Apib solicita ao STF a prorrogação dos servidores temporários que atuam na proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato

Apib solicita ao STF a prorrogação dos servidores temporários que atuam na proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato

Foto: REUTERS/ADRIANO MACHADO

O STF acatou a solicitação e pediu ao Ministério dos Povos Indígenas a prorrogação de contratos de servidores da Funai. O MPI tem cinco dias para se manifestar.

Em decisão publicada na última sexta-feira (20/10), o Supremo Tribunal Federal (STF) solicitou a manifestação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) sobre a prorrogação de contratos temporários de servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que atuam na proteção de indígenas isolados e de recente contato. O pedido ocorreu após petição do departamento jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) na Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 709.

Na petição, a Apib solicita que a prorrogação dos contratos ocorra por pelo menos mais seis meses e ressalta a urgência e a importância da medida para garantir os direitos fundamentais dos povos originários. O STF determinou que o MPI se manifeste em até cinco dias. 

“Se nenhuma providência for tomada, já no mês de dezembro de 2023 os serviços mínimos da política de proteção aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato serão gravemente comprometidos, chegando a ter sua existência ameaçada, o que muito provavelmente acarretará em danos irreparáveis ou de difícil reparação para os Direitos Constitucionais dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato”, diz o documento. 

A Articulação explica que a Funai realizou em 2021 um processo seletivo simplificado que ofertou 776 vagas, entre chefes, supervisores e agentes etnoambientais. As contratações eram de seis meses e previam a prorrogação até o prazo máximo de dois anos. Porém, houve uma redução no quadro que hoje conta com apenas 513 servidores, que estão com suas atividades ameaçadas com o encerramento do contrato no mês de novembro. 

Além disso, a organização também alerta que não houve a realização de concurso público para recompor o déficit de servidores da Funai e não há previsão de data para a sua realização.

ADPF 709

Proposta em junho de 2020 pela Apib, inicialmente a ADPF 709 tinha o objetivo de combater ações e omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia de Covid-19, devido ao risco de genocídio de diversos povos. 

Em janeiro de 2022, a Apib entrou com uma petição na ADPF 709 contra a Funai. Desde o dia 29 de dezembro de 2021, o órgão responsável pela política indigenista do Governo Federal havia excluído as Terras Indígenas (TIs) não homologadas das atividades de proteção. Cerca de 239 territórios tradicionais foram afetados diretamente com a medida, o que significaria o abandono de um terço das TIs existentes no Brasil e impactaria justamente as mais vulneráveis juridicamente, que sofrem contínuas invasões e que abrigam 114 povos indígenas em isolamento voluntário e de recente contato. 

Além da petição na ADPF 709, a Apib entrou com uma representação no Ministério Público Federal (MPF). Outras 15 organizações indígenas também entraram com pedido no MPF por improbidade administrativa contra a Funai.

Entenda como ficou o PL 2903, após o veto parcial do Presidente Lula

Entenda como ficou o PL 2903, após o veto parcial do Presidente Lula

O presidente Lula vetou parcialmente o PL 2903, do Marco Temporal, na última sexta-feira, 20 de outubro. Alguns pontos centrais da lei do genocídio indígena foram vetados, no entanto, aqueles que permaneceram continuam apresentando ameaças às vidas dos povos indígenas. Na tentativa de elucidar as consequências dos artigos que não foram vetados pelo Presidente, o departamento jurídico da Apib, preparou uma avaliação da atual redação do projeto de lei.

Foram vetados o artigo que fixava a tese do marco temporal em 05 de outubro de 1988; a flexibilização da política de não contato com povos isolados e de recente contato; da retomada de áreas indígenas reservadas em caso de “perdas de traços culturais” (perspectiva racista e assimilacionista); da previsão de instalação de postos, bases e equipamentos públicos sem consulta prévia, livre e informada à comunidade indígena afetada; a permissão de cultivo de transgênicos em terras indígenas; e a celebração de contratos entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades agrossilvopastoris.

No entanto, três trechos foram sancionados e já estão compondo a nova lei de número 14.701/20232903. O Artigo 5º, trata da participação efetiva de Estados e Municípios em todas as fases do procedimento de demarcação, o que pode protelar as demarcações. O Artigo 26° regulamenta a cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas e pode ampliar assédios de terceiros não indígenas sobre as TIs para fins de “cooperação” ou exploração econômica. E o artigo 20° dispõe que o direito de usufruto exclusivo não pode se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Este último trecho é perigoso porque pode, igualmente, abrir margem para violar o usufruto exclusivo, diante de conceito genérico de “interesse de política de defesa”. Os povos indígenas sabem que, em geral, a posição dos militares brasileiros é contra a demarcação das terras indígenas e este artigo justifica intervenções nos territórios. Contudo, somos resguardados pelo Artigo 231, §6º, da Constituição, que prevê que o relevante interesse da União deverá ser disposto por Lei Complementar, ou seja, o usufruto previsto na constituição não pode ser suplantado por esta lei.

Além disso, em que pese o trecho de indenização tenha sido vetado pelo Presidente Lula, o julgamento do marco temporal no STF concedeu a abertura de um novo regime de indenização, garantindo indenização prévia e por terra nua em caso de ausência de ocupação tradicional ou de renitente esbulho na época da promulgação da Constituição de 1988.

Agora o que mais preocupa o movimento indígena é a promessa dos ruralistas de derrubar todos os vetos, lançada publicamente à imprensa através de nota da Frente Parlamentar de Agropecuária. Os vetos serão apreciados numa sessão conjunta entre Senado e Câmara dos deputados. Para cumprir a ameaça, são necessários 257 votos de Deputados Federais e 41 votos de Senadores. Os integrantes da FPA somam mais de 350 políticos, maioria suficiente para dar seguimento aos desmandos dos seus interesses econômicos próprios.

Vamos seguir mobilizados e pressionando as instituições para que nossos direitos sejam garantidos e se mantenha o veto parcial!

