Dois indígenas isolados são mortos a tiros por garimpeiros na Terra Yanomami

Dois indígenas isolados são mortos a tiros por garimpeiros na Terra Yanomami

No dia 01 de novembro de 2021, um indígena da região do Apiaú entrou em contato com a Hutukara para informar sobre a morte de dois indígenas do grupo em isolamento voluntário (Moxihatëtëma) em uma ataque realizado por garimpeiros. Segundo o relato, a aproximadamente dois meses e meio atrás, guerreiros Moxihatëtëma se aproximaram do garimpo “Faixa Preta”, localizado no alto rio Apiaú. A intenção dos Moxihatëtëma teria sido expulsar os invasores do seu território, mas, durante o acercamento, os grupos entraram em confronto. Os isolados acertaram 3 garimpeiros com flechas, e os garimpeiros mataram dois Moxihatëtëma com armas de fogo.

Uma das flechas atiradas pelos guerreiros Moxihatëtëma foi recolhida por um jovem indígena da região do alto mucajaí que frequentava o garimpo na ocasião, e testemunhou o episódio. O objeto hoje se encontra em uma comunidade da região do Apiaú.

O garimpo “Faixa Preta”, segundo informações de área, está localizado no rio Apíau, cerca de 4 dias de barco (motor rabeta) desde o posto de saúde homônimo. Análises de imagens de satélite indicam que na região um total de mais de 100 hectares de floresta já foram destruídos pela atividade ilegal.

A região do Apiaú é vizinha ao território dos isolados e, por esse motivo, deve ser uma das zonas prioritárias para as ações de combate ao garimpo. A HAY vem insistentemente informando os órgãos competentes sobre a elevada pressão em que se encontram os Moxihatëtëma com o avanço do garimpo nas regiões da Serra da Estrutura, Couto Magalhães, Apiaú e alto Catrimani, com elevado risco de confrontos violentos que podem resultar no extermínio do grupo. No entanto, não temos ciência de ações recentes de repressão ao garimpo na região.

Esse não é o primeiro relato sobre conflitos violentos entre os isolados e garimpeiros.

Em 2019, professores yanomami do Alto Catrimani relataram à Hutukara que dois caçadores moxihatëtëma haviam sido mortos com tiros de espingardas após terem defendido com flechas seus roçados de uma tentativa de roubo por parte dos garimpeiros. Na ocasião, a HAY informou os órgãos competentes, mas não obteve respostas sobre uma eventual investigação.

As últimas fotografias aéreas disponíveis da casa-coletiva dos moxihatëtëma indicam a existência de 17 seções familiares. A partir desse número estima-se que a população total desse grupo seja da ordem de 80 pessoas. Quatro assassinatos, nesse caso, significam então a perda de 5% da população por morte em conflitos em apenas três anos!

É importante ressaltar que, em razão do sistema tradicional de justiça da cultura Yanomami, é possível que os Moxihatëtëma organizem novas investidas contra os núcleos garimpeiros para compensar as mortes sofridas. Assim, a situação de conflito pode se estender, resultando em mais mortes e chacinas. Além disso, episódios de contato intermitente com os garimpeiros pode levar à introdução de novas moléstias infecciosas, impactando severamente a saúde coletiva do grupo.

Diante da gravidade do relato, a Hutukara Associação Yanomami vem por meio deste oficio solicitar aos órgãos responsáveis que investiguem o ocorrido, considerando a grande vulnerabilidade epidemiológica das famílias em isolamento voluntário, e tomem medidas urgentes para proteger o grupo de novos confrontos e contatos forçados. Em particular, solicita-se que sejam adotadas urgentemente ações de repressão do garimpo ilegal nas proximidades do território dos Moxihatëtëma, e sejam plenamente retomadas as atividades da BAPE Serra da Estrutura, com rotina de incursões para identificar e desmantelar núcleos garimpeiros instalados na região.

Boa Vista, 02 de novembro de 2021.

Povo indígena Wajuru enfrenta invasões e violência em Rondônia

Povo indígena Wajuru enfrenta invasões e violência em Rondônia

O Povo Indígena Wajuru, cujo território reivindicado está localizado na comunidade Porto Rolim de Moura do Guaporé, circunscrito ao município de Alta Floresta d’Oeste, estado de Rondônia, vem enfrentando, nos últimos anos e, atualmente, com maior intensidade, uma série de invasões e violências que têm colocado em risco a permanência, segurança e bem-estar das comunidades tradicionais. 

A reivindicação do Povo Indígena Wajuru, pelo direito ao território da comunidade de Porto Rolim de Moura do Guaporé se arrasta desde o ano de 2002, apenas em junho de 2005, a FUNAI iniciou os estudos de delimitação das terras reivindicadas. Contudo, o processo de reconhecimento do território encontra-se parado por omissão dos órgãos competentes, tal morosidade tem prejudicado os Direitos Humanos e Fundamentais do Povo Wajuru, colocando-os numa situação de extrema vulnerabilidade social, econômica e política.  

Isso porque, a comunidade de Rolim de Moura do Guaporé é pertencente à União e, como consequência jurídica, está sujeito a regras de competências específicas. Foi instaurado em 2017, pelo INCRA, o processo administrativo nº 54000.021082/2017-10, que, entre outros, trata da identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação da área territorial reivindicada pelo Comunidade Quilombola de Rolim de Moura do Guaporé.

