14/dez/2023
Apib vai entrar com uma ação de inconstitucionalidade, no STF
O Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, agora lei 14.701/2023, nesta quinta-feira (14/12). Com isso, transformaram a tese ruralista do Marco Temporal em lei e aprovaram outros crimes contra os povos indígenas.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reforça que ‘Direitos não se Negociam’ e como resposta ao resultado da votação vai protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a anulação desta lei, considerada pela articulação como a lei do genocídio indígena. O protocolo só pode ser feito após a promulgação da lei, que ocorrerá em 48 horas e a ação será proposta em conjunto com os partidos políticos PT, REDE, PSOL e PSB.
“Esta lei é inconstitucional e deve ser analisada pelo STF. Porém, enquanto a ADI não for julgada pelos ministros do Supremo, os parentes estão enfrentando invasões nos territórios, assassinatos e a devastação do meio ambiente. É por isso que solicitamos que seja concedida a tutela de urgência antecipada! Não podemos ficar esperando enquanto as comunidades estão morrendo”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
A Apib protocolou no STF, na tarde desta quinta-feira, uma solicitação de audiência no tribunal para tratar sobre as ameaças aos direitos indígenas e a Constituição Federal, que existem nesta nova lei (14.701/2023). A Apib e suas sete organizações regionais de base (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa) reforçam que a luta continua e que o movimento indígena segue mobilizado nacionalmente e internacionalmente.
“O Futuro da humanidade depende dos povos e da demarcação das Terras Indígenas. A principal Conferência, que trata sobre mudanças climáticas, a COP 28, foi encerrada nesta semana e o Congresso Nacional mais uma vez reforça seu compromisso com a morte. O Marco Temporal é uma proposta criada pelo agronegócio e já foi anulada pelo STF”, reforça Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.
Os únicos pontos dos vetos que foram mantidos e portanto foram RETIRADOS da Lei do Genocídio foram:
- as ameaças aos povos indígenas isolados
- a proposta que pretendia autorizar o uso de transgênicos nas Terras Indígenas
- a proposta racista sobre a alteração de traços culturais
Em sessão conjunta, entre deputados e senadores, desta quinta-feira, que derrubou os vetos de Lula terminou com um placar de 321 deputados contrários aos vetos e 137 favoráveis. No Senado a votação foi de 53 a 19 pela retirada dos vetos.
Inconstitucionalidades
Além do Marco Temporal, outras inconstitucionalidades da lei já estão vigentes e violam artigos da Constituição Federal, bem como aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Estado Brasileiro.
A participação efetiva de Estados e municípios em todas as fases do processo de demarcação e a regulamentação da cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas, são pontos destacados pela Apib como inconstitucionais. De acordo com a articulação, esses pontos da lei podem inviabilizar as demarcações e ampliar assédios de não indígenas sobre as TIs.
A nova lei também afirma que o direito de usufruto exclusivo não pode se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Lideranças indígenas da Apib ressaltam que o trecho pode abrir margem para violar o usufruto exclusivo dos povos indígenas sob o pretexto do “interesse de política de defesa”.
Na ADI, o departamento jurídico da Apib pede que a ação tenha como relator o Ministro Edson Fachin. O Ministro foi relator do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365, no qual o STF rejeitou o marco temporal, ou seja, a possibilidade de adotar a data da promulgação da Constituição Federal como marco para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas.
“A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição”, diz trecho da decisão do Supremo. O julgamento do marco temporal no STF foi finalizado no dia 27 de setembro com 9 votos contra e 2 a favor da tese.
O desmatamento e a destruição da biodiversidade nas terras indígenas representam uma ameaça internacional para o equilíbrio climático global. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Além disso, os territórios indígenas concentram 80% da biodiversidade do planeta, mas estão ameaçados pelo avanço do agronegócio e das indústrias extrativistas, de desenvolvimento e turismo, tal como alerta o relatório da ONU Estado dos Povos Indígenas no Mundo, publicado em 2021.
Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da Apib, afirma que a Lei nº 14.701/2023, possui vícios de inconstitucionalidade e revanchismo parlamentar, onde o Senado pautou o PL no mesmo dia do julgamento do marco temporal no STF. O coordenador também reforça que um dos papéis do Supremo é garantir os direitos fundamentais de grupos sociais minoritários e que tem expectativas de que isso seja cumprido por meio da ADI.
“Vivemos em um sistema de freios e contrapesos e o limite imposto pelo Poder Legislativo é o de não aprovar leis que atentem contra cláusulas pétreas estabelecidas na Constituição Federal. Os direitos dos povos indígenas são originários e foram reconhecidos em 1988 e isso precisa ser respeitado”, diz Terena.
PL 2903 e veto parcial de Lula
Ao longo do ano de 2023, o PL 2903 representou uma das maiores ameaças aos direitos dos povos indígenas do Brasil. O Projeto de Lei defende os interesses latifundiários em detrimento dos direitos indígenas e foi aprovado em caráter de urgência no Senado Federal no dia 27 de setembro, mesma data em que o STF encerrou o julgamento do marco temporal.
Em contramão à demanda do movimento indígena pelo veto completo ao PL, o presidente Lula anunciou seu veto parcial no dia 20 de outubro. Lula retirou o marco temporal da proposta, assim como o cultivo de espécies transgênicas em Terras Indígenas e a construção de grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias, sem consulta prévia, livre e informada. O veto do presidente também retirou a flexibilização das políticas de proteção aos povos indígenas em isolamento voluntário do PL.
“A aprovação de projetos que interessam ao Executivo, tal como a Reforma Tributária no último dia 8 de novembro, fazem parte desse toma lá dá cá e reafirmamos que DIREITOS NÃO SE NEGOCIAM! Essas ações apenas perpetuam o império dos interesses do capital representado principalmente pela bancada ruralista e evangélica, entre outras, que alavancam a sobrevida da extrema direita que nos últimos anos infernizou a vida do povo brasileiro. A negociata dos nossos direitos para aprovar a Reforma Tributária implicou em o Governo Federal acenar para os parlamentares sinal verde para a derrubada dos vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, que pretende transformar o Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas em lei”, diz nota da Apib.
À época, a votação dos vetos ao PL 2903 estava prevista para 9 de novembro, mas foi adiada algumas vezes, até a votação no dia 14 de dezembro. Leia aqui a nota completa publicada pela Apib no dia 10 de novembro.
