28/abr/2022
Andressa Anholete/Agência Pública
Está marcado para este sábado (30), às 16 horas, o ato de lançamento da pré-campanha de Val Eloy a Deputada Estadual. O evento deve contar com a participação de lideranças indígenas do estado, assim como lideranças políticas do PSOL e outros partidos. Haverá apresentações de danças tradicionais e o ato é aberto a simpatizantes e apoiadores da causa indígena e dos movimentos sociais. O lançamento será realizado na Chácara Pedacinho do Céu (Rua Gênesis Vinte e Um com Rua Lucas Doze, Lote 1, Qd. 10, Condomínio Portal do Sol, BR 163, Saída para São Paulo).
Movimento Nacional
A pré-candidatura de Val Eloy no Mato Grosso do Sul compõe o movimento Aldear a Política, uma mobilização nacional coordenada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) com o objetivo de impulsionar e eleger indígenas, para que suas pautas sejam debatidas no âmbito legislativo. O movimento se propõe a defender temas como meio ambiente, direitos humanos e direitos das mulheres.
Como parte dessa articulação nacional, Val esteve no Acampamento Terra Livre em Brasília, entre 04 e 14 de abril. No evento, ela se apresentou como pré-candidata ao lado de outras mulheres indígenas que devem disputar cargos legislativos em vários estados do país. Dentre essas lideranças, Sonia Guajajara é uma precursora. Coordenadora-executiva da APIB, ela disputou a vice-presidência da república em 2018 ao lado de Guilherme Boulos (PSOL). Agora, em 2022, Sonia deve ser candidata a Deputada Federal pelo PSOL com objetivo de ampliar a bancada de indígenas no Congresso Nacional que atualmente conta apenas com uma parlamentar, Joênia Wapichana (Rede-RR).
Val Eloy (Primeira à esquerda) no ATL junto de outras lideranças como Sônia Guajajara (segunda da direita para a esquerda) e Célia Xakriabá.(ao centro).
Trajetória
Val Eloy é da linhagem de lideranças tradicionais de aldeias da Terra Indígena Taunay/Ipegue, em Aquidauana. Desde muito pequena acompanhou os avós e tios no movimento indígena e na política interna nas aldeias. Já adulta, no contexto urbano da capital Campo Grande, em conjunto com várias famílias e lideranças indígenas foi fundadora da Aldeia Urbana “Tumuné Kalivono” (Criança do Futuro, em Português), que hoje em dia se chama “Inamati Kaxé” (Novo Dia, em Portugês), localizada no bairro Santa Mônica, na periferia da cidade.
Val foi eleita pela comunidade como “Cacica”, a segunda mulher indígena a obter esse título em todo o estado, até o momento. Em 2018, entrou para a política institucional, se filiando ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Em 2020, concorreu pela primeira vez a um cargo político eletivo e já em uma chapa majoritária, foi candidata a co-prefeita de Campo Grande.
No convite divulgado ao público, Val declara: “minha essência é a luta, meu ser foi forjado e lapidado para servir ao meu povo e aos invisibilizados. Representar e dar voz ao coletivo dá sentido à minha existência. Como mulher indígena, entendo que precisamos ocupar e retomar os espaços. A política institucional afeta diretamente o nosso dia-a-dia e nossos modos de vida. Não basta mostrarmos nosso descontentamento com a política, é preciso se colocar na linha de frente da mudança!”
27/abr/2022
Na última segunda-feira, 25, um grupo de moradores do município de Novo Repartimento, sudeste do Pará, bloqueou a rodovia Transamazônica, na entrada da Terra Indígena Parakanã. A motivação era um protesto após três homens que teriam desaparecido no último domingo (24) para caçar dentro da Terra Indígena. Além disso, relatos que chegaram ao Ministério Público Federal (MPF) diziam que outros moradores da região, armados, teriam ido até o território Parakanã para acusar os indígenas de serem responsáveis pelo desaparecimento.