Ocorre que, desde então, os povos tradicionais de Porto Rolim do Guaporé têm enfrentando, para além de tentativas de interferência do poder político municipal no processo de regularização fundiária e demarcação do território, violências, intimidações e perseguições que vêm se intensificando nos últimos meses. Segundo relatos dos moradores, a prefeitura de Alto Floresta d’ Oeste, em parceria com o INCRA, tem noticiado um mutirão de atendimento aos invasores ilegais na regularização fundiária de áreas rurais situadas na região pertencente à União, justamente onde se localiza o território reivindicado pelo Povo Wajuru, ação que, inclusive, foi objeto de instauração de Notícia de Fato pela Procuradoria da República do Município de Ji-Paraná/RO, vinculada ao Ministério Público Federal.

Além da tentativa ilegal dos agentes políticos locais em realizar a regularização fundiária do território tradicional, há relatos de invasões do setor turístico, que tem feito empreendimentos hoteleiros dentro do território objeto de disputa. Acrescido a isso, verifica-se a ocorrência de construções de casas irregulares em um cemitério pertencente ao Povo Wajuru e até mesmo sobrevoo de drones com o intuito de intimidar as lideranças tradicionais que têm se oposto ao poder político local na tentativa de proteger o território reivindicado.

No âmbito do acesso à educação, os moradores foram surpreendidos, em setembro deste ano, com memorando da Secretaria de Estado da Educação determinando que o barco da Coordenação Indígena, destinado à realização do transporte dos alunos, fosse repassado para a Coordenação de Ensino do município de Alta Floresta, comprometendo gravemente a educação das crianças e adolescentes residentes no Distrito. 

Outro problema que atormenta a comunidade indígena são as queimadas criminosas constantes, que acarretam a destruição das plantações e comprometem a subsistência alimentar e econômica do Povo Wajuru. 

Com o intuito de sanar a demora injustificada na tramitação do processo administrativo de demarcação do território do Povo Indígena Wajuru foi proposta uma Ação Civil Pública pelo MPF/RO, na qual  a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), requereu a habilitação como amicus curiae (“amigos da corte”), a fim de intervir no processo para defender os interesses e direitos do Povo Indígena Wajuru.

O processo de reconhecimento do território, no entanto, ainda não foi finalizado.

Sonia Guajajara

Sônia é do povo Guajajara/Tentehar, que habita nas matas da Terra Indígena Araribóia, no estado do Maranhão, Brasil. Nascida em 1974, filha de pais analfabetos, deixou suas origens pela primeira vez aos 15 anos, quando recebeu ajuda da Funai para cursar o ensino médio em Minas Gerais. Depois, voltou para o Maranhão, onde se formou em Letras e Enfermagem e fez pós-graduação em Educação Especial.

Sua militância indígena e ambiental começou ainda na juventude, nos movimentos de base, e logo chegou ao Congresso Nacional – onde Sônia Guajajara foi linha de frente contra uma série de projetos que retiravam direitos e ameaçavam os povos indígenas e o meio ambiente. Em poucos anos, ela ganhou projeção internacional pela luta travada em nome dos direitos dos povos originários.

Em 2010, ela entregou o prêmio Motosserra de Ouro para Kátia Abreu, à época ministra da Agricultura, em protesto contra as alterações do Código Florestal. Tem voz no Conselho de Direitos Humanos da ONU e há dez anos leva denúncias às Conferências Mundiais do Clima (COP) de 2009 a 2019 além do Parlamento Europeu, entre outros órgãos e instâncias internacionais.

Sônia Guajajara já recebeu vários prêmios e honrarias, como o Prêmio Ordem do Mérito Cultural 2015 do Ministério da Cultura, entregue pela então presidenta Dilma Rousseff. Também foi agraciada com a Medalha 18 de Janeiro pelo Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Padre Josimo, em 2015, e com a Medalha Honra ao Mérito do Governo do Estado do Maranhão, pela grande articulação com os órgãos governamentais no período das queimadas na Terra Indígena Arariboia.

Em 2018 ela foi a primeira indígena a compor uma chapa presidencial e segue articulando a participação e o protagonismo das mulheres indígenas em várias frentes de luta.

No ano 2019 recebeu da Organização Movimento Humanos Direitos o Prêmio João Canuto pelos Direitos Humanos da Amazônia e da Liberdade e ainda em 2019 recebeu o prêmio Packard concedido pela Comissão Mundial de áreas protegidas da União Internacional para Conservação da Natureza (UICN).

Sônia Guajajara nasceu Sônia Bone e sua trajetória como mulher indígena, guerreira, seguindo na luta pelo meio ambiente e pelos povos originários a fez mundialmente conhecida como Sonia Guajajara o nome de seu povo que carrega com muito orgulho.

Hoje ela faz parte da Coordenação Executiva da Articulação dos povos indígenas do Brasil (APIB), terminando o segundo mandato (2013/2017) (2017/2021). E ainda compõe o Conselho da Iniciativa Inter-religiosa pelas Florestas Tropicais do Brasil, uma iniciativa que faz parte de um Programa das Nações Unidas.

Povos indígenas vão à COP26: “Não há solução para crise climática sem nós”

Povos indígenas vão à COP26: “Não há solução para crise climática sem nós”

Movimento indígena mobilizou a maior delegação de lideranças brasileiras da história da conferência do clima para pautar demarcação de terras indígenas como solução

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em conjunto com todas as suas organizações de base, mobilizaram a maior delegação de lideranças indígenas brasileiras da história da Conferência do Clima (COP26) para pautar soluções sobre a crise climática. Mais de 40 representantes dos povos originários estarão em Glasgow, na Escócia, entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro com a proposta de ocupar a Conferência para alertar o mundo sobre a necessidade de demarcar as Terras Indígenas e proteger os povos indígenas para o futuro do planeta.