A Apib ressalta que as atitudes do Congresso Nacional são resultados da ligação direta de políticos brasileiros à invasão de terras indígenas, como mostra o dossiê “Os invasores” do site jornalístico “De olho nos ruralistas”. De acordo com o estudo, representantes do Congresso e do Executivo possuem cerca de 96 mil hectares de terras sobrepostas às terras indígenas.
Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de TIs, que doaram R$ 3,6 milhões para a campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).
Nesta última semana, uma comitiva das organizações e lideranças indígenas, que compõem a Apib, estiveram em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, para a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a COP28. A participação indígena foi a maior de todas as conferências e a Apib promoveu uma série de denúncias de violações de direitos e incidências políticas internacionais.
Na COP28, a comitiva reforçou as Emergências Indígenas e exigiu a garantia dos direitos e demarcação das Terras Indígenas. Para a Apib e suas organizações regionais de base, não é possível combater a crise climática sem a demarcação e é necessário frear as violências financiadas pelo agronegócio contra as vidas indígenas.
12/dez/2023
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
O quarto ciclo da oferta permanente acontece nesta quarta-feira (13), no Windsor Barra Hotel, na cidade do Rio de Janeiro. Estão em risco territórios quilombolas, indígenas, unidades de conservação, entre outros, além de representar uma bomba climática em emissões potenciais
O Instituto ARAYARA, organização socioambiental com trajetória de 30 anos, acionou judicialmente os órgãos públicos envolvidos no certame que acontece nesta quarta (13) promovido pela Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP). O objetivo é a retirada dos blocos em sobreposição e em área de influência direta de territórios quilombolas, indígenas, unidades de conservação e impedir o impacto climático da oferta permanente de concessão que está em seu 4o ciclo. O estudo diagnóstico e as Ações Civis Públicas (ACPs) podem ser lidas e baixadas em leilaofossil.org.
Uma cobrança presencial será feita mais uma vez às autoridades e petroleiras participantes em forma de protesto pacífico, em frente ao local da oferta pública (Windsor Barra Hotel, na cidade do Rio de Janeiro). As comunidades afetadas estão mobilizadas e estarão presentes no ato, marcado para se iniciar a partir das 8h do dia 13 de dezembro.
Os esforços unem diversos atores da sociedade civil brasileira e internacional, protestando sobre os impactos e consequências da continuidade e aumento da exploração e produção desses combustíveis fósseis, que além de causar grande preocupação às comunidades tradicionais que serão afetadas diretamente, também colocam em risco as metas climáticas do Brasil. Além do agravamento da crise climática, a exploração de petróleo e gás gera diversos impactos socioeconômicos e ambientais negativos, afetando os meios físico (água, ar e solo) e biótico (fauna e flora).
“A extração de petróleo é uma ameaça direta à nossa subsistência. Nossas florestas, rios e fauna são fundamentais para nossa prática cotidiana de pesca, caça, agricultura e coleta de recursos naturais”, explica Geovane Valente da Silva de 20 anos, que é quilombola da área que está totalmente sobreposta no Ceará, Quilombo Córrego de Ubaranas, localidade próxima à Canoa Quebrada, cartão postal do estado.
“Tenho 35 anos de pesca e 9 quilômetros de manguezais na APA Costa dos Corais. São 14 municípios preocupados com a venda dos blocos de petróleo. A gente não quer isso pra nós”, manifesta Izabel Cristina, pescadora da APA Costa dos Corais, localizada no estado de Alagoas. Em Maceió, o perigo se agrava com a proximidade de blocos com a área que está afundando devido à exploração da Braskem.
Utilizando as diretrizes ambientais propostas pela ANP sobre os blocos exploratórios, o Instituto Internacional Arayara realizou uma análise de risco socioambiental e climático sobre todos os setores ofertados no 4o ciclo de oferta permanente de concessão, utilizando análises geoespaciais dos blocos exploratórios foram avaliados: Unidades de Conservação; Zonas de Amortecimento das UCs e Faixas de Restrição; Território Quilombolas; Terras Indígenas; Áreas Prioritárias para a Conservação (em especial Corais, Manguezais e Espécies Ameaçadas) e Áreas com potencial para aplicação de fracking. Segundo o estudo, todas as diretrizes foram feridas de alguma forma.
Foram identificadas 22 terras indígenas que estão localizadas na Área de Influência Direta (AID) de 15 blocos, sendo que 21 (95%) estão na Amazônia Legal, onde cerca 47 mil km2 de Terras Indígenas podem ser afetados, incluindo 9 etnias: Sateré Mawé, Mundukuru, Mura, isolados do Pitinga/ Nhamunda-Mapuera, isolados do Rio Kaxpakuru/Igarapé Água Fria, Kahyana, Katxuyana, Tunayana e Xokleng.
Além do componente indígena, o 4o Ciclo da oferta permanente de concessão ameaça territórios quilombolas por terem blocos ofertados que estão diretamente sobrepostos a 5 territórios que estão sendo sobrepostos em seus limites por 12 blocos exploratórios, sendo eles os Quilombos do Linharinho, São Domingos e São Jorge no ES; Abobreiras em AL; e Córrego de Ubaranas no CE. No caso do Ceará, no Quilombo do Córrego de Ubaranas, a situação é tão crítica que todo o território está sobreposto por blocos que serão ofertados.
Uma carta de repúdio endereçada ao Governo Fedral já recolhe assinaturas de mais de 160 organizações da sociedade civil, juventudes, movimento de mulheres, movimento negro, de periferias e favelas e organizações indígenas e quilombolas, expressando a contrariedade gerada por esse leilao que oferece 602 blocos e uma área de acumulação marginal. O pedido é para que o leilão seja interrompido, muitas das organizações participaram ativamente das discussões contra os combustíveis fósseis na COP 28.
Sobre a ARAYARA – O Instituto Internacional ARAYARA é uma organização brasileira sem fins lucrativos dedicada à defesa dos direitos humanos, do meio ambiente e da justiça social. Foi fundado em 1992, no contexto da Eco 92 e tem como objetivo promover ações para a construção de uma sociedade mais sustentável e justa. Atua em todos os estados brasileiros e em países latino-americanos, sendo responsável por evitar a emissão de mais de 3GtCO2 até 2022, equivalente a três bombas de carbono, resultando na preservação de 675.000 vidas e prevenção de 1,2 trilhão de dólares em prejuízos.
