Movimento indígena promove 300 mobilizações contra o marco temporal em todo o Brasil

Movimento indígena promove 300 mobilizações contra o marco temporal em todo o Brasil

Foto: @kamikiakisedje 

A maior parte das mobilizações ocorreram nos estados do Amazonas, Mato Grosso e Pará 

Cerca de 300 mobilizações contra o marco temporal foram realizadas pelo movimento indígena em 2023. As mobilizações ocorreram entre maio e setembro e foram convocadas e mapeadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e suas sete organizações regionais de base.

As manifestações reivindicavam a queda da tese no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Congresso Nacional, presentes respectivamente no Recurso Extraordinário n.º 1.017.365 e no PL 2903. Após dois anos de luta, os ministros do STF formaram maioria contra a tese no último dia 21 de setembro. Confira o histórico do marco temporal aqui.

Com o tema “Pela justiça climática, pelo futuro do planeta, pelas vidas indígenas, pela democracia, pelo direito originário/ancestral, pelo fim do genocídio, pelo direito à vida, por demarcação já: Não ao Marco Temporal!”, as mobilizações ocorreram em 24 estados brasileiros, além do Distrito Federal. A maior parte delas aconteceram no Amazonas (Estado com maior presença indígena, segundo o Censo 2022) e no Mato Grosso, com 24 mobilizações cada, seguido do Pará com 19 atividades. 

Entre as mobilizações, dois acampamentos foram feitos na cidade de Brasília (DF). O primeiro deles no mês de junho, onde 2 mil indígenas acamparam na Praça da Cidadania para acompanhar a primeira sessão do julgamento deste ano. Já o segundo acampamento ocorreu no Memorial dos Povos Indígenas com a presença de mais de 600 lideranças. 

“A queda do marco temporal é resultado das mobilizações e articulações que fizemos nos últimos meses e anos. Ocupamos não só Brasília, mas diversas cidades, territórios e perfis nas redes sociais com as nossas mensagens”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib. 

A luta continua 

Em sessão histórica e com o placar de 9×2, o marco temporal foi derrubado no Supremo mas a discussão será retomada na próxima quarta-feira, 27 de setembro. O julgamento será retomado para debater sobre as propostas levantadas pelos ministros Alexandra de Moraes e Dias Toffoli no que refere à indenização prévia para invasores de terras indígenas e o aproveitamento de recursos em TIs.

A Apib comemora o respeito aos direitos indígenas no STF, mas alerta que a luta continua. Mesmo fora da legalidade, diversas terras indígenas estão sendo invadidas e a violência tornou-se constante. “É uma vitória para os povos indígenas, pois há anos nós estamos lutando para afastar essa tese que, de certa forma, estava paralisando os processos de demarcação no Brasil. No entanto, tem alguns pontos importantes a serem observados, porque os votos de Toffoli e Moraes trouxeram elementos bastantes perigosos para nós”, defende Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib. 

No Senado, a tese do marco temporal está presente no Projeto de Lei 2903 que, atualmente, encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Em uma queda de braço com o Supremo, a bancada ruralista pressionou para que o PL fosse votado no dia 20, mas o dia foi marcado pela falta de diálogo: lideranças foram impedidas de entrar no Senado e a Comissão rejeitou pedido de audiência pública. A votação foi adiada para o dia 27 de setembro após pedido de vistas coletivo dos senadores.

Saiba mais sobre a tese que pode definir o futuro dos povos indígenas na cartilha e no site: https://apiboficial.org/marco-temporal/ 

Ministro Barroso atende pedido da Apib e pede informações à União sobre medidas de proteção aos Yanomami

Ministro Barroso atende pedido da Apib e pede informações à União sobre medidas de proteção aos Yanomami

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso atendeu uma solicitação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e determinou que a União informe sobre o andamento das medidas de proteção ao povo Yanomami. O pedido da Apib foi feito ao Tribunal dentro da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 com base no relatório “nós ainda estamos sofrendo” feito pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), pela Associação Wanasseduume Ye’kwana (SEDUUME) e pela Urihi Associação Yanomami.

As organizações indígenas denunciaram a morosidade, ineficiência e inação de militares no âmbito das operações de ajuda humanitária no território Yanomami. Segundo as entidades, os órgãos federais estariam descumprindo as determinações do STF e mesmo com a realização de algumas operações o garimpo na Terra Indígena Yanomami teria crescido 4% de janeiro a junho deste ano.

Entre outros pontos, afirma que os alertas de garimpo na TI Yanomami foram interrompidos e que o espaço aéreo na região ficou fechado por apenas seis dias, dificultando o combate à mineração ilegal. Também sustenta que as cestas alimentares destinadas à ajuda humanitária não estão sendo entregues ou entregues com demora, provocando perda de alimentos.

Acesse a petição da Apib aqui

Acesse relatório completo das organizações Yanomami aqui 

De acordo com o relatório, o contingente de profissionais, materiais e infraestrutura para o combate à malária é insuficiente e que falta articulação entre diferentes órgãos, entidades e ministérios. Relata, ainda, o agravamento da crise sanitária em algumas comunidades, com aumento de incidência de malária em até 11 vezes em alguns locais, se comparado com o mesmo período do ano anterior.

A decisão do ministro Barroso pede que a União se manifeste detalhadamente sobre o pedido da Apib, por cada um dos órgãos que atuam na área, a respeito das falhas de coordenação nas operações de logística, desintrusão e proteção à saúde dos povos indígenas Yanomami.

Acesse a decisão completa do ministro Barroso aqui 

Indenizar fazendeiros invasores vai custar mais de 1 bilhão e pode tornar demarcações inviáveis

Indenizar fazendeiros invasores vai custar mais de 1 bilhão e pode tornar demarcações inviáveis

A proposta de indenização sobre a terra nua pode bloquear as demarcações por falta de orçamento nos governos, além de ser um prêmio a grileiros invasores de terra indígena

A vitória da força do movimento indígena marcou esta quarta-feira, 21/09. No dia da árvore, o Supremo Tribunal Federal compreendeu as reivindicações dos povos originários do Brasil e derrubou o marco temporal, com nove votos contrários e dois favoráveis à tese. No entanto, durante o debate as teorias apresentadas pelos ministros deixaram diversas questões pendentes. Elas serão abordadas pela suprema corte nesta semana. Entre elas, a que mais preocupa a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil é a questão da indenização prévia sobre a “terra nua”, apresentada inicialmente pelo ministro Alexandre de Moraes e posteriormente pelo ministro Cristiano Zanin.
Segundo os juristas, pessoas que tenham tomado posse de terras indígenas de “boa fé” teriam o direito a indenizações sobre a terra que ocupam. A lei atual já prevê a indenização pelas benfeitorias e o reassentamento de pequenos agricultores, através do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

As teses de Moraes e Zanin, no entanto, abrangem desde a agricultura familiar, até fazendeiros. E a soma das quantias para garantir as demarcações pendentes na FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), com a indenização sobre a terra, pode ultrapassar R$1 bilhão de reais. Um orçamento 46% maior do que a cifra atual do órgão.

De acordo com a pesquisa realizada pela Agência Pública as dez áreas com mais hectares sob posse de fazendeiros e contestação judicial, registradas pelo Sigef (Sistema de Gestão Fundiária) do INCRA se localizam nos estados de Pará/Mato Grosso, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pernambuco e Paraná e somam 544 mil hectares. São 55% do total de terras reivindicadas por povos indígenas, que atingem a quantia de R$942 milhões de reais, caso a indenização seja paga.