Após horas de tensão, com acusações e ataques verbais, a situação se acalmou com mediação da Funai e a promessa de que agentes da Polícia Federal seriam enviados ao local. Os indígenas estão apoiando o Corpo de Bombeiros nas buscas pelos desaparecidos. Cabe lembrar que os Awaeté-Parakanã têm contato recente, cerca de 40 anos, e maioria vem buscando estudar para melhor se comunicar com a sociedade não-indígena, tendo poucos falantes de português. Além disso, ainda lidam com as sequelas do deslocamento compulsório para a Construção da Hidroelétrica de Tucuruí e de uma Tutela traumática do Programa Parakanã.
Abaixo publicamos relato sobre a situação ocorrida no Posto Taxakoakwera, na T.I. Parakanã, na última segunda-feira, 25.
Relato
Nesta segunda-feira (25/04), um coletivo de estudantes Awaeté e docentes, dos Cursos de Agroecologia e Magistério Indígena do Campus Rural de Marabá – IFPA, foram surpreendidos por volta das 13:15h com a intrusão abrupta de um grupo de não indígena (Tôria) com gritos, ameaças e a obstrução da entrada do Posto Taxakoakwera, na T.I. Parakanã. Estes se utilizando da coação e do preconceito a indígenas confessaram e afirmaram que três caçadores invadiram a T.I no dia anterior (26) para caçar e estariam desaparecidos, sendo isso responsabilidade de todos os Awaeté. Alguns Awaeté que presenciaram a situação descrevem que alguns dos que ali estavam portavam armas. Após cerca de uma hora de tensão, com a voluntária inação e parcimônia dos coordenadores do Programa Parakanã, os não indígenas desobstruíram a entrada do Posto Taxakoakwera e se dispersaram temporariamente. Uma hora depois chegou a Taxakoakwera algumas lideranças Awaeté, entre estas, Xeteria e seu filho Taranã. Instantes depois ocorreu uma nova intrusão dos mesmos não indígenas (a maioria vizinhos ligados ao agronegócio local ou a empreendedores de Novo Repartimento-PA). Neste instante, após dialogar com os estudantes awaeté e professores do IFPA que presenciaram a primeira intrusão, Tarãna conduz uma interlocução com os não indígenas e os convida a aguardar fora do Posto, o que foi com a mediação de uma das mães de um dos desaparecidos de pronto aceito. Duas mães e um pai dos caçadores solicitaram uma reunião com Tarãna, este de pronto e em um gesto de solidariedade aos familiares os convidou a entrar e a explicar o acontecido com calma aos Awaeté, que como Tarãna, que até então pouco compreendiam da situação de fato. Tarãna, seu pai Xeteria, entre outras lideranças e estudantes Awaeté, ouviram a suplica dos pais dos caçares para que ajudassem nas buscas, bem como o reconhecimento que a caçada em terras indígenas é um ato ilícito. Por sua vez, as lideranças responderam que a T.I Parakanã é o território soberano dos Awaeté e não é espaço de realização das caçadas esportivas dos toria. Tarãna lembrou que nenhum Awaeté invade as terras “dos brancos” da região. Na mesma ocasião, Xeteria indagou aos pais: imagine se nós entrássemos na terra de vocês e matássemos o seu gado ou outros animais? A reunião fluía com a escuta mútua e promessa dos Awaéte, mesmo tendo a T.I invadida, que iriam ajudar nas buscas, quando um sargento da polícia militar de Novo Repartimento, sem nenhuma solicitação prévia, se introduziu na reunião. Tal sargento, parou a reunião, iniciando a sua fala dizendo que “entendia os indígenas, mas que cárcere privado era crime” e que teria recebido informações de um desaparecimento, seguido de um “cárcere privado”. Os estudantes, lideranças e professores ficaram perplexo com fala do sargento. Um professor pediu a palavra e se dirigiu ao policial, explicando a situação por este vislumbrada até aquele momento: “O senhor ou seu informante não estariam equivocados? Aqui até o momento não houve ‘cárcere privado’. Até então o que temos é uma situação de desaparecimento”. Esclarecido por todas as partes, entre elas as mães e o pai presente, o policial se desculpou, disse que foi mal informado e que alguém tinha acabado de fazer um boletim de ocorrência de “cárcere privado” na delegacia da polícia civil mais próxima em relação aos familiares ali presentes. Todos de bom senso que presenciavam a situações e suas fricções desde meio dia se perguntavam. Por que tanta desinformação? O que justificaria a construção tão rápida de argumentos incondizentes com o ocorrido? Por que tamanho ódio aos indígenas? Por que uma mídia local reproduziria a narrativa do ‘cárcere privado’ no dia seguinte? Qual o interesse dos agentes políticos e econômicos da região nesta nova fricção com os indígenas Awaeté?