*Texto: reprodução do Instituto Internacional ARAYARA
07/dez/2023
foto Matheus Alves – @imatheusalves
A Apib solicita a declaração de inconstitucionalidade e a suspensão da Lei nº 14.701/2023, resultado do PL 2903, na Corte. A ação será proposta em conjunto com os partidos políticos PT, REDE, PSOL e PSB
Em sessão conjunta, deputados e senadores devem votar no dia 14 de dezembro a manutenção ou derrubada dos vetos do Presidente Lula no Projeto de Lei 2903. Após a votação no Congresso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) irá entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a declaração de inconstitucionalidade da lei. Uma mobilização nacional também está sendo convocada pelo movimento indígena.
A sessão no Congresso Nacional estava prevista para esta quinta-feira (07/12), mas foi adiada. Os artigos que não foram vetados por Lula já estão em vigor na Lei nº 14.701/2023, considerada como Lei do Genocídio pelo movimento indígena.
No entendimento dos advogados indígenas da Apib, a ação deve ter a medida cautelar concedida para que os povos indígenas não sofram os danos da lei, até a finalização do julgamento.
“Esta lei e o PL são inconstitucionais e devem ser analisados pelo STF. Porém, enquanto a ADI não for julgada pelos ministros do Supremo, os parentes estão enfrentando invasões nos territórios, assassinatos e a devastação do meio ambiente. É por isso que solicitamos que seja concedida a tutela de urgência antecipada! Não podemos ficar esperando enquanto as comunidades estão morrendo”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade tem o objetivo de declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. A ADI é proposta no STF quando se tratar de inconstitucionalidade no âmbito federal ou estadual perante a Constituição Federal. Na Corte, ela será julgada procedente ou improcedente e declarará a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma ou ato.
A Apib e suas sete organizações regionais de base (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa) também convocam uma mobilização nacional nos territórios, nas cidades e nas redes sociais para o dia 14 de dezembro. O objetivo é que movimentos sociais e sociedade civil reivindiquem a manutenção dos vetos do presidente Lula e a garantia da demarcação de todas as terras indígenas no Brasil.
Inconstitucionalidades
No dia 27 de setembro, o Senado Federal aprovou o PL 2903, que pretende legalizar o marco temporal e uma série de crimes contra os povos indígenas do Brasil, como aponta a Apib. Indo contra o que foi pedido pelo movimento indígena, o Presidente Lula vetou parcialmente o PL. Agora, o Congresso Nacional deve analisar os vetos do Governo Federal, mas tem postergado a votação.
A Lei nº 14.701 entrou em vigor no dia 20 de outubro de 2023. Entre as inconstitucionalidades que já estão vigentes e violam artigos da Constituição Federal, bem como aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Estado Brasileiro, a organização destaca: a participação efetiva de Estados e municípios em todas as fases do processo de demarcação e regulamentação da cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas, o que pode inviabilizar as demarcações e ampliar assédios de não indígenas sobre as TIs.
Além disso, a lei afirma que o direito de usufruto exclusivo não pode se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Lideranças indígenas da Apib ressaltam que o trecho pode abrir margem para violar o usufruto exclusivo dos povos indígenas sob o pretexto do “interesse de política de defesa”.
Na ADI, o departamento jurídico da Apib pede que a ação tenha como relator o Ministro Edson Fachin. O Ministro foi relator do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365, no qual o STF rejeitou o marco temporal, ou seja, a possibilidade de adotar a data da promulgação da Constituição Federal como marco para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas.
“A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição”, diz trecho da decisão do Supremo. O julgamento do marco temporal no STF foi finalizado no dia 27 de setembro com 9 votos contra e 2 a favor da tese.
O desmatamento e a destruição da biodiversidade nas terras indígenas representam uma ameaça internacional para o equilíbrio climático global. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Além disso, os territórios indígenas concentram 80% da biodiversidade do planeta, mas estão ameaçados pelo avanço do agronegócio e das indústrias extrativistas, de desenvolvimento e turismo, tal como alerta o relatório da ONU Estado dos Povos Indígenas no Mundo, publicado em 2021.
Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da Apib, afirma que a tramitação do Projeto de Lei 2903, que resultou na Lei nº 14.701/2023, possui vícios de inconstitucionalidade e revanchismo parlamentar, onde o Senado pautou o PL no mesmo dia do julgamento do marco temporal no STF. O advogado indígena também reforça que um dos papéis do Supremo é garantir os direitos fundamentais de grupos sociais minoritários e que tem expectativas de que isso seja cumprido por meio da ADI.
“Vivemos em um sistema de freios e contrapesos e o limite imposto pelo Poder Legislativo é o de não aprovar leis que atentem contra cláusulas pétreas estabelecidas na Constituição Federal. Os direitos dos povos indígenas são originários e foram reconhecidos em 1988 e isso precisa ser respeitado”, diz Terena.
PL 2903 e veto parcial de Lula
Ao longo do ano de 2023, o PL 2903 representou uma das maiores ameaças aos direitos dos povos indígenas do Brasil. O Projeto de Lei defende os interesses latifundiários em detrimento dos direitos indígenas e foi aprovado em caráter de urgência no Senado Federal no dia 27 de setembro, mesma data em que o STF encerrou o julgamento do marco temporal.
Em contramão à demanda do movimento indígena pelo veto completo ao PL, o presidente Lula anunciou seu veto parcial no dia 20 de outubro. Lula retirou o marco temporal da proposta, assim como o cultivo de espécies transgênicas em Terras Indígenas e a construção de grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias, sem consulta prévia, livre e informada. O veto do presidente também retirou a flexibilização das políticas de proteção aos povos indígenas em isolamento voluntário do PL.
Agora, a Apib alerta que os vetos podem ser derrubados pelo Congresso Nacional no dia 14 de dezembro. A sessão que irá anular ou manter os vetos de Lula está sendo adiada há quase um mês, onde no processo os direitos indígenas têm sido usados como moeda de troca entre os parlamentares e o Governo Lula.
