeto de mineração El Pato II na Guatemala:
– Afetou as comunidades maias Poqomam e mestiças sem a devida consulta prévia.
10. Projeto de mineração Mocoa da Libero Copper na Colômbia:
– Prejudicou diretamente o território ancestral do povo Inga, violando seus direitos.
11. Projeto de extração de ouro Machado da Cosigo Resources LTD na Colômbia:
– Impactou gravemente locais sagrados indígenas no território Yaigojé Apaporis.
12. Mina Pueblo Viejo da Barrick Gold na República Dominicana:
– Forçou o deslocamento de 65 famílias locais devido à barragem de rejeitos El Llagal.
13. Projetos de mineração de La Plata pela Atico Mining Corporation e Las Naves pela Curimining S.A. (subsidiária da Adventus Mining Corporation) e Salazar Resources Limited no Equador:
– Tentaram legalizar suas operações apesar de violarem leis nacionais e internacionais de direitos humanos, levando a confrontos e ferimentos.
14. Lote 95 da Petrotal no Peru:
– Protestos exigindo direitos da comunidade resultaram em várias mortes pelas forças policiais que guardavam o campo de petróleo.
15. Equinox Gold no Brasil:
– Ocultou dados sobre suas operações e impactos, incluindo uma ruptura de barragem.
– 4.000 pessoas diretamente impactadas por resíduos tóxicos resultantes da ruptura da barragem que contaminaram rios amazônicos locais, violando o direito a um ambiente limpo e acesso adequado à água potável.
– Criminalização de líderes comunitários locais que protestavam pelo direito à água.
16. Gran Tierra Energy no Equador:
– Conduziu explorações nos blocos Charapa, Chanangué e Iguana sem o devido compartilhamento de informações às comunidades locais.
28/ago/2023
Uma importante vitória da advocacia indígena foi estabelecida pelo Supremo, que reconheceu a ADPF 1059 da Apib. Chamamos atenção, que entre os votos contrários a proposta está a do Ministro recém indicado por Lula.
Há poucos dias do julgamento do Marco Temporal, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) indicado pelo presidente Lula, Cristiano Zanin, votou contra a proposta construída pelo jurídico da Apib para proteger o povo Guarani e Kaiowá, em Mato Grosso do Sul que sofre com uma política de segurança pública violenta e totalmente avessa às diretrizes constitucionais. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1059 foi protocolada dia 17 de abril. Ao ser distribuída, a relatoria foi definida para o Ministro Gilmar, ao receber o processo o Ministro Relator não conheceu a demanda, sob a justificativa de não preencher os requisitos legais.
A Advocacia indígena da APIB, passou a travar uma disputa jurídica na Suprema Corte para apreciação recurso e nessa última sexta-feira (25/08), o plenário virtual do órgão colegiado do Supremo reconheceu a ação e sua legitimidade em tramitar na corte, essa incidência será a voz dos Guarani e Kaiowá na Suprema Corte, colocando Mato Grosso do Sul no centro do debate e sua política de segurança pública em terras indígenas .
Celebramos essa vitória dos Povos Indígenas Guarani e Kaiowá, não obstante expressamos máxima preocupação com o voto do recém empossado ministro indicado por Lula e consideramos haver um equívoco técnico no posicionamento do Ministro. Nesse sentido, consideramos haver um desarranjo nas expectativas referente ao presidente Lula e suas indicações para o Supremo. Entendemos como absurda a postura, pois a ADPF propõe a investigação das violências cometidas historicamente contra os Guarani e Kaiowá, em MS. A ADPF aponta que o Estado de MS tem violado direitos fundamentais dos povos indígenas, garantidos de forma ancestral e nos âmbitos nacionais e internacionais.
A ADPF 1059 foi reconhecida pela maioria do Supremo como a ministra Rosa Weber, Alexandre de Moraes e outros ministros. O voto do ministro do Zanin contra o reconhecimento da ADPF, está alinhado com os argumentos de outros ministros, como Nunes Marques, que no julgamento sobre o Marco Temporal é o único voto contra os povos indígenas e favorável à tese ruralista.
O STF marcou para o dia 30 de agosto a retomada do julgamento sobre o marco temporal. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e suas sete organizações regionais de base convocam a mobilização nacional #MarcoTemporalNão nos territórios, nas cidades, nas redes sociais e em Brasília (DF).
Vitória da advocacia indígena
Apesar do voto contrário do ministro Zanin, a ADPF 1059 foi reconhecida pela maioria do STF e é considerada uma vitória da advocacia indígena. A ADPF aponta que o Estado de MS tem violado direitos fundamentais dos povos Guarani e Kaiowá. A medida é histórica e tem como objetivo combater a violência e as violações de direitos dos povos indígenas no Estado. Entre as propostas, a ADPF pede que seja concedida uma medida cautelar e que a secretaria de segurança pública elabore um plano de enfrentamento à violência policial.
A ADPF também propõe a instalação de equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança com o devido armazenamento digital dos arquivos, além da elaboração de um plano, no prazo máximo de 90 dias, visando o controle de violações de direitos humanos pelas forças de segurança. O plano deve conter medidas voltadas à melhoria do treinamento dos policiais, protocolos públicos de abordagem policial e busca pessoal e prever a participação de lideranças das comunidades afetadas em todo o processo de elaboração do plano.
18/ago/2023
A líder quilombola, Bernadete Pacífico, foi executada a tiros na Bahia, nesta quinta-feira, 17/08. Seu neto encontrou o corpo alvejado no sofá de casa, no Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, região metropolitana de Salvador. Bernadete era Yalorixá da comunidade e já havia perdido o filho, Binho do Quilombo, também assassinado por conflito fundiário, em 2017.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil manifesta sua solidariedade à família, à Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos e a todo movimento negro do Brasil. Reforçamos as denúncias de violência e repudiamos o crime, em coro com a organização.
À dor da perda desta grande liderança, ecoamos os maracás gritando por justiça. Seguiremos em luta pela democratização da terra no Brasil, até que todos, todas e todes lutadoras do povo possam viver em segurança e se respeite os direitos, a dignidade, a sabedoria e a vida dos povos originários deste país.
Confira a nota da Coordenação Nacional de Articulação dos Quilombos.
A Conaq repudia o assassinato da Coordenadora Nacional Bernadete Pacífico
É com profundo pesar que lamentamos o falecimento de Maria Bernadete Pacífico, a popular Mãe Bernadete, como era carinhosamente conhecida por todas as pessoas. Mãe Bernadete era Coordenadora Nacional da CONAQ e liderança quilombola do Quilombo Pitanga dos Palmares, localizada no município de Simões Filho, estado da Bahia. Sua dedicação incansável à preservação da cultura, da espiritualidade e da história de seu povo será sempre lembrada por nós. Nos apoiaremos no seu exemplo e no seu legado na luta por justiça. Nossos sentimentos estão com o Quilombo Pitanga dos Palmares, com suas amigas e amigos, e com sua família, da qual fazemos parte enquanto quilombolas. Sua ausência será profundamente sentida. Seu espírito inspirador, sua história de vida, suas palavras de guia continuarão a orientar-nos e às gerações futuras.