“Nos colocamos contra falsas soluções baseadas em inovações tecnológicas elaboradas a partir da mesma lógica desenvolvimentista e produtivista que provoca as mudanças climáticas. Criticamos soluções que não reconheçam os povos indígenas e comunidades locais como o ponto central na defesa das florestas, da diminuição do desmatamento e das queimadas, e como essenciais para a garantir que a meta declarada de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus Celsius”, destaca trecho da mensagem da Apib aos líderes mundiais, empresários, gestores públicos e organizações que irão estar presentes na COP26.

A delegação indígena brasileira na conferência vai denunciar o genocídio indígena e o ecocídio que está em curso no Brasil agravado pela pandemia da Covid-19 e pelo projeto de morte do Governo Federal. No dia internacional dos povos indígenas, 9 de agosto, a Apib entrou com um comunicado inédito no Tribunal Penal Internacional (TPI) para denunciar o governo Bolsonaro por Genocídio.

“Moldamos e protegemos nossos biomas ao preço do sangue de milhões de parentes. O genocídio dos povos originários, a perseguição aos defensores dos territórios e a captura ilegal de nossas terras, é o maior e mais disseminado crime que a humanidade produziu ao longo de sua história. Este é um crime continuado e presente, o qual denunciamos em todas as instâncias que ocupamos”, reforça a delegação em mensagem.

De acordo com a organização da comitiva, esta é a maior delegação de lideranças indígenas brasileiras da história da COP. A Apib participa da conferência desde 2014, e havia mobilizado, em 2019, um grupo de 18 pessoas para a última COP, que era até então a maior participação de lideranças no encontro. Neste contexto de pandemia da Covid-19, que afetou bilhões de pessoas, os povos indígenas reforçam a necessidade de respeitar a biodiversidade presente nos territórios indígenas.

Para a delegação indígena a atual política do Governo Federal é nociva ao meio ambiente, ao clima e às comunidades tradicionais. A Apib e suas organizações indígenas denunciam de forma constante as invasões aos territórios, a contaminação de rios e nascentes por agrotóxicos e mercúrio, o desmatamento desenfreado da Floresta Amazônica, do Cerrado e do Pantanal. Segundo a organização, apesar desse cenário, os fundos econômicos continuam apoiando financeiramente a ganância desenfreada que destrói o planeta.

Mesmo sendo responsável pela proteção da maior parte do patrimônio florestal global e, consequentemente, da capacidade de armazenar mais de 293 gigatoneladas de carbono, um terço das terras indígenas e comunitárias de 64 países estão sob ameaça devido à ausência de demarcação.

O Brasil, que originariamente era todo Terra Indígena, hoje reserva apenas 13,8% do território nacional aos seus povos originários. E essa porção do território é a que se manteve mais preservada nos últimos 35 anos, representando menos de 1% do desmatamento no Brasil no período, apontam dados do Mapbiomas. Essa porcentagem não significa toda a extensão das florestas protegidas pelos povos indígenas e segundo a Apib, além da paralisação das demarcações de Terras Indígenas, os territórios tradicionais já demarcados encontram-se sob forte ameaça legislativa, em uma tentativa inconstitucional de negar a presença tradicional dos povos indígenas no país, e da ocupação de suas terras muito antes da formação do Estado brasileiro.

“Vamos a Glasgow para mais uma vez alertar ao mundo, e nesta ocasião com ainda mais gravidade: a humanidade está conduzindo o destino de todos nós ao caos e à morte! Nossa Mãe Terra está exaurida. O futuro do planeta e das espécies que o habitam dependem da nossa capacidade global de cooperação para defender e fortalecer os povos indígenas e comunidades locais, para garantir a seguridade dos territórios tradicionais face aos interesses econômicos predatórios, e para criar e promover soluções climáticas efetivas baseadas na natureza e nas comunidades que a protege”, reforça a delegação.

Mensagens

Leia a mensagem da Apib aos líderes mundiais, gestores de políticas públicas, empresários e organizações da sociedade civil reunidos na COP 26 aqui.

Leia a declaração dos povos indígenas da Amazônia brasileira frente à crise climática elaborado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira aqui.

CARTA DE TARUMÃ:  Declaração dos povos indígenas da Amazônia brasileira frente à crise climática

CARTA DE TARUMÃ: Declaração dos povos indígenas da Amazônia brasileira frente à crise climática

Nós, os povos indígenas da Amazônia brasileira, observamos há muito tempo as mudanças climáticas e seus efeitos em razão de mantermos uma relação ancestral com a Mãe Terra. Pois é dela que vem todo o nosso sustento e as explicações para os fenômenos que afetam a vida de todos os seres vivos e cosmológicos.

A crise climática está diretamente relacionada à ganância sobre as terras indígenas, aliada à erosão jurídica dos direitos indígenas e ambientais que está em trâmite no Brasil. O tempo em que estamos vivendo, no qual um vírus parou o mundo e afetou a rotina de bilhões de pessoas de todas as classes sociais e diferentes culturas, é fundamental para pensar seriamente na necessidade de respeitar a sociobiodiversidade presente em nossos territórios. Mas no Brasil, o governo atual é letal com políticas anti-ambientais, anti-climáticas e anti-indígenas. Nossos territórios, que são nossos de direito, estão sendo invadidos por garimpeiros e madeireiros; aldeias foram cercadas por fazendas de gado e soja; os rios são contaminados por agrotóxicos e mercúrio; a Floresta Amazônica está em chamas virando cinza; e governos e os fundos econômicos continuam apoiando financeiramente essa ganância desenfreada, a economia da destruição que mata e que destrói a vida e o planeta.