“A aprovação de projetos que interessam ao Executivo, tal como a Reforma Tributária no último dia 8 de novembro, fazem parte desse toma lá dá cá e reafirmamos que DIREITOS NÃO SE NEGOCIAM! Essas ações apenas perpetuam o império dos interesses do capital representado principalmente pela bancada ruralista e evangélica, entre outras, que alavancam a sobrevida da extrema direita que nos últimos anos infernizou a vida do povo brasileiro. A negociata dos nossos direitos para aprovar a Reforma Tributária implicou em o Governo Federal acenar para os parlamentares sinal verde para a derrubada dos vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, que pretende transformar o Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas em lei”, diz nota da Apib.
À época, a votação dos vetos ao PL 2903 estava prevista para 9 de novembro, mas foi adiada para 23 de novembro. Leia aqui a nota completa publicada pela Apib no dia 10 de novembro.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil ressalta que as atitudes do Congresso Nacional são resultados da ligação direta de políticos brasileiros à invasão de terras indígenas, como mostra o dossiê “Os invasores” do site jornalístico “De olho nos ruralistas”. De acordo com o estudo, representantes do Congresso e do Executivo possuem cerca de 96 mil hectares de terras sobrepostas às terras indígenas.
Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de TIs, que doaram R$ 3,6 milhões para a campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).
Nesta semana, uma comitiva das organizações e lideranças indígenas, que compõem a Apib, estão ecoando denúncias sobre as violações de direitos indígenas na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a COP28. O evento ocorre até o dia 12 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Na COP28, a comitiva está reforçando as Emergências Indígenas e exigindo a garantia dos direitos e demarcação das Terras Indígenas. Para a Apib e suas organizações regionais de base, não é possível combater a crise climática sem a demarcação e é necessário frear as violências financiadas pelo agronegócio contra as vidas indígenas.
Saiba mais sobre o marco temporal: https://apiboficial.org/marco-temporal/
06/dez/2023
O departamento jurídico da Apib elaborou um relatório sobre os desmontes promovidos pelo congresso nacional à “pauta verde”, ou seja, às políticas ambientais e iniciativas de combate à crise climática. Enquanto o governo federal especula sobre suas intenções em tornar o Brasil um oásis de cuidados com a natureza, o legislativo ruralista continua tratorando as leis para favorecer o agronegócio.
O maior exemplo disso é “a aprovação em tempo recorde do Projeto de Lei nº 2903/2023 (Marco Temporal de Terras Indígenas) no Senado Federal – matéria que se encontra na iminência de apreciação da derrubada do Veto Presidencial”, afirma a análise.
A nota técnica aborda os projetos de lei Nº 1459/2022 do Senado, o PL 11247/2018 e o PL 412/2022 da Câmara dos Deputados. Os projetos anti-indígenas, aprovados na última semana, perpassam a financeirização da natureza e o incentivo aos combustíveis fósseis e ao uso de agrotóxicos, alguns deles proibidos em muitos países de economia desenvolvida, por exemplo, entre os integrantes da União Europeia.
Confira a nota no link: Informe AJUR_APIB – A Pauta Verde virou Cinzas às vésperas da COP 28
05/dez/2023
A Secretaria-Geral da Presidência da República disse que continuará cumprindo a decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso sobre o caso, na qual decidiu pela continuidade da desintrusão
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Kassio Nunes Marques, determinou a paralisação da desintrusão das terras indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá, localizadas no Pará, no dia 28 de novembro, utilizando a tese do Marco Temporal, como mostra o site Metrópoles. A decisão utilizando a tese anti-indígena, que foi derrubada pelo STF em setembro de 2023, tenta passar por cima da decisão do colegiado do STF.
O marco temporal estabelece que somente são reconhecidos os direitos territoriais indígenas para as áreas ocupadas por essas comunidades na data da promulgação da Constituição Federal, em 1988.
Na decisão, Nunes Marques disse: “ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes”.
Barroso determina que União continue com plano de retirada de invasores
A Secretaria-Geral da Presidência da República disse que continuará cumprindo a decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso sobre o caso, na qual decidiu pela continuidade da desintrusão.
No dia 30 do mesmo mês, Barroso determinou que a União continue com o plano de retirada de invasores das terras indígenas. A decisão foi tomada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, protocolada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que tem por objeto ações e omissões por parte do Poder Público que colocam em risco a saúde e a subsistência da população indígena no país.
No texto o ministro Barroso, que é presidente do STF e relator da ADPF 709, explica que a Advocacia-Geral da União (AGU) o comunicou sobre a decisão do ministro Nunes Marques, apontando suposta contradição com o plano de desintrusão. Porém, a decisão de Marques ocorreu no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1467105 e Barroso afirma que ela não interfere na decisão tomada por ele na ADPF, pois refere-se apenas ao processo do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
04/dez/2023
Com forte presença feminina, indígenas convocaram o povo da cidade para barrar a crise climática e pensar a saúde popular*
A Jornada de Agroecologia é um evento de fôlego que busca discutir de maneira profunda os desafios e possibilidades da agroecologia como projeto de transformação da sociedade. Ao longo da programação da 20ª edição, que aconteceu entre os dias 22 e 26 de novembro na UFPR – Rebouças em Curitiba, seminários, oficinas, palestras, conferências e apresentações culturais foram organizadas para que os povos do campo, da floresta, dos rios e da cidade pudessem se articular e se fortalecer a partir dos saberes e fazeres agroecológicos. Uma proposta como essa não poderia ser realizada sem a presença indígena.
Para garantir essa aliança, a cacique Andrea Guarani foi uma das lideranças presentes na programação e, além de assistir a jornada, também participou de debates sobre saúde popular e luta feminina. “É a primeira vez que eu participo da Jornada, e eu não vim sozinha. Junto com outras mulheres falamos sobre as ervas medicinais e a luta pela saúde popular”, contou em entrevista.
Para ela, o evento reforçou a intuição que já tinha sobre a necessidade abrir os territórios e os saberes originários para os povos não-indígenas. “A gente vê que todo o pensamento sobre saúde está muito industrializado, tem tudo muito fácil na farmácia. E a gente quer mostrar que por fora dessa indústria tem uma espiritualidade que nos ajuda a encontrar a cura”, comenta.
A indígena Kixirrá Jimamadi explicou que seu trabalho segue a mesma linha. “Para nós, mulheres indígenas Jamamadi, a cura brota da natureza, das medicinas naturais bem plantadas, em terra sadia e sem veneno”, reforça. Kixirrá trouxe para a programação da Jornada debates sobre mulheres, ervas medicinais e sobre a Cannabis medicinal.