O cálculo desse preço leva em conta a chamada terra nua, ou seja, a área da fazenda em hectares, de acordo com cada localização e a base de cálculo da Pauta de Valores de Terra Nua do Incra. Ainda não está claro na discussão do STF, quais proprietários teriam direito a essa indenização ou quantos deles seriam beneficiados, por isso, este cálculo leva em conta todas as sobreposições nas TIs. Este orçamento está R$200 milhões acima do previsto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do governo Lula para a Funai em 2024.

Teses de indenização sobre a terra nua

Há duas propostas de indenização sobre a terra no STF. A proposta feita por Alexandre de Moraes no dia 7 de junho, apareceu infiltrada em seu discurso contrário ao marco temporal. Uma forma de amenizar os ânimos do agronegócio com um “caminho do meio”. Para ele, os proprietários de imóveis em terras indígenas poderiam receber “indenização prévia” à demarcação dos territórios pelas benfeitorias e pelo valor do terreno.

O artigo 231 da Constituição Federal, em seu parágrafo 6º, torna “nulos e extintos” os “atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse” das terras tradicionais indígenas. Ou seja: qualquer título de propriedade que esteja sobre esses territórios não tem validade. E não há nada previsto em termos de direito a indenizações, diante da extinção destes atos. A constituição permite apenas a compensação pelas “benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé”. Além disso, não está clara qual será a forma de garantir a posse integral do território aos Povos Indígenas, uma vez demarcado o território e paga a indenização aos fazendeiros invasores. A proposta deixa lacunas para o alargamento de conflitos que oneram o Estado e ceifam vidas indígenas.

Já Cristiano Zanin, afastou a tese do Marco Temporal durante seu voto no dia 31 de agosto, no entanto propôs a indenização com base em danos causados a terceiros pelo Estado, prevista no artigo 37 da Constituição. O que significa responsabilizar o poder público por equívocos na gestão das terras, visto que foi o próprio Estado que permitiu titular propriedades privadas sobre territórios tradicionais indígenas. Zanin atribui as sobreposições de TIs ao fato dos fazendeiros terem acreditado na idoneidade dos títulos concedidos pelas instituições estatais.
Para ele, a indenização deve ocorrer por via judicial ou administrativa. Um processo que correria fora dos trâmites para a demarcação de terras indígenas, sendo analisado caso a caso. As verbas para o pagamento das indenizações seriam encaminhadas do governo federal e dos estados e municípios que tenham incentivado a titulação privada de terras indígenas.

A proposta de Moraes é mais aprazível aos olhos do agronegócio. Gustavo Passarelli, advogado da Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), afirmou que “se [a indenização] pudesse fazer parte do processo administrativo [de demarcação de terras indígenas], acho que ajudaria a todos. Se for necessário esperar que o produtor ajuíze a demanda para depois receber a indenização, isso certamente atrasa o procedimento administrativo”, pontua Passareli. “Se no próprio procedimento administrativo já tiver uma previsão nesse sentido, fica mais rápido. O procedimento judicial é moroso.”

O Ministério dos Povos Indígenas apontou o voto de Zanin como uma saída mais plausível. “Mesmo com a questão das indenizações à terra nua, a proposta do ministro Zanin não impede a continuidade e abertura de novos processos demarcatórios, já que cada caso poderá ser analisado com suas particularidades”, afirmou Sonia Guajajara em nota divulgada no dia 31 de agosto.

A Apib se opõe a qualquer tipo de indenização, partindo do entendimento de que a própria constituição aponta o direito originário à terra e prevê no processo demarcatório as devidas garantias de direitos aos pequenos agricultores e aos investidores, que possam ter manejado benfeitorias dentro dos territórios, não demarcados pela morosidade do próprio Estado. Já os grandes proprietários do agronegócio têm atuado sistematicamente com suas frentes, confederações e articulações, para manipular leis, a economia e a política, além do uso da violência e do extermínio, para impedir as demarcações e se locupletar com as invasões. De maneira nenhuma se poderia considerar ações de “boa fé” destes sujeitos.

Um exemplo disso, é a Proposta de Emenda à Constituição número 48/2023, protocolada na última quinta-feira, 21/09, mesmo dia em que o Supremo apontou a inconstitucionalidade do marco temporal. A PEC feita pelo senador Hiran Gonçalves (PP-RR) ressuscita a tese e quer alterar a constituição para beneficiar os invasores.

Mesmo com a decisão do STF, apontando para a tese do indigenato, o Congresso Nacional continua discutindo o PL 2903/23, que também busca instituir o Marco Temporal e apresenta outras inúmeras ameaças aos direitos indígenas. O PL está nas mãos do senador Marcos Rogério (PL-RO), relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e deve voltar à pauta nesta semana.

Territórios em disputa

A Terra Indígena onde o cacique Raoni Metuktire passou sua juventude, chamada de Kapôt Nhinore, de ocupação tradicional dos povos Yudja (Juruna) e Mebengokrê (conhecidos como Kayapó), possui a maior área reivindicada por fazendeiros. Os estudos de identificação e delimitação foram aprovados pela Funai em julho deste ano. O território possui 362 mil hectares e está localizado na bacia do rio Xingu, entre os municípios de Santa Cruz do Xingu (MT), São Félix do Xingu (PA) e Vila Rica (MT).

Destes, mais de 258 mil hectares são reivindicados por fazendeiros, 79% da terra indígena. Se todos eles fossem indenizados pelo valor da terra nua, o custo seria de R$477,5 milhões.

Entre as dez terras que fazem parte do levantamento da Agência Pública, três estão na mesma região do Maranhão, cerca de 580 km a sudoeste de São Luís. As Terras Indígenas Porquinhos dos Canela-Apãnjekra, Bacurizinho e Kanela Memortumré têm juntas cerca de 374 mil hectares, sendo que ao menos 194 mil (52% do total) são disputados por fazendeiros. Se todos eles fossem indenizados pelo valor médio da terra nua aplicado hoje pelo Incra, seriam necessários R$108 milhões.

As Terras Indígenas Porquinhos dos Canela-Apãnjekra, Bacurizinho, reivindicam ampliação de áreas demarcadas, e já estão declaradas. Enquanto Bacurizinho é habitada pelo povo Guajajara, a terra Porquinhos é do povo Canela Apanyekrá. Já o território Kanela Memortumré é ocupado pelo povo Kanela e aguarda portaria declaratória.

O estado do Mato Grosso do Sul é campeão em casos de invasão de terras indígenas e assassinatos, de acordo com dados dos relatórios Os Invasores I e II, da página De Olho nos Ruralistas e levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) com base em números do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Três tekoha (“lugar onde se é”, em Guarani) na região de Dourados, onde vivem os povos Guarani e Kaiowá, somam cerca de 118 mil hectares, sendo que metade é disputada por fazendeiros. Juntas, as indenizações nas TIs Dourados-Amambaipeguá I, Iguatemipegua I e Ypoi/Triunfo custam R$269,8 milhões.

Os conflitos na região envolvem os Guarani e Kaiowá expulsos de suas terras a partir do século 19, que desde o fim da década de 1970 buscam retomar os territórios transformados em fazendas.