Todos precisam mais do que nunca ouvir nosso chamado, que nós, os povos indígenas estamos alertando há séculos a partir dos saberes ancestrais que orientam nosso modo de ver e entender o mundo. É neste contexto que mais uma vez chamamos a atenção para a necessidade de construir uma justiça climática inclusiva e participativa a partir das nossas cosmovisões, das salvaguardas e dos nossos territórios. É preciso ir além das metas estabelecidas nos acordos internacionais e passar a considerar o papel vital que nós, povos indígenas, desempenhamos nesse processo, e que deve ser implementado em eixos de responsabilidade socioambiental.

Chegamos ao ponto de não retorno. O recente relatório divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), intitulado Climate Change 2021: the Physical Science Basis, demonstra de forma nítida que as mudanças climáticas causadas pela ganância do homem são irrefutáveis, irreversíveis e vão se agravar nos próximos anos e décadas se não tivermos ações práticas para alterar o quadro da crise climática, ambiental e social. De igual forma, mesmo se zerássemos as emissões de gases de efeito estufa, já teríamos um aumento significativo na temperatura global, o suficiente para efeitos catastróficos.

Não há outro caminho a não ser reconhecer, fortalecer e promover o importantíssimo papel desempenhado por nós, povos indígenas, dentro dos nossos territórios. Para nós, falar em justiça climática é justamente pensar o destino das presentes e futuras gerações e dos que escolheram outras formas de sociedade, como os povos isolados e de recente contato que se encontram na Amazônia. Isto está atrelado à necessidade de se respeitar as diversidades. A cosmologia indígena que nos faz compreender os sinais da Mãe Terra impõe o dever de reconhecer o ecocídio, em que os rios, lagos, animais, florestas e seres cosmológicos que ali habitam são sujeitos de direitos como nós, seres humanos, e devem ser respeitados. Por isso, falar em crise climática requer necessariamente reconhecer a importância das terras indígenas, e de nós, povos indígenas, que damos a vida para proteger a floresta e sua biodiversidade, cumprindo um papel fundamental no equilíbrio climático, beneficiando, assim, toda a Humanidade.

Entretanto, existe um caminho prático de solução que há muito tempo nós, os povos indígenas, viemos apontando: demarcar nossos territórios, mudanças no sistema de produção, plantar mais árvores, parar de queimar combustíveis fósseis e reduzir a pressão sobre a capacidade de carga da Terra. Este deve ser um compromisso de todos: governos, empresas e indivíduos.

Territórios protegidos e direitos respeitados são a solução. Não podemos nos deixar seduzir pela falsa ideia do mercado de carbono, falsas soluções baseadas apenas na natureza e mecanismos de financiamento que não condizem com nossa realidade. Oferecemos alternativas com base em nossos saberes tradicionais associados a inovações tecnológicas. A prática da agricultura deve estar atrelada à segurança alimentar. Chamamos atenção para a responsabilidade solidária de todas as partes envolvidas. As corporações e governos são responsáveis pela destruição em curso na Amazônia brasileira, mas apenas críticas não são suficientes, é preciso mais do que nunca adotar medidas enérgicas para salvaguardar os interesses ecológicos.

É urgente e essencial fortalecer fundos indígenas e mecanismos financeiros que dialoguem com a realidade indígena, como o Fundo Indígena da Amazônia Brasileira – Podaali. Tais recursos devem promover a implementação dos planos de vida dos povos indígenas e as políticas públicas socioambientais. No entanto, nenhum desses esforços surtirá efeito até que todas as terras indígenas sejam demarcadas, que 80% do bioma Amazônico esteja protegido, e que todas as partes tenham metas ambiciosas e que sejam alcançadas. Ou seja, é necessário mudar todo o sistema político e econômico atual.

É chegada a hora em que os povos indígenas da Amazônia Brasileira através da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, sendo a maior organização indígena do Brasil, com o envolvimento de uma população estimada em mais de 480 mil indígenas, de 178 diferentes povos que ocupam 23% do território amazônico, conclama toda a sociedade do planeta a aliar-se aos povos indígenas em defesa da vida na terra.

A luta dos povos indígenas é de todo planeta!

Amazônia (Brasil), 15 de outubro de 2021

DEMARCAÇÃO JÁ: Não há solução para crise climática sem nós

DEMARCAÇÃO JÁ: Não há solução para crise climática sem nós

Compomos uma delegação indígena brasileira, que parte rumo a Glasgow, na Escócia, como representantes dos anseios e portadores das mensagens urgentes dos mais de 305 Povos Indígenas do Brasil.

Somos homens e mulheres, descendentes de gerações milenares de guardiões e guardiãs dos biomas da América do Sul, e nos irmanamos aos povos originários de todos os cantos de nossa Mãe Terra.

Em todos os continentes, os povos originários lutam para proteger suas terras e garantir a todas as espécies o direito de viver. Nossa luta é por nossas vidas e por nossos territórios, pela defesa das últimas terras ancestrais e pelo enfrentamento à crise climática em nosso planeta. Nossa luta é pela cura da Terra. Por isso, reiteramos a urgência da demarcação de nossos territórios.

Terra Indígena é garantia de futuro para toda a humanidade. Nossa relação com o território não é de propriedade, exploração, expropriação ou apropriação, mas de respeito e manejo de um bem comum, que serve a toda humanidade como pólos de contenção das dinâmicas extrativistas que provocam a crise climática. Até hoje – e isso não dizemos nós, mas a ONU e diversos institutos de pesquisa com a reputação mais elevada que a ciência ocidental pode demandar -, somos nós, Povos Indígenas, os maiores responsáveis pela preservação dos biomas do planeta.

Ao sair de nossas aldeias e atravessar o Oceano Atlântico rumo à mais importante convenção do clima que a governança global instituiu, trazemos nas malas nossos conhecimentos tradicionais e a autoridade para afirmar que nossos territórios são oásis de biodiversidade e modelos de solução climática. Nossa cultura e nossos saberes são originalmente ambientalistas, mesmo antes de este termo ser inventado.