“Por que não aprendemos mais sobre essa planta milenar que está dentro da farmácia viva de tantos povos? Por que o Brasil insiste em criminalizar uma planta por conta de um cigarro natural, sendo que o outro, que comprovadamente mata, é vendido normalmente? O que eu tentei foi fazer essa discussão dentro da lógica da saúde popular, porque mesmo com toda a potência medicinal, eu sei que há muito preconceito dentro das aldeias e dos nossos territórios”, questionou Kixirrá Jimamadi.
Artesanato, natureza e belezas vivas
Além dos seminários e oficinas, a presença dos povos indígenas também teve grande expressividade artística e cultural. A Feira da Agrobiodiversidade, parte da programação da Jornada, contou com um setor de artes e artesanato que teve joias indígenas como um de seus destaques. “O nosso artesanato traz um discurso muito ideológico e até filosófico, porque se tratam de joias vivas, feitas a partir de plantas que não foram mortas para se transformar em acessórios. Ao contrário, são sementes selecionadas, e são deixadas na terra aquelas que podem ainda se regenerar. Você tem o pau brasil, a sororoca, e se você não usa essas joias, elas morrem como as pérolas”, conta Kixirrá. “é uma beleza viva, traz o entendimento de que eu não preciso desmatar para ficar bonita”, conclui.
Além do artesanato, os povos indígenas levaram apresentações culturais, rezas e mística para vários momentos da jornada, como o seminário de discussão sobre a luta das mulheres, que teve uma linda abertura com cânticos indígenas. “É preciso compreender que a nossa presença não se dá só pela fala, ou pela formação. A nossa presença é nosso canto, nosso espírito, nossas cores, nossa voz”, proclama a indígena Jovina Renhga, do povo Kaingang.
Uma luta de mulheres
É notável, quando observamos a atuação dos indígenas na Jornada, que há uma presença forte de mulheres. Os homens estão muito presentes, mas mais de uma vez a liderança, representação e articulações são assumidas pelas mulheres, que falam e ensinam. Para a cacique Andrea Guarani, essa é uma surpresa apenas para quem está fora dos territórios indígenas.
“A luta da mulher indígena é a mesma do povo indígena, é a luta pelo território, para manter a nossa cultura e pelos nossos direitos. E ela é muito mais forte e mais difícil por sermos mulheres. Dentro dos territórios é comum ver mulher na liderança, mas fora ainda existe a expectativa de que o cacique seja aquele senhor, homem, mais velho, e a gente vem quebrando essa barreira, que existe fora do território e não dentro”, explica a Cacique.
Para ela, a mensagem dos indígenas está chegando aos poucos. “A participação indígena nesse meio, nesses eventos importantes como a Jornada, ainda é menor do que a gente gostaria. Somos muitos povos com a sabedoria de viver e preservar o território e a floresta, o certo seria estarem todos aqui, mas a gente vai melhorando”, conclui.
Para Kixirrá, a participação dos povos indígenas cumpre a tarefa de trazer provocações. “Como diz uma música que eu ajudei a criar quando eu ainda era adolescente: ‘eu tô aqui pra cutucar, cutuca aqui, cutuca lá’, eu tô cutucando, sabe? Eu não quero chamar atenção, eu quero acordar mentes, cutucar para ver se o povo entende que se trata de defender a nossa casa, o nosso planeta. E essa casa comum é a única, não tem Plano B. Eu espero estar cutucando e acordando as pessoas para isso” conclui.
A 20ª Jornada de Agroecologia recebeu povos guarani, Kaingang e Jamamadi. Entre as participações, os povos indígenas trouxeram os seguintes seminários e oficinas: “Cannabis medicinal na saúde popular” com Coletivo Urbano Indígena; Feminismo, segurança e soberania alimentar na construção da agroecologia: o protagonismo das mulheres do campo, da floresta e das águas”; “Corpo e Natureza com mulheres indígenas – Ervas”; “Erva-mate e o povo Guarani”; “Movimento das Mulheres Guaranis”.
*Por Isabela Cunha, Da Página do MST.
04/dez/2023
A decisão foi tomada na ADPF 709, protocolada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a União continue com o plano de retirada de invasores das Terras Indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá, no Pará. A decisão foi publicada nesta quinta-feira (30/11), após o ministro Nunes Marques, indicado pelo ex-presidente Bolsonaro, suspender a operação.
A decisão foi tomada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, protocolada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que tem por objeto ações e omissões por parte do Poder Público que colocam em risco a saúde e a subsistência da população indígena no país.
No texto o ministro Barroso, que é presidente do STF e relator da ADPF 709, explica que a Advocacia-Geral da União (AGU) o comunicou sobre a decisão do ministro Nunes Marques, apontando suposta contradição com o plano de desintrusão. Porém, a decisão de Marques ocorreu no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1467105 e Barroso afirma que ela não interfere na decisão tomada por ele na ADPF, pois refere-se apenas ao processo do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
Entenda
O plano de desintrusão das Terras Indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá foi homologado na Petição 9585 pelo Supremo e foi iniciado no dia 02 de outubro, contando com a participação de 19 órgãos federais. Além da remoção dos invasores e da inutilização das estruturas utilizadas para exploração econômica ilegal nos territórios, houve determinação judicial para que parte do efetivo permaneça in loco para evitar o retorno dos invasores às Terras Indígenas e eventuais represálias contra as comunidades indígenas.
No dia 29 de novembro, a Associação Tato’a, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Apib alertaram para o agravamento dos conflitos na região a partir da decisão de Marques. As organizações pediram que a decisão fosse revertida e que a União continuasse com a retirada dos invasores.
A Apib também tem denunciado que o prefeito de São Félix do Xingu (município onde está localizada às TIs), deputados e senadores do Estado do Pará, têm veiculado informações inverídicas sobre a operação.
“Ao invés de incentivarem que os invasores se retirem voluntariamente da terra indígena em cumprimento às decisões judiciais, veiculam informações inverídicas de que a operação de desintrusão foi interrompida e de que os invasores só deveriam sair mediante pagamentos de indenização pelo Estado brasileiro”, diz trecho da nota. Leia o documento completo aqui.