VETO PARCIAL: Lula barra Marco Temporal, porém ameaças continuam no PL 2903

VETO PARCIAL: Lula barra Marco Temporal, porém ameaças continuam no PL 2903

foto: @bellakariri

O presidente Lula vetou parcialmente o Projeto de Lei (PL) 2903 e retirou o Marco Temporal da proposta. Outras ameaças como cultivo de espécies transgênicas em Terras Indígenas (TIs), a construção de grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias, sem consulta e a flexibilização das políticas de proteção aos povos indígenas isolados também foram retiradas. Os vetos agora serão analisados pelo Congresso Nacional, em uma sessão conjunta entre Deputados e Senadores, com data a ser definida.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reforça que a cobrança do movimento indígena era para Lula vetar totalmente o PL. Agora, alertamos sobre a necessidade dos vetos parciais serem mantidos pelos parlamentares. É necessário seguirmos mobilizados, pois a luta ainda não acabou. A ala ruralista do Congresso Nacional ainda pode derrubar todos esses vetos e aprovar essa lei que legitima crimes contra os povos indígenas.

Além das ameaças do Congresso Nacional, existem dois trechos, que não foram integralmente vetados por Lula, e que a Apib atenta para maiores preocupações sobre violações aos direitos indígenas:

  1. O Artigo 26 do PL trata sobre cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas, que pode ampliar o assédio nos territórios para flexibilizar o usufruto exclusivo.
  2. O Artigo 20 que afirma que o usufruto exclusivo não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional.

Afirmamos que o Artigo 20 é perigoso, pois pode, igualmente, abrir margem para mitigar o usufruto exclusivo, diante do conceito genérico de “interesse de política de defesa”, justificando intervenções militares nos territórios. Mesmo com essa ameaça, reforçamos que os Povos indígenas são resguardados pelo Artigo 231, §6o, da Constituição, que prevê que o relevante interesse da União deverá ser disposto por Lei Complementar e não por Lei Ordinária como é o caso do PL 2903.

O que acontece agora?
O Senado aprovou, no dia 27 de setembro, o projeto que pretende transformar o marco temporal em lei e instituir diversos crimes contra os povos indígenas.

O PL 2903 é um projeto genocida patrocinado pelo agronegócio e portanto a Apib enviou ao presidente Lula argumentos para a proposta ser totalmente vetada.

Nesta sexta-feira (20), Lula vetou parcialmente a proposta contrariando a solicitação do movimento indígena.

Agora, os vetos parciais de Lula serão analisados e votados pelo Congresso Nacional em uma sessão conjunta entre Deputados e Senadores. Os parlamentares vão decidir se acatam os vetos ou não.

Caso os vetos sejam mantidos, a lei será aprovada retirando as partes apontadas no veto.

Caso os vetos sejam derrubados, os trechos antes vetados serão desconsiderados e a lei será aprovada com todas as ameaças aos povos indígenas. Ou seja, o Congresso Nacional pode aprovar a lei desconsiderando todos os vetos feitos por Lula.

A Apib reforça a necessidade de constante mobilização do movimento indígena nas aldeias, cidades e redes para impedir que este projeto seja transformado na lei do genocídio indígena.
A luta continua e diga ao povo que avance!

Sementes transgênicas em terras indígenas são uma ameaça para os povos indígenas e para biodiversidade

Sementes transgênicas em terras indígenas são uma ameaça para os povos indígenas e para biodiversidade

Além do marco temporal, o Projeto de Lei 2903 (antigo PL 490) possui outras violações aos povos indígenas e biomas brasileiros. Em ofício enviado ao presidente Lula no dia 9 de outubro, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) elencou uma série de inconstitucionalidades do PL, entre elas o cultivo de sementes transgênicas em terras indígenas.

No Brasil, o plantio de sementes geneticamente modificadas em territórios indígenas é proibido desde 2007 por meio da Lei n.o 11.460. O Artigo 30 do PL 2903 altera esta lei e coloca em risco a biodiversidade e a alimentação dos povos originários. Isso porque esses tipos de sementes são criadas em laboratórios e são estéreis, ou seja, não produzem descendentes. 

“É mais uma ameaça para nós e para a mãe natureza. As sementes transgênicas podem contaminar as sementes crioulas e deixar famílias indígenas refém de um grupo econômico expecífico”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib. As sementes crioulas são sementes nativas dos povos originários melhoradas artesanalmente por eles ao longo de várias gerações.

O documento enviado a Lula, também encaminhado à Casa Civil e ao Ministério dos Povos Indígenas, explica que as sementes transgênicas são patenteadas e possuem pagamento de royalties ao proprietário intelectual. A Apib reforça que o PL 2903 irá prejudicar o patrimônio genético gerado pelas sementes crioulas e, consequentemente, o combate a pragas, a segurança alimentar das famílias indígenas e sua autodeterminação, como previsto na Constituição Federal.   

Dia 27 de setembro, senadores votaram e aprovaram o PL 2903 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário do Senado. Agora, o PL 2903 aguarda a análise do presidente Lula, que tem até o próximo dia 20 de outubro para sancionar ou vetar (total ou parcialmente) o projeto. A Apib, e suas sete organizações de base, pedem o voto total do projeto. 

Saiba mais sobre o marco temporal e o PL 2903: https://apiboficial.org/marco-temporal/

Brasil pode violar diretriz do Comitê de Direitos Humanos da ONU caso Lula não vete todo o PL 2903

Brasil pode violar diretriz do Comitê de Direitos Humanos da ONU caso Lula não vete todo o PL 2903

Comitê da ONU recomenda que o Estado brasileiro rejeite a tese do Marco Temporal

A promulgação do Projeto de Lei 2.903/2023 -que questiona a demarcação das Terras Indígenas (TIs) com a tese do marco temporal e pretende autorizar a construção de infraestruturas em TIs sem consulta prévia, entre outras propostas- inviabiliza o cumprimento das recém publicadas recomendações do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) da ONU. O Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CDESC) recomenda que o Estado brasileiro agilize a demarcação, regularização e titulação dos territórios dos Povos Indígenas, e rejeite a aplicação e institucionalização da tese do marco temporal, entre outras recomendações. Portanto, caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva promulgue este Projeto de Lei, ele estará violando os direitos dos Povos Indígenas no Brasil e, também, descumprindo os compromissos vinculantes do Pacto.