Estes territórios são apenas alguns exemplos das disputas envolvendo os abusos do agronegócio e os povos indígenas. O recente levantamento do De olho nos ruralistas apontou que existem 1.692 invasões de fazendas sobre terras indígenas, resultando em 1,18 milhão de hectares, envolvendo empresas transnacionais, políticos, donos de veículos de comunicação e personalidades da elite brasileira.

Manifestação da APIB sobre o voto do Ministro Dias Toffoli no RE 1.017.365: rejeição da tese do marco temporal e tentativa de flexibilização dos direitos a posse e usufruto exclusivo das terras indígenas

Manifestação da APIB sobre o voto do Ministro Dias Toffoli no RE 1.017.365: rejeição da tese do marco temporal e tentativa de flexibilização dos direitos a posse e usufruto exclusivo das terras indígenas

O julgamento do RE 1.017.365, que busca definir, com repercussão geral, a constitucionalidade da fixação da tese do “marco temporal” para a demarcação de Terras Indígenas no Brasil, voltou à pauta do Supremo Tribunal Federal na última quarta-feira, 20 de setembro. O voto do Ministro Dias Toffoli consolidou a atual maioria de 5 votos contrários à tese do marco temporal, contra dois favoráveis – proferidos pelos Ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça. No entanto, ao contrário dos outros ministros e com temática alheia à discutida no processo, Toffoli optou por expandir os temas analisados e incluiu a possibilidade de aproveitamento de recursos hídricos, orgânicos e minerais de Terras Indígenas, sob o argumento de que o tema sofre com uma suposta omissão legal e prejudica o desenvolvimento econômico do país.

A APIB vem por meio deste documento manifestar sua profunda preocupação com a proposta do Ministro, considerando a possibilidade de que o Tribunal determine ao atual Congresso Nacional, amplamente ruralista e contra os Direitos Indígenas, a edição de Lei ordinária sobre este tema, sem que tenha havido a devida participação dos Povos Indígenas neste processo. Dessa forma, tal “outorga” ao Poder Legislativo, no que se refere à definição jurídico-normativa sobre a mineração em Terras Indígenas, além de se tratar de tema alheio ao discutido no julgamento do STF, representa, na prática, a alta possibilidade de instituição de diploma contrário aos interesses indígenas no país, em vista à atual configuração do Congresso Nacional brasileiro.

A mineração em Terras Indígenas, atividade por meio da qual se pretende autorizar toda sorte de exploração econômica de territórios tradicionais, possui alto grau de prejudicialidade à garantia e manutenção dos Direitos dos Povos Originários, além de ameaçar diretamente sua sobrevivência física, religiosa e cultural. A história recente nos mostra que a existência de empreendimentos para extração de recursos hídricos, orgânicos (hidrocarbonetos) e minerais, na prática, gera a destruição de territórios indígenas, a contaminação das populações por agentes biológicos e químicos, como o mercúrio, e o esgarçamento do tecido social destas comunidades, além de enfraquecer ou inviabilizar sua Soberania Alimentar e submeter mulheres e crianças à violência física e sexual.

Alheia ao julgamento, esta discussão sobre o aproveitamento econômico de Terras Indígenas foi justificada por Dias Toffoli pelo mesmo argumento que levou à aprovação do regime de urgência na tramitação do PL 191/2020, no início de 2022. Naquele momento, o governo bolsonarista e seus aliados na Câmara dos Deputados exploraram a dependência brasileira de fertilizantes russos para pressionar pela aprovação deste projeto de lei que, se não revoga os Direitos Territoriais Originários de Posse e Usufruto Exclusivo, os relativiza ao limite.

Segundo estes atores políticos, somente a exploração mineral – especialmente de potássio – em Terras Indígenas evitaria um colapso econômico do país. O que se seguiu, foi uma série de estudos comprovando que as maiores reservas de potássio e demais minerais utilizados na produção de fertilizantes agrícolas não residem em Terras Indígenas. O relatório “Crise dos fertilizantes no Brasil: da tragédia anunciada às falsas soluções”, de autoria de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, indicou que 90% das reservas deste mineral em solo amazônico encontram-se fora de Terras Indígenas e, nacionalmente, se dividem entre os estados do Amazonas (21%), Sergipe (4%), Minas Gerais e São Paulo (que, somados, abrigam 75% das reservas). Dados da própria Agência Nacional de Mineração e do Serviço Geológico do Brasil indicam que apenas 11% das jazidas de sais de potássio se sobrepõem a Terras Indígenas. É muito preocupante, portanto, que o Ministro Dias Toffoli faça uso de uma retórica sem fundamentação concreta para justificar a inserção de uma tese prejudicial – e sem nenhuma conexão com o caso em discussão – no julgamento mais importante do século para os Povos Indígenas e para a sociedade brasileira.

Dessa forma, a proposta de tese a ser fixada não encontra respaldo no arcabouço jurídico nacional, que restringe e, em alguns casos, até mesmo veda a exploração econômica de Terras Indígenas. Além disso, é certo que o atual diploma processualista brasileiro, por inteligência do art. 10 do Código de Processo Civil, veda a prolação das chamadas “decisões surpresa”, em vista ao cerceamento do contraditório e ampla defesa das partes. No caso em questão, o Ministro adentrou no mérito da regulamentação da mineração em terras indígenas sem ter dado às partes oportunidade de se manifestar, de forma a anular, implicitamente, a consulta aos representantes das comunidades indígenas atingidas pelo julgamento, bem como dos órgãos indigenistas que possuem norte à proteção e garantia dos direitos originários.

Ainda, o Ministro motiva a necessidade de regulamentação § 1º do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição Federal por decorrência do avanço recente do garimpo ilegal e de outras explorações íliticas nas áreas protegidas, as quais, segundo o magistrado, encontram-se entregues à ilegalidade, gerando alto custo ao país, em vista do impacto no Meio Ambiente e do cenário de emergência humanitária observado, por exemplo, na Terra Indígena Yanomami, altamente atingida pela invasão de garimpeiros, grileiros e demais empresários com interesses na exploração dos territórios indígenas do país.

A escala e intensidade do garimpo ilegal em tal Terra Indígena cresceu exacerbadamente nos últimos cinco anos. Dados do Mapbiomas indicam que a partir de 2016 a curva de destruição do garimpo assumiu uma trajetória ascendente e, desde então, tem acumulado taxas cada vez maiores. Nos cálculos da plataforma, entre os anos de 2016 a 2020 o garimpo na TIY cresceu nada menos que 3350%.

Este cenário, porém, não é fruto de mera omissão legislativa. Os últimos anos foram marcados por uma política anti-indígena que desmontou e desfinanciou os órgãos responsáveis pela implementação da Política Indigenista Nacional e pelo controle ambiental. Um dos eixos desta política se estruturou justamente sobre facilitação da abertura de Terras Indígena à exploração econômica, combinando o estrangulamento de instituições de proteção socioambiental com discursos e sinalizações públicas em favor de agentes econômicos interessados nesta exploração ilegal, que se viram incentivados a cometerem ilícitos ambientais com a garantira de que não seriam punidos.

