Queremos que o Governo pressione e Pacheco cumpra a sua promessa, diz movimento indígena sobre a votação do PL do marco temporal no Senado

Queremos que o Governo pressione e Pacheco cumpra a sua promessa, diz movimento indígena sobre a votação do PL do marco temporal no Senado

O PL 2903, antigo 490, deve ser votado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado no dia 23 de agosto. Uma audiência pública com a presença do movimento indígena também está prevista

Senadores irão votar o Projeto de Lei 2903, que institui o marco temporal, na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado na próxima quarta-feira (23/08). A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), organização de referência nacional do movimento indígena, reivindica que o Governo Federal faça articulações mais intensas dentro do Congresso Nacional para garantir uma tramitação participativa do PL e que Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, não permita que o Projeto de Lei seja votado antes do julgamento da tese no Supremo Tribunal Federal (STF), como garantido por ele em reunião com lideranças indígenas no dia 31 de maio. 

Antes da votação na CRA, acontecerá uma audiência pública com a presença de Aldo Rebelo, Ex-Ministro de Estado da Defesa, e representantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Famasul, Cooperativa Agropecuária dos Povos Indígenas Haliti, Nambikwara e Manoky, Fundação Nacional dos Povos Indígenas, e da Apib irá debater o PL que representa uma ameaça a vida dos povos indígenas no país. 

“Os ruralistas estão pressionando, mas o movimento indígena não irá recuar. Neste momento é preciso que o Governo Federal e Pacheco mostrem que estão do nosso lado e articulem para que a votação aguarde o julgamento no STF. Estamos lutando para que isso seja feito e o marco temporal seja derrubado no Supremo em breve”, diz Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

Além do marco temporal, o PL 2903 (antigo PL 490) possui outros oito pontos de retrocessos para os direitos dos povos indígenas, como aponta nota técnica publicada pelo departamento jurídico da Apib. Segundo o documento, o PL propõe a transferência da competência de demarcação de terras indígenas do poder executivo para o legislativo; construção de rodovias e hidrelétricas em territórios indígenas sem consulta livre, prévia e informada das comunidades afetadas e a mitigação da diferença entre posse tradicional indígena e posse privada, permitindo que fazendeiros assinem contratos de produção com indígenas e violem o direito dos povos originários ao usufruto exclusivo dos territórios demarcados.

O Projeto de Lei também autoriza qualquer pessoa a questionar o processo demarcatório, inclusive de terras indígenas já demarcadas e favorece a grilagem de terras, pois reconhece títulos de terras que estão sob áreas de ocupação tradicional. Ele também a reaviva o regime do tutelar e assimilacionismo, padrões superados pela Constituição de 1988, que negam a identidade dos indígenas e flexibiliza a política indigenista de não contato com povos em isolamento voluntário, além de reformular conceitos constitucionais como a tradicionalidade da ocupação, direito originário e usufruto exclusivo.  

No dia 8 de agosto, a relatora da matéria na CRA, a senadora Soraya Thronicke, que foi base do governo Bolsonaro, deu parecer favorável à aprovação do PL e manteve aprovado pelos deputados. A decisão ignora os alertas feitos pela coordenação executiva da Apib e pelos parlamentares da Bancada do Cocar dados em reuniões com a senadora, além da recomendação do Conselho de Direitos Humanos (CDH) e organizações internacionais de direitos humanos

Se aprovado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, o PL 2903  segue para votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

No STF

O marco temporal é uma tese anti-indígena e inconstitucional que afirma que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras se estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. No Supremo Tribunal Federal (STF), o marco temporal trata, no mérito, de uma ação possessória (Recurso Extraordinário n.º 1.017.365) envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. Com status de repercussão geral, a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país.

O julgamento estava paralisado no STF há quase dois anos e foi retomado no dia 7 de junho com voto do ministro Alexandre de Moraes, mas foi novamente suspenso com o pedido de vista (mais tempo para analisar o caso) de André Mendonça. Alexandre de Moraes votou contra o marco temporal, mas apresentou uma “proposta alternativa’’ considerada desastrosa para os povos indígenas pela Apib

“Na análise do departamento jurídico da APIB, essa proposta do Ministro Alexandre de Moraes, mitiga o Direito Originário dos Povos Indígenas sob suas Terras de ocupação Tradicional, instituindo novos marcos temporais de acordo com a data em que o produtor rural consegue apresentar uma certidão de propriedade da Terra registrada em cartório oficial. O Ministro ao afastar o parágrafo 6º do art. 231 Constituição Federal em seu voto abre a possibilidade de grileiros aumentarem suas atividades em terras indígenas”, ressalta trecho de informe circular da Apib. Leia  completo aqui

Saiba mais sobre o marco temporal: https://apiboficial.org/marco-temporal/

Coordenadora nacional do Conaq, Bernadete Pacífica, é assassinada na Bahia

Coordenadora nacional do Conaq, Bernadete Pacífica, é assassinada na Bahia

A líder quilombola, Bernadete Pacífico, foi executada a tiros na Bahia, nesta quinta-feira, 17/08. Seu neto encontrou o corpo alvejado no sofá de casa, no Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, região metropolitana de Salvador. Bernadete era Yalorixá da comunidade e já havia perdido o filho, Binho do Quilombo, também assassinado por conflito fundiário, em 2017.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil manifesta sua solidariedade à família, à Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos e a todo movimento negro do Brasil. Reforçamos as denúncias de violência e repudiamos o crime, em coro com a organização.

À dor da perda desta grande liderança, ecoamos os maracás gritando por justiça. Seguiremos em luta pela democratização da terra no Brasil, até que todos, todas e todes lutadoras do povo possam viver em segurança e se respeite os direitos, a dignidade, a sabedoria e a vida dos povos originários deste país.

Confira a nota da Coordenação Nacional de Articulação dos Quilombos.