O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PICDESC), monitorado pelo CDESC, e do qual o Brasil é signatário desde 1992, apresentou suas conclusões no dia 13 de outubro, em relação ao terceiro relatório periódico do país,  apresentado pelo governo federal e complementado pelas organizações e movimentos da sociedade civil consultadas. Nesse contexto, a Apib apresentou um documento com várias denúncias sobre violação dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas

Em relação à atual situação de violação de direitos indígenas no Brasil, o Comitê recomendou em seu relatório: a agilidade na demarcação de Terras Indígenas; a rejeição da tese do marco temporal; o estabelecimento de protocolos legalmente vinculantes para o exercício do direito  consulta prévia, livre e informada de qualquer decisão que atinja as populações originárias a adoção de medidas contra o desmatamento; a proteção dos recursos hídricos poluídos por atividades como o garimpo; e a não discriminação racial ou cultural dos povos indígenas, entre outras recomendações.

As recomendações do relatório do Comitê (CDESC) pretendem garantir o respeito aos direitos humanos pelos Estados Partes e orientam a implementação do Pacto (PIDESC), do qual o Brasil é signatário. Portanto, o cumprimento do Pacto é vinculante para o Brasil, uma vez que o país o ratificou.  O Artigo 1o do Pacto garante o direito  à autodeterminação, ao desenvolvimento econômico, social e cultural e ao livre acesso às riquezas, recursos naturais e meios de subsistência por parte de todos os povos. Tais condições são claramente violadas por muitas das propostas do PL 2903.

Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PICDESC)

PARTE I
Artigo 1o

§ 1. Todos os povos têm o direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.

§2. Para a consecução de seus objetivos, todos os povos podem dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes da cooperação econômica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo e do Direito Internacional. Em caso algum poderá um povo ser privado de seus próprios meios de subsistência.

§3. Os Estados Membros no presente Pacto, inclusive aqueles que tenham a responsabilidade de administrar territórios não autônomos e territórios sob tutela, deverão promover o exercício do direito à autodeterminação e respeitar esse direito, em conformidade com as disposições da Carta das Nações Unidas.

Fonte: Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

Essas recomendações emitidas pelo CDESC em relação aos direitos dos Povos Indígenas no Brasil estão alinhadas às recomendações emitidas pelo Comitê sobre os Direitos Humanos em relação ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (CCPR) em setembro de 2023. O Brasil também passou por revisão no CCPR este ano e, após relatório submetido pela Apib e outras organizações, este Comitê também expressou sua preocupação em relação às violações de direitos resultantes da potencial legalização da tese do marco temporal. Assim, a promulgação do PL2903 seria uma violação dos compromissos do Brasil perante ambos Comitês, além de outros tratados internacionais dos quais o país é signatário.

Veja mais:

Quais são as recomendações do relatório do PIDESC que Lula violará caso não vete integralmente o PL 2903:

  1. Meio ambiente e mudanças climáticas: o Comitê mostra preocupação com o aumento de desmatamento provocado pela expansão agrícola e pela exploração de recursos naturais, o que impacta os meios de subsistência das comunidades locais e tradicionais e aumenta sua vulnerabilidade às mudanças climáticas. Portanto, recomenda que o Estado adote medidas para deter o desmatamento.

    O PL 2903, através da tese do marco temporal, questiona os processos de demarcação dos territórios, inclusive os das Terras Indígenas já demarcadas, o que supõe uma ameaça não só para o futuro dos Povos Indígenas, mas de toda a humanidade. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Aliás, será impossível zerar o desmatamento, conforme prometido pelo presidente Lula, e cumprir com as metas climáticas de redução de emissões de gases de efeito estufa (conhecidas como NDC, pelas siglas em inglês) se o PL 2903 passar o trator por cima de algumas das terras do país onde os índices de desmatamento são mais baixos e a taxa de biodiversidade mais alta. Não há como considerar a preservação de nossos biomas e políticas comprometidas contra as mudanças climáticas sem garantir o pleno usufruto dos povos indígenas aos seus territórios.

  • 2. Direto de acesso à terra: o Comitê alerta sobre as disputas de terras e a consequente violência causada pelos conflitos territoriais, e recomenda que o Estado brasileiro “proteja o direito dos Povos Indígenas à propriedade, uso, desenvolvimento e controle de suas terras, territórios e recursos com total segurança, e evite a intrusão de ocupantes de terceiros”. Também recomenda que o Estado compense os Povos Indígenas por danos ou perdas em seus territórios. Além disso, o Comitê recomenda que o Brasil agilize a demarcação, regularização e titulação das terras dos Povos Indígenas, e também rejeite a aplicação e institucionalização da doutrina do marco temporal.

    Esta seria a principal violação do PIDESC  caso o PL 2903 seja promulgado pelo presidente Lula, pois o intuito do projeto -aprovado em caráter de urgência no Senado pela bancada ruralista- é de legalizar a invasão de territórios indígenas no Brasil, desconsiderando a teoria do indigenato que reconhece o direito ancestral e inalienável dos povos originários aos seus territórios. O PL pretende legalizar a condição do marco temporal para a demarcação de novas terras e revisar demarcações já realizadas, questionando a tradicionalidade da ocupação, o direito originário e o usufruto exclusivo dos povos indígenas aos seus territórios.

    3. Direitos culturais e de sobrevivência: de acordo com o Comitê, a falta de proteção e demarcação das TIs prejudica o exercício de seus direitos culturais. Portanto recomenda que o Estado garanta que as populações tradicionais tenham as condições para “preservar, desenvolver, expressar e compartilhar sua identidade, história, cultura, línguas, tradições e costumes, bem como manter sua relação espiritual com suas terras, territórios e recursos”.

    Como mencionado anteriormente, o PL 2903 questiona de diversas formas o direito dos Povos Indígenas às suas terras, o que implica negar condições dignas de vida para os Povos Indígenas no Brasil e colocar suas culturas e sobrevivência em risco. Além disso, o PL flexibiliza a política de não-contato com Povos Indígenas em isolamento voluntário, o que pode significar o genocídio desses povos. Por tais motivos, o movimento indígena batizou o PL 2903 como PL do Genocidio Indígena.