A família Conaq sente profundamente a perda de uma mulher tão sábia e de uma verdadeira liderança. Sua partida prematura é uma perda irreparável não apenas para a comunidade quilombola, mas para todo o movimento de defesa dos direitos humanos.
Mãe Bernadete foi insidiosamente executada na noite desta quinta-feira (17/08). Era mãe de Flávio Gabriel Pacífico dos Santos (Binho do Quilombo), liderança quilombola da comunidade Pitanga dos Palmares, também assassinado há 6 anos. O assassinato de Binho, como o de tantas outras lideranças quilombolas, continua sem resposta e sem justiça. Junta-se à injustiça mais uma vítima da violência enfrentada por aqueles que ousam levantar suas vozes na defesa dos nossos direitos ancestrais. Mãe Bernadete, agora silenciada, era uma luz brilhante na luta contra a discriminação, o racismo e a marginalização. Atuava na linha de frente para solucionar o caso do assassinato do seu filho Binho e bravamente enfrentou todas adversidades que uma mãe preta pode enfrentar na busca por justiça e na defesa da memória e da dignidade de seu filho. Nessa luta, com coragem, desafiou o sistema e, como tantas mulheres, colocou seu corpo e sua voz na defesa de uma causa com a qual tinha um compromisso inabalável. Sua voz ressoava não apenas nas reuniões e eventos, mas também nos corações daqueles que acreditavam na mudança.
Este acontecimento trágico evidencia a crueldade das barreiras que se colocam no caminho de quem luta. Enquanto lamentamos a perda dessa corajosa liderança, também devemos nos unir em solidariedade e determinação para continuar o legado que ela deixou. Que sua memória inspire novas gerações a continuar a luta por um mundo onde todas as vozes sejam ouvidas, todas as culturas e religiões sejam respeitadas e todos os direitos sejam protegidos.
A Conaq exige que o Estado brasileiro tome medidas imediatas para a proteção das lideranças do Quilombo de Pitanga de Palmares. É dever do Estado garantir que haja uma investigação célere e eficaz e que os responsáveis pelos crimes que têm vitimado as lideranças desse Quilombo sejam devidamente responsabilizados. É crucial que a justiça seja feita, que a verdade seja conhecida e que os autores sejam punidos. Queremos justiça para honrar a memória de nossa liderança perdida, mas também para que possamos afirmar que, no Brasil, atos de violência contra quilombolas não serão tolerados.
10/ago/2023
O departamento jurídico da Apib publicou uma nota sobre o ataque às lideranças indígenas do povo Tembé. Na sexta-feira, 04/08, dia em que iniciaram as atividades dos Diálogos Amazônicos, em Belém, o jovem indígena Kauã, foi baleado.
Na manhã do dia 07/08, durante preparativos para recebimento da visita do Conselho Nacional de Direitos Humanos, em Tomé-Açu (PA) e véspera das atividades da Cúpula da Amazônia, quando o Pará recebeu Chefes de Estado e o movimento indígena enfatizou a necessidade de pôr fim à violência contra os povos, três lideranças foram baleadas por seguranças privados da empresa Brasil Bio Fulls (BBF). Uma das vítimas afirma em áudio que pegou dois tiros, sendo um no ombro e outro na coxa.
O crime ocorreu dentro da aldeia Bananal do povo Tembé, a 200 km de Belém. O povo Tembé, que denuncia a violação de direitos humanos e a falta de consulta previa, livre e informada no empreendimento de plantação de dendê da BBF.
A nota ressalta que os ataques “não se tratam de episódios isolados”, mas fazem parte de “inúmeros casos de violações de direitos humanos e ambientais ocorridos na região”. Ali encontram-se duas terras indígenas e seis comunidades quilombolas, cercadas por milhares de pés de dendê. São conflitos ligados a décadas de invasões e grilagens dos territórios, cuja ocupação ancestral data de pelo menos 200 anos.
Confira a nota completa:
NOTA PÚBLICA SOBRE OS ATAQUES AO POVO TEMBÉ
Brasília, 08 de agosto de 2023.
Entre a última sexta-feira (04/08) e esta segunda (07/04), quatro indígenas da etnia Tembé foram atingidos por disparos de armas de fogo em Tomé-Açu, no Pará. O primeiro ataque ocorreu na sexta, quando Kauã, indígena do povo Tembé de 19 anos, foi baleado. Na mesma data foi dado início às atividades que antecedem a Cúpula da Amazônia, sediada em Belém, a 200km da região dos ataques, em ocasião na qual o Pará recebe Chefes de Estado e o movimento indígena enfatiza a necessidade de pôr fim à violência contra os povos. O crime ocorreu dentro da aldeia Bananal do povo Tembé. O momento em que a vítima foi socorrida, após ser atingida entre as pernas, foi registrado em um vídeo que circula pelas redes sociais.
A Associação Indígena Tembé Vale do Acará enviou comunicado ao Ministério Público Federal (MPF), relatando que a comunidade verificou que, no dia 03/08, chegou forte e ostensivo grupamento de Polícia Militar especializada no município de Tomé-Açú, e que, no dia seguinte, passaram a intervir de maneira truculenta no local ocupado pela comunidade indígena Tembé. Acompanhados de seguranças fortemente armados da empresa Brasil Bio Fuels – BBF, os policiais interditaram a ponte que dá acesso à área de ocupação. Segundo informações divulgadas pelo Ministério Público Federal (MPF), o disparo pode ter sido feito pelos policiais militares ou pelos seguranças privados.
Diante do episódio de 04/08, o MPF solicitou ao governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que sejam tomadas medidas urgentes para pôr fim à violência policial. Ainda no dia 04/08, o órgão requisitou à Polícia Federal que fosse aberta investigação sobre o caso com urgência, bem como fosse deslocado efetivo para a área indígena. Além disso, a Justiça Estadual em Tomé-Açu foi oficiada pelo MPF, que solicitou informações sobre o caso.
Já nesta segunda, dia 07/08, outros três indígenas foram baleados por seguranças privados da BBF. Daiane Tembé, que filmava a ação, foi atingida por tiros no pescoço e no maxilar e transportada por UTI aérea a Belém/PA. Dois outros indígenas encontram-se desaparecidos.
O novo crime ocorreu momentos antes da chegada de uma missão especial coordenada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que se dirigia ao município de Tomé-Açú/PA para apurar as violações de direitos humanos denunciadas pelos indígenas durante uma mesa paralela dos “Diálogos Amazônicos”, ocorrida dias antes em Belém. A conselheira do CNDH Virgínia Berriel, presente na missão, afirmou que trata-se de “mais um ataque covarde aos direitos humanos, porque isso só aconteceu devido a nossa vinda ao local”.