Muitos que nos ouvem hoje não têm dimensão de toda a força que empenhamos nesta missão. Moldamos e protegemos nossos biomas ao preço do sangue de milhões de parentes. O genocídio dos povos originários, a perseguição aos defensores dos territórios e a captura ilegal de nossas terras, é o maior e mais disseminado crime que a humanidade produziu ao longo de sua história. Este é um crime continuado e presente, o qual denunciamos em todas as instâncias que ocupamos.

É fundamental, que o mundo compreenda que não existe solução para a cura da Mãe Terra que não tenha os pés no chão. Conectar-se com a terra, sentir suas necessidades, entender seus ciclos e seus desequilíbrios é fundamental para revertermos os danos causados nos últimos séculos pela sede de acumulação e descarte irresponsável, desigual e ecocida.

O que sentimos em nossas aldeias, territórios protegidos a tanta custa, são os devastadores sintomas do apocalipse climático. O genocídio indígena e a contínua expropriação de nossos territórios por investidas legislativas e interesses predatórios é um claro sinal de que nossas terras são as últimas Reservas de Futuro. O massacre dos povos indígenas é um presságio da devastação irreversível que faz vítimas em florestas, bosques, campos, savanas, em todos os biomas por todo o mundo. Não contido, levará a todos os seres viventes um fim trágico, doloroso e injusto.

Para as autoridades e especialistas que se reúnem agora em Glasgow, pedimos que tomem ações reais para a proteção dos nossos territórios e que trabalhem incansavelmente para um sistema de produção mais justo e menos poluente para todos e todas sociedades.

Vamos a Glasgow para mais uma vez alertar ao mundo, e nesta ocasião com ainda mais gravidade: a humanidade está conduzindo o destino de todos nós ao caos e à morte! Nossa Mãe Terra está exaurida.

O futuro do planeta e das espécies que o habitam dependem da nossa capacidade global de cooperação para defender e fortalecer os povos indígenas e comunidades locais, para garantir a seguridade dos territórios tradicionais face aos interesses econômicos predatórios, e para criar e promover soluções climáticas efetivas baseadas na natureza e nas comunidades que a protege.

Por isso, nos colocamos contra falsas soluções baseadas em inovações tecnológicas elaboradas a partir da mesma lógica desenvolvimentista e produtivista que provoca as mudanças climáticas. Criticamos soluções que não reconheçam os povos indígenas e comunidades locais como o ponto central na defesa das florestas, da diminuição do desmatamento e das queimadas, e como essenciais para a garantir que
a meta declarada de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus Celsius.

Esperamos que esta mensagem chegue aos líderes globais, empresários e organizações da sociedade civil presentes na COP 26, vibre em seus corações, e refloreste suas mentes!

DEMARCAÇÃO JÁ!
Não existe solução para crise climática sem Povos e Terras Indígenas

BRASIL, 29 de outubro, 2021

Estudantes Indígenas sofrem perseguição e intimidação da UFOPA

Estudantes Indígenas sofrem perseguição e intimidação da UFOPA

Foto: Sofia B. H. Lisboa

Durante a semana dos povos indígenas, em abril de 2019, três lideranças indígenas e estudantes da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), reagiram a provocações do diretor de política e assistência estudantil representante da reitoria durante um debate sobre políticas de assistência estudantil e ações afirmativas. Os discentes Auricélia Arapiun, Alessandra Munduruku e  Willames Borari desde então vêm sofrendo perseguições e intimidações por parte da instituição. 

O desentendimento gerou processo interno da universidade contra os alunos.  Não satisfeitos só com a imposição de investigação interna, por meio de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), os representantes da administração superior da instituição acionaram a Polícia Federal, que instaurou procedimento investigativo contra os estudantes indígenas. Os alunos foram procurados pela Polícia Federal na investigação, gerando neles abalos familiares, angústia, insegurança, afastamento e descrença na capacidade crítica da universidade.

Ocorre que o desentendimento se deu no âmbito interno da universidade, em evento acadêmico tradicional dos indígenas da UFOPA, de modo que, a ocorrência interna poderia ser apurada através de processo administrativo e instâncias internas de mediação de conflitos desta natureza. Mas o reitor da instituição optou em judicializar o processo,  confrontando alunos indígenas com a polícia federal, afrontando a autonomia universitária e o devido debate crítico que fundamenta a universidade. Afinal, se não for a universidade lócus privilegiado do debate crítico, duro e profundo, onde seria?

A universidade vem praticando racismo institucional em não tratar  estudantes indígenas com a qualidade e atenção que eles merecem. Em denúncia, os estudantes afirmam que o  reitor chegou a fazer um tribunal étnico-racial, colocando os estudantes indígenas na frente de  outros estudantes da universidade para expor bolsas estudantis, em uma tentativa de demonstrar que os estudantes indígenas são privilegiados. Assim, o reitor incentivou uma rivalidade na instituição e causou transtornos e assédio.

Outra questão é que nunca foi usada metodologia por parte da universidade para uma escuta e diálogo para acolher os estudantes indígenas. Ao contrário das necessidades, os profissionais despreparados usam de violências institucionais e preconceituosas para perseguir e para desmoralizar, provocando situações como a que aconteceu com Auricélia Arapiun, que passa pelo segundo processo interno na universidade. Em 2018 foi aberto um processo que logo foi arquivado e recentemente reabriram o processo que pode reter o seu diploma de conclusão do curso. 

Auricélia é estudante e liderança indígena, vice-coordenadora do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), organização que representa sociopolíticamente 13 povos da região Baixo Tapajós.  