  1. Exploração de recursos, investimentos, e o direito de consulta prévia, livre e informada dos Povos Indígenas: o Comitê solicita que o Brasil desenvolva e implemente protocolos legalmente vinculantes e adote as medidas administrativas necessárias para garantir que as consultas prévias, livres e informadas sejam conduzidas de maneira sistemática e transparente com os Povos Indígenas, Quilombolas e outras comunidades tradicionais, sobre projetos que possam afetá-los, e que garanta a realização de estudos independentes sobre o potencial impacto social, ambiental e de direitos humanos.

    O Comitê expressa sua preocupação com a falta de cumprimento de tais medidas no país, sublinha o fato de que o Brasil continua a conceder licenças para exploração de recursos naturais e investimentos em larga escala sem consulta às comunidades atingidas, e solicita que o governo brasileiro “tenha em mente e cumpra as obrigações e compromissos internacionais decorrentes de sua ratificação da Convenção da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais (OIT 169), e de seu endosso à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e outras normas internacionais relevantes”.

    O PL propõe a legalização de exploração de recursos naturais em Terras Indígenas, parcerias de exploração agropecuária, assim como a autorização da construção de rodovias, hidrelétricas e outros empreendimentos em Terras Indígenas, sem consulta prévia, livre e informada;

  2. Discriminação aos Povos Indígenas no Brasil: o Comitê aponta para a “contínua ausência de uma legislação abrangente de combate à discriminação” no Brasil, assim como a prevalência de desigualdades socioeconômicas, raciais e de gênero, estigma social e a discriminação contra grupos desfavorecidos e marginalizados. Recomenda que o Estado brasileiro “adote todas as medidas necessárias para para prevenir e combater a persistente discriminação contra Povos Indígenas e outras comunidades tradicionais”. 

    O PL apresenta critérios racistas sobre quem é ou não indígena, estabelece ameaças à chamada “aculturação” dos Povos Indígenas e viola o direito de auto identificação racial garantido na Constituição.

  3. Direito à água e ao saneamento básico: O Comitê manifesta sua  preocupação com o acesso à água potável e com sua crescente poluição devido à expansão agrícola e das atividades de mineração. Portanto, recomenda que o Estado “adote medidas para proteger seus recursos hídricos, incluindo abordar os impactos negativos das atividades econômicas e da exploração de recursos naturais, bem como os efeitos das mudanças climáticas, e adotar um quadro legislativo que garanta responsabilidade legal para empresas estatais e privadas que, por meio de suas atividades, poluem os recursos hídricos”.

O PL prevê a legalização de monoculturas, plantação de soja, criação de gado, promoção de garimpo e mineração em Terras Indígenas, atividades que têm como consequência a  poluição dos recursos hídricos.

Sobre o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) da ONU:

O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) foi adotado pela Resolução n.2.200-A (XXI) da Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, com o objetivo de conferir obrigatoriedade aos compromissos estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Dessa forma, a situação desses direitos deve ser monitorada mediante elaboração de relatórios periódicos dos Estados-Partes, avaliando o grau de sua implementação e as dificuldades para efetivá-los, enquanto a supervisão do Pacto cabe ao Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, ao avaliar esses relatórios. O Brasil foi sujeito a avaliações periódicas pelo Comitê do PIDESC em outras ocasiões, a última delas em 2009. No entanto, vale destacar que o Brasil optou por ainda não ratificar o Protocolo Facultativo de petições, o que proporcionaria acesso à justiça internacional às vítimas de violações de DESCs.






Entenda o que mudou com a decisão do STF sobre o marco temporal

Entenda o que mudou com a decisão do STF sobre o marco temporal

Após dois anos de julgamento e muitas mobilizações do movimento indígena, no dia 27 de setembro, o Supremo Tribunal Federal chegou a uma decisão sobre a tese do marco temporal. Além de definir a favor da tese do indigenato, que mantém o direito originário e afasta a ideia de limitar as demarcações de terras à data da promulgação da constituição de federal de 1988, foram definidas 13 condicionantes para decisões judiciais. Algumas propostas levantadas pelos ministros Moraes e Toffoli, no que se refere à indenização prévia para invasores de Terras Indígenas e o aproveitamento de recursos em TIs, foram acatadas. A seguir indicamos quais foram essas decisões e o que elas significam para os povos indígenas.

I – A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena

O primeiro tópico da tese fixada pelo Tribunal reforça o disposto no art. 231, da Constituição Federal: os direitos indígenas sobre suas terras tradicionais são originários, ou seja, preexistentes ao próprio Estado brasileiro. Deste modo, ao final do processo administrativo de demarcação, o Estado não constitui um direito territorial, mas reconhece seu direito congênito à posse e ao usufruto exclusivo daquela terra tradicionalmente ocupada por um povo e seus antepassados.

II – A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, nas utilizadas para suas atividades produtivas, nas imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e nas necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do § 1º do artigo 231 do texto constitucional

Novamente, os Ministros revisitam a letra da Constituição Federal e confirmam o sentido dado ao art. 231 pela Constituinte. Este tópico, proposto inicialmente pelo Ministro Edson Fachin, relator do RE 1.017.365, diferencia corretamente a posse tradicional indígena da posse civil. 

A primeira consiste na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, utilizadas para suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. A terra tradicional é o substrato para o reconhecimento e a constituição dos demais direitos e da própria identidade dos povos indígenas, estando sua função econômica atrelada a estes aspectos e não a seu potencial valor comercial. Já a posse civilista é uma das manifestações da propriedade, caracterizada pela destinação econômica que o possuidor dá a determinado bem, sem que haja entre eles, necessariamente, uma relação tradicional, de ordem espiritual ou cultural.