A Conaq repudia o assassinato da Coordenadora Nacional Bernadete Pacífico
É com profundo pesar que lamentamos o falecimento de Maria Bernadete Pacífico, a popular Mãe Bernadete, como era carinhosamente conhecida por todas as pessoas. Mãe Bernadete era Coordenadora Nacional da CONAQ e liderança quilombola do Quilombo Pitanga dos Palmares, localizada no município de Simões Filho, estado da Bahia. Sua dedicação incansável à preservação da cultura, da espiritualidade e da história de seu povo será sempre lembrada por nós. Nos apoiaremos no seu exemplo e no seu legado na luta por justiça. Nossos sentimentos estão com o Quilombo Pitanga dos Palmares, com suas amigas e amigos, e com sua família, da qual fazemos parte enquanto quilombolas. Sua ausência será profundamente sentida. Seu espírito inspirador, sua história de vida, suas palavras de guia continuarão a orientar-nos e às gerações futuras.

A família Conaq sente profundamente a perda de uma mulher tão sábia e de uma verdadeira liderança. Sua partida prematura é uma perda irreparável não apenas para a comunidade quilombola, mas para todo o movimento de defesa dos direitos humanos.

Mãe Bernadete foi insidiosamente executada na noite desta quinta-feira (17/08). Era mãe de Flávio Gabriel Pacífico dos Santos (Binho do Quilombo), liderança quilombola da comunidade Pitanga dos Palmares, também assassinado há 6 anos. O assassinato de Binho, como o de tantas outras lideranças quilombolas, continua sem resposta e sem justiça. Junta-se à injustiça mais uma vítima da violência enfrentada por aqueles que ousam levantar suas vozes na defesa dos nossos direitos ancestrais. Mãe Bernadete, agora silenciada, era uma luz brilhante na luta contra a discriminação, o racismo e a marginalização. Atuava na linha de frente para solucionar o caso do assassinato do seu filho Binho e bravamente enfrentou todas adversidades que uma mãe preta pode enfrentar na busca por justiça e na defesa da memória e da dignidade de seu filho. Nessa luta, com coragem, desafiou o sistema e, como tantas mulheres, colocou seu corpo e sua voz na defesa de uma causa com a qual tinha um compromisso inabalável. Sua voz ressoava não apenas nas reuniões e eventos, mas também nos corações daqueles que acreditavam na mudança.

Este acontecimento trágico evidencia a crueldade das barreiras que se colocam no caminho de quem luta. Enquanto lamentamos a perda dessa corajosa liderança, também devemos nos unir em solidariedade e determinação para continuar o legado que ela deixou. Que sua memória inspire novas gerações a continuar a luta por um mundo onde todas as vozes sejam ouvidas, todas as culturas e religiões sejam respeitadas e todos os direitos sejam protegidos.

A Conaq exige que o Estado brasileiro tome medidas imediatas para a proteção das lideranças do Quilombo de Pitanga de Palmares. É dever do Estado garantir que haja uma investigação célere e eficaz e que os responsáveis pelos crimes que têm vitimado as lideranças desse Quilombo sejam devidamente responsabilizados. É crucial que a justiça seja feita, que a verdade seja conhecida e que os autores sejam punidos. Queremos justiça para honrar a memória de nossa liderança perdida, mas também para que possamos afirmar que, no Brasil, atos de violência contra quilombolas não serão tolerados.

Apib e Aliança da Volta Grande do Xingu exigem desistência e retirada de Belo Sun do Xingu

Apib e Aliança da Volta Grande do Xingu exigem desistência e retirada de Belo Sun do Xingu

Em réplica à resposta da mineradora sobre o relatório Mina de Sangue, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirma que a mineradora não agiu conforme as leis brasileiras e normativas internacionais

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) exige a desistência e retirada imediata de Belo Sun de Volta Grande do Xingu, no Pará, em carta publicada nesta quarta-feira, 16 de agosto. A carta é uma réplica à resposta da mineradora sobre o relatório Mina de Sangue e foi assinada também pela Aliança da Volta Grande do Xingu, composta pela Amazon Watch, Anistia Internacional Brasil, AIDA, Instituto Socioambiental, Mining Watch Canadá, Movimento Xingu Vivo, International Rivers, Earthworks e Law and Development Research Group and Institute of Development Policy of the University of Antwerp.

Publicado em junho, o relatório Mina de Sangue denuncia uma série de violações aos direitos dos povos indígenas no projeto mineração de Belo Sun. A mineradora pretende construir a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil em Volta Grande do Xingu e remover mais de 800 famílias da região.

“Mesmo após a publicação da Apib, a Belo Sun ainda insiste em falar em ‘erros factuais e suposições deturpadas da atuação da empresa’. Porém, as críticas à mineradora não são meras especulações e sim constatações fundamentadas em mais de 30 estudos científicos, pareceres técnicos e decisões judiciais”, defende Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib e organizador do relatório.

Na réplica, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil afirma que Belo Sun não agiu conforme as leis brasileiras e normativas internacionais. A organização indígena também relembra que a obra vem sendo questionada de forma constante e por diferentes instâncias como Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE/PA) e Defensoria Pública da União (DPU), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), FUNAI e Ibama. Além disso, em 2018 a empresa Agnico Eagle Mines vendeu sua participação no projeto da Belo Sun após uma petição contra a mineradora que teve mais de 800 mil assinaturas.

Entre os argumentos apresentados pela Apib está a Ação Civil Pública, ajuizada em abril de 2022, pela DPU e DPE do Pará contra a União no qual mostra que 3.495 hectares foram adquiridos de forma ilegal pela mineradora, totalizando 29 lotes no assentamento Ressaca – dos quais a Belo Sun só alega ter adquirido 21. Belo Sun também cometeu irregularidades na consulta prévia, livre e informada com às comunidades impactadas, como previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do qual o Brasil é signatário. Isso porque nem todos os povos afetados foram considerados, consultados ou concordam com o empreendimento, como mostra uma ação da DPE de 2020 onde indígenas Iawá, Kanipá e Jericoá I e II garantem que não foram procurados. 