29/nov/2023
Apib, Coiab e a Associação Tato’a, do povo Parakanã, pedem que a decisão seja revertida no STF. Em nota oficial, a Secretaria-Geral da Presidência da República comunica a continuidade das ações.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Nunes Marques, determinou a paralisação das operações de retirada de invasores da Terra Indígena Apyterewa, localizada no município de São Félix do Xingu, no Pará. Nunes, que foi indicado ao STF pelo ex-presidente Bolsonaro, atendeu ao pedido de duas associações de agricultores e emitiu decisão, nesta terça-feira (28).
A Associação Tato’a, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) alertam para um agravamento dos conflitos na região a partir dessa decisão. As organizações pedem que a decisão seja revertida no STF para impedir novos casos de violências na região e que as ações para retirada dos invasores sejam continuadas.
Apib e Coiab já lançaram alerta sobre as tentativas de autoridades públicas do município de São Félix do Xingu e do Estado do Pará de descumprirem decisão do STF e interromperem a operação de desintrusão da Terra Indígena Apyterewa. A decisão de Nunes Marques reforça as ações dos invasores e pode ampliar os conflitos na região.
Representantes da Associação Tato’a, do povo Parakanã, ressaltam que a TI Apyterewa foi homologada em 2007, e há mais de 15 anos aguardam a desintrusão para ocupar efetivamente o território. “Associação e os Parakanã enxergam que nesse momento de intimidação e diante dessa afronta, o governo e o próprio Supremo Tribunal Federal não podem recuar no plano de retirada dos invasores, que foi homologado pelo presidente do STF, pelo Barroso, e que vem sendo executado com sucesso”, afirmam.
O STF homologou o Plano de Operação, apresentado pela União, e foram iniciadas as desintrusões das Terras Indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá, em 02 de outubro de 2023, contando com a participação de 19 órgãos federais. Além da remoção dos invasores e da inutilização das estruturas utilizadas para exploração econômica ilegal nos territórios, houve determinação judicial para que parte do efetivo permaneça in loco para evitar o retorno dos invasores às Terras Indígenas e eventuais represálias contra as comunidades indígenas.
Desde o início de outubro de 2023, amparada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), parte do povo indígena Parakanã saiu provisoriamente de seu território, temendo retaliações contra suas vidas por parte dos invasores e, no aguardo do final da operação, para que possa retornar seguro à terra que é sua por direito.
O vice-coordenador da Coiab, Alcebias Sapará, ressalta as pressões políticas que acontecem no Pará para barrar a desintrusão. “Essa decisão coloca os Parakanã como invasores da própria terra, um território que sempre foi ocupado pelos povos indígenas e que sofre com uma invasão e exploração desenfreada”, aponta.
“Enquanto assistimos a políticos locais defenderem o direito dos invasores não indígenas, o povo Parakanã enfrenta um deslocamento forçado para garantir a própria sobrevivência. Esta prática é vedada pelo artigo 231 da Constituição Federal e por múltiplas normativas e convenções internacionais das quais o Brasil é signatário. A conivência das instituições brasileiras com esta situação e com o agravamento da ameaça e da despossessão territorial que se projetam sobre os Parakanã poderá ensejar a responsabilização do Estado nos âmbitos nacional e internacional”, reforçam as organizações indígenas em nota publicada antes da decisão de Nunes Marques.
Operação mantida
Em nota oficial, a Secretaria-Geral da Presidência da República “comunica que a operação de Desintrusão das Terras Indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá segue no cumprimento da decisão judicial proferida pelo ministro Luís Roberto Barroso na ADPF 709.”
De acordo com a nota, a “União ainda não foi comunicada formalmente, por meio de parecer de força executória expedido pela Procuradoria-Geral Federal e pela Advocacia-Geral da União, quanto à decisão do ministro Nunes Marques que suspende a etapa de retirada coercitiva de invasores das terras indígenas objeto da operação. Ressalta-se que a Advocacia-Geral da União apresentará recurso em face dessa nova decisão, uma vez que a mesma diverge da determinação vigente do Presidente do Supremo Tribunal Federal.”
29/nov/2023
Fotos: Kamikia Kisedje/Apib
O governo do Brasil mudou, mas os Povos Indígenas, principais guardiões de todos os biomas brasileiros, continuam ameaçados
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) participa da Conferência das Partes sobre o Clima (COP28) em Dubai, em caráter de urgência para relançar a campanha ‘Emergência Indígena’. “Precisamos denunciar que nossas vidas estão ameaçadas, a demarcação de Terras Indígenas questionada e o futuro climático global em risco. Vemos avançar no Congresso os PLs e PECs que pretendem legalizar o espólio de nossas terras e da natureza em geral. Trata-se de um projeto de genocidio indígena legislado”, alerta Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib. A primeira campanha foi realizada durante a crise da Covid-19, sob o governo Bolsonaro que ameaçou profundamente a vida e os direitos fundamentais indígenas. O vírus passou, mas a extrema direita continua agindo contra os direitos dos Povos Indígenas.
Cumprirá Lula suas promessas políticas climáticas e de respeito aos Povos Indígenas?
O atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando ainda não havia assumido a presidência, foi recebido na COP27 como “salvador”, não apenas do Brasil, mas do futuro climático global, pois internacionalmente também se temia pelas políticas ambientais destrutivas do ex-presidente Jair Bolsonaro. O Brasil é o segundo país do mundo, depois da Rússia, em extensão de áreas florestais ainda em pé e líder mundial em recursos hídricos com 12% das reservas de água doce globais, a maioria deles preservados principalmente dentro das Terras Indígenas demarcadas, como demonstram estudos.
Em reconhecimento ao papel fundamental que o Brasil tem no cenário climático global e em apoio aos direitos ancestrais dos Povos Indígenas do Brasil, Lula prometeu durante o Acampamento Terra Livre de abril de 2023 demarcar todas as Terras Indígenas que ainda estão em processo até o final do seu governo. “Nós, Povos Indígenas da Apib, apoiamos a eleição do atual Presidente, mas com motivo do início de mais uma COP, precisamos alertar de que a demarcação das nossas terras está em risco e não existe solução para a atual crise climática sem os Povos Indígenas”, defende Tuxá.
Embora a extrema direita bolsonarista e anti-indígena tenha saído do poder Executivo brasileiro, ela continua instalada nas esferas de poder, principalmente no Legislativo e com ampla maioria. As ameaças aos Povos Indígenas continuam sendo promovidas e executadas por setores ligados à extrema direita. Grupos que promovem o financiamento de campanhas de parlamentares que querem passar o trator dos ruralistas sobre os direitos indígenas para favorecer as empresas nacionais e internacionais do agronegócio.