Cabe ressaltar que os Awaeté-Parakanã tem contato recente, cerca de 40 anos com os não indígenas. A maioria vem buscando estudar para melhor se comunicar com os Toria; poucos são falantes do português. Vivem ainda sob as sequelas do deslocamento compulsório da Eletronorte para a Construção da Hidroelétrica de Tucuruí e de uma Tutela traumática do Programa Parakanã.
No dia 26, a rodovia Transamazônica foi bloqueada por alguns moradores da região nas proximidades da região. Neste instante, além de uma longa fila de veículos no trecho da T.I., a entrada do Posto Taxakoakwera e de algumas aldeias Awaeté se encontram sitiadas por não indígenas hostis aos Awaeté. Áudios com ameaça a vida dos indígenas começam a circular. Um clima de insegurança e ameaças vêm aumentando e preocupando os Awaeté e seus parceiros institucionais, como os/as professores/as dos cursos de Magistério Indígena e Agroecologia.
Esse episódio expõe a cobiça pelo fragmento de território Awaeté que compõe a T.I Parakanã, as ressalvas em relação aos Awaeté pelos colonos da frente de expansão, a visão dos regionais sobre os Awaeté como atrasadores do desenvolvimento local ou como um grupo privilegiado com um programa da Eletronorte. Enfim, a carga de preconceitos e etnocentrismo vêm alcançando dos desdobramentos nos corpos indígenas. Basta! Cobramos de todas as autoridades responsáveis a máxima proteção para os Awaeté neste momento.
26/abr/2022
Durante o Acampamento Terra Livre (ATL), a APIB solicitou ingresso no Mandado de Injunção n. 7369, proposta pela Sociedade de Defesa dos índios Unidos de Roraima, que solicita a “concessão da ordem para que haja o reconhecimento da mora legislativa e deferimento da injunção para a determinação do prazo razoável para a edição da norma regulamentadora”, propiciando assim a exploração nas terras indígenas. Anteriormente, o Conselho Indígena de Roraima (CIR), também solicitou ingresso, mas até o momento não houve deferimento do pedido.
Além de solicitar ingresso, a APIB aponta de forma contundente que as atividades de garimpo e mineração em terras indígenas são incompatíveis com o modo de vida dos povos indígenas. O advogado da APIB, Luiz Eloy Terena, frisa que “o desenho constitucional, que outorgou as terras indígenas, a missão precípua de proteger o modo de vida dos povos indígenas, garantindo a reprodução física e cultural dos povos, não permite a atividade de garimpo em terras indígenas”.
Na oportunidade, a organização indígena apresentou dados do “Relatório Cumplicidade na Destruição IV”, publicado pela Amazon Watch e APIB , para apontar a extrema importância do território originário, às Terras Indígenas, além de fundamentais para a vida e reprodução sociocultural dos povos indígenas, prestam benefícios incontestáveis para a manutenção do equilíbrio climático. Apresentou-se também dados produzidos pelo Instituto Socioambiental (ISA), demonstrando que enquanto 20% da floresta amazônica brasileira foi desmatada nos últimos 40 anos, as Terras Indígenas na Amazônia Legal perderam, somadas, apenas 2% de suas florestas originais. A APIB reafirmou que os povos indígenas atuam como guardiões e protetores das florestas, atuando na linha de frente da preservação da Amazônia e de biomas essenciais para a vida no planeta.