“A ausência de consulta constitui um dos motivos pelo qual a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região suspendeu a Licença de Instalação nº 2712/2017 da Belo Sun nos autos de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal, o que se mantém até hoje. Na ocasião, assim como reiterado à Apib, a mineradora informou que havia cumprido a exigência de Consulta Prévia, Livre e Informada aos povos indígenas impactados. Contudo, o MPF logrou comprovar que não houve manifestação genuína das comunidades afetadas, mas tão somente uma coleta de informações através de dados secundários”, diz trecho da réplica.

A Apib, por meio do seu departamento jurídico, reforça o seu repúdio ao projeto de mineração da Belo Sun no Xingu e afirma que continuará acompanhando de perto a situação, sempre prezando pelo bem-viver dos povos indígenas e comunidades tradicionais da região. 

Lei a réplica completa aqui: https://apiboficial.org/files/2023/08/Réplica_à_Resposta_da-Belo_Sun.pdf 

Maior mina de ouro a céu aberto

No projeto de mineração em Volta Grande do Xingu, Belo Sun ocupa uma área de 2.000 ha de terras públicas, onde está  impedindo o trânsito dos povos originários e tradicionais que viviam e usavam a área para caça, pesca, extrativismo e lazer.

A mineradora pretende construir a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil com o uso constante de explosivos que irá permitir a extração de cinco toneladas de ouro por ano, além de prevê a instalação de barragem para armazenar rejeitos químicos de mineração, depósito de explosivos, aterro sanitário, estação de abastecimento de combustíveis, alojamentos e estradas.

Segundo o relatório Mina de Sangue, a mineração impactará diretamente pelo menos cinco povos indígenas, incluindo povos em isolamento voluntário, além 25 comunidades tradicionais ribeirinhas e 500 famílias de assentados da reforma agrária da região. Esses grupos já sofrem com as consequências da hidrelétrica de Belo Monte, que reduziu drasticamente o nível da água do Rio Xingu e provocou estado de emergência humanitária na região. 

Confira o relatório Mina de Sangue: https://apiboficial.org/files/2023/06/APIB_relatorio_minadesangue_Apib.pdf 

ALERTA: Congresso Nacional viola recomendação da RPU sobre o marco temporal

ALERTA: Congresso Nacional viola recomendação da RPU sobre o marco temporal

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

O alerta é do Coletivo Revisão Periódica Universal (RPU) Brasil, uma coalizão que une entidades da sociedade civil; a carta foi entregue na terça-feira (15) ao presidente do Senado

O Coletivo RPU Brasil faz um alerta ao Congresso Nacional para a violação do direito internacional e constitucional ao avançar com o Projeto de Lei (PL) 2903, antigo PL 490, que impõe o marco temporal de forma legislada. O documento foi entregue nesta terça-feira (15) ao presidente do Senado Federal, o senador Rodrigo Pacheco, onde o PL encontra-se em análise.

O coletivo é uma coalizão que une entidades da sociedade civil com o intuito de monitorar a situação dos Direitos Humanos no Brasil sob o olhar das Recomendações da Revisão Periódica Universal (RPU).

A tramitação do PL 2903 no Congresso Nacional é contrária à recomendação aceita pelo Estado brasileiro, proposta pela Noruega, em novembro de 2022, durante o 4º Ciclo da Revisão Periódica Universal, nos seguintes termos: “Concluir os processos pendentes de demarcação de terras, rejeitar a tese do marco temporal e garantir que os Povos Indígenas sejam protegidos de ameaças, ataques e despejos forçados”.

O Brasil aceitou a recomendação durante a 52ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos (CDH), no primeiro semestre de 2023, com a presença oficial do Representante Permanente do Brasil junto às Nações Unidas em Genebra, embaixador Tovar Nunes, com as devidas instruções do Ministério das Relações Exteriores e comando do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDH).

“A prova da aceitação deu-se através de relatório produzido pelo Conselho de Direitos Humanos, ao lado dos demais Estados que compuseram a Troika de Revisão do Brasil: Japão, Montenegro e Paraguai”, recorda o Coletivo.

O alerta, segundo o Coletivo RPU Brasil, se faz necessário tendo em vista que a Senadora Soraya Thronicke, relatora do PL 2903/2023, na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, deu parecer favorável para impor o marco temporal por meio de lei. A senadora não teria levado em conta a recomendação do CDH, além de demais considerações já feitas por vários órgãos internacionais de direitos humanos, além dos próprios povos indígenas e suas organizações, juristas e diversos setores da sociedade brasileira, solidários com a causa indígena.

O PL 2903 está para ser aprovado pelo Senado Federal e ameaça condenar, de uma vez por todas, os povos indígenas aos intensos conflitos, violências, mortes e ao genocídio, ao terem seu direito fundamental a suas terras tradicionais à sua existência, subtraído pelo Congresso Nacional.

As recomendações aceitas por um Estado durante a Revisão Periódica Universal têm a natureza jurídica de declaração unilateral, ou seja, obrigatórias e gerando efeitos jurídicos internos e externos. As obrigações internacionais de um Estado no plano internacional vinculam os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Desta forma, os agentes estatais estão obrigados a não praticar quaisquer atos que atentem contra estas obrigações.

No alerta, o Coletivo RPU Brasil também lembra o Congresso Nacional que vários órgãos internacionais já demonstraram que a tese do marco temporal viola o direito inerente dos povos indígenas aos territórios tradicionais, e que cabe ao Estado realizar a devida regularização das terras, conforme estabelece a Constituição Federal. O Comitê de Direitos Humanos, revisando o Brasil em junho de 2023, apontou para esta violação, frente à gravidade da tese.

A Relatoria da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas também apresentou parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF), em fevereiro de 2020, no processo do caso do povo Xokleng, explicando da incompatibilidade da tese do marco temporal com o direito internacional. Além disso, emitiu um alerta, em 13 de junho, no contexto da audiência na Corte sobre o caso, ademais das repercussões do trâmite do PL 2903 no Congresso. Da mesma forma, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 31 de maio, emitiu comunicado no sentido de que a tese do marco temporal viola os direitos dos povos indígenas.