A permanência dos estudantes indígenas  na universidade e a conclusão de seus cursos é um ato político e uma conquista para seu povo, sobretudo em um país onde as universidades excluem sua participação. As perseguições e intimidações precisam parar, e a segurança, e a qualidade de vida dos estudantes precisam ser asseguradas pela universidade. 

 

Infância e natureza na perspectiva indígena 

Infância e natureza na perspectiva indígena 

Foto tirada por Xuli Ribeiro na Segunda Marcha das Mulheres indígenas 2021

por Aldenora Pimentel e Kamuu Dan Wapichana

A infância não é para nós o ponto inicial. O começo está na ancestralidade e na dinâmica viva com que a memória nos constrói, fortalece e nos impulsiona para as experiências. Não é o meio e nem só o final. A infância tem a mesma relevância de contribuição em todo o processo de resiliência dos povos originários, pois é durante todo o percurso que se aprende a importância de cada indivíduo na coletividade.

As crianças não são só futuro, pois para ela existir, a responsabilidade do presente é fundamento essencial e agora, mais do que nunca, esse compromisso se torna emergencial. Por isso, não é possível separar os debates sobre cultura, educação, trabalho, brincadeiras, saúde, meio ambiente, direito e outros. Para nós, tudo está intrinsecamente interligado à nossa espiritualidade ancestral e à nossa sobrevivência.

Nosso esforço é garantir todas as existências, e isso só é possível mantendo a saúde da Mãe Terra. Todas as energias são voltadas para essa defesa, para a continuidade do legado dos guardiões da natureza, que exercem esse cuidado e que lutam diariamente para assegurar a dignidade coletiva dos seres. Todos somos protagonistas, e também as crianças cumprem um papel fundamental nesse cordão de resistência permanente, carregando no sangue e na memória a história de luta, a beleza do fortalecimento, a leveza do acreditar e do fazer. 

Cada passo é um aprendizado, uma conexão. Cada ser é uma história, mas não existe história sem território. Nossa história está inteiramente vinculada ao território a que pertencemos. No entanto, não se trata apenas do espaço geográfico onde nascemos, mas também da conexão que a ancestralidade nos permite agregar, sentir, vivenciar, transmitir e compartilhar conhecimentos. Na infância se aprendem valores, mas também é ali que as crianças nos ensinam que a força não se sustenta quando estamos sozinhos, e que ganhamos experiência com a coletividade. 

Estamos passando por um momento muito difícil atualmente, no qual essa conexão e esse equilíbrio estão sendo rompidos com o avanço do agronegócio e da degradação do meio ambiente, e até podendo afirmar que, em muitos lugares, as mulheres estão ficando inférteis. Como pensar em futuro sem assegurar o princípio da vida?

Não há espaço para as crianças em um contexto em que, com a cobiça pelos recursos naturais e terras indígenas, só resta a beira das estradas para muitas famílias, como é o caso dos Guarani Kaiowá e de tantos outros que foram expulsos de seus territórios ancestrais. Passam por uma situação complicada os Yanomami nas terras indígenas em Roraima, onde sofrem com a contaminação dos rios, fonte de toda existência. Com a exploração do minério em suas terras, seus corpos começam a adquirir o inimaginável e o desconhecido que trazem morte e destruição. E após as cidades invadirem nossas aldeias e avançarem para o progresso, como nós podemos falar de futuro para nossas crianças tendo um presente que fere e mata? Só nos resta ensinar aos pequeninos o fervor ao lutar por nossa própria existência?

Queremos mais que uma lembrança de um dia termos passado por essas terras. Queremos continuar tendo o direito de mantermos nossas diferenças que tanto nos igualam e nos tornam únicos coletivamente. Que nos fazem acreditar até sempre que, independente de nossas crenças, ideologias, idades e conhecimentos, podemos conviver. E indo mais além… que podemos bem viver. 

Nessa relação única, os olhares indígenas infantis afirmam que somos um só, e por isso o respeito é o principal elemento que deve ser praticado diariamente, e que a sabedoria ancestral se manifesta em todas as formas de vida.

Fomos arrancados de nossos territórios e nossa própria história nos foi negada. Por isso, voltar o olhar carinhoso para as crianças se faz tão necessário, pois as mudanças geradas pela ganância e pela opressão afastam a infância ainda mais de nossas origens, costumes e tradições. O dinheiro parece continuar ter mais importância que a vida! Como permanecer com esse vínculo e com esse cuidado se continuam a nos arrancar do seio da Mãe Terra?

Agora é o momento para refletir e agir! Uma mão unida à outra nutre a alma, aquece o coração e fortalece a caminhada. Passos para o bem viver, mesmo por caminhos diferentes, sinais de respeito à vida. Experiência e cuidado manifestam aprendizado coletivo que nos constrói e nos transforma em sementes férteis, e assim não deixamos de ser crianças, continuamos a aprender e a nos relacionar bem com todos os seres.

Porque aqui usamos nós e não somente mencionamos a palavra criança? Porque a infância está em nós até o final, basta olharmos para dentro de nós para lembrar quem realmente somos. Independente de onde estivermos, esse será nosso lugar de fala e resiliência!

Aldenora Pimentel 

Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Roraima (UERR) e Especialista em Residência Agrária com Habilitação em Cultura, Arte e Comunicação pela UnB. Pesquisadora na área de literatura indígena contemporânea com foco no suporte pedagógico e formação de profissionais da educação sobre a temática indígena em sala de aula.

 Kamuu Dan Wapichana (Filho do Sol) 

Mestre dos saberes tradicionais, estudante de Gestão Ambiental na Universidade de Brasília, escritor, contador de histórias, educador socioambiental popular, permacultor, nascido em Boa Vista-RR, de origem do Povo Wapichana.