Sabe-se que nos últimos quatro anos houve o desmantelamento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), principal órgão de proteção indígena, a partir da nomeação, por Jair Bolsonaro, do delegado Marcelo Xavier para presidir o órgão, o qual, dolosamente, buscou gerenciar a autarquia a partir de interesses opostos às Garantias Constitucionais dos Povos Indígenas. Cenário semelhante ocorreu com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), a qual, encarregada da proteção à saúde originária e presidida anteriormente pelo militar Robson Santos da Silva, também nomeado pelo antigo gestor do executivo federal, contribuiu com o genocídio étnico dos povos tradicionais, principalmente na negligência observada no combate à COVID-19. Nesse sentido, é certo que o cenário de aumento do garimpo ilegal e o alto impacto às comunidades indígenas e ao Meio Ambiente do país é resultado do enfraquecimento de Políticas Públicas voltadas à proteção e preservação dos povos e cultura originários e não à omissão legislativa, em nada se assemelhando à conjuntura apresentada por Dias Toffoli.

Ainda, a Constituição Federal prevê regimes legais diferenciados para a mineração e para o garimpo. A mineração corresponde a uma atividade econômica e industrial que consiste na pesquisa, exploração, lavra (extração) e beneficiamento de minérios presentes no subsolo. O processo de minerar passa pela extração de minerais e envolve várias etapas a serem seguidas até se chegar ao seu produto final, são elas: pesquisa e exploração, lavra e beneficiamento. O garimpo, por sua vez, é uma atividade extrativista que tem como objetivo a obtenção de minérios, em teoria, de cunho artesanal e empregando pouca ou nenhuma tecnologia avançada. Também possui especial proteção pela Constituição Federal, tendo em vista a expressa proibição da prática em Terras Indígenas (art. 231, § 7º).

No que se refere aos marcos legais sobre a mineração em Terras Indígenas, o parágrafo 6º do art. 231 da Constituição Federal determina que são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação e a posse das Terras a que se refere o artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nela existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção, direito a indenização ou à ações contra a União, salvo na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.

A extração de minérios em Terras Indígenas e as respectivas discussões jurídicas sobre o tema impactam diretamente na vida em comunidade de tais povos, de modo que deve haver, conforme art. 6 da Convenção 169 da OIT, consulta aos povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de instituições representativas como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI).

Dessa forma, observa-se que a Constituição Federal condiciona o aproveitamento mineral de Terras Indígenas a duas exigências: prévia autorização do Congresso Nacional e a oitiva das comunidades afetadas, após a efetiva tramitação da Lei Complementar que visa regulamentar os artigos da Constituição Federal que tratam sobre a questão.

Frente a tais condicionantes, o Ministro Dias Toffoli propõe que o STF estabeleça o prazo de 12 meses ao Congresso Nacional para que se legisle sobre o tema. Esta proposta é extremamente preocupante. O julgamento do RE 1.017.365 tem repercussão geral e definirá o estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena à luz das regras dispostas no artigo 231 do texto constitucional. Nem o caso concreto nem a tese de repercussão geral versam sobre o aproveitamento econômico das terras indígenas, mas exclusivamente das relações de posse delas derivadas.

A inserção de um posicionamento definitivo do STF sobre a exploração econômica desses territórios, nestes termos, viola o devido processo legal, garantido pelo art. 5, LIV, da Constituição Federal, ao não permitir que os reais interessados e impactados pela decisão se manifestem de maneira informada e em tempo hábil sobre o tema.

Além disso, o Ministro parece ignorar a realidade enfrentada pelos Povos Indígenas. Se o Tribunal tem autonomia para não se pautar pela situação política do país, os Povos Originários não podem ignorar que o Ministro propõe que seja o atual Congresso Nacional a decidir sobre o futuro de suas Terras, no exíguo prazo de 12 meses. Este Congresso Nacional, composto por ruralistas e ex-ministros do Governo Bolsonaro diretamente envolvidos na implementação da supramencionada política anti-indígena, essa sim, responsável pelo crescimento da invasão e da exploração ilegal de Terras Indígenas. A mesma Câmara dos Deputados que aprovou o PL 490/07 por 283 votos e o mesmo Senado Federal que aprovou o PL 2903/2023 na Comissão de Reforma Agrária e Agricultura, e agora se recusa a realizar Audiência Pública na Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça.

Os Povos Indígenas brasileiros estão enfrentando uma grave ofensiva contra seus Direitos Originários de Posse e Usufruto Exclusivo sobre seus territórios. O Supremo Tribunal Federal tem em mãos o maior julgamento social e climático do século, do qual dependem o futuro dos Povos Indígenas e o projeto de nação que deriva da Constituição Federal de 1988. Não podemos permitir que essa decisão seja tomada sem a devida participação dos Povos Indígenas e que seja este o Congresso Nacional responsável por decidir sobre a existência dos territórios originários que garantem a vida e o equilíbrio climático do Planeta.

Mauricio Terena
Coordenador Jurídico da APIB
OAB/MS 24.060

Giovanna Dutra Silva Valentim
Assessora Jurídica da APIB
OAB/SP 485.585

Iorrannis Luiz Moreira da Silva
Secretário Jurídico da APIB
Advogado OAB/MS 27.100

Vitória: ministros formam maioria e Marco Temporal é derrubado no STF

Vitória: ministros formam maioria e Marco Temporal é derrubado no STF

Foto: @tukuma_pataxo / APIB

Com o placar de 9×2 contra a tese anti-indígena, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) comemora e alerta para teses sobre indenização e mineração apresentadas no julgamento 

Em sessão histórica nesta quinta-feira (21/09), os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram contra o marco temporal e formaram maioria de votos para a derrubada da tese no Judiciário. Com placar de 9×2, a votação dos ministros foi concluída derrubando a tese do Marco Temporal. No entanto, o julgamento deve ser retomado no dia 27 para debater sobre as propostas levantadas por Moraes e Toffoli no que refere à indenização prévia para invasores de TIs e o aproveitamento de recursos em TIs, o que preocupa o movimento indígena. A votação no Senado defendida pela bancada ruralista para começar no 20 de setembro, foi adiada também para 27 de setembro.

“Nós saímos vitoriosos sim da tese do Marco Temporal mas ainda há muita luta a ser feita para afastar todas as ameaças que também estão tramitando no Senado Federal que é através do PL 2903. Seguimos mobilizados, seguimos lutando, pois a luta irá continuar para garantia e proteção dos direitos dos Povos Indígenas”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, depois da finalização da sessão de votação no STF do dia 21 de setembro em Brasília. 

Continuamos na luta para que nenhum direito seja negociado! 

A Apib comemora o respeito aos direitos indígenas mas alerta de que a luta continua pois, mesmo fora da legalidade, diversas terras indígenas estão sendo invadidas. “É uma vitória para os povos indígenas, pois há anos nós estamos lutando para afastar essa tese que, de certa forma, estava paralisando os processos de demarcação no Brasil. No entanto, tem alguns pontos importantes a serem observados, porque os votos de Toffoli e Moraes trouxeram elementos bastantes perigosos para os Povos Indígenas”, defende Tuxá. Mesmo perante a crescente violência provocada pela ocupação ilegal de território indígena, o ministro Moraes levantou a tese de uma possível indenização para invasores, que supostamente possuam títulos de propriedade rural de “boa fé”, e Toffoli defendeu a possibilidade de aproveitamento de recursos hídricos, orgânicos e minerais localizados dentro de Terras Indígenas. 

Votaram contra a tese do Marco Temporal: Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. André Mendonça e Nunes Marques votaram a favor do marco temporal. 