A tese do marco temporal atenta contra os princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988, alterando o espírito dos constituintes que reconheceram o direito originário dos povos indígenas e o alçaram ao status de cláusula pétrea da Constituição. De fato, no julgamento do Recurso Extraordinário que tramita no STF, o resultado dos votos já pronunciados afirma a inconstitucionalidade desta tese.

Enquanto isso, o Poder Legislativo insiste em violar recomendações da RPU aceitas pelo Estado brasileiro, e segue na incessante violência contra os povos indígenas e no descaso às invasões aos territórios indígenas. Inerte às investidas de poderes econômicos, representados principalmente pela bancada ruralista no Congresso Nacional, que tem trabalhado para reduzir ou suprimir os direitos indígenas, com objetivo de avançar sobre as terras e as riquezas que elas abrigam, por meio de PLs como o 2903.

Diante disto, o Coletivo RPU Brasil insta ao Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal a observarem com rigor a obrigação soberanamente contraída pelo Estado brasileiro por meio da RPU e da ratificação dos tratados internacionais de direitos humanos e de outras instâncias e mecanismos do Sistema ONU e do Sistema Interamericano.

Informações:

Coletivo RPU Brasil /Cimi: +55 61 9641-6256 ou [email protected]

Coletivo RPU Brasil /Apib:  [email protected]

Coletivo RPU Brasil / Justiça Global – Antônio Neto: +55 21 98041-8631

Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado vota relatório do PL 2903 nesta quarta

Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado vota relatório do PL 2903 nesta quarta

A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado vai apreciar o relatório sobre o Projeto de Lei 2903 (antigo PL490, de 2007, na Câmara dos Deputados), ou PL do Marco Temporal, nesta quarta-feira, 16/08, a partir das 14h. Se for aprovado, ele segue para a avaliação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

A relatora da matéria, senadora Soraya Thronicke, ignorou os alertas feitos pela coordenação executiva da Apib e por nossas parlamentares da Bancada do Cocar, dando um parecer favorável para aprovação. A posição da senadora não é novidade, ela faz coro com a bancada ruralista da Câmara dos Deputados.

Eleita pelo partido Podemos, do Mato Grosso do Sul, ela é representante do agronegócio pelo estado que é um dos maiores centros de conflito por invasão de terra indígena no Brasil. O Mato Grosso do Sul abrange grande parte do território Guarani Kaiowá, onde aconteceram, recentemente, o Massacre de Guapoy e outros ataques da Polícia Militar ao povo, que luta pela retomada de sua terra sagrada.

A Senadora foi base do governo fascista de Bolsonaro, quando era filiada ao PSL, e discursou pedindo apoio ao governo, no lançamento do Movimento Brasil Verde Amarelo, em 2019, que reuniu 76 associações de fazendeiros de direita para apoiar os desmandos da bancada ruralista no congresso.

O marco temporal tramita como um projeto de lei, que tem por objetivo datar a demarcação de terras indígenas, limitando as demarcações apenas àquelas terras em posse das comunidades na data da promulgação da constituição. A sua possível aprovação fere o direito originário, previsto nas leis brasileiras pelo menos desde 1834, excluirá a demarcação de áreas de retomadas realizadas a partir de 1988, legalizando áreas invadidas e griladas pelo agrobanditismo.

Os ruralistas justificam o PL 2903, como uma “segurança jurídica para produtores”. O agrobanditismo precisa se garantir juridicamente, alterando as leis constitucionais, visto que estes se apossaram ilegalmente de terras indígenas, passíveis de serem devolvidas para as comunidades originárias.

No relatório, a senadora afirma que “não se mostra razoável, proporcional e legítimo adotar para o conceito “tradicionalmente” uma ocupação que regresse a um marco temporal imemorial, ou seja, ocupação a tempo atávico, a períodos remotos, que, no limite, poderia gerar disputa sobre todo o território nacional”.

Essa disputa sobre o território nacional está nos marcos da colonização brasileira. A retórica dos defensores do PL 2903, esconde os efeitos da lei. Caso o Marco Temporal seja aprovado, todas as TIs, independente da situação e da região em que se encontram, serão avaliadas de acordo com a tese, colocando 1393 terras indígenas sob ameaça direta.

Nota do departamento jurídico da Apib sobre as violências contra o povo Tembé

Nota do departamento jurídico da Apib sobre as violências contra o povo Tembé

O departamento jurídico da Apib publicou uma nota sobre o ataque às lideranças indígenas do povo Tembé. Na sexta-feira, 04/08, dia em que iniciaram as atividades dos Diálogos Amazônicos, em Belém, o jovem indígena Kauã, foi baleado.

Na manhã do dia 07/08, durante preparativos para recebimento da visita do Conselho Nacional de Direitos Humanos, em Tomé-Açu (PA) e véspera das atividades da Cúpula da Amazônia, quando o Pará recebeu Chefes de Estado e o movimento indígena enfatizou a necessidade de pôr fim à violência contra os povos, três lideranças foram baleadas por seguranças privados da empresa Brasil Bio Fulls (BBF). Uma das vítimas afirma em áudio que pegou dois tiros, sendo um no ombro e outro na coxa.

O crime ocorreu dentro da aldeia Bananal do povo Tembé, a 200 km de Belém. O povo Tembé, que denuncia a violação de direitos humanos e a falta de consulta previa, livre e informada no empreendimento de plantação de dendê da BBF.

A nota ressalta que os ataques “não se tratam de episódios isolados”, mas fazem parte de “inúmeros casos de violações de direitos humanos e ambientais ocorridos na região”. Ali encontram-se duas terras indígenas e seis comunidades quilombolas, cercadas por milhares de pés de dendê. São conflitos ligados a décadas de invasões e grilagens dos territórios, cuja ocupação ancestral data de pelo menos 200 anos.

Confira a nota completa:

NOTA PÚBLICA SOBRE OS ATAQUES AO POVO TEMBÉ

Brasília, 08 de agosto de 2023.