III – A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição

Este tópico rejeita explicitamente a tese do Marco Temporal, que havia sido gestada sem qualquer lastro nos mandamentos constitucionais. Dado que o Recurso Extraordinário em julgamento tem repercussão geral, esta decisão se estenderá para todas as esferas do Poder Judiciário e do Poder Executivo, tornando nulos os atos que limitem a demarcação de terras indígenas com base na inconstitucional tese do Marco Temporal. 

IV – Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no § 6º do art. 231 da CF/88 

O regime indenizatório invocado por este tópico da tese encontra-se previsto no texto constitucional. O elemento novo inserido pelo julgamento é a necessidade de renitente esbulho para que este regime seja aplicado a terras em que não se verifique a ocupação indígena na data da promulgação da Constituição Federal. Esta determinação não figura no citado §6º do art. 231, CF/88, que não divide as terras indígenas em categorias a depender de sua ocupação na referida data. Na prática, este tópico institui um marco temporal para a aplicação do regime indenizatório constitucional aos territórios tradicionais indígenas.

V – Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e, quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do § 6º do art. 37 da CF 

Este item traz uma das previsões mais controversas da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal. Isto porque institui o direito à indenização prévia a particulares não indígena por benfeitorias necessárias e úteis e pela terra nua, com direito a retenção até que o ente federativo pague o valor incontroverso. Ou seja, a Corte transpõe o instituto da desapropriação para o processo demarcatório de terras indígenas, mesmo estas sendo regidas por um regime constitucional e não civil. A demarcação das terras que não estavam ocupadas por indígenas ou judicializadas em 05 de outubro de 1988 passa, portanto, a depender da desapropriação de particulares não indígenas. 

A busca por indenização deverá ser feita fora do procedimento de demarcação, o que pode ser favorável já que não condiciona a finalização deste procedimento ao pagamento dos valores devidos. No entanto, a indenização por terra nua premia os invasores e onera o Estado, que, antes mesmo de enfrentar o desafio imposto por este novo regime indenizatório, já alega não ter orçamento suficiente para garantir a demarcação territorial.  

VI – Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados e em andamento

Este item da tese garante que os novos regimes indenizatórios estabelecidos não retroagem sobre terras indígenas demarcadas. Desta forma, o Tribunal garantiu a segurança jurídica destes territórios e para seus povos, impedindo que eventuais invasores possam pleitear indenização referente a terras já reconhecidas e declaradas. 

VII – É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida, em todo caso, a comunidade indígena, buscando-se, se necessário, a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas (art. 16.4 da Convenção 169 OIT)

Este tópico, também lastreado no art. 231 da Constituição Federal, garante a tradicionalidade das terras indígenas, limitando as circunstâncias em que o Estado pode, alternativamente, reservar terras que não sejam as tradicionalmente ocupadas por um povo. Diante da absoluta impossibilidade de demarcação da terra com a qual um povo indígena guarda relações culturais e espirituais, é possível que seja reservada outra área, como já previsto na legislação, desde que a comunidade seja consultada e participe do processo de escolha do local a ser reservado. O Estado, independentemente dos desafios apresentados, não pode se omitir na efetivação dos direitos territoriais indígenas.

VIII – A instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de pedido de revisão do procedimento demarcatório apresentado até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento

Pedidos de aumento ou diminuição de terras indígenas só poderão ser feitos em caso comprovados de grave e incontornável erro no processo demarcatório ou na delimitação da terra indígena. Além disso, o redimensionamento deverá ser pleiteado no prazo de cinco anos, contados a partir da homologação da demarcação ou do fim do julgamento que fixou esta tese. Este último ponto pode vir a se chocar com o tópico XI, que, em consonância com o texto constitucional, garante a imprescritibilidade do direito originário à terra de ocupação tradicional.  

IX – O laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.775/1996 é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições, na forma do instrumento normativo citado

Os estudos antropológicos são instrumentos essenciais para a devida localização, delimitação e definição de terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas. O laudo técnico, como rememora o tópico, já é previsto pelo decreto que rege o procedimento demarcatório de terras indígenas e sua importância foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. No entanto, a tese fala em “um dos elementos fundamentais” para tal identificação, o que pode abrir discussões sobre outros elementos a serem considerados para a demonstração da tradicionalidade de uma área.

X – As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes

Confirmando os direitos originários à posse permanente  e ao usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre suas terras tradicionais, este tópico reproduz quase literalmente o §2º do art. 231, CF/88. Sua presença na tese fixada afasta a possibilidade, por exemplo, de flexibilização das regras sobre a exploração econômica de terras indígenas com base no resultado deste julgamento – o que foi cogitado pelo Ministro Dias Toffoli, que, em seu voto, inseriu a infrutífera discussão sobre mineração em territórios tradicionais. 

XI – As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis

A Constituição Federal prevê que as terras indígenas são propriedade da União, de posse permanente e usufruto exclusivo dos povos indígenas. Apesar de serem terras públicas, a União não pode vendê-las, dado que os povos indígenas têm direitos originários sobre essas áreas. Tampouco podem os indígenas se desfazerem de terra que lhes foi reconhecida pelo Estado como de ocupação tradicional. Ainda, a comunidade interessada pode demandar ao Poder Público o reconhecimento de seu direito originário sobre a terra que tradicionalmente ocupa a qualquer tempo, não havendo prazo para que essa reivindicação seja feita. 

XII – A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurado o exercício das atividades tradicionais dos povos indígenas 

O Tribunal reconheceu que os modos de vida tradicionais indígenas são inteiramente compatíveis com o meio ambiente, não representando qualquer risco para a proteção ambiental. O Meio Ambiente equilibrado é, na verdade, prerrogativa para o desenvolvimento das atividades de caça, pesca, cultivo, além das espirituais e culturais das comunidades indígenas. Não há, portanto,  incompatibilidade entre os artigos 231 e 225 do texto constitucional.

Como acentuado no último trecho do tópico, é assegurado aos povos indígenas o exercício de suas atividades tradicionais, não sendo autorizada a interferência de políticas ambientais sobre ações não predatórias que constituem o núcleo da tradicionalidade da ocupação indígena. 