Grileiro tenta atropelar liderança indígena no território de Comexatibá

Grileiro tenta atropelar liderança indígena no território de Comexatibá

Por comunidades tradicionais e indígenas de Cumuruxatiba

O município de Prado, no extremo sul baiano, é palco dos conflitos por terra mais antigos do Brasil. Desde que esta paradisíaca costa recebeu a invasão portuguesa, expulsando os indígenas, moradores originários do local, a violência e a pistolagem é promovida por grileiros e latifundiários que ameaçam as vidas da população nativa. 

Na última quarta-feira, 20 de outubro, houve mais uma tentativa de atentado. Lucas Lessa avançou o carro sobre Xawã Pataxó (Ricardo) quebrando sua moto e provocando alguns arranhões. “A gente acabou de ter um ataque aqui na comunidade, no território, onde o pessoal dos Lessa estava. Justamente o Lucas Lessa com homens no carro. A gente explicando pra ele a decisão que tem do STF, do ministro Dias Toffoli para esse território da Aldeia Kaí… Ele infelizmente jogou o carro em cima da gente, a gente teve que se defender com nosso tacape. Ele veio em direção a mim com o carro e consegui se livrar do atropelamento. Mas ele quebrou minha moto também, passou por cima da moto. Aí estamos comunicando os companheiros. A gente não vai deixar mais as nossas praias serem fechadas e nosso território ser tomado”, denunciou Xawã. 

Ao tentar denunciar a violência na delegacia de polícia de Prado, alguns minutos depois, a liderança indígena se deparou com Lucas que acabava de dar um depoimento. O delegado, por sua vez, se recusou a ouvir a denúncia da vítima.

A tentativa de coerção é motivada pela disputa em torno principalmente das Praias do Moreira e do Calambrião, que vem sendo cercadas por grileiros para criar condomínios de luxo. Os acessos tradicionalmente utilizados pelas comunidades extrativistas, marisqueiros e indígenas foram cercados, impedindo a passagem destes povos e dos turistas que frequentam a região. 

No último sábado, 16, as comunidades se uniram para reabrir uma das estradas, que leva à Praia da Biquinha. Um loteamento ilegal também está em curso na Praia do Moreira, que é parte da Resex Corumbau (Reserva Extrativista Marinha de Corumbau). As comunidades denunciam e tentam retirar as cercas para conter a especulação imobiliária promovida pela chegada de estrangeiros e milionários. No mesmo território encontra-se a aldeia Kaí, que segundo o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) integra o Território Indígena de Comexatibá, mais conhecido pelos turistas como Cumuruxatiba.

“Essa questão não é só de Pataxó, não é só dos pescadores que nesse momento de fome estão impedidos de pescar, de pegar o seu peixe, porque a carne esta cara. É também do interesse nacional. Foi nesse lugar que baixou o primeiro barco das caravelas através de Nicolau Coelho. Isso é um patrimônio nacional e mundial da humanidade. Esse patrimônio está sendo tomado de nós brasileiros. O que está acontecendo aqui é um verdadeiro atentado contra a memória nacional e contra a terra Pataxó e os povos indígenas do Brasil. Está tudo invadido, ninguém tem mais acesso a praia”, alerta Maria Geovanda Batista, professora e pesquisadora da Universidade do Estado da Bahia e acompanha a causa há anos.

 

 

Quem é Lucas Lessa

 

Lucas Lessa é filho do advogado José Carlos Lessa, envolvido no esquema de compra e venda ilegal de lotes do INCRA, de acordo as denúncias feitas pela imprensa em 2011. Ele reside em uma mansão à beira da Praia da Japara Grande e transformou o que deveria ser um lote da reforma agrária em restaurante particular. A família Lessa, natural do Rio de Janeiro, adquiriu ilegalmente uma série de lotes à beira da praia, inclusive na Praia do Calambrião, onde possuem outra mansão. Lucas é advogado, porém se passa por pescador no distrito de Cumuruxatiba. 

 

O assentamento Cumuruxatiba foi homologado no Plano Nacional de Reforma Agrária em 1987 e abrangia 268 beneficiários. No entanto, as dificuldades para o estabelecimento das famílias assentadas com a morosidade na implantação das políticas da reforma agrária e a pressão exercida por fazendeiros e empresários, gananciosos sobre as riquezas litorâneas, gerou a mercantilização das terras públicas. Hoje o assentamento está completamente desconfigurado, há mansões construídas para veraneio e locação para pessoas ricas, já que a diária pode chegar até mil reais durante o verão. 

 

Conflito centenário

 

O território que originou a vila de Cumuruxatiba, pequena área urbanizada, e o PA Cumuruxatiba, é habitado pela etnia Pataxó desde os tempos de Pindorama. Alguns documentos nos relatórios da FUNAI registram a presença destes indígenas desde 1577, numa área que abrange as praias acima da vila, a Fazenda Paraíso e a suposta Fazenda dos Lessa e segue sentido Norte até Caraíva. Durante séculos eles foram massacrados e forçados ao êxodo, tendo suas aldeias incendiadas, como é o caso conhecido como Fogo de 51. As ameaças recorrentes deixaram o povo em situação de extrema vulnerabilidade diante das diversas invasões.

Mesmo o projeto de assentamento, que pela lei deveria beneficiar prioritariamente os nativos, foi criado sem considerar a existência dos Pataxós. Além do INCRA, houve a sobreposição feita pelo então Ibama (hoje ICMBio), que criou Unidades de Conservação (UC) com as áreas de ocupação histórica dos Pataxó. Trata-se do Parque Nacional do Monte Pascoal, implantado sobre o Território Indígena Barra Velha do Monte Pascoal, e o Parque Nacional do Descobrimento, sobreposto ao TI Comexatibá (Cahy/Pequi).