O Marco Temporal é uma tese política que afirma que os povos indígenas só teriam direito aos seus territórios caso  estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A Apib aponta que a tese é inconstitucional e anti-indígena, pois viola o direito originário dos povos ao território ancestral – previsto na própria Constituição – e ignora as violências e perseguições, em especial durante a ditadura militar, impossibilitando que muitos povos estivessem em seus territórios na data de  1988. 

No STF, o marco temporal trata, no mérito, de uma ação possessória (Recurso Extraordinário n.º 1.017.365) envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. Com status de repercussão geral, a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país. Como afirmou o Ministro Luís Roberto Barroso, “A constituição é muito clara, não existe propriedade sobre terras tradicionalmente pertencentes a comunidades indígenas. Esta é a solução deste caso.”

Mesmo que o resultado da votação seja uma vitória para os Povos Indígenas do Brasil, outras propostas levantadas pelos ministros em seus votos ameaçam o cenário atual de luta pelo respeito dos nossos direitos. 

O Ministro Alexandre de Moraes votou contra o Marco Temporal na sessão do STF que aconteceu em 7 de junho de 2023. Mesmo com uma posição contrária à tese, ele levantou uma proposta altamente ameaçadora para os Povos Indígenas. Moraes supôs a existência de proprietários rurais de “boa fé”, que poderiam receber indenização do Estado pela terra nua, caso eles chegassem a ser desapropriados das terras que ocupam ilegalmente para realizar a demarcação de uma terra indígena.

A Apib considera que, apesar da existência de uma pequena parcela de pequenos  proprietários que adquiriram de boa-fé títulos de propriedade sobre terras indígenas por ilegalidade praticada pelo Estado,  a proposta da indenização supõe uma premiação aos invasores ilegais que representam a maioria das propriedades com sobreposição em terras indígenas, portanto, um incentivo à ocupação ilegal de terras paga com dinheiro público. A partir do cruzamento de bases de dados fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), os dados dos relatórios “Os Invasores” realizados por De Olho nos ruralistas, mostram 1.692 sobreposições de fazendas em terras indígenas, o que representa 1,18 milhão de hectares e, desse total, 95,5% estão em territórios pendentes de demarcação. Com a sua proposta, Morares ignora a vasta história de grilagem de terras no Brasil e a ação criminosa de ruralistas, que tem provocado um aumento da violência contra os povos indígenas e um crescimento do desmatamento. Entre 2008 e 2021, 46,9 mil hectares foram desmatados em áreas de sobreposição de fazendas em terras indígenas, segundo apontam os dados do relatório previamente mencionado. 

Por sua vez, o Ministro Dias Toffoli votou no dia 20 de setembro, representando o  5 voto contrário à tese do marco temporal. No entanto, ao contrário dos outros ministros e com temática alheia à discutida no processo, Toffoli optou por expandir os temas analisados e incluiu a possibilidade de aproveitamento de recursos hídricos, orgânicos e minerais de Terras Indígenas, sob o argumento de que o tema sofre com uma suposta omissão legal e prejudica o desenvolvimento econômico do país. Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib, complementa: “No último momento, o ministro trouxe uma questão que muito nos preocupa enquanto movimento indígena. O ministro preceitua teses sobre exploração econômica em terras indígenas.  A gente entende que não é momento para fazer esse debate e a forma que ele fez isso, em alguma medida, flexibiliza o usufruto exclusivo dos povos indígenas’’.

Leia o comunicado completo realizado pela Assessoria Jurídica da APIB em manifestação sobre o voto do Ministro Dias Toffoli.

A quem interessa o Marco Temporal?

Dentre as ameaças, resaltamos a ocupação ilegal em algums Terras Indígenas por alguns fazendeiros que estão ligados diretamente com o poder político ruralista. Políticos brasileiros, representantes no Congresso Nacional e no executivo, possuem 96 mil hectares de terras sobrepostas às Terras Indígenas. Além disso, muitos deles foram  financiados por fazendeiros invasores de Terras Indígenas, que doaram R$ 3,6 milhões para campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL). 

Votação no Senado adiada 

Sob pressão da bancada ruralista, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado tinha previsto começar no dia 20 de setembro a debater o Projeto de Lei 2903, que pretende transformar o Marco Temporal em lei e legalizar crimes cometidos contra povos indígenas. No entanto, a falta de diálogo marcou a jornada: lideranças foram impedidas de entrar e a Comissão rejeitou pedido de audiência pública para. A votação foi adiada para o dia 27 de setembro após pedido de vistas coletivo dos senadores. “Os direitos dos povos indígenas estão sendo violados e não estamos sendo escutados. O parlamento não está ouvindo a opinião pública o que beneficia apenas os interesses do agronegócio”, alerta Tuxá. Para a Apib, o embate entre legislativo e judiciário é uma afronta de políticos que querem impor seus interesses econômicos nas terras indígenas sobre as próprias vidas indígenas. 

Sobre a Apib

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) é uma instância de referência nacional do movimento indígena no Brasil, criada de baixo pra cima. Ela aglutina sete organizações regionais indígenas (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa) e nasceu com o propósito de fortalecer a união de nossos povos, a articulação entre as diferentes regiões e organizações indígenas do país, além de mobilizar os povos e organizações indígenas contra as ameaças e agressões aos direitos indígenas.

Saiba mais sobre o marco temporal: https://apiboficial.org/marco-temporal/ 

Para mais informações e para agendar entrevistas pode contatar com o serviço de imprensa:

E-mail: [email protected]

Coordenação de comunicação – Samela Sateré Mawé – +55 (92) 98285 5077

Comunicação internacional –  +55 (65) 99686 6289 / +55 (21) 96665 5518 / +55 (92) 99430-3762

Toffoli vota contra Marco Temporal e Apib alerta sobre mineração na posição do ministro. STF continua julgamento amanhã

Toffoli vota contra Marco Temporal e Apib alerta sobre mineração na posição do ministro. STF continua julgamento amanhã

Foto: Kamikia Kisedje 

Voto do ministro apesar de ser contra o Marco Temporal abre brecha para legalizar exploração de mineração em Terras Indígenas. 

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli votou contra a tese do Marco Temporal para demarcação de Terras Indígenas, na sessão realizada na tarde de hoje (20/09). Agora o placar de votação está com cinco votos contrários à tese ruralista contra dois votos favoráveis à proposta anti-indígena. O julgamento foi interrompido por falta de tempo e deve ser retomado amanhã, 21 de setembro. 

“O voto do ministro Toffoli é contra o marco temporal, mas traz pontos perigosos contra os povos indígenas. Temos que manter a vigilância e continuar as mobilizações. É importante lembrar que o Supremo ainda não concluiu o julgamento e os votos ainda estão em disputa. Vamos torcer e articular para que os próximos votos sigam o voto do relator [Edson Fachin], que é o que estamos defendendo. Um voto contra o marco temporal, mas também contra a indenização prévia e que garanta o direito originário dos povos indígenas”, afirmou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, após o encerramento da sessão. 

Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib, complementa: “No último momento, o ministro trouxe uma questão que muito nos preocupa enquanto movimento indígena. O ministro preceitua teses sobre exploração econômica em terras indígenas.  A gente entende que não é momento para fazer esse debate e a forma que ele fez isso, em alguma medida, flexibiliza o usufruto exclusivo dos povos indígenas’’.