Quem tem interesse em acabar com os direitos indígenas?
Quem almeja ocupar e lucrar nas Terras Indígenas. O agronegócio se compõe de empresas nacionais e internacionais, com um mercado de venda principalmente internacional. Se sustenta numa sólida e antiga estrutura, com bases colonialistas, formada por políticos (e) latifundiários. De acordo com o estudo “Os invasores” do grupo de jornalismo investigativo “De olho nos ruralistas”, representantes do Congresso Nacional e do Executivo, possuem cerca de 96 mil hectares de terras sobrepostas às Terras Indígenas. Além disso, muitos desses políticos foram financiados por fazendeiros que também invadem Terras Indígenas e que doaram R$ 3,6 milhões para campanhas eleitorais de ruralistas. Esse grupo de latifundiários e invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL). |
Lula, que criou o primeiro Ministério dos Povos Indígenas do Brasil, não conseguiu bloquearo avanço de certos projetos que já estão se tornando oficialmente lei, como a Lei 14.701/2023. O antigo e polêmico PL 2.903/2023, agora lei desde o dia 20 de outubro, questiona o usufruto exclusivo dos Povos Indígenas nas suas terras em caso de conflicto de intereses com a política de defesa da soberania nacional ou a cooperação com pessoas não indígenas para exploração de recursos em Terras Indígenas.
A tese ruralista do Marco Temporal e outros pontos do PL 2903, que violam os direitos dos Povos Indígenas, foram vetados por Lula. No entanto, os parlamentares mobilizados pela Frente Parlamentar de Agropecuária (FPA) se preparam para a derrubada dos vetos do Presidente. A votação que estava prevista para o dia 23 de novembro, foi adiada e ainda está sem data definida, até o momento.
“Sem maioria nem na Câmara dos Deputados e no Senado, o Governo Lula precisa negociar para aprovar propostas estruturantes para seu governo atual, como a recentemente aprovada reforma tributária, mas a que custo? A moeda de troca para aprovar tal reforma têm sido os direitos indígenas”, reforça Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.
“Reforçamos que os nossos direitos não se negociam: a tese do Marco Temporal viola a Constituição como determinou recentemente o Supremo Tribunal Federal. Esses projetos de lei avançam junto com propostas de modificação da Constituição para legalizar atividades que violam os direitos indígenas com medidas como mineração em terras indígenas.”, complementa Karipuna.
Ao mesmo tempo que avançam as propostas anti-indigenistas, o Congresso Nacional pretende vender internacionalmente uma imagem de um Brasil o mais “verde” possível mediante a aprovação na Câmara da chamada “agenda verde”. Nela, se incluem medidas pendentes de votação tais como o projeto “combustível do futuro” para reduzir as emissões de gases de efeito estufa que inclui uma proposta de regulamentação de créditos para estocagem de carbono, o Programa Nacional de Diesel Verde e o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação, entre outras medidas.
Quem vai defender os direitos dos povos indígenas do Brasil na COP28?
“Enquanto o presidente Lula se equilibra no jogo de forças para a governabilidade nacional e perfila seu discurso internacional para a COP28, que provavelmente será ovacionado junto com os brilhantes discursos de muitos outros governantes e negociadores, nós Povos Indígenas lutamos e resistimos cada dia. Discursos não nos salvam dos projetos colonialistas e do voraz avanço do agronegócio. Nós, Povos Indígenas, lutamos para não morrer e para continuar vivendo com os nossos rios vivos e as florestas de todos nossos biomas em pé”, enfatiza Karipuna
Por todos esses motivos, uma comissão de lideranças da Apib está atualmente em Dubai e junto com as sete organizações regionais de base, lançam a 2ª edição da campanha Emergência Indígena com o tema “Direitos não se negociam. Demarcação Já!”. Na sexta 1 de dezembro, segundo dia da Cúpula do Clima 2023, a Apib participa da coletiva de imprensa “Lideranças Indígenas e Lançamento da Campanha Emergência Indígena”. Na terça (5) estaremos presentes na mesa de debate “Brasil rumo à COP30: protagonismo indígena e de comunidades locais no enfrentamento à crise climática”.
É essencial que as vozes dos Povos Indígenas sejam ouvidas nesse contexto de negociações de políticas climáticas, por esse motivo, Dinanam Tuxá, Coordenador Executivo da Apib, participará na sexta (8) do Evento Ministerial – Lançamento da Plataforma de Diálogo da FCLP – Povos indígenas e comunidades locais como líderes de ação para deter e reverter a perda de florestas, onde estarão presentes os chefes de Estados parte, ministros e negociadores decisivos da COP28. Nesse mesmo dia, será lançado o Fundo Apib durante o evento “Ecossistema de Financiamento Climático para Povos Indígenas no Brasil: A rede única de Fundos administrados por Indígenas”.
Confira a programação da Apib em Dubai
A Apib denuncia a situação de emergência indígena no Brasil e reafirma essa urgência em um novo manifesto em defesa da vida e garantia dos direitos dos Povos Indígenas, profundamente ameaçados pelo avanço atual dos ruralistas e políticos com interesses do agronegócio. O manifesto será entregue para Lula, durante a COP28 e enviado para agentes dos poderes públicos e atores da sociedade civil com o objetivo de visibilizar o atropelo de direitos e as ameaça que vivem os povos indígenas.
Além disso, a Apib criou o Comitê Emergência Indígena, onde lideranças indígenas e outros representantes, indicados pelas organizações regionais de base da Apib, irão reportar e discutir semanalmente as ameaças ocorridas nos territórios, nas ruas, redes e no Estado.
DECIDIMOS NÃO MORRER!