Desde 1999 os Pataxós deflagraram a retomada de seu território e fundaram cinco aldeias no entorno da vila de Cumuruxatiba: Kaí, Pequi, Tibá, 2 irmãos e Gurita. Atualmente há uma decisão do Supremo Tribunal Federal em benefício dos Pataxó que reafirma seu direito sobre as terras, no entanto não há nenhum tipo de fiscalização do Estado que garanta a segurança e a efetividade deste direito. A atuação do governo Bolsonaro tem estimulado a violência e a ampliação dos conflitos, ao mesmo tempo em que atua no desmonte da FUNAI. As comunidades apontam a demarcação como saída para o conflito e seguem resistindo nas áreas de retomada. 

“A gente precisa de apoio das autoridades porque estamos passando um momento tão difícil, a carestia taí, tem muitas pessoas que não conseguem comprar um quilo de carne, estão na fila do osso. E isso a gente não quer para o nosso povo. A gente quer melhoria, não só para nós indígenas, como para todos os brasileiros que entenderem a nossa luta”, apela o Cacique da Aldeia Tibá, José Fragoso.

 

Às vésperas da Conferência do Clima da ONU, Londre recebe o 1.º Festival de Cinema Indígena Brasileiro

Às vésperas da Conferência do Clima da ONU, Londre recebe o 1.º Festival de Cinema Indígena Brasileiro

O 1.º Festival de Cinema Indígena Brasileiro traz para Londres uma seleção de curtas, longas, documentários e animações produzidas por onze cineastas de sete diferentes povos com filmes legendados em inglês. O programa celebra os rituais e a herança cultural dos povos indígenas e reafirma o direito por suas terras e à expressão cultural, direitos esses que estão sendo desmantelados nos últimos anos. Os cineastas abordam essas questões de forma poética e provocativa na primeira edição deste festival, que busca abrir conversas sobre nosso papel na preservação do planeta e o que podemos aprender com os povos indígenas.
Com curadoria do renomado cineasta Takumā Kuikuro, do Território Indígena do Xingu, na bacia amazônica brasileira, e Christian Fischgold, pesquisador visitante da Universidade de Manchester, o festival amplifica as vozes muitas vezes não ouvidas dos povos indígenas do Brasil. O programa está dividido em três vertentes: O Direito à Terra (sexta, 22)*, combina trabalhos sobre diferentes formas de luta indígena — simbólica, prática, política,  mitológica — pelo direito à terra; A Dimensão Ritual (sábado, 23) documenta e celebra os povos Maxakali e Kisedjê no Brasil rural — e mostra que enquanto os rituais podem ser políticos, o político também pode ser ritualístico. Oralidade, Filme e História (domingo, 24)- traz perspectivas históricas, sociais e filosóficas das comunidades Parakanã, Guarani — Nhandewa e Guarani — Kaiowá.
A noite de abertura será seguida de uma conversa com os curadores do festival, cineastas e um líder indígena da APIB, Brasil. A conversa será moderada por Paul Heritage, Professor de Drama e Performance na Queen Mary University de Londres e Diretor da PPP.

Veja o programa completo aqui.

Destaques
Equilibrium, uma videoarte etno-midiática da jornalista e educadora Tupinamba Olinda Muniz Wenderley. Dois filmes de animação, A Celebração dos Espíritos e Konãgxeka: O Dilúvio Maxakali trazem as cores da natureza e as tradições de dois grupos. Nũhũ yãg mũ yõg hãm: Esta terra é nossa terra! é o vencedor do prêmio de Melhor Filme Internacional no Sheffield Doc / Fest deste ano. O festival apresenta ainda duas produções de Alberto Alvares: Sonho de Fogo, uma interpretação de um sonho – um presságio de doença, segundo as tradições Guarani Nhandewa, e Tekowenhepyrun: A Origem da Alma, que é um testemunho dos sábios da aldeia do diretor, que acredita que a alma é a ligação entre o corpo e o espírito. Alberto, um dos mais importantes cineastas indígenas da última década, teve suas obras expostas em Bienais de Artes e festivais internacionais de cinema. Ava Yvy Vera: A Terra do Povo Relâmpago, uma representação da luta dos povos Guarani-Kaiowá pelo direito à terra que ganhou reconhecimento internacional após o lançamento de uma carta conjunta em 2012, protestando contra os assaltos e avanços do agronegócio brasileiro. O provocador Zawxiperkwer Ka’a registra as atividades dos Guardiões da Floresta, grupo que luta contra a extração ilegal de madeira e trabalha pela proteção dos Awá-Guajá, um dos grupos indígenas isolados mais ameaçados do leste da Amazônia.

“O direito à terra, a proteção da floresta e a ênfase na possibilidade de um modo de vida diferente são componentes políticos dos filmes selecionados. A câmera e o cinema têm uma importância fundamental, seja como instrumento de criação etnográfica ou de proteção em zonas de conflito”.  Takumā Kuikuro e Christian Fischgold
“Os povos indígenas estão liderando a luta contra as mudanças climáticas. Eles precisam
urgentemente de nosso apoio em sua resistência contra a destruição de seus modos de vida
tradicionais. ” Paul Heritage

O 1º Festival de Cinema Indígena do Brasil no Reino Unido é produzido pela People’s Palace Projects
em parceria com o ICA. Financiado pela Queen Mary University of London, University of Manchester,
Arts Council England e UK Research and Innovation através do Global Challenges Research Fund,
apoiado pela APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.