O julgamento do marco temporal já tinha sido suspenso no dia 31 de agosto. Desde então, lideranças indígenas, de diferentes povos e territórios, estão mobilizados em Brasília, onde estão acampados no Memorial dos Povos Indígenas. 

Até o momento, os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli já votaram e foram contrários à tese. André Mendonça e Nunes Marques votaram a favor do marco temporal. Ainda faltam votar as ministras Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luiz Fux e Gilmar Mendes. 

O marco temporal é uma tese política que afirma que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras se estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A Apib aponta que a tese é inconstitucional e anti-indígena, pois viola o direito originário dos povos ao território ancestral – previsto na própria Constituição – e ignora as violências, em especial da ditadura militar, e a tutela do Estado a que os povos foram submetidos até 1988. 

No STF, o marco temporal trata, no mérito, de uma ação possessória (Recurso Extraordinário n.º 1.017.365) envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. Com status de repercussão geral, a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país. Como afirmou o Ministro Luís Roberto Barroso, “A constituição é muito clara, não existe propriedade sobre terras tradicionalmente pertencentes a comunidades indígenas. Esta é a solução deste caso.”

Senado adiado 

A falta de diálogo e respeito marcou a sessão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, hoje (20/09). Lideranças foram impedidas de entrar e a comissão rejeitou pedido de audiência pública para debater o Projeto de Lei 2903, que pretende transformar o Marco Temporal em lei e legalizar crimes cometidos contra povos indígenas. A votação foi adiada para o dia 27 de setembro após pedido de vistas coletivo dos senadores. 

Para a Apib, o embate entre legislativo e judiciário é uma afronta de políticos que querem impor seus interesses econômicos nas terras indígenas sobre vidas indígenas e do povo brasileiro. 

Casal de rezadores Kaiowá e Guarani morrem carbonizados em incêndio criminoso

Casal de rezadores Kaiowá e Guarani morrem carbonizados em incêndio criminoso

Sebastiana e Rufino, casal de rezadores do povo Guarani e Kaiowá, foram encontrados mortos, em meio às cinzas da casa onde moravam, nesta segunda-feira (18/09), na aldeia Guassuty, em Aral Moreira, cidade que fica na linha de fronteira entre Brasil e Paraguai, a 359 km de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.

Ambos eram considerados líderes religiosos pelo povo, que denuncia o atentado como crime de racismo religioso e resultado do conflito pelo território.

Já a Polícia Civil está investigando o caso como “crime passional”. Um suspeito, que seria familiar das vítimas, foi identificado e preso na tarde de ontem. Forças da Polícia Militar e da Polícia Civil cercaram a região com as buscas.

A comunidade discorda da linha policial. Sebastiana era chamada de Ñande Sy pelos Guarani e Kaiowá, termo que significa “nossa mãe” em guarani. As imagens da casa mostram o local completamente destruído e os restos mortais carbonizados.

Lideranças locais contam que o casal já havia sofrido ameaças, que se não parassem com as práticas da religiosidade indígena seriam “queimados vivos”. A casa era utilizada como um lugar de rituais e alguns fanáticos religiosos nutriam preconceitos, chamando as práticas de “macumba”. O que demonstra uma dupla discriminação, contra as religiões afro-brasileiras e contra a cultura indígena.

O delegado que investiga o caso, Maurício Vargas, afirmou que “a competência da PF é só na questão de disputa de terra ou em coisas relacionadas à xenofobia”, por isso a Polícia Federal não foi acionada.

Violência no MS

O estado do Mato Grosso do Sul é um dos líderes em violência contra os povos indígenas. Em fevereiro de 2022, o relatório “Intolerância religiosa, racismo religioso e casas de rezas Kaiowá e Guarani queimadas”, publicado pelo Observatório Kunangue Aty Guasu, mostrou outros casos de incêndios com indícios de crime provocados contra as casas de rezas (oga pysy), assim como agressões, ameaças, torturas e tentativas de homicídio contra nhanderu (rezadores) e feminicídio contra as nhandesy (rezadoras), apontando uma forma de ataque sistemático e reincidente no MS, contra a cultura e as vidas indígenas.

A continuidade das violações de direitos dos povos originários materializada na queima dos símbolos sagrados remonta às práticas missionárias no interior das aldeias trazidas por países europeus através da colonização. A Companhia de Jesus e o avanço dos jesuítas sobre o território atualmente ocupado pelo Estado brasileiro, por exemplo, teve forte caráter bélico. 

Destruir a fé e a cultura indígena significa minar a capacidade de resistência dos povos sobre suas terras. Como afirmou uma nhandesy que testemunhou a queima da casa de reza na tekoha Rancho Jacaré, “na luta pelo território, a reza nos fortalece, pois a igreja não nos salva durante a retomada”.

Os departamentos jurídicos da Apib e da Aty Guasu estão acompanhando o caso. Exigimos a investigação minuciosa do crime e justiça aos responsáveis. BASTA DE VIOLÊNCIA!

CCJ do Senado pauta projeto anti indígena no mesmo dia que STF retoma julgamento do Marco Temporal

CCJ do Senado pauta projeto anti indígena no mesmo dia que STF retoma julgamento do Marco Temporal

foto: Adi Spezia | CIMI
Queda de braço entre a bancada ruralista do Congresso e o STF ganha mais um capítulo. Presidente do Senado Rodrigo Pacheco já afirmou publicamente que o PL 2903 só entra na pauta do plenário depois que Supremo finalizar o julgamento.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) alerta sobre mais um atropelo do Congresso Nacional contra os direitos dos povos indígenas. A queda de braço da bancada ruralista do Congresso com o Supremo Tribunal Federal (STF) ganha novo capítulo quando a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado coloca a votado o PL 2903, que pretende transformar o Marco Temporal em Lei, no dia 20 de setembro, mesma data que o STF vai retomar o julgamento da tese para demarcação de Terras Indígenas.

No dia 23 de agosto, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado aprovou o texto, que agora é analisado pela CCJ, no dia 20, previsto para iniciar às 9h30. O julgamento no STF tem previsão para iniciar às 14h.

A Apib e suas organizações regionais de base têm acompanhado de perto a tramitação do PL 2903 no Senado e reivindica que o Governo Federal faça articulações mais intensas dentro do Congresso Nacional para garantir uma tramitação participativa do PL e que as ameaças aos povos indígenas sejam retirados da proposta. A organização também tem cobrado que Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, não permita que o Projeto de Lei seja votado antes do julgamento da tese no Supremo Tribunal Federal (STF), como garantido por ele em reunião com lideranças indígenas no dia 31 de maio.

“Esse projeto está sendo analisado de forma atropelada. Os direitos dos povos indígenas estão sendo violados e não estamos sendo escutados. O parlamento não está ouvindo a opinião pública o que beneficia apenas os interesses do agronegócio”, alerta Dinamam Tuxá coordenador executivo da Apib.

Políticos brasileiros, representantes no congresso nacional e no executivo, possuem 96 mil hectares de terras sobrepostas às Terras Indígenas. Eles são financiados por fazendeiros invasores de Terras Indígenas, que doaram R$ 3,6 milhões para campanha eleitoral de ruralistas. Esse o grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL). É muita terra para pouco fazendeiro.