Tais ataques não se tratam de episódios isolados. Os episódios aqui narrados somam-se aos inúmeros casos de violações de direitos humanos e ambientais ocorridos na região. Cercadas por milhares de pés de dendê, encontram-se: i) a Terra Indígena Turé Mariquita (a menor em território do Brasil), do povo Tembé, com 13 aldeias; ii) a TI Turyuara, que aguarda homologação e possui três aldeias; e iii) seis comunidades quilombolas, reunidas em torno de uma associação, a Amarqualta, com cerca de 350 famílias. Não se tratam se conflitos novos, mas que estão ligados a décadas de invasões e grilagens dos territórios, cuja ocupação ancestral data de pelo menos 200 anos.
É a partir deste contexto que os indígenas do povo Tembé vêm reivindicando o direito coletivo sobre as terras em que é produzido o óleo de palma e questionando o impacto ambiental dos agrotóxicos e do descarte de rejeitos da produção. Devido a isso, vêm sofrendo diversos ataques.
Em maio deste ano, o Cacique Lúcio Gusmão, do povo Tembé, foi alvejado com tiros na cabeça em emboscada em razão de sua atuação na defesa dos territórios tradicionais de 16 (dezesseis) aldeias indígenas, 6 (seis) quilombos da Associação Amarqualta e comunidades ribeirinhas constantemente ameaçadas pela maior produtora de óleo de palma da América Latina, a empresa Brasil Biofuels (BBF).
Logo após o episódio com o Cacique Lúcio, o povo Tembé passou a denunciar campanha criminalizadora da Brasil BioFuels, que vem chamando os indígenas de “invasores”, acusando-os de se beneficiarem do “status de indígenas” para invadir áreas da companhia, “colher e comercializar o dendê plantado pela empresa”, e “utilizar veículos de imprensa, ONGs e redes sociais para se colocarem como vítimas”. Trata-se de uma tentativa de deslegitimação dos indígenas em luta pela demarcação de suas terras, cujo resultado é um aumento da revolta das populações locais contra os indígenas.
O próprio Ministério Público Federal do Pará reconheceu que há um nível intenso nível de conflituosidade na região que traz riscos concretos à vida e à integridade física dos indígenas, havendo ligação direta entre tais episódios de violência e os conflitos com empresas produtoras de dendê na região, o que inclusive impõe a atuação dos órgãos federais, tendo em vista que a disputa envolve direitos coletivos dos povos indígenas. Ainda de acordo com o MPF-PA, tais ataques vêm ocorrendo desde a instalação da empresa Biopalma, empresa adquirida pelo Grupo BBF em 2020, ao redor da Terra Indígena Turé Mariquita, em Tomé-Açu.
Em abril, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) chegou a pedir a prisão do dono da BBF, Eduardo Schimmelpfeng da Costa Coelho, e do chefe de segurança da empresa, Walter Ferrari, acusados de tortura de 11 ribeirinhos da região. Apesar de um suspeito de ser o mandante do crime ter sido preso dois dias após o ataque, lideranças da comunidade alegam não estar satisfeitas e tampouco entendem que o caso foi elucidado.
A denúncia do MPPA aponta que um “grupo com características paramilitares” atua reprimindo comunitários que vivem em terras reivindicadas pela BBF. Tal milícia armada seria comandada pelo dono e pelo chefe de segurança da BBF, que recrutaram e treinaram funcionários que trabalham na colheita do dendê para que atuassem em situações de conflito, fato esse que também é investigado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Além disso, tanto o MPPA quanto o MPF alegam que: i) a empresa também comete crimes ambientais; ii) há indícios de fraudes em seus licenciamentos junto à Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Semas); iii) a consulta prévia, livre e informada, segundo prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), não foi cumprida.
Não há dúvida, portanto, que estamos diante de graves violações a preceitos fundamentais protegidos pela Carta Magna. Existem claras violações ao direito à vida e à integridade física (art. 5º), ao direito à terra tradicionalmente ocupada (art. 231) e ao direito à segurança pública (art. 144º).
Diante disso, no dia 07 de agosto, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), organização que articula e representa os povos indígenas a nível nacional, formada pelas organizações indígenas de base das distintas regiões do país, enviou comunicação à Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (SEGUP/PA), solicitando informações e providências urgentes com vistas a garantir os direitos e a segurança do povo Tembé em Tomé-Açú-PA.
Mauricio Serpa França
Coordenador Jurídico da APIB – OAB/MS 24.060
Victor Hugo Streit Vieira
Assessor Jurídico da APIB – OAB/PR 115.553
Ingrid Gomes Martins
Assessora Jurídica da APIB – OAB/DF 63.140
09/ago/2023
Foto: David Terena/@cons.terena
Por Dinamam Tuxá e Kleber Karipuna, coordenadores Executivos da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Desde 1995, as Nações Unidas celebram anualmente o Dia Internacional dos Povos Indígenas em 9 de agosto, com o intuito de aumentar a conscientização e proteger os direitos da população indígena, sobretudo seus direitos a tomar suas próprias decisões – sua autodeterminação, e a executá-las de forma culturalmente apropriada. Entretanto, após quase 30 anos da instituição desta data, os povos indígenas têm poucos motivos para comemorar.
Ao redor do mundo, vivenciamos a negligência de nossos direitos em prol de um modelo desenvolvimentista que prioriza a exploração de nossas terras através da extração de combustíveis fósseis, de minérios, da expansão do agronegócio e de empreendimentos imobiliários, ignorando a relação inalienável que temos com nossos territórios ancestrais, um direito originário reconhecido internacionalmente e também pela Constituição Federal do Brasil.
Apesar de o Estado brasileiro ter se comprometido em demarcar todos os territórios em até cinco anos, apenas 483 dos 1.239 territórios indígenas foram demarcados até hoje, ou seja, 61,01% dos nossos territórios permanecem sem reconhecimento por parte do Estado. A morosidade na demarcação dos territórios traz consequências concretas e nefastas para os povos indígenas, agravadas ainda mais nos últimos anos.
O Relatório sobre Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil em 2022 [Cimi] demonstrou que, entre 2019 e 2022, foram registrados 795 assassinatos de indígenas durante o governo de Jair Bolsonaro, representando um aumento de 54% em comparação aos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer. O documento aponta que a maior parte destes crimes tem relação direta com conflitos territoriais.
Neste contexto, consideramos o julgamento do Marco Temporal como o “julgamento do século” pois, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) decida que apenas os territórios ocupados pelos povos indígenas na data de promulgação da nossa Constituição Federal sejam passíveis de demarcação, vivenciaremos um aumento nos conflitos territoriais, e seu impacto em nossas vidas e comunidades será sem precedentes.