Acesse a Petição na íntegra: Petição MI 7369
14/abr/2022
Foto: Edgar Kanaykõ/ Cobertura colaborativa – Apib
DOCUMENTO FINAL DO ACAMPAMENTO TERRA LIVRE 2022
Nós somos mais de 8 mil lideranças de 200 povos indígenas, que viemos de todas as regiões do Brasil para nos reunir no 18º Acampamento Terra Livre – ATL. Respondemos ao chamado de nossa mais elevada instância de representação nacional – a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e de suas organizações regionais. Viemos a Brasília para colorir a capital federal de urucum e jenipapo, com as múltiplas cores de nossos cocares e para demonstrar ao país e ao mundo que, assim como aprendemos com nossos ancestrais, seguimos e seguiremos juntos, resistindo contra os distintos projetos de extermínio que as elites, donos ou representantes do capital e seus sucessivos governantes e aliados no Poder Legislativo têm articulado contra nós ao longo desses 522 anos.
Como nos tempos da invasão colonial, enfrentamos um declarado plano de morte, etnocídio, ecocídio e genocídio, nunca visto nos últimos 34 anos de Democracia no nosso país. Bolsonaro, desde sua campanha eleitoral e já no primeiro dia de seu mandato, proferiu discursos racistas e de ódio contra os Povos Indígenas, elegendo-nos como inimigos preferenciais e promovendo o desmonte do Estado, principalmente das instituições, políticas e programas que conquistamos ao longo das últimas três décadas, voltadas a atender nossas necessidades, interesses e aspirações, em linha com os direitos que nos assegura a Constituição Federal de 1988.
Além de defender a nossa integração à chamada sociedade civilizada e uma propagandeada cultura nacional, visando a dissolver as nossas diversas identidades socioculturais, Bolsonaro incentivou invasões aos nossos territórios e a violência contra nossos parentes. O atual presidente trabalha ainda para legalizar a atuação das organizações criminosas que agem nos territórios: garimpeiros, madeireiras, pecuaristas, milicianos e grileiros.
Bolsonaro, além de desmontar o Estado, para justificar a privatização do patrimônio público, ainda persiste na implementação do seu pacote de destruição e morte, com a implantação, em nossos territórios e seus entornos, de empreendimentos devastadores como a mineração, hidrelétricas, portos, estradas, linhas de transmissão e produção de monocultivos com o uso ostensivo de veneno.. No Congresso Nacional, Bolsonaro e sua base de sustentação, maioritariamente ruralista e evangélica, defendem uma série de iniciativas legislativas que visam a materializar o seu projeto de morte. Entre estas iniciativas, destacam-se o Projeto de Lei 490/2007, do Marco Temporal; PL 191/2020, da Mineração em Terras Indígenas; PL 6299/2002, pacote do Veneno; PL 2633/2020 e PL 510/2021, da grilagem de Terras públicas; PL 3729/2004 (agora PL 2159/2021, sob análise do Senado) do Licenciamento ambiental; PL 2699, do Estatuto do desarmamento e porte de armas.
Precisamos interromper esses processos de destruição e morte. Nossa luta é por nossos Povos, sim, mas também pelo futuro de todos e todas as brasileiras e pela humanidade inteira! Lutamos por um projeto civilizatório de país e de mundo. Um projeto baseado nos princípios do respeito à democracia, aos direitos humanos, à justiça, ao cuidado com o meio ambiente e com a Mãe Natureza; um projeto que respeite a diversidade étnica e cultural do país do qual fazemos parte, com mais de 305 povos diferentes e 284 línguas indígenas, sem racismo, preconceitos e discriminações de nenhum tipo.
Nesse processo de retomada do país, implodido pelo governo Bolsonaro, e de construção do Brasil que queremos, estamos dispostos e prontos a contribuir, como o fizemos ao longo desses mais de 500 anos. Queremos ser protagonistas dos nossos planos de vida, exercer a nossa autonomia em nossos territórios e o nosso direito de participação na formulação, monitoramento e avaliação das políticas públicas que nos dizem respeito. Consideramos também fundamental aumentarmos a nossa representatividade nas Casas Legislativas, não só porque é nelas que correm as principais ameaças aos nossos direitos fundamentais, assegurados pela Constituição Federal de 1988, mas também porque queremos estabelecer um nível de diálogo institucional em condições de igualdade com todas as esferas de governo e do Estado brasileiro.