De acordo com o relatório do “De olho nos ruralistas”, bancos e fundos de investimento fazem pressão contra as Terras Indígenas, como Itaú (por meio da subsidiária Kinea) e Bradesco, seguidos por XP, Gávea Investimentos, IFC e Mubadala. Empresários e setores econômicos somam 1.692 casos de invasão de terras em territórios delimitados pela Funai, somando 1,18 milhão de hectares e se beneficiariam do marco temporal, caso fosse aprovado.

Além do marco temporal, o PL 2903 (antigo PL 490) possui outros oito pontos de retrocessos para os direitos dos povos indígenas, como aponta nota técnica publicada pelo departamento jurídico da Apib. Segundo o documento, o PL propõe a construção de rodovias e hidrelétricas em territórios indígenas sem consulta livre, prévia e informada das comunidades afetadas. A proposta também quer permitir que fazendeiros assinem contratos de produção com indígenas, o que viola o direito dos povos originários ao usufruto exclusivo dos territórios demarcados.

O Projeto de Lei também autoriza qualquer pessoa a questionar o processo demarcatório, inclusive de terras indígenas já demarcadas e favorece a grilagem de terras, pois reconhece títulos de terras que estão sob áreas de ocupação tradicional. Ele também ressuscita o regime do tutelar e assimilacionismo, padrões superados pela Constituição de 1988, que negam a identidade dos indígenas e flexibiliza a política indigenista de não contato com povos em isolamento voluntário, além de reformular conceitos constitucionais como a tradicionalidade da ocupação, direito originário e usufruto exclusivo.

Apib e Apoinme realizam audiência pública sobre a violação dos direitos indígenas na Bahia

Apib e Apoinme realizam audiência pública sobre a violação dos direitos indígenas na Bahia

A Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) realizam uma audiência pública à Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) para tratar do tema “Violações de Direitos dos Povos Indígenas no Estado da Bahia”, no dia 26 de setembro de 2023, às 9 horas.

A Bahia é o segundo estado com maior população indígena do país. Com 229,1 mil pessoas de etnias indígenas, atrás apenas do estado do Amazonas. No entanto, o último período registrou um aumento no número de casos de violência, perseguições e assassinatos que, mesmo com a intervenção realizada pelo governo do Estado, ainda não foi contida.

A criação da Frente Parlamentar tem como objetivo “aprimorar a atuação conjunta com movimentos ambientalistas, povos e comunidades tradicionais do estado para fortalecer a agenda de proteção ambiental e da promoção do bem viver de povos e comunidades tradicionais”, como explica o documento que justifica a solicitação.

Desta forma, uma das primeiras atividades da Frente será a apuração em audiência dos casos e denúncias que levaram a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a conceder o pedido de Medidas Cautelares em favor do povo Pataxó, solicitadas pela Apib e Apoinme, em janeiro de 2023. A medida é referente aos casos ocorridos nas Terras Indígenas (TIs) Comexatibá e Barra Velha do Monte Pascoal. A CIDH indicou que os indígenas destas áreas estão em “grave e urgente risco de dano irreparável aos seus direitos”.

Causas da violência

O povo Pataxó do extremo sul baiano aguarda há anos a conclusão da demarcação de suas terras. A falta de eficiência na atuação do Estado brasileiro abre brechas para a promoção de invasões por parte do agronegócio, do setor hoteleiro e da especulação imobiliária na região.

Por esse motivo, a TI Comexatibá se tornou um local de mais disputas de terra do que qualquer outro território indígena no Brasil, refletido na alta quantidade de contestações administrativas no seu processo de demarcação.

O povo originário destes territórios tem sofrido com violência intensa, contínua e desproporcional, por meio de ameaças, cercos armados, tiroteios, difamações e campanhas de desinformação.

Frustrados por ver o agronegócio destruir seu território, membros de várias comunidades indígenas Pataxó, no sul da Bahia, realizaram uma ação de retomada em 22 de junho de 2022, quando 180 indígenas assumiram a Fazenda Santa Bárbara, área utilizada para a criação de gado e cultivo de eucaliptos pela Suzano, empresa transnacional de produção de celulose.

A fazenda, que se encontra no interior dos limites do Território Indígena Pataxó Comexatibá, foi incendiada e, numa tentativa de deter a pressão externa sobre suas terras, os indígenas exigiram que as empresas multinacionais as deixassem para sempre.

A Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (Finpat) afirmou em nota que, “atualmente, fazendeiros na forma de fomento, fazem a exploração da área com plantações de eucaliptos, trazendo sérios problemas ambientais para toda a região, inclusive, desmatamentos e uso excessivo de agrotóxicos”.

Tais práticas vêm afetando os recursos hídricos, ecossistemas, fauna e flora, causando destruição de fragmentos de Mata Atlântica, espécies de plantas, animais e pássaros ameaçados de extinção ainda existentes na região. Para além das empresas de produção de celulose, os Pataxó também enfrentam a expansão dos setores de turismo e outros setores do agronegócio.

Grande parte do eucalipto cultivado no Brasil está na região que compreende o extremo sul da Bahia e o estado vizinho, Espírito Santo, região que tem uma longa história de conflitos envolvendo as plantações para produção de celulose, cujo resultado tem sido o assassinato de ativistas em contextos de grilagem de terra associados à expansão desse cultivo.

Após a retomada, foram assassinados três jovens indígenas. Casos que ainda não foram totalmente elucidados. O povo Pataxó exige justiça aos responsáveis, mandantes e executores dos crimes, e imediata demarcação de seus territórios. Assinam o pedido de audiência o deputado estadual, Hilton Coelho (PSOL), e os representantes jurídicos da Apib, Maurício Terena e Andressa Pataxó.

Justiça e congresso do Brasil podem agravar a crise climática e ampliar violações aos Povos Indígenas

Justiça e congresso do Brasil podem agravar a crise climática e ampliar violações aos Povos Indígenas

Foto Tukumã Pataxó | Apib

Julgamento marcado para o dia 20 de setembro no Supremo Tribunal Federal pode definir futuro das Terras Indígenas em território brasileiro e ser decisivo para o clima global. Movimento indígena mobiliza todo o Brasil e uma comitiva indígena da Apib está em Nova York na Semana do Clima para fortalecer a campanha de mobilização internacional pela defesa do direito às Terras Indígenas

  • A ameaça às Terras Indígenas do Brasil, é uma ameaça climática para toda a humanidade

“Nós estamos na terra e a terra está em nós. Se a terra morre, nós morremos enquanto povos indígenas.”

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) convoca, nesta semana, mobilizações por todo o Brasil e participa da Semana do Clima de Nova York para alertar o mundo sobre os riscos do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), previsto para o dia 20 de setembro. A corte vai votar sobre a legitimidade da  tese jurídica do Marco Temporal, articulada pelo agronegócio brasileiro, que pode rever as demarcações das Terras Indígenas e afetar o enfrentamento da crise climática global.  

O Marco Temporal propõe que somente podem ter direito às terras os indígenas que puderem comprovar que viviam nelas em 1988, mesmo ano da criação da Constituição Federal. Uma ação que nega as expulsões forçadas de centenas de povos que só puderam reivindicar suas terras tradicionais após a redemocratização do Brasil, no final dos anos 1980.  

Nesta semana acontece em Nova York a 15ª edição da Semana do Clima, entre os dias 17 e 24 de setembro, e a 78ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 19 a 23 de setembro, que terá na abertura o discurso do presidente Lula. Uma comissão composta por 10 lideranças indígenas está em Nova York para participar das atividades da agenda da Semana do Clima. O objetivo da mobilização internacional é reforçar para o mundo que o Marco Temporal é uma ameaça para a vida dos povos indígenas do Brasil e pode agravar a crise climática, já que as Terras Indígenas são uma reserva de vida no planeta.