É fundamental que o STF rechace de uma vez por todas essa tese que é motivada pelos interesses do agronegócio, e que desconsidera os séculos de perseguição e violência que impossibilitaram que muitos de nós estivéssemos ocupando nossos territórios em 5 de outubro de 1988. Mas a responsabilidade da Suprema Corte em fazer cumprir nossos direitos vai além de reconhecer a inconstitucionalidade do Marco Temporal.
O voto deferido pelo Ministro Alexandre de Moraes na retomada do julgamento (7 de junho) traz outros elementos de preocupação. Ainda que o Ministro rejeite a tese do Marco Temporal como tal, seu voto propõe uma interpretação alternativa, com o alegado intuito de “conciliar” os conflitos entre os povos indígenas e os invasores de nossos territórios.
O julgamento agora possui dois votos contrários ao Marco Temporal e um favorável à tese genocida, feito em 2021, pelo ministro Nunes Marques. O primeiro voto favorável aos povos indígenas foi realizado pelo ministro Edson Fachin, que fez um posicionamento histórico e reafirmou em seu voto, que os direitos indígenas são originários.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reforça o mesmo entendimento do ministro Fachin, que é relator do caso. “A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 e independe da configuração de renitente esbulho”, afirmou Fachin em seu voto. Ou seja, não existe marco temporal e nossos direitos são originários.
Diferente de Fachin, o Ministro Moraes propõe, entre outras medidas, a indenização prévia a portadores de títulos de propriedade que tenham adquirido áreas sobrepostas aos nossos territórios de boa fé. Atualmente, a previsão legal de indenização prévia é restrita às benfeitorias realizadas de boa fé por portadores de certidão de propriedade sobreposta a terras indígenas O Ministro Moraes inova em seu voto ao propor que a indenização seja pela terra nua, ou seja, por toda a propriedade.
Na prática, a proposta de Moraes premiaria os invasores dos nossos territórios. Pequenos proprietários com títulos de posse sobrepostos a territórios indígenas representam a minoria dos casos de sobreposição. O agronegócio é responsável pela maior parte dessas invasões: a pecuária é responsável por 55,6% das áreas de sobreposição em terras indígenas, seguida pela soja, que representa 34,6% das sobreposições, segundo o relatório Os Invasores, publicado recentemente pelo De Olho nos Ruralistas. Além de premiar os invasores, a proposta do Ministro Moraes paralisaria ainda mais a política demarcatória no Brasil, ao passo que introduz maior ônus ao orçamento da União para a realização das indenizações prévias.
Esta propositura se assemelha ao atual status da política de titulação dos territórios quilombolas. Em recente análise da organização Terra de Direitos, no ritmo atual, o Brasil levaria 2.188 anos para titular todos os territórios quilombolas com processos em análise no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), devido sobretudo à insuficiência orçamentária para promover a indenização dos territórios quilombolas – o que não seria diferente para os territórios indígenas.
Além disso, o Ministro Moraes considera em seu voto a possibilidade de o Estado brasileiro promover a “compensação de Terras às comunidades indígenas”, concedendo-lhes propriedades em outros lugares, que supostamente seriam “terras equivalentes às tradicionalmente ocupadas”.
Essa proposta desconsidera por completo os Direitos Territoriais Indígenas estabelecidos na Constituição Federal, assim como nossa intrínseca relação com nossos territórios, os quais são indispensáveis para a manutenção de nossos costumes, línguas, tradições, identidades e à conservação dos nossos modos de vida. A relação dos povos indígenas com seus territórios vai muito além do direito patrimonial e é reconhecida por diversas convenções e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O Estado brasileiro tem o dever constitucional de garantir nosso direito de ocupar nossos territórios de acordo com nossos modos de vida tradicionais. Mas promover a demarcação de nossas terras não é do interesse apenas dos povos indígenas, mas é também necessário para a garantia de um futuro para as próximas gerações de todo o planeta.
Os povos indígenas são protagonistas na luta contra as mudanças climáticas: através de nossa íntima relação com nossos territórios, nós protegemos 80% da biodiversidade do planeta [ONU]. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa, segundo o MapBiomas. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Não há como considerar a preservação de nossos biomas e políticas consistentes contra as mudanças climáticas sem garantir o pleno usufruto dos povos indígenas em seus territórios.
Na última edição do Acampamento Terra Livre (ATL, abril de 2023), nossa principal mobilização nacional, os povos indígenas do Brasil decretaram emergência climática. No último mês, o Secretário Geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, afirmou que a era do aquecimento global acabou, que já estamos vivenciando a era da ebulição global, com consequências catastróficas sendo cada vez mais registradas ao redor do globo.
Caso o STF reconheça o Marco Temporal ou proponha medidas que inviabilizem a célere e efetiva demarcação dos nossos territórios, as consequências serão diretas para os povos indígenas em nossos corpos e territórios, mas também serão sentidas por toda a população. Por isso, dizemos que o Marco Temporal é também um julgamento climático.
Neste simbólico Dia Internacional dos Povos Indígenas, estamos na Cúpula da Amazônia, que acontece em Belém, reunidos com chefes de Estado e os principais atores da agenda climática nacional e internacional, alertando uma vez mais que não temos mais tempo para nos limitarmos às negociações de compromissos, é necessário agir. Promover a demarcação dos territórios indígenas é uma das principais formas de ação climática, a qual está prevista em nossa Constituição Federal e já possui todos os meios institucionais para ser executada.
09/ago/2023
A organização destaca a necessidade de os países amazônicos terem ações definidas que envolvam a demarcação de terras indígenas, titulação de territórios quilombolas e a criação de unidades de conservação
Os oito presidentes dos Estados partes na Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) assinaram na última terça-feira, 8 de agosto, a Carta de Belém. A Carta é o documento principal da Cúpula da Amazônia, que encerra nesta quarta-feira (09/08), na capital paraense. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), organização de referência nacional do movimento indígena, considera a Carta de Belém frustrante e reivindica metas concretas para a demarcação de terras indígenas.
“O documento deveria ser mais ambicioso. Compreendemos a diversidade dos debates que envolvem oito países, e reconhecemos os compromissos políticos assumidos, mas é frustrante a ausência de metas específicas e objetivas relacionadas aos povos indígenas e ao meio ambiente”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.
Entre as reivindicações, a Apib destaca a necessidade de os Estados terem ações definidas para o ponto de não retorno da Amazônia (termo usado por especialistas para se referir ao ponto em que a floresta perde sua capacidade de se autorregenerar), que envolva a demarcação de terras indígenas, titulação de territórios quilombolas e a criação de unidades de conservação. Além da fiscalização e proteção territorial e políticas de promoção da sustentabilidade dos territórios.