Consulte o manifesto:
[portugês] https://apiboficial.org/2023/11/14/emergencia-indigena-direitos-nao-se-negociam/
[espanhol] https://apiboficial.org/2023/11/14/emergencia-indigena-los-derechos-no-se-negocian/?lang=es
[inglês]
https://apiboficial.org/2023/11/14/indigenous-emergency-rights-are-non-negotiable/?lang=en
Acompanhe o site do Emergência Indígena disponível para os três idiomas:
[portugês] https://emergenciaindigena.apiboficial.org
[espanhol] https://emergenciaindigena.apiboficial.org/es/
[inglês] https://emergenciaindigena.apiboficial.org/en/
Para mais informações e para agendar entrevistas pode contatar com o serviço de imprensa:
E-mail: [email protected]
Coordenação de comunicação – Samela Sateré Mawé – +55 (92) 98285 5077
Comunicação internacional: +55 (65) 99686 6289 / +55 (21) 96665 5518 / +55 (92) 99430-3762
29/nov/2023
(Dados do Dossiê “Arthur, O Fazendeiro”, De olho nos ruralistas)
O presidente da Câmara é um dos apoiadores da tese do Marco Temporal, que pode inviabilizar a demarcações de terras indígenas por todo Brasil. Por coincidência ou não, uma das fazendas de Arthur Lira, em São Sebastião, estado de Alagoas, é vizinha ao povoado Karapotó Terra Nova.
O tio de Arthur César Pereira de Lira, Adelmo Pereira, protagonizou um conflito de três décadas contra o povo Kariri-Xocó. E seus herdeiros deram continuidade, após sua morte. Entre eles o prefeito do município de Craíbas, o primogênito Teófilo José Barroso Pereira, que teve suas contas de campanha rejeitadas pelo TSE na última eleição. Eles se dizem donos de 2.014,69 hectares, área sobreposta a Terra Indígena Kariri-Xocó, homologada por Lula em junho de 2023.
O decreto 11.508/2023 homologou a área de reestudo do território, ampliando a TI dos atuais 600 hectares para a extensão de 4.689 hectares, na fronteira de Alagoas com Sergipe, na região do Rio São Francisco. A demarcação foi fruto de muita luta, iniciada logo após a homologação da primeira área que, já nos anos 1990, era pequena para a comunidade. Segundo o Censo do IBGE de 2022, os 2.260 indígenas vivem em uma área seis vezes menor que o Parque da Tijuca, no Rio de Janeiro. Cada morador tem uma área pouco superior a 2 mil metros quadrados — insuficiente para a segurança alimentar e a reprodução cultural do povo.
Invasões e crimes ambientais
Além de tomar a terra indígena, a família também possui histórico de crimes ambientais. Em março de 2016, o Ibama embargou uma das fazendas do clã Pereira e Lira pelo desmatamento de 259,60 hectares dentro da TI, em área próxima do Ouricuri, zona sagrada para os indígenas. Em 2011, o MPF ajuizou uma ação civil pública contra o tio de Lira e outros três fazendeiros por destruírem, com “correntão”, 158,5 hectares de área indígena. O desmatamento, além de destruir o território sagrado, o que representa um ataque ao povo indígena, também tem objetivo de ampliar o pasto para criação de gado de corte.
Os Pereira e Lira dominam a produção agropecuária de Alagoas e foi assim que construíram o poder político coronelista, se aproveitando de cavalgadas, vaquejadas e controlando as prefeituras do interior. O relatório do De Olho nos Ruralistas identificou 115 fazendas, somando 17.321,20 hectares de terra voltados exclusivamente para pecuária bovina no estado e mais 2.718,31 hectares no agreste pernambucano.
A família comanda cinco prefeituras de Alagoas. Eles também estão à frente dos consórcios intermunicipais Conisul e Conagreste, que receberam tratores a partir de emendas parlamentares liberadas pelo presidente da Câmara, através do conhecido “orçamento secreto”.
O filho e o sobrinho de Pauline Pereira (prima mais próxima de Arthur Lira) são donos de frigoríficos com contratos assinados junto as prefeituras comandadas pela família. Um dos contratos foi embargado pelo Tribunal de Contas do Estado. Parte do gado que vai para as prefeituras sai da fazenda na terra indígena. O principal frigorífico com esses contratos, o Dom Grill, patrocina as vaquejadas e cavalgadas do clã.
O primo César Lira comanda o Incra em Alagoas. Um processo contra o instituto relata agressão e ameaças contra assentados e sem-terra. César visita os territórios armado e pretende disputar uma prefeitura em 2024.
A empresa que administra os negócios da família se chama ADM Administradora de Bens e Direitos, titular de seis imóveis sobrepostos à TI Kariri-Xocó. São as fazendas Baixa Grande, Boa Esperança, Brejão, Unajara e São Raimundo, além de parte da Fazenda Santa Terezinha. Os sócios são os parentes Margarida Barroso Pereira, viúva de Adelmo, e os filhos Teófilo, Noêmia, Ana Margarida e Denise.
Usina bolsonarista e despejo
Em Campo Alegre, Arthur arrendou uma área de 427 hectares da Usina Porto Rico. Em 2017, ele e o pai foram alvo de um processo de despejo por não pagar parte do arrendamento. Ainda em operação, a usina foi denunciada em setembro de 2022 por coagir funcionários a votar em Bolsonaro. Nas terras da usina Lira promoveu o despejo de uma família posseira que vivia há décadas no local.
Com dados da Receita Federal, De Olho nos Ruralistas, identificou pelo menos 47 empresas que têm, como sócios, integrantes do clã. Desse total, 33 constam como ativas no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). A partir da lista, e dos portais de transparência de seis municípios alagoanos geridos, nos últimos doze anos, por familiares do presidente da Câmara foram identificadas treze licitações de fornecimento de carne e outros materiais, firmados entre essas empresas e as prefeituras de Campo Alegre, Junqueiro e Teotônio Vilela. Os contratos somam R$ 8,31 milhões. O maior beneficiário das contratações é o Frigorífico Dom Grill, de Nicolas Pereira, do gado oriundo da área demarcada da Terra Indígena Kariri-Xocó. Dos cinco contratos assinados pela empresa, apenas três tiveram os valores divulgados. Estes somam R$ 3,9 milhões.
Farra dos tratores
Sob o comando de Lira, a mesa diretora da Câmara distribuiu cerca de R$ 3 bilhões em emendas parlamentares para a compra de maquinário agrícola. Os contratos superfaturados eram geridos pela Codevasf com recursos do Ministério do Desenvolvimento Regional. A pasta era comandada pelo senador Rogério Marinho (PL), homem de confiança de Lira.
Em troca, estes garantiriam a base de sustentação a Bolsonaro, facilitando sua reeleição. Entre 2020 e 2022, estima-se que o orçamento secreto custou aos cofres públicos R$ 53,9 bilhões — valor equivalente a 91% do PIB de Alagoas.