A Apib e suas organizações regionais reforçam as mobilizações nos territórios, nas cidades e em Brasília contra o Marco Temporal no dia 20 de setembro. A proposta é de acompanhar o julgamento e reforçar os próximos passos da luta do movimento indígena. As organizações que compõem a Apib, mobilizaram no período de maio e junho mais de 220 manifestações em 21 estados, incluindo o Distrito Federal. 

Ainda faltam cinco ministros do STF para votar no julgamento. O placar atual é de quatro votos  contrários à tese do Marco Temporal, contra dois votos favoráveis. Os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso manifestaram posição contrária à tese ruralista. Os únicos votos favoráveis à proposta anti-indígena foram dos ministros indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, André Mendonça e Nunes Marques. 

No mesmo dia da votação no Supremo, o Senado brasileiro tenta pautar a votação do Projeto para transformar o Marco Temporal em lei. A bancada ruralista do Congresso busca tensionar uma quebra de braço com o poder judiciário brasileiro, pois existe a possibilidade do STF anular a tese do Marco Temporal. 

Além do Marco Temporal, o Projeto de Lei 2903 propõe outros retrocessos para os direitos dos povos indígenas, como a construção de rodovias e hidrelétricas em territórios indígenas sem consulta livre, prévia e informada das comunidades afetadas. A proposta também quer permitir que fazendeiros assinem contratos de produção com indígenas, o que viola o direito dos povos originários ao usufruto exclusivo dos territórios demarcados.  

Enquanto alguns falsamente afirmam que “tem muita terra para pouco índio no Brasil”, a Apib contra argumenta que tem muita terra para pouco fazendeiro e que o agronegócio promove a invasão ilegal das terras indígenas. “Não existe solução para a crise climática sem a garantia dos direitos dos povos indígenas e a demarcação dos seus territórios “, afirma a entidade. 

Atualmente, quase metade das terras do Brasil estão nas mãos dos produtores rurais. Do total das terras do país, 41% corresponde a propriedades rurais, 13,7% a terras indígenas e 45,2% a outros fins, de acordo com os dados publicados no Diário Oficial da União. As Terras Indígenas são uma garantia de vida para os povos indígenas e para toda a humanidade que depende do futuro climático.

O Marco Temporal é uma estratégia moderna de colonização

“O futuro dos povos indígenas do Brasil está sob forte ameaça e isso pode afetar a toda a humanidade, pois tem se demonstrado que os povos indígenas, graças aos nossos modos de vida, somos guardiões da natureza e, portanto, do equilíbrio climático mundial”, afirma o coordenador executivo da Apib, Dinamam Tuxá. Enquanto 29 % do território ao redor das Terras Indígenas  está desmatado, o índice de desmatamento dentro das TIs é de somente  2%, de acordo com dados coletados, em setembro de 2022, pela Apib e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). Segundo o levantamento, a maior parte da degradação é resultado de ações ilegais financiadas por setores do agronegócio, como plantações de soja e pecuária extensiva. Da mesma forma, cientistas insistem na importância das Terras Indígenas como berços de biodiversidade muito superior ao restante do território nacional. 

O Supremo Tribunal Federal julga atualmente uma proposta que pretende mudar o processo de demarcação das Terras Indígenas mediante a tese do Marco Temporal. Ao mesmo tempo, o Congresso Nacional tenta transformar o Marco Temporal em lei e legalizar crimes que promovem o genocidio indígena e a destruição do meio ambiente. Mas, quem financia esse ameaçador cenário? Empresas nacionais e estrangeiras -como Bunge, Xp, Kinea, Bradesco, Ducoco, Groupe Lactalis, entre outras-, bancos e fundos de inversão internacionais, contribuem com o agronegócio brasileiro, principal beneficiário da tese do Marco Temporal, tal e como demonstram os recentes relatórios realizados por De Olho nos Ruralistas.

Alguns poucos fazendeiros e empresários se beneficiam do lucro do agronegócio em detrimento da vida dos povos indígenas e do equilíbrio climático mundial. As invasões ilegais de terras indígenas, assassinatos de lideranças e militantes, e os cenários de violência por disputas de terras tem crescido nos últimos anos. Permitir a ocupação de terras para o enriquecimento de uns poucos é uma forma moderna de colonização onde os colonos pretendem legalizar a ocupação de Terras Indígenas para se apropriar de cada vez mais hectares de solo do território nacional. 

A proposta do Marco Temporal só existe como consequência do poder econômico e político que o agronegócio tem. Se ela for aprovada, os delitos aumentarão e crescerá a exploração agropecuária e de extração de recursos naturais. Quem primeiro vai pagar essa conta serão os Povos Indígenas. “Os responsáveis pela continuidade do genocídio indígena e pelo agravamento da crise climática ficarão marcados na história .Muitos serão cúmplices do novo colonialismo que ameaça a sobrevivência de nós, povos indígenas que estamos no grande território chamado Brasil, e o futuro de toda a humanidade porque não tem solução para a crise climática sem a participação dos povos indígenas”, reforça Dinamam Tuxá.

Atividades relevantes da Apib durante a 15ª edição da Semana do Clima do 17 a 24 de setembro:

A Apib participou no 17 de setembro da Marcha da semana do clima nas ruas de Nova York em apoio à Greve pela luta contra os combustíveis fósseis (Fight Fossil Fuel Strike). A comitiva indígena da Apib denunciou a ameaça provocada pela proposta da tese do Marco temporal, sublinhou a situação de emergência indígena em relação às indústrias extrativistas e ao agronegócio que provocam múltiplas situações de violência em nossos territórios. Além disso, entre as atividades que compõem a agenda da Semana do Clima, vale destacar que os coordenadores executivos da Apib Kleber Karipuna, Dinamam Tuxá e outras pessoas da comitiva indígena participarão na terça dia 19 da palestra “FCLP: Direitos. Participação e Benefícios para Povos Indígenas e Comunidades Locais no Financiamento Climático Florestal” organizada pelas organizações Forest e Climate Leaders Partnership. No 22 de setembro, uma parte da comitiva estará presente no diálogo co-organizado com H.E Razan Al Mubarak, atual presidente da União Internacional para a Conservação da Natureza, para avaliar o progresso na agenda da COP28 com o intuito de identificar coletivamente maneiras de envolvimento significativo e respeitoso dos Povos Indígenas na COP.

  • Consulte as fotos e vídeos da Marcha e de outros eventos da agenda da semana do clima onde a comitiva da Apib esteve presente:

Material audiovisual Apib – 15ª edição da Semana do Clima Nova York

Sobre a Apib

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) é uma instância de referência nacional do movimento indígena no Brasil, criada de baixo pra cima. Ela aglutina sete organizações regionais indígenas (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa) e nasceu com o propósito de fortalecer a união de nossos povos, a articulação entre as diferentes regiões e organizações indígenas do país, além de mobilizar os povos e organizações indígenas contra as ameaças e agressões aos direitos indígenas

Saiba mais sobre o marco temporal: https://apiboficial.org/marco-temporal/ 

Para mais informações e para agendar entrevistas pode contatar com o serviço de imprensa:

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