Entre a última sexta-feira (04/08) e esta segunda (07/04), quatro indígenas da etnia Tembé foram atingidos por disparos de armas de fogo em Tomé-Açu, no Pará. O primeiro ataque ocorreu na sexta, quando Kauã, indígena do povo Tembé de 19 anos, foi baleado. Na mesma data foi dado início às atividades que antecedem a Cúpula da Amazônia, sediada em Belém, a 200km da região dos ataques, em ocasião na qual o Pará recebe Chefes de Estado e o movimento indígena enfatiza a necessidade de pôr fim à violência contra os povos. O crime ocorreu dentro da aldeia Bananal do povo Tembé. O momento em que a vítima foi socorrida, após ser atingida entre as pernas, foi registrado em um vídeo que circula pelas redes sociais.

A Associação Indígena Tembé Vale do Acará enviou comunicado ao Ministério Público Federal (MPF), relatando que a comunidade verificou que, no dia 03/08, chegou forte e ostensivo grupamento de Polícia Militar especializada no município de Tomé-Açú, e que, no dia seguinte, passaram a intervir de maneira truculenta no local ocupado pela comunidade indígena Tembé. Acompanhados de seguranças fortemente armados da empresa Brasil Bio Fuels – BBF, os policiais interditaram a ponte que dá acesso à área de ocupação. Segundo informações divulgadas pelo Ministério Público Federal (MPF), o disparo pode ter sido feito pelos policiais militares ou pelos seguranças privados.

Diante do episódio de 04/08, o MPF solicitou ao governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que sejam tomadas medidas urgentes para pôr fim à violência policial. Ainda no dia 04/08, o órgão requisitou à Polícia Federal que fosse aberta investigação sobre o caso com urgência, bem como fosse deslocado efetivo para a área indígena. Além disso, a Justiça Estadual em Tomé-Açu foi oficiada pelo MPF, que solicitou informações sobre o caso.

Já nesta segunda, dia 07/08, outros três indígenas foram baleados por seguranças privados da BBF. Daiane Tembé, que filmava a ação, foi atingida por tiros no pescoço e no maxilar e transportada por UTI aérea a Belém/PA. Dois outros indígenas encontram-se desaparecidos.

O novo crime ocorreu momentos antes da chegada de uma missão especial coordenada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que se dirigia ao município de Tomé-Açú/PA para apurar as violações de direitos humanos denunciadas pelos indígenas durante uma mesa paralela dos “Diálogos Amazônicos”, ocorrida dias antes em Belém. A conselheira do CNDH Virgínia Berriel, presente na missão, afirmou que trata-se de “mais um ataque covarde aos direitos humanos, porque isso só aconteceu devido a nossa vinda ao local”.

Tais ataques não se tratam de episódios isolados. Os episódios aqui narrados somam-se aos inúmeros casos de violações de direitos humanos e ambientais ocorridos na região. Cercadas por milhares de pés de dendê, encontram-se: i) a Terra Indígena Turé Mariquita (a menor em território do Brasil), do povo Tembé, com  13 aldeias; ii) a TI Turyuara, que aguarda homologação e possui três aldeias; e iii) seis comunidades quilombolas, reunidas em torno de uma associação, a Amarqualta, com cerca de 350 famílias. Não se tratam se conflitos novos, mas que estão ligados a décadas de invasões e grilagens dos territórios, cuja ocupação ancestral data de pelo menos 200 anos.

É a partir deste contexto que os indígenas do povo Tembé vêm reivindicando o direito coletivo sobre as terras em que é produzido o óleo de palma e questionando o impacto ambiental dos agrotóxicos e do descarte de rejeitos da produção. Devido a isso, vêm sofrendo diversos ataques.

Em maio deste ano, o Cacique Lúcio Gusmão, do povo Tembé, foi alvejado com tiros na cabeça em emboscada em razão de sua atuação na defesa dos territórios tradicionais de 16 (dezesseis) aldeias indígenas, 6 (seis) quilombos da Associação Amarqualta e comunidades ribeirinhas constantemente ameaçadas pela maior produtora de óleo de palma da América Latina, a empresa Brasil Biofuels (BBF).

Logo após o episódio com o Cacique Lúcio, o povo Tembé passou a denunciar campanha criminalizadora da Brasil BioFuels, que vem chamando os indígenas de “invasores”, acusando-os de se beneficiarem do “status de indígenas” para invadir áreas da companhia, “colher e comercializar o dendê plantado pela empresa”, e “utilizar veículos de imprensa, ONGs e redes sociais para se colocarem como vítimas”. Trata-se de uma tentativa de deslegitimação dos indígenas em luta pela demarcação de suas terras, cujo resultado é um aumento da revolta das populações locais contra os indígenas.

O próprio Ministério Público Federal do Pará reconheceu que há um nível intenso nível de conflituosidade na região que traz riscos concretos à vida e à integridade física dos indígenas, havendo ligação direta entre tais episódios de violência e os conflitos com empresas produtoras de dendê na região, o que inclusive impõe a atuação dos órgãos federais, tendo em vista que a disputa envolve direitos coletivos dos povos indígenas. Ainda de acordo com o MPF-PA, tais ataques vêm ocorrendo desde a instalação da empresa Biopalma, empresa adquirida pelo Grupo BBF em 2020,  ao redor da Terra Indígena Turé Mariquita, em Tomé-Açu.

Em abril, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) chegou a pedir a prisão do dono da BBF, Eduardo Schimmelpfeng da Costa Coelho, e do chefe de segurança da empresa, Walter Ferrari, acusados de tortura de 11 ribeirinhos da região. Apesar de um suspeito de ser o mandante do crime ter sido preso dois dias após o ataque, lideranças da comunidade alegam não estar satisfeitas e tampouco entendem que o caso foi elucidado.

A denúncia do MPPA aponta que um “grupo com características paramilitares” atua reprimindo comunitários que vivem em terras reivindicadas pela BBF. Tal milícia armada seria comandada pelo dono e pelo chefe de segurança da BBF, que recrutaram e treinaram funcionários que trabalham na colheita do dendê para que atuassem em situações de conflito, fato esse que também é investigado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Além disso, tanto o MPPA quanto o MPF alegam que: i) a empresa também comete crimes ambientais; ii) há indícios de fraudes em seus licenciamentos junto à Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Semas); iii) a consulta prévia, livre e informada, segundo prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), não foi cumprida.