XIII – Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da FUNAI e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei

O último tópico da tese fixada pela Corte, derivado das disposições do art. 232, da Constituição Federal, busca sanar eventuais questionamentos em instâncias inferiores sobre a legitimidade da figuração de povos indígenas como partes em processos que discutem seus direitos e, com isso, garantir o acesso à justiça a essa população. Apesar de a FUNAI e o Ministério Público Federal também terem funções asseguradas nestes processos, os povos indígenas são reconhecidamente legitimados a estarem em juízo na defesa de seus interesses.

Apib e Apoinme enviam nova manifestação à CIDH sobre a violência contra o Povo Pataxó

Apib e Apoinme enviam nova manifestação à CIDH sobre a violência contra o Povo Pataxó

O povo Pataxó continua ameaçado pela violência nos territórios indígenas de Barra Velha e Comexatibá, localizadas no extremo-sul baiano. As medidas tomadas pelo Estado, como a criação de um gabinete de crise pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o envio de uma brigada militar pelo governo da Bahia se mostraram ineficientes. Diante da situação crítica, o departamento jurídico da Apib reforçou as denúncias feitas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), relatando novos casos de ataque no território.

A nova manifestação destaca que, apesar da resolução 25/2023 da CIDH, que concedia uma medida cautelar, solicitando que o Estado brasileiro adotasse as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros do povo indígena Pataxó, a escalada de violência continua. A CIDH constatou que os indígenas destas áreas estão em “grave e urgente risco de dano irreparável aos seus direitos”.

Leia o relatório completo aqui.


Novos ataques

No dia 30/09, cerca de 100 homens, vestidos de preto e armados, participaram do ataque na entrada da Aldeia Gitai. Os criminosos buscavam líderes da comunidade, alegando represália à suposta colaboração deles na contenção do tráfico local. As informações iniciais indicam que não houve registro de feridos. Uma vez que não encontraram as lideranças, os criminosos abriram fogo contra as residências dos líderes e os habitantes da aldeia, causando danos materiais, incinerando carros e motocicletas e disseminando o pânico entre a população.

O Cacique Suruí já havia relatado as ameaças que vinha sofrendo. Sua residência foi o alvo principal. O ataque foi realizado após a Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) realizar a audiência pública que tratou do tema “Violação de Direitos dos Povos Indígenas no Estado da Bahia”.

Os depoimentos locais atribuem o ataque a uma quadrilha suspeita de liderar o tráfico de drogas na região, que se estabeleceu na aldeia Xandó, vizinha a Caraíva, através da invasão por pessoas não indígenas. Há uma escancarada corretagem ilegal de terrenos, que incluem áreas de demarcação indígena na região. Devido à investida dos criminosos em busca de controle sobre a área indígena, a violência na região aumentou consideravelmente.

Já a Terra Indígena Comexatibá é atualmente o local com maior quantidade de contestações administrativas no seu processo de demarcação (mais de 150). Logo, esta situação de conflituosidade está associada tanto com a morosidade do poder público em garantir efetivamente a demarcação quanto com a violência. No dia da conclusão do julgamento da tese do Marco Temporal pelo STF (27/09), quando também ocorreu a aprovação do PL 2903 no Senado, houve a ocorrência de focos de incêndio na Terra Indígena Comexatibá. De acordo com o relato de uma liderança, há indícios de atuação criminosa , conforme se vê:

“[…] Este incêndio, é o quarto foco registrado, somente no dia de hoje, no entorno da vila de Cumuruxatiba. Segundo informaram agentes da “Brigada anti-incêndio” do PND/ICMBio, nos grupos de whatsapp da comunidade, de onde operam e moram. Este último que se alastra com os fortes ventos e a alta temperatura, está acontecendo entre a aldeia Kaí e o rio do Peixe. Além de ameaçar avançar sobre as moradias nos arredores, há outros focos. Que, avançam em direção ao Parque Nacional do Descobrimento, às reservas de Mata Atlântica e às aldeias sobrepostas. A gravidade da situação, além dos prejuízos gerados, está no que aparenta ser fruto de uma ação criminosa. Ou uma terrível coincidência, diante da simultaneidade do mesmo dia, em locais de uma mesma área, distrito e Terra Indígena. Gravidade que se multiplica quando concluímos que todos os focos de incêndio ocorreram no território Pataxó, a TI Comexatibá. [….]”

Histórico do conflito

Há anos, o povo Pataxó aguarda pela conclusão da demarcação das duas terras. Em junho de 2022, como forma de proteger seu território e resistir à pressão do agronegócio, do setor hoteleiro e da especulação imobiliária, os Pataxó deram início a um processo de autodemarcação. Desde então, têm sofrido com uma violência intensa, contínua e desproporcional, sendo alvo de ameaças, cercos armados, tiroteios, difamação e campanhas de desinformação.

Entre setembro de 2022 e janeiro de 2023, três jovens Pataxó foram vítimas do conflito na região. Gustavo Silva da Conceição, de apenas 14 anos, foi assassinado com um tiro nas costas durante um ataque de pistoleiros em setembro, na TI Comexatibá. Em outubro, o corpo do Pataxó Carlone Gonçalves da Silva, de 26 anos, foi encontrado, depois dele ter desaparecido na TI Barra Velha. Em janeiro, Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25 anos, e o adolescente Nauí Brito de Jesus, de 16 anos, foram perseguidos e executados por pistoleiros numa estrada próxima a uma retomada realizada pelos Pataxó na TI Barra Velha do Monte Pascoal. As investigações mostram que os crimes contaram com a participação de policiais.

Em 20 de janeiro, foi criado um Gabinete de Crise com a finalidade de acompanhar as situações de conflitos relacionadas aos Pataxó região da Bahia. O objetivo primordial do Gabinete era pensar em respostas rápidas e ações sobre os conflitos que estão acontecendo com as comunidades Pataxós.

Porém, as medidas de enfrentamento vão para além da competência e atribuição do Ministério, motivo pelo qual a Apib qualifica a atuação do gabinete de crise como ineficiente. Tal descaso na construção da resposta por parte do Estado é de extrema preocupação, pois sinaliza, inclusive, a falta de articulação interinstitucional do governo brasileiro para responder satisfatoriamente às demandas formuladas pela CIDH para proteção do povo.