O movimento indígena também avalia como decepcionante a suspensão do anúncio de duas demarcações de terras indígenas na Cúpula da Amazônia, como publicado pelo jornal Folha de São Paulo. Segundo a reportagem, os territórios demarcados seriam a TI Rio Gregório, em Tarauacá (AC), e Acapuri de Cima, em Fonte Boa (AM). Elas fazem parte da lista de 13 terras indígenas que estão prontas para serem homologadas, que foi apresentada pelo GT Povos Indígenas do Governo de Transição, do qual a Apib fez parte.
“O Governo incluiu a homologação desses 13 territórios como parte das metas dos 100 dias de governo. Essa meta não foi cumprida e, para a Cúpula, havia a expectativa de que outros territórios fossem anunciados. A demora neste processo tem efeitos concretos para os povos indígenas que estão lidando diariamente com a violência”, ressalta Dinamam Tuxá, também coordenador executivo da Apib.
Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia
Lideranças indígenas da Apib e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) estiveram em Belém para a Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia, realizada entre os dias 4 e 8 de agosto.
A Assembleia fez parte dos esforços políticos do movimento indígena para incidir na IV Reunião de Presidentes dos Estados signatários da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), Diálogos Amazônicos e na Cúpula da Amazônia.
Durante a Assembleia foram discutidas políticas de proteção para os povos isolados, ameaças da exploração de grandes mineradoras e da indústria do petróleo, demarcação dos territórios ancestrais, além da retomada do julgamento sobre o marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF).
No dia 7 de agosto, organizações indígenas da Amazônia publicaram o documento “Carta dos Povos Indígenas da Bacia da Amazônia aos presidentes”. A carta foi entregue aos presidentes amazônicos e ressalta a importância de dialogar com o movimento indígena para para frear e solucionar a crise climática global.
“Sem nós, não haverá Amazônia; e, sem ela, o mundo que conhecemos não existirá mais. Porque nós somos a Amazônia: sua terra e biodiversidade são o nosso corpo; seus rios correm em nossas veias. Nossos ancestrais não só a preservaram por milênios, como ajudaram a cultivá-la”, diz trecho do documento.
02/ago/2023
Os primeiros seis meses de 2023 foram intensos para os povos indígenas. Ações de resistência e violações de direitos marcaram esse período, que vai ficar na história como um momento único sobre representatividade indígena nos diversos espaços de poder. Mobilizações nos territórios, nas redes sociais e nas cidades, pautaram a importância da continuidade das demarcações das Terras Indígenas, a necessidade dos ministros e ministras do Supremo Tribunal Federal (STF) votarem contra a tese política do Marco Temporal, de denunciar as ameaças aos direitos dos povos indígenas dentro do Congresso Nacional e do enfrentamento das violências e do racismo.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) promoveu, junto com suas organizações de base, mais de 15 ações estratégicas nos primeiros seis meses de 2023. APOINME, ATY GUASU, ARPIN SUDESTE, ARPINSUL, Comissão Guarani Yvyrupa, Conselho do Povo Terena e COIAB, mobilizaram o movimento indígena para ampliar as incidências políticas, jurídicas e de comunicação dentro e fora do Brasil.
Neste balanço, destacamos as principais mobilizações, ações jurídicas e incidências políticas, que envolvem a Apib dentro e fora do Brasil. Colocamos também pontos chaves do “Aldear a Política”, que proporcionou um processo de representatividade política do movimento indígena nos espaços de poder dentro do Governo Lula e em diversos estados.
Mobilizações
Marco Temporal
Iniciamos essa retrospectiva falando da mobilização nacional contra a tese do marco temporal, que está sendo analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O julgamento, que pode definir o futuro dos povos indígenas do Brasil e é decisivo para o enfrentamento da crise climática, foi retomado no dia 7 de junho com o voto do ministro Alexandre de Moraes e suspenso mais uma vez após o pedido de vistas do ministro André Mendonça.
Ao longo dos meses de abril e junho, o poder legislativo também se mobilizou para votar a tese do Marco Temporal no Congresso Nacional, através do PL 490. A Apib também acompanhou diretamente a votação e as movimentações políticas após sua aprovação, no dia 30 de maio na Câmara dos Deputados. A Articulação agora segue acompanhando as incidências do projeto que está em análise no Senado com novo número: PL 2903.
A Apib e suas organizações de base promoveram mais de 125 mobilizações, em 21 Estados para dizer #MarcoTemporalNão entre os meses de abril e junho. Ocupamos as redes e mais de 7,5 milhões de pessoas foram alcançadas nas redes sociais, com mais de 19 milhões de impressões, em 696 publicações.
O voto do ministro Alexandre de Moraes abre novas perspectivas de debate e de enfrentamento contra o Marco Temporal. O ministro, mesmo questionando a validade do argumento temporal para a garantia dos direitos dos Povos Indígenas, constrói uma “tese alternativa” que complexifica o acesso aos direitos constitucionais já que iguala o direito patrimonial ao direito originário. Dessa maneira, a estratégia da Apib continua sendo a de contínua e qualificada mobilização de suas bases e articulação com as organizações indígenas, bem como da sensibilização da opinião pública sobre o tema.
A Apib por meio de seu departamento jurídico, fez diversas incidências nos mais diversos âmbitos, damos destaques nessa oportunidade de um ciclo de debates realizados em parceria com a FGV/SP e comissão ARNS, o intuito era mobilizar intelectuais, juristas, lideranças indígenas e cientistas para refletir o impacto do marco temporal na vida dos povos indígenas, mas também na vida de toda humanidade, como fruto desses encontros saiu uma publicação científica que traz a tona os impactos do marco temporal caso aprovado, a publicação pode ser encontrada nas redes da Apib.
Acesse nossa página dedicada ao marco temporal, baixe nossa cartilha e fortaleça essa luta aqui
Acampamento Terra Livre
O Acampamento Terra Livre deste ano reuniu entre os dias 24 e 28 de abril mais de 6 mil indígenas de todos os cantos do Brasil, em Brasília. A 19a edição do nosso acampamento, foi a primeira grande mobilização, na capital federal, após os atos golpistas do dia 8 de janeiro e mais uma vez a Apib e todas as organizações do movimento indígena deram uma lição de luta democrática.
Com o tema “O FUTURO INDÍGENA É HOJE. SEM DEMARCAÇÃO NÃO HÁ DEMOCRACIA”, o movimento indígena decretou EMERGÊNCIA CLIMÁTICA e promoveu alertas e incidências contra os projetos de morte que estão no Congresso Nacional. O novo ciclo de mobilizações contra a tese do marco temporal foi iniciado durante o ATL 2023 e foi no último dia de mobilização que o Governo Federal atendeu uma reivindicação histórica do movimento.