Não há dúvida, portanto, que estamos diante de graves violações a preceitos fundamentais protegidos pela Carta Magna. Existem claras violações ao direito à vida e à integridade física (art. 5º), ao direito à terra tradicionalmente ocupada (art. 231) e ao direito à segurança pública (art. 144º).

Diante disso, no dia 07 de agosto, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), organização que articula e representa os povos indígenas a nível nacional, formada pelas organizações indígenas de base das distintas regiões do país, enviou comunicação à Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (SEGUP/PA), solicitando informações e providências urgentes com vistas a garantir os direitos e a segurança do povo Tembé em Tomé-Açú-PA.

Mauricio Serpa França

Coordenador Jurídico da APIB – OAB/MS 24.060

Victor Hugo Streit Vieira

Assessor Jurídico da APIB – OAB/PR 115.553

Ingrid Gomes Martins

Assessora Jurídica da APIB – OAB/DF 63.140

Terra Indígena é garantia de futuro para toda a humanidade

Terra Indígena é garantia de futuro para toda a humanidade

Foto: David Terena/@cons.terena

Por Dinamam Tuxá e Kleber Karipuna, coordenadores Executivos da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)

Desde 1995, as Nações Unidas celebram anualmente o Dia Internacional dos Povos Indígenas em 9 de agosto, com o intuito de aumentar a conscientização e proteger os direitos da população indígena, sobretudo seus direitos a tomar suas próprias decisões – sua autodeterminação, e a executá-las de forma culturalmente apropriada. Entretanto, após quase 30 anos da instituição desta data, os povos indígenas têm poucos motivos para comemorar.

Ao redor do mundo, vivenciamos a negligência de nossos direitos em prol de um modelo desenvolvimentista que prioriza a exploração de nossas terras através da extração de combustíveis fósseis, de minérios, da expansão do agronegócio e de empreendimentos imobiliários, ignorando a relação inalienável que temos com nossos territórios ancestrais, um direito originário reconhecido internacionalmente e também pela Constituição Federal do Brasil.

Apesar de o Estado brasileiro ter se comprometido em demarcar todos os territórios em até cinco anos, apenas 483 dos 1.239 territórios indígenas foram demarcados até hoje, ou seja, 61,01% dos nossos territórios permanecem sem reconhecimento por parte do Estado. A morosidade na demarcação dos territórios traz consequências concretas e nefastas para os povos indígenas, agravadas ainda mais nos últimos anos.

Relatório sobre Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil em 2022 [Cimi] demonstrou que, entre 2019 e 2022, foram registrados 795 assassinatos de indígenas durante o governo de Jair Bolsonaro, representando um aumento de 54% em comparação aos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer. O documento aponta que a maior parte destes crimes tem relação direta com conflitos territoriais.

Neste contexto, consideramos o julgamento do Marco Temporal como o “julgamento do século” pois, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) decida que apenas os territórios ocupados pelos povos indígenas na data de promulgação da nossa Constituição Federal sejam passíveis de demarcação, vivenciaremos um aumento nos conflitos territoriais, e seu impacto em nossas vidas e comunidades será sem precedentes.

É fundamental que o STF rechace de uma vez por todas essa tese que é motivada pelos interesses do agronegócio, e que desconsidera os séculos de perseguição e violência que impossibilitaram que muitos de nós estivéssemos ocupando nossos territórios em 5 de outubro de 1988. Mas a responsabilidade da Suprema Corte em fazer cumprir nossos direitos vai além de reconhecer a inconstitucionalidade do Marco Temporal.

O voto deferido pelo Ministro Alexandre de Moraes na retomada do julgamento (7 de junho) traz outros elementos de preocupação. Ainda que o Ministro rejeite a tese do Marco Temporal como tal, seu voto propõe uma interpretação alternativa, com o alegado intuito de “conciliar” os conflitos entre os povos indígenas e os invasores de nossos territórios.

O julgamento agora possui dois votos contrários ao Marco Temporal e um favorável à tese genocida, feito em 2021, pelo ministro Nunes Marques. O primeiro voto favorável aos povos indígenas foi realizado pelo ministro Edson Fachin, que fez um posicionamento histórico e reafirmou em seu voto, que os direitos indígenas são originários.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reforça o mesmo entendimento do ministro Fachin, que é relator do caso. “A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 e independe da configuração de renitente esbulho”, afirmou Fachin em seu voto. Ou seja, não existe marco temporal e nossos direitos são originários.

Diferente de Fachin, o Ministro Moraes propõe, entre outras medidas, a indenização prévia a portadores de títulos de propriedade que tenham adquirido áreas sobrepostas aos nossos territórios de boa fé. Atualmente, a previsão legal de indenização prévia é restrita às benfeitorias realizadas de boa fé por portadores de certidão de propriedade sobreposta a terras indígenas O Ministro Moraes inova em seu voto ao propor que a indenização seja pela terra nua, ou seja, por toda a propriedade.

Na prática, a proposta de Moraes premiaria os invasores dos nossos territórios. Pequenos proprietários com títulos de posse sobrepostos a territórios indígenas representam a minoria dos casos de sobreposição. O agronegócio é responsável pela maior parte dessas invasões: a pecuária é responsável por 55,6% das áreas de sobreposição em terras indígenas, seguida pela soja, que representa 34,6% das sobreposições, segundo o relatório Os Invasores, publicado recentemente pelo De Olho nos Ruralistas. Além de premiar os invasores, a proposta do Ministro Moraes paralisaria ainda mais a política demarcatória no Brasil, ao passo que introduz maior ônus ao orçamento da União para a realização das indenizações prévias.

Esta propositura se assemelha ao atual status da política de titulação dos territórios quilombolas. Em recente análise da organização Terra de Direitos, no ritmo atual, o Brasil levaria 2.188 anos para titular todos os territórios quilombolas com processos em análise no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), devido sobretudo à insuficiência orçamentária para promover a indenização dos territórios quilombolas – o que não seria diferente para os territórios indígenas.