Demarcação

Na semana em que o Congresso aprovou o PL 2903, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, enviou ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, dez novas terras indígenas que estão prontas para ter andamento no processo de demarcação, dentre as quais figura a TI Barra Velha do Monte Pascoal.

A solicitação é de que seja feita a portaria declaratória, cuja competência é da pasta de Dino, e também que se dê prosseguimento com a homologação, fase final, sob responsabilidade da Presidência. Este é o segundo aceno do Ministério dos Povos Indígenas de que a portaria declaratória deste território será assinada ainda neste ano, no entanto, até que seu processo demarcatório seja concluído, as consequências desta insegurança ainda serão sentidas pelas comunidades Pataxó e por todos os habitantes dali.

PL 2903 representa o genocídio dos povos indígenas e o desrespeito ao STF, afirma Apib em documento enviado a Lula

PL 2903 representa o genocídio dos povos indígenas e o desrespeito ao STF, afirma Apib em documento enviado a Lula

O PL aguarda a análise de Lula, que tem até o dia 20 de outubro para sancionar ou vetar o projeto. Movimento indígena pede que o presidente vete totalmente o PL do genocídio 

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), por meio do seu departamento jurídico, enviou um ofício ao presidente Lula em que cobra o veto total do Projeto de Lei 2903, que transforma em lei o marco temporal e legaliza crimes contra os indígenas e o meio ambiente. A organização, referência nacional do movimento indígena, afirma que o PL representa o genocídio dos povos originários e o desrespeito do Congresso Nacional as deciões do Supremo Tribunal Federal (STF). 

Dia 27 de setembro, enquanto o STF decidia anular a tese por maioria de 9×2 votos, parlamentares votaram e aprovaram o Projeto de Lei na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário do Senado. Agora, o PL 2903 aguarda a análise de Lula, que tem até o próximo dia 20 de outubro para sancionar ou vetar (total ou parcialmente) o projeto. 

No ofício enviado no último dia 9 de outubro, a Apib lista mais de dez argumentos pelos quais Lula deve vetar o PL. A Articulação assegura que o projeto é inconstitucional, pois prevê alteração em direitos fundamentais – como o direito originário dos povos indígenas sob as terras que tradicionalmente ocupam – previstos na Constituição Federal de 1988 por meio de Lei Ordinária, o que não é permitido pela própria Constituição.

“Registre-se que o reconhecimento do Direito Originário dos Povos Indígenas sob as Terras que tradicionalmente ocupam não é algo novo, que foi inaugurado com a Constituição Federal de 1988. Ao contrário, é uma tradição do direito brasileiro, com disposições semelhantes na primeira Lei de Terras do ano de 1850 e nas Constituições de 1934, 1937,1946 e 1967”, diz trecho do ofício também encaminhado à Casa Civil e ao Ministério dos Povos Indígenas.

Outra inconstitucionalidade apontada no documento é a exploração hídrica e mineral em Terras Indígenas sem autorização do Congresso Nacional e Consulta Prévia, Livre e Informada às comunidades afetadas. A medida é prevista pela Convenção 169 do Tratado Internacional de Direitos Humanos, do qual o Brasil faz parte.

Retrocesso ambiental e climático

Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib, alerta que a abertura de Terras Indígenas para mineração e pecuária representa um retrocesso ambiental. “Essas atividades destroem os nossos territórios, a nossa natureza, poluem as águas, aumentam o desmatamento e, consequentemente, a emissão de gases de efeito estufa. Por isso, vetar totalmente o PL 2903 representa o compromisso de Lula com os direitos indígenas, mas também com o meio ambiente e com o combate à crise climática”, afirmou Karipuna.

No artigo “Mudanças climáticas e a homologação de Terras Indígenas”, o Instituto de Pesquisa Ambiental do Amazonas (Ipam) afirma que a demarcação e a proteção dos territórios indígenas é essencial para reduzir as taxas de desmatamento. 

O dossiê “Somos Todos Biomas”, resultado do cruzamento de dados realizado pela Apib em parceria com o Ipam em 2022, também reitera que as TIs são as áreas com maior biodiversidade e com vegetação mais preservadas, visto que são protegidas e manejadas pelos povos originários. O documento aponta que no Brasil 29% do território ao redor das TIs está desmatado, enquanto dentro das Terras Indígenas o desmatamento é de apenas 2%. 

“O STF enterrou o marco temporal e reconheceu que os direitos territoriais indígenas estão intimamente vinculados com a preservação dos biomas brasileiros. Porém, a bancada do agronegócio no Congresso Nacional quer acelerar a crise climática e perpetuar o genocídio dos povos indígenas. Nós já estamos vivenciando isso com as enchentes e a seca de sul a norte do Brasil”, diz Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

Povos isolados e de recente contato

O Projeto de Lei 2903 também possui ameaças para os povos isolados e de recente contato. O Artigo 28 do projeto autoriza o Estado e a sociedade civil a ter contato com esses povos em caso de auxílio médico ou quando necessário “intermediar ação estatal de utilidade pública”, o que representa a flexibilização e o regresso da política de não contato.

Em nota, o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato ressalta que, desde 1987, é proibida toda e qualquer ação ou projeto desenvolvimentista em território de indígenas em isolamento voluntário. 

“O Decreto no 11.226/2022 define, por exemplo, que compete a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) “garantir aos povos indígenas isolados o exercício de sua liberdade e de suas atividades tradicionais sem a obrigatoriedade de contatá-los (Artigo 2o, d)”. Por fim, no que concerne ao atendimento específico em saúde, que compete conjuntamente à SESAI/MS e à Funai elaborar, executar e avaliar os Planos de Contingência para Situações de Contato e os Planos de Contingência para Surtos e Epidemias”, diz o ofício enviado ao presidente. 

Em junho de 2022, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil ajuizou no STF a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 991, que trata dos povos isolados e de recente contato. A medida foi tomada considerando as “ações e omissões” do governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), que colocaram em risco os povos indígenas isolados e de recente contato no país. 