Demarcação Já
Ao fim do ATL 2023, a Apib e suas sete regionais destacaram a demarcação de terras como ação prioritária do movimento indígena e o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou os decretos de homologação de seis Terras Indígenas (TI), sendo elas:
TI Arara do Rio Amônia (AC)
TI Tremembé da Barra do Mundaú (CE)
TI Rio dos Índios (RS)
TI Avá-Canoeiro (GO)
TI Kariri-Xocó (AL)
TI Uneiuxi (AM)
O ato quebrou um jejum de quase cinco anos sem a garantia deste direito fundamental dos povos indígenas. A Apib reconhece as vitórias da mobilização, com o retorno de demarcações de territórios indígenas. Um das TI, Uneiuxi, localizada no estado Amazonas, tem a presença de povos em isolamento voluntário. O processo para sua efetivação já caminhava a passos lentos, há 40 anos. A recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e a criação do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) somam às conquistas desta edição do Acampamento.
Mulheres Indígenas
Mais de 150 mulheres e lideranças indígenas dos seis biomas do Brasil realizaram a Pré-Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília. O evento é organizado pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), que aconteceu entre os dias 29 de janeiro a 01 de fevereiro.
O encontro foi pensado para o fortalecimento da luta e o protagonismo das mulheres indígenas na defesa dos seus direitos. A representatividade nos espaços institucionais e o debate sobre as incidências no Ministério dos Povos Indígenas, no Congresso Nacional, na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e na Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), fazem parte da programação para buscar a visibilidade das pautas específicas das mulheres.
A terceira Marcha das Mulheres Indígenas será realizada entre os dias 11 e 13 de setembro. Acesse a página da Anmiga e fortaleça a luta das mulheres indígenas aqui
Fórum de Lideranças
Mais de 50 lideranças de todas as regiões do país, que representam as sete organizações regionais de base da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e compõem o Fórum de Lideranças, estiveram reunidas de 23 a 26 de fevereiro, na Terra Indígena Renascer Ywyty Guaçu, em São Paulo.
Foram quatro dias de atividades de planejamento estratégico para organizar as ações de 2023, olhando o presente e aprendendo com a resistência ancestral dos antepassados. Os desafios do movimento indígena pela garantia de direitos seguem vivos, por isso é necessário estar organizados.
O momento reforçou a proposta de governança indígena da Apib, que quer fortalecer as organizações de base da Apib, ampliar e qualificar a participação e controle social do movimento indígena na construção de políticas públicas.
Retomada do CIMC
Durante a programação do ATL, foi reativado o Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC). O Comitê foi criado em 2015 mas estava paralisado desde o governo Temer, devido à redução ou eliminação dos espaços de participação social no governo federal. O CIMC pretende posicionar o movimento indígena na discussão desse tema a nível nacional e internacional, além de aumentar a interlocução com os governos.
Sinéia do Vale, do povo Wapichana, é referência na temática e está à frente da retomada e da coordenação do CIMC nacional. “A proposta da retomada está sendo construída e debatida com as organizações indígenas, mas a intenção é instituir CIMCs regionais que irão dialogar com o nacional. Agora, a discussão não se restringe mais à Amazônia. Precisamos proteger todos os biomas e territórios”, explica ela.
Internacional
No primeiro semestre de 2023 a Apib mobilizou agendas de denúncia internacional, em conjunto com suas organizações de base, em agendas centrais para os povos indígenas.
Em meio ao cenário a cada ano mais desafiador para reverter o descaminho que afasta a todos da meta mundial de limitar o aquecimento do planeta em 1.5ºC, os povos indígenas foram mais uma vez reconhecidos como lideranças globais para a sonhada transformação que levaria ao alcance das metas do Acordo de Paris, nos discursos de abertura da 9ª reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP, na sigla em inglês), que tradicionalmente abre as atividades da Conferência do Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Técnico (SBSTA) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), em Bonn, na Alemanha. A atividade aconteceu entre os dias 31 de maio e 3 de junho.
O coordenador executivo da Apib, Dinamam Tuxá, esteve, em Genebra, no final do mês de junho, para denunciar as ameaças do Marco Temporal, durante a 138ª Sessão do Comitê de Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU). Na sequência, Dinamam realizou agendas de incidência junto ao Parlamento Europeu, em Bruxelas, para mobilizar aliados internacionais contra a proposta do marco temporal e para dialogar sobre a lei Anti Desmatamento do Parlamento Europeu, que viola o direito dos povos indígenas e não reconhece os diversos biomas do Brasil, ameaçados com o desmatamento.
A Apib tem realizado um trabalho de litigância estratégica perante Tribunais Internacionais, nesse sentido a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil tem eleito a Corte Interamericana de Direitos Humanos como um espaço fertil para denunciar as violações de Direitos Humanos que ocorrem no país em desfavor aos povos indígenas, o JUR/APIB atua nas medidas cautelares do povo Pataxó, Guarani Kaowá, Yanomimi, Munduruku e Guajajara. Além disso, o Departamento Jurídico mantém uma comunicação no Tribunal Penal Internacional, que visa condenar Bolsonaro pelo crime de genocio.
Governança, participação e controle social
Em janeiro de 2023, retomamos os trabalhos do GT de Governança Indígena reafirmando seu caráter autônomo. Para além do período de transição governamental e dos 100 primeiros dias do novo Governo Federal, o GT propõe-se a monitorar permanentemente a implementação das políticas públicas para povos indígenas.
Avaliamos que a participação do movimento indígena nas políticas públicas tem se dado de forma reativa, em consequência do cenário de constantes ameaças aos nossos direitos, de intensificação da violência, e de degradação ambiental dos nossos territórios. Assim, esperamos que haja o efetivo comprometimento político para implementação de nossos direitos e que possamos colaborar de forma mais propositiva.
Reconhecemos, portanto, o início de um novo cenário para a política indigenista com a instituição do Ministério dos Povos Indígenas, assim como a nomeação de indígenas para o cargo de presidente da Funai e para a Sesai. Nossa expectativa sobre a presença dos povos indígenas nas instituições de governo, é que possam transformar estes espaços e garantir o fortalecimento de mais uma frente aliada para o avanço na implementação de políticas públicas.
A Apib e suas organizações regionais de base participam dos seguintes espaços de conselhos/comitês como forma de participação e controle social nas políticas voltadas aos povos indígenas:
Gabinete de Crise / Povo Pataxó
Fórum de Presidentes de CONDISI
Conselho Nacional de Meio Ambiente
Comitê Gestor da PNGATI
Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Meio Ambiente
Comitê de Assessoramento do Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos
Conselho Nacional de Política Indigenista
Comitê Gestor do Fundo Clima
Fundo Biomas Indígenas
Composição do Comitê Interministerial de Coordenaçao, Planejamento e Acompanhamento das Ações de Desintrusão de Terras Indígenas
Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA)
Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf)
Conselho Consultivo Sobre Gestão Pública, Saúde e Mudanças Climáticas – Fiocruz
Violências
O primeiro semestre de 2023 foi marcado pela violência contra os povos indígenas. Uma realidade que impõe o empenho e aprofundamento de ações e políticas de defesa dos nossos povos.