Além disso, o Ministro Moraes considera em seu voto a possibilidade de o Estado brasileiro promover a “compensação de Terras às comunidades indígenas”, concedendo-lhes propriedades em outros lugares, que supostamente seriam “terras equivalentes às tradicionalmente ocupadas”.

Essa proposta desconsidera por completo os Direitos Territoriais Indígenas estabelecidos na Constituição Federal, assim como nossa intrínseca relação com nossos territórios, os quais são indispensáveis para a manutenção de nossos costumes, línguas, tradições, identidades e à conservação dos nossos modos de vida. A relação dos povos indígenas com seus territórios vai muito além do direito patrimonial e é reconhecida por diversas convenções e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O Estado brasileiro tem o dever constitucional de garantir nosso direito de ocupar nossos territórios de acordo com nossos modos de vida tradicionais. Mas promover a demarcação de nossas terras não é do interesse apenas dos povos indígenas, mas é também necessário para a garantia de um futuro para as próximas gerações de todo o planeta.

Os povos indígenas são protagonistas na luta contra as mudanças climáticas: através de nossa íntima relação com nossos territórios, nós protegemos 80% da biodiversidade do planeta [ONU]. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa, segundo o MapBiomas. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Não há como considerar a preservação de nossos biomas e políticas consistentes contra as mudanças climáticas sem garantir o pleno usufruto dos povos indígenas em seus territórios.

Na última edição do Acampamento Terra Livre (ATL, abril de 2023), nossa principal mobilização nacional, os povos indígenas do Brasil decretaram emergência climática. No último mês, o Secretário Geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, afirmou que a era do aquecimento global acabou, que já estamos vivenciando a era da ebulição global, com consequências catastróficas sendo cada vez mais registradas ao redor do globo.

Caso o STF reconheça o Marco Temporal ou proponha medidas que inviabilizem a célere e efetiva demarcação dos nossos territórios, as consequências serão diretas para os povos indígenas em nossos corpos e territórios, mas também serão sentidas por toda a população. Por isso, dizemos que o Marco Temporal é também um julgamento climático.

Neste simbólico Dia Internacional dos Povos Indígenas, estamos na Cúpula da Amazônia, que acontece em Belém, reunidos com chefes de Estado e os principais atores da agenda climática nacional e internacional, alertando uma vez mais que não temos mais tempo para nos limitarmos às negociações de compromissos, é necessário agir. Promover a demarcação dos territórios indígenas é uma das principais formas de ação climática, a qual está prevista em nossa Constituição Federal e já possui todos os meios institucionais para ser executada.

Apib considera Carta de Belém frustrante e reivindica metas concretas para a demarcação de terras indígenas

Apib considera Carta de Belém frustrante e reivindica metas concretas para a demarcação de terras indígenas

A organização destaca a necessidade de os países amazônicos terem ações definidas que envolvam a demarcação de terras indígenas, titulação de territórios quilombolas e a criação de unidades de conservação

Os oito presidentes dos Estados partes na Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) assinaram na última terça-feira, 8 de agosto, a Carta de Belém. A Carta é o documento principal da Cúpula da Amazônia, que encerra nesta quarta-feira (09/08), na capital paraense. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), organização de referência nacional do movimento indígena, considera a Carta de Belém frustrante e reivindica metas concretas para a demarcação de terras indígenas. 

“O documento deveria ser mais ambicioso. Compreendemos a diversidade dos debates que envolvem oito países, e reconhecemos os compromissos políticos assumidos, mas é frustrante a ausência de metas específicas e objetivas relacionadas aos povos indígenas e ao meio ambiente”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.

Entre as reivindicações, a Apib destaca a necessidade de os Estados terem ações definidas para o ponto de não retorno da Amazônia (termo usado por especialistas para se referir ao ponto em que a floresta perde sua capacidade de se autorregenerar), que envolva a demarcação de terras indígenas, titulação de territórios quilombolas e a criação de unidades de conservação.  Além da fiscalização e proteção territorial e políticas de promoção da sustentabilidade dos territórios. 

O movimento indígena também avalia como decepcionante a suspensão do anúncio de duas demarcações de terras indígenas na Cúpula da Amazônia, como publicado pelo jornal Folha de São Paulo. Segundo a reportagem, os territórios demarcados seriam a TI Rio Gregório, em Tarauacá (AC), e Acapuri de Cima, em Fonte Boa (AM). Elas fazem parte da lista de 13 terras indígenas que estão prontas para serem homologadas, que foi apresentada pelo GT Povos Indígenas do Governo de Transição, do qual a Apib fez parte. 

“O Governo incluiu a homologação desses 13 territórios como parte das metas dos 100 dias de governo. Essa meta não foi cumprida e, para a Cúpula, havia a expectativa de que outros territórios fossem anunciados. A demora neste processo tem efeitos concretos para os povos indígenas que estão lidando diariamente com a violência”, ressalta Dinamam Tuxá, também coordenador executivo da Apib.

Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia 

Lideranças indígenas da Apib e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) estiveram em Belém para a Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia, realizada entre os dias 4 e 8 de agosto. 

A  Assembleia fez parte dos esforços políticos do movimento indígena para incidir na IV Reunião de Presidentes dos Estados signatários da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), Diálogos Amazônicos e na Cúpula da Amazônia.

Durante a Assembleia foram discutidas políticas de proteção para os povos isolados, ameaças da exploração de grandes mineradoras e da indústria do petróleo, demarcação dos territórios ancestrais, além da retomada do julgamento sobre o marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF).

No dia 7 de agosto, organizações indígenas da Amazônia publicaram o documento “Carta dos Povos Indígenas da Bacia da Amazônia aos presidentes”. A carta foi entregue aos presidentes amazônicos e ressalta a importância de dialogar com o movimento indígena para para frear e solucionar a crise climática global. 

“Sem nós, não haverá Amazônia; e, sem ela, o mundo que conhecemos não existirá mais. Porque nós somos a Amazônia: sua terra e biodiversidade são o nosso corpo; seus rios correm em nossas veias. Nossos ancestrais não só a preservaram por milênios, como ajudaram a cultivá-la”, diz trecho do documento. 