Recentemente, a Articulação solicitou ao STF, por meio da ADPF 991, a proteção imediata aos povos isolados da Terra Indígena Kawahiva, que vem sofrendo com a invasão da reserva Rooselvet no entorno da TI. 

Leia o ofício na íntegra: Ofício N 207_2023 – AJUR_APIB







Apib solicita ao STF proteção imediata aos povos indígenas isolados da TI Kawahiva

Apib solicita ao STF proteção imediata aos povos indígenas isolados da TI Kawahiva

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) informou recentemente o Ministro Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os riscos que os povos isolados da Terra Indígena Kawahiva vem sofrendo com a invasão da reserva Rooselvet no entorno da TI. A manifestação foi protocolada pela assessoria jurídica da Apib que denuncia as constantes invasões que colocam em risco a vida e o bem estar dos indígenas.

A incidência foi construída com apoio de documentos expedidos pela Defensoria Pública da União do Estado de Mato Grosso que demonstram a materialidade do risco de vida dos Kawahiva.

A solicitação foi realizada no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 991, ajuizada em junho de 2022 pela Apib em virtude das “ações e omissões” promovidas pelo governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) que colocaram em risco os povos indígenas isolados e de recente contato no país.

“Atualmente o cenário da TI Kawahiva do Rio Pardo é extremamente preocupante, em virtude das constantes invasões por grileiros e madeireiros, que adentram a TI principalmente através da Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt/MT e da Reserva Extrativista do Guariba/AM, causando desmatamento e colocando em risco a própria existência dos indígenas isolados Kawahiva.”, alerta trecho da petição da Apib

Acesse petição completa aqui

Há 24 anos o povo Kawahiva aguarda a conclusão da demarcação de seu território. Enquanto o processo segue parado, desde 2018, madeireiros e grileiros estão destruindo os arredores e cercando a terra indígena cada vez mais. Até mesmo uma estrada ilegal passa a apenas 2km do território.

Massacres e doenças já dizimaram grande parte do povo indígena isolado Kawahiva e a única chance de sobrevivência do restante do povo é ter sua terra demarcada.

Seguem os 6 pontos centrais do pedido feito pela Apib e que está em análise pelo ministro Edson Fachin:

1. Em caráter emergencial, que se determine à União que proceda com o cumprimento das Medidas Cautelares já concedidas, apresentando um Plano Emergencial de Desintrusão da TI Kawahiva do Rio Pardo, incluindo também as áreas fronteiriças situadas nas RESEX’s Guariba-Roosevelt/MT e do Guariba/AM, que concentram o maior número de invasores.

2. Inste a união manifestar-se sobre o andamento do processo de demarcação da terra indígenas Kawahiva do Rio Pardo.

3. Que a União Federal, apresente os documentos que julgar necessários para evidenciar o cumprimento do aporte financeiro de novos recursos à Funai, de forma que ela possa executar o Plano de Ação para regularização e proteção das terras indígenas com presença de povos indígenas isolados e de recente contato, incluindo rubricas específicas para a reestruturação física, abertura de novas unidades de proteção e contratação de pessoal para atuar nas Frentes de Proteção Etnoambientais (FPEs) e Bases de Proteção Etnoambientais (BAPEs), para fiel cumprimento da previsão normativa da Portaria Funai n. 666/17, que institui o Regimento Interno da Funai

4. Determine que a FUNAI apresente um cronograma de demarcação da terra indígena Kawahiva do Rio Pardo

5. Inste o Estado de Mato Grosso apresentar um plano de fiscalização e extrusão da Resex Extrativista Guariba-Roosevelt na divisa com a TI Kawahiva. Ademais, que o Estado de Mato Grosso apresente as últimas incidências realizadas com fito de proteger o meio ambiente na Resex Guariba-Roosevelt.

6. Determine ao Ibama e Polícia Federal realize as devidas diligências para reprimir a retirada de madeira ilegal na região.

ATL 2024: Maior mobilização indígena do Brasil completará 20 anos e vai acontecer entre os dias 22 e 26 de abril

ATL 2024: Maior mobilização indígena do Brasil completará 20 anos e vai acontecer entre os dias 22 e 26 de abril

Foto: @richard_wera_mirim

No mês em que a Constituição Brasileira completou 35 anos, na última quarta-feira (05/10), e que se intensifica a luta para o presidente Lula vetar totalmente o projeto que quer transformar o Marco Temporal em lei, #VetaTudoLulaPL2903, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) divulga as datas do Acampamento Terra Livre (ATL) 2024. Entre os dias 22 e 26 de abril, será realizada, em Brasília, a maior mobilização do movimento popular indígena do Brasil, que em 2024 completará 20 anos de contribuição na luta histórica pela garantia dos direitos dos povos indígenas e fortalecimento da democracia do nosso país.

A necessidade de continuarmos sempre mobilizados devido aos ataques contínuos aos nossos direitos, fez com que a Apib, juntamente com suas organizações regionais, convoque com mais de 5 meses de antecedência as nossas organizações e lideranças de base, para que comecem a se articular e mobilizar com mais tempo a presença dos povos indígenas, em Brasília. A expectativa é que o ATL 2024 seja o mais participativo de toda a história das mobilizações indígenas, tanto em número de pessoas, quanto de representatividade de povos.

Estamos construindo programação do ATL 2024 e a temática da mobilização, conjuntamente com nossas organização Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), pela Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), pela Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpinsudeste), Comissão Guarani Yvyrupa, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho do Povo Terena e Assembléia Geral do Povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu).

Em breve estaremos divulgando a programação completa que tem previsão de chegada das delegações nos dias 20 e 21 de abril, seguido das discussões das nossas principais pautas entre os dias 22 a 26, e com retorno de todas as delegações a partir do dia 27 de abril.

Em 2023, cerca de seis mil indígenas de aproximadamente 180 povos, participaram da 19a edição do ATL. “O Futuro Indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia!” foi o lema da última mobilização, que marcou o retorno das demarcações das Terras Indígenas, após seis anos de paralisação da política.

As organizações seguem firmes no enfrentamento ao genocídio indígena e na proteção da vida.

DIGA AO POVO QUE AVANCE!