Luta Guarani Kaiowá
Com a violência sistemática contra os povos indígenas Guarani e Kaiowá, em Mato Grosso do Sul (MS), a Apib apresentou no dia 17 de abril uma nova Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF). A medida é histórica e tem como objetivo combater a violência e as violações de direitos dos povos indígenas no Estado. O protocolo ocorreu após a prisão de dez indígenas dos povos Guarani, Kaiowá e Terena durante a retomada de parte do território ancestral tekoha Yvu Vera, no município de Dourados (MS), que aguarda a demarcação pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
A taxa de homicídios praticados contra a população indígena no estado de Mato Grosso do Sul é alarmante. De acordo com dados do Atlas da Violência de 2021, em 2019 a taxa contra indígenas era de 44,8 para 100 mil habitantes, representando uma média superior à média geral do Estado de 17,7 e mais que o dobro da média nacional de 21,7.
Em 2022, a Apib denunciou ao menos dois casos de homicídios contra os Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. O primeiro deles foi no dia 24 de junho quando o indígena Vítor Fernandes foi morto na retomada do território ancestral Guapoy, atualmente registrada como uma fazenda. Vítor foi vítima de uma ação violenta da Polícia Militar, que deixou cerca de dez feridos e ficou conhecido como Massacre de Guapoy.
Semanas depois, Márcio Moreira foi assassinado em uma emboscada no dia 14 de julho. Lideranças Guarani Kaiowá apontam que o crime foi uma retaliação contra a ação de retomada e a repercussão do massacre.
Crise Humanitária Yanomami
O ano de 2023 iniciou com uma série de ações, promovidas pelo Governo Federal, para atender às inúmeras solicitações feitas pelas organizações indígenas sobre as violências sofridas pelo povo Yanomami, no estado de Roraima. A morte de mais de 500 crianças, assassinatos, estupros, trafíco de pessoas, aumento do crime organizado dentro da Terra Indígena Yanomami e da destruição de grandes áreas do território causadas pelo garimpo ilegal, faz parte da gestao anti-indígena do governo Bolsonaro.
No dia 26 de janeiro a Apib e Coiab entraram com representaçao criminal na Procuradoria Geral da República (PGR) contra o ex-presidente do Brasil, Bolsonaro, e seus aliados: Marcelo Xavier, ex-presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Damares Alves, ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e Robson Santos, ex-secretário de saúde indígena da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), para que eles sejam responsabilizados criminalmente pelo genocídio dos Yanomamis, em Roraima.
A representação criminal da Apib também relembra que 21 ofícios com pedidos de ajuda dos Yanomamis foram ignorados por Bolsonaro feitas pela Coiab e pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR). No relatório “Yanomami sob ataque”, publicado em 2021, a Hutukara Associação Yanomami e a Associação Wanasseduume Ye’kuana relataram o aumento das doenças decorrentes do garimpo.
Os conflitos seguem na região e a Apib, Coiab, Cir, Hutukara Associação Yanomami, a Associação Wanasseduume Ye’kuana e a Associação URIHI seguem agindo e cobrando ações efetivas do Estado brasileiro contra as violências contra o povo Yanomami.
Luta Pataxó
As violências contra o povo Pataxó, na região sul da Bahia, seguiram intensas nos primeiros meses de 2023. Um processo agravado das violencias nos últimos quatro anos e que levaram ao assassinato de diversos indígenas seguiu no inicio do primeiro semestre. A Apib, Apoinme e diversas organizações indigenistas promoveram denúncias nacionais e internacionais para reverter essa situação e realizaram articulações em instâncias do Governo Federal e Estadual.
Samuel Divino, 25 anos, e Inauí Brito, 16 anos, ambos do povo Pataxó, foram perseguidos e assassinados no dia 17 de janeiro. Este é mais um crime da milícia que tem espalhado o terror entre os indígenas da região. Há meses as comunidades dos Territórios Indígenas de Barra Velha e Comexatibá vem denunciando a atuação dos criminosos, que ameaçam o povo Pataxó diariamente, disparam tiros contra suas casas, impedem a livre circulação no território e matam jovens.
Em setembro de 2022, Gustavo Silva, uma criança de 14 anos, foi executado com um tiro na cabeça pelos mesmos milicianos, no município vizinho, Prado. No dia 27 de dezembro de 2022, a aldeia “Quero Ver”, do povo Pataxó, foi invadida por homens armados e encapuzados que metralharam casas na comunidade.
A TI Barra Velha do Monte Pascoal abrange áreas em quatro municípios do sul da Bahia: Itabela, Itamaraju, Porto Seguro e Prado. A região desperta o interesse não apenas de empresários do setor agropecuário, mas também de empresas do setor de turismo, o que vem desencadeando muita especulação imobiliária. Entenda o histórico da sobreposição de terras AQUI.
Diante desse cenário de violência, a Apib peticionou perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e conseguiu na semana do acampamento terra livre a concessão de Medidas Cautelares para proteção do Povo Pataxó, essa incidência foi articulada por meio do departamento jurídico da Apib com organizações parceiras.
Dossiê
No dia 9 de junho, o Observatório de Justiça Criminal e Povos Indígenas, iniciativa da Apib, lançou o dossiê “Povos Indígenas e Sistema de Justiça Criminal da América Latina”. “O documento joga luz na invisibilidade contra os povos indígenas dentro do sistema de injustiça. Existem diversos mecanismos legais que dão tratamento especial para os parentes e isso é negado, pois o sistema judicial ainda é muito racista. É comum a gente encontrar em decisões judiciais fundamentações como: ‘não é mais indígena porque fala português’ e ‘não é mais indígena porque usa celular’, por exemplo”, diz Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e integrante do observatório. Confira o dossiê completo aqui
Mina de Sangue
A Apib, por meio do departamento jurídico, denunciou uma série de violações aos direitos dos povos indígenas no projeto de mineração da empresa Belo Sun em Volta Grande do Xingu, no estado do Pará. A análise foi publicada no relatório “Mina de sangue – Relatório sobre o projeto da mineradora Belo Sun”, produzido pela Apib e publicado, no dia 29 de junho.
No relatório, a Apib pontua as omissões, ilegalidades e intimidações por parte da mineradora contra os povos originários Volta Grande do Xingu, no Pará
Educação Indígena e Políticas ameaçadas
A medida provisória (MP) 1154 do governo Lula que reorganiza os ministérios, publicada no Diário Oficial da União no dia 19 de junho, não cita a educação indígena como uma das competências do Ministério da Educação (MEC) e utiliza o termo “educação geral”. Para a Apib, o termo ignora a existência da educação escolar específica, diferenciada, intercultural, bilíngue/multilíngue e comunitária para os povos indígenas, garantida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e na Constituição Federal de 1988.