Justiça retoma julgamento de reintegração de posse de terra ancestral do povo Xukuru, no dia internacional dos povos indígenas

Justiça retoma julgamento de reintegração de posse de terra ancestral do povo Xukuru, no dia internacional dos povos indígenas

Foto: Diego Xukuru / Ororubá Filmes

A Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) alertam para mais uma ameaça aos povos indígenas, com base na tese do Marco Temporal. Um fazendeiro, do município de Pesqueira, em Pernambuco, reivindica na Justiça, há mais de 30 anos, uma área ancestral, a aldeia Caípe, que fica encravada no coração do território Xukuru.

No dia internacional dos povos indígenas, 9 de agosto, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 5a região vai retomar o julgamento que pede a reintegração de posse da aldeia. A ação na justiça foi iniciada em 1992 e dois desembargadores votaram contra o povo Xukuru, neste caso. Outros cinco desembargadores devem votar neste processo.

O Território Xukuru foi homologado, em 2001, e possui decisão favorável da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para que o povo tenha a garantia de viver nas suas terras. A corte internacional determinou a anulação de ações como essa que está no TRF-5 e ataca o direito territorial.

Pesqueira, cidade da Terra Indígena Xukuru do Ororubá, é o sexto município com maior quantidade de indígenas do Brasil. Segundo o Censo do IBGE lançado nesta segunda-feira (7), vivem em Pesqueira 22.728 indígenas.

A aldeia Caípe é a segunda retomada do povo Xukuru, na região, um processo liderado por Xicão Xukuru, liderança histórica do povo que foi assassinado no dia 20 de maio de 1998.

O povo Xukuru vai realizar uma manifestação, em Recife, nesta quarta-feira (9) para reafirmar seu direito ancestral ao território.

#EmergênciaIndígena | PAREM DE NOS MATAR!

#EmergênciaIndígena | PAREM DE NOS MATAR!

FEPIPA, COIAB e APIB exigem justiça! Lideranças do povo Tembé são baleadas e presas, no mesmo período que o Mundo está com as atenções voltadas para o encontro dos presidentes e autoridades dos países amazônicos, a ‘Cúpula da Amazônia’, e o movimento indígena pede o fim das violências.

A Federação dos Povos Indígenas do Pará (FEPIPA), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denunciam mais uma violência cometida contra o povo Tembé, no Pará, e exigem justiça!

Lideranças Tembé foram baleadas na manhã desta segunda, 07/08, no município de Tomé-Açú, no Pará, por seguranças privados da empresa Brasil Bio Fuels – BBF durante os preparativos para a chegada de uma comitiva do Conselho Nacional de Direitos Humanos, no local. Na sexta-feira, 04/08, outro indígena Tembé foi baleado, no mesmo município, no dia em que foi dado início às atividades que antecedem a Cúpula da Amazônia, na cidade de Belém, que fica cerca de 200 km do local onde os atentados aconteceram.

“PAREM DE NOS MATAR!”. Esse foi um grito de alerta feito pela presidenta dos articuladores da FEPIPA, Concita Sompré, na abertura dos preparativos para a Cúpula. O mundo está com as atenções voltadas para o encontro, que vai reunir entre os dias 8 e 9 de agosto, chefes de estado e autoridades dos países amazônicos para debater as mudanças climáticas e soluções para garantir a proteção de povos, comunidades tradicionais e periféricas da região.

As violências precisam acabar! Não adianta os povos indígenas terem protagonismo no debate político se nossos direitos seguem sendo violados. É inadmissível lideranças serem baleadas há cerca de duas horas de distância de um evento global, que pretende propor garantias de proteção para os nossos povos.

Reforçamos a nota feita pelos parentes Tembé, que questionam “quantos indígenas precisam ser baleados ou morrer para chamar a atenção dos órgãos públicos para a responsabilização dos culpados pelos atentados e para garantir a proteção das comunidades indígenas do Alto Acará.”

Exigimos a liberdade de Felipe Tembé, que foi preso, nesta segunda-feira (07/08), durante os protestos que denunciavam o atentado cometido pela empresa BFF contra Kauã Tembé, na última sexta-feira, 04/08. Daiane Tembé foi atingida no pescoço e no maxilar. Ela foi levada para Belém em uma UTI aérea. Todos os demais estão recebendo atendimento médico. Ainda existem dois indígenas desaparecidos.

Acesse a nota completa aqui

O setor jurídico da Apib enviou ofício, nesta segunda-feira (07/08), para a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará para solicitar informações e providências sobre os casos de violência. A instauração de uma força-tarefa para atendimento emergencial ao povo Tembé, foi um dos pontos solicitados. A presença da Polícia Federal e do Ministério Público Federal para apuração e investigação dos crimes também constam nos pedidos de providências.

Acesse ofício completo aqui

Os ataques não são casos isolados. Desde 2009, indígenas e quilombolas da região passam por situações de conflito com empresas produtoras e exportadoras de óleo de palma. Várias arbitrariedades praticadas por essas empresas foram denunciadas e as lideranças seguem lutando por justiça.

A liderança do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns, ainda durante a preparação para a cúpula, denunciou que as práticas do Governo do Estado do Pará, criam o ambiente ideal para a escalada de violência contra os povos indígenas do estado, que se prepara para receber a COP30, em 2025. “O que está acontecendo com os parentes Tembé é o reflexo de tudo que acontece dentro do nosso estado.”, manifestou.

As organizações do movimento indígena estão apurando a situação, junto das lideranças locais, para fortalecer ações jurídicas e políticas. Exigimos que as autoridades dos governos Estadual e Federal intervenham nesta situação. A empresa Brasil Bio Fuels – BBF deve ser responsabilizada pelos crimes cometidos. Alertamos sobre a necessidade da Polícia Federal atuar nas investigações e na proteção do povo Tembé e das comunidades quilombolas e ribeirinhas que vivem na região.

BASTA DE VIOLÊNCIA! PAREM DE NOS MATAR!