Além da educação indígena, a medida retira do MEC atribuições históricas como a educação do campo, de direitos humanos e quilombolas, representando um esvaziamento da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetizada de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) que possui uma diretoria de “Políticas de Educação do Campo, Indígena e para Relações Étnico-raciais”. A pasta foi extinta por Jair Bolsonaro e recriada por Lula.
“A educação indígena é um direito conquistado pelo movimento social. É um absurdo que isso tenha sido ignorado pelo governo, que apresentou o texto ao Congresso Nacional dessa forma”, disse o coordenador executivo da Articulação, Dinamam Tuxá.
No dia 1 de junho, o Senado Federal aprovou a MP 1154 com 51 votos a favor. A MP estava tramitando em regime de urgência no Congresso Nacional e já tinha sido aprovada pela Câmara dos Deputados. Senadores e deputados federais aprovaram o texto-base elaborado pelo deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), relator na comissão mista que analisou a MP.
Com a aprovação, o Ministério dos Povos Indígenas deixou de ser responsável pela homologação de terras indígenas, que passa ser competência do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
Conquistas
Advocacia Indígena
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, no dia 20 de junho, a criação de cotas para indígenas nos concursos públicos do Poder Judiciário. A medida estabelece percentual de ao menos 3% das vagas oferecidas nas concorrências e faz parte de uma luta histórica da advocacia indígena.
“Nós do Departamento Jurídico da Apib, fizemos diversas incidências junto aos conselheiros. Encaminhamos memoriais, pedimos audiência, etc… para que o percentual fosse de 5%. A luta continua para que esse percentual aumente. Nunca mais um judiciário sem nós!”, destacou o coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Maurício Terena.
Outra conquista da advocacia indígena no primeiro semestre, que possui incidência da Apib, foi a instauração, no dia 21 de junho, do Grupo de Trabalho criado para analisar o ‘Estatuto dos Povos Indígenas’ (‘Estatuto do Índio’). O ineditismo dessa ação é a representatividade, pois todo o processo será liderado por juristas indígenas. A reformulação e proposições de mudanças nessa legislação, fundamental para os povos, será analisada por advogadas e advogados indígenas. O GT é coordenado pelo MPI.
Para além, dessas articulações a advocacia indígena tem realizado um trabalho importante sobre
Gestão Territorial
A Apib promoveu, entre os dias 3 e 6 de abril, em Brasília, um seminário que pautou o retorno da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). A atividade discutiu ferramentas de implementação e controle da PNGATI e mecanismos de financiamento, além de participar de plenárias e grupos de trabalho onde foi organizado um documento com propostas para o próximo ano da política.
“Este momento é muito importante para os povos indígenas, pois marca o retorno do debate sobre gestão territorial e ambiental de Terras Indígenas longe do desgoverno Bolsonaro. Estamos unindo forças para combater tudo o que foi negligenciado pelo Estado Brasileiro nos últimos quatro anos e construir o futuro indígena a partir da demarcação dos territórios e da garantia dos direitos ancestrais”, afirmou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
A PNGATI é uma política pública vinculada à Funai e criada por decreto presidencial em 2012. Ela é a primeira política indigenista construída de modo participativo e representa um avanço na gestão autônoma e sustentável dos territórios indígenas no Brasil. Paralisada desde 2018, na gestão Bolsonaro. No dia 3 de julho, a Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, anunciou a volta do Comitê Gestor da PNGATI, que foi instituída via decreto, assinado em 28 de abril deste ano, durante o encerramento do ATL 2023, pelo presidente Lula.
15/jun/2023
A Apib e o povo Xokleng/Laklãnõ manifestam seu repúdio ao governador do estado de Santa Catarina, Jorginho Mello, filiado ao Partido Liberal, agremiação que reúne diversos representantes da extrema direita no Brasil. O governador quer celeridade no Senado para aprovação do Marco Temporal, o que pode acarretar na perda do território pelo povo, que é protagonista do processo de inconstitucionalidade da tese dentro do Supremo Tribunal Federal.
De acordo com a nota de repúdio emitida nesta terça-feira, 13/06, o interesse do Estado é ampliar uma barragem sobre a TI, expulsando definitivamente o povo indígena de seu território sagrado. “Lamentamos a ignorância da parte do governo que inicia seu mandato mostrando para quem governará: defendendo os mais ricos, latifundiários, ignorando séculos de resistência do povo Laklãnõ Xokleng”, afirma a nota.
Leia o texto completo.
Terra Indígena Ibirama/Laklãnõ
Nota de repúdio do Povo Laklãnõ/Xokleng – 13/junho/2023
Nós Povo Laklãnõ/Xokleng, do Estado de Santa Catarina, repudiamos de forma veemente o posicionamento do governador estadual Jorginho Mello, no dia 13 de junho de 2023, que “pediu pressa para a votação do Marco Temporal no Senado”. Desde o início do século XIX, o estado sempre se posicionou para exterminar o povo originário da região que é denominado Alto Vale do Itajaí, financiou bugreiros para matar o Povo Xokleng, à medida que os imigrantes alemães e italianos chegavam e avançavam a colonização o povo era morto, bebês, crianças, jovens, mulheres e homens. Para então poder receber o pagamento, os bugreiros cortavam as orelhas dos mortos para provar que tinham êxito ao que foram contratados. Para apagar esse passado sanguinário, o estado quer de qualquer forma aprovar urgentemente o Marco Temporal que só reconhece o direito à terra dos povos originários deste país a partir de 1988, ano em que a Constituição da República foi aprovada.
O Governador de Santa Catarina dá continuidade ao trabalho dos bugreiros, negando o direito do povo Laklãnõ Xokleng sobre seu território tradicional. Lamentamos a ignorância da parte do governo que inicia seu mandato mostrando para quem governará: defendendo os mais ricos, latifundiários, ignorando séculos de resistência do povo Laklãnõ Xokleng.
Na década de 70 nosso território foi reduzido para metade de seus hectares, para a construção de uma barragem no início da aldeia, inundando e separando a comunidade Laklãnõ Xokleng. Ao estado não interessa a vida da nossa comunidade, e sim a expansão da barragem. O Marco Temporal é mais uma tentativa de nos tirar do nosso território tradicional.
Através do medo, o governo do estado tenta colocar as famílias de pequenos agricultores contra a demarcação do nosso território. Jorginho Mello usa do seu poder para vir a Brasília tentar influenciar o Senado, atropelando a democracia. O Marco Temporal diz respeito aos povos indígenas, e nós nos posicionamos totalmente contrários a esse projeto genocida arquitetado pelos latifundiários e ruralistas.
Nosso povo está em Brasília nesse momento, para defender nosso direito à terra, não fomos recebidos pelo presidente do Senado, assim como o governador Jorginho Mello, mas contamos com nossa resistência, nossos ancestrais e a democracia, para que seja reconhecido que o Marco Temporal viola todos os nossos direitos.