Assim, conjugado com as lutas nos nossos territórios, as mobilizações permanentes, junto à sociedade nacional e internacional, e a ocupação dos territórios virtuais, de mãos dadas com movimentos e setores aliados da sociedade, iremos removendo com o tempo e a ação coletiva o atual cenário de barbárie do capital, do ódio fascista e do racismo estrutural deste sistema, males implantados que atingem não só a nós os indígenas mas também a outros setores vulnerabilizados como os quilombolas, comunidades tradicionais, agricultores familiares e pobres, principalmente negros e negras, que vivem nas periferias das cidades brasileiras.
Para isso reafirmamos a nossa determinação de continuar lutando, em memória dos nossos ancestrais e pelo bem viver das atuais e futuras gerações dos nossos povos, pela garantia e proteção dos nossos direitos fundamentais, da nossa identidade e dos nossos territórios e tudo que sustenta as condições para a nossa existência física, cultural e espiritual. Se preciso for, daremos a nossa vida para defender o que conquistamos e preservamos até hoje, após muitas perdas e muito sangue dos que nos antecederam nestas lutas.
Por fim, chamamos a todos os nossos Povos, organizações e lideranças para trabalharmos permanentemente pela unidade nas nossas lutas, respeitando a nossa diversidade, de modos de vida diferentes marcados pelos distintos acontecimentos que as políticas e práticas coloniais e neocoloniais promovidas pelos invasores e que nos impactaram ao longo da nossa história.
Reafirmamos que nossa união é fundamental para avançarmos, juntos, rumo ao nosso projeto de país plurinacional, de paz, justiça, e harmonia com nossa Mãe Natureza. Foi isso que nossos ancestrais compreenderam: não há espaço para a divisão, para o sectarismo, para qualquer tipo de violência entre nós. Esse esforço constante para costurar uma articulação ampla e potente em nível nacional se fortalece! Saímos deste ATL ainda mais unidos, com a certeza de que é esta a nossa maior fortaleza!
Pelo respeito aos nossos ancestrais, aos nossos anciões, às mulheres, crianças e jovens que somaram e continuam a somar em todas as lutas pela defesa da nossa vida, dos nossos territórios, identidade e autonomia, proclamamos a nossa determinação de continuar vigilantes, conectados política e espiritualmente, sem dar nenhum passo atrás em nossa ampla aliança e no compromisso intransponível de defender os nossos direitos fundamentais.
Por um país realmente democrático, justo, multicultural, que respeite e proteja as nossas vidas e da Mãe Natureza, seguimos em aliança com os trabalhadores do campo e da cidade, em luta permanente.
RETOMANDO O BRASIL: DEMARCAR TERRITÓRIOS E ALDEAR A POLÍTICA
Brasília – DF, 14 de abril de 2022.
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil – APIB
PONTOS PARA UMA PLATAFORMA INDÍGENA DE RECONSTRUÇÃO DO BRASIL
Como parte das elaborações e reivindicações do movimento indígena brasileiro, já apresentadas em diversas ocasiões, aglutinamos a seguir algumas propostas que entendemos ser ponto de partida para a reconstrução do Brasil. Estas propostas foram apresentadas à plenária final do décimo oitavo ATL.
EIXO 1 – DIREITOS TERRITORIAIS INDÍGENAS – DEMARCAÇÃO E PROTEÇÃO AOS TERRITÓRIOS INDÍGENAS JÁ!
1 – Garantia de recursos suficientes para a identificação, delimitação, declaração, demarcação e homologação imediata de todas as Terras Indígenas,; – Elaboração de Plano factível para imediata desintrusão de todas as terras indígenas, invadidas por fazendeiros, grileiros, madeireiros, garimpeiros e outros invasores;
2 – Constituição de uma Força Tarefa Interministerial para criar Planos Permanentes de Proteção das Terras Indígenas bem como assegurar recursos e condições necessários para a sua manutenção e a participação direta das comunidades indígenas.
3 – Fortalecimento da política especial de proteção e de não contato aos povos indígenas isolados e de recente contato;
EIXO 2 – RETOMADA DOS ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL INDÍGENAS
1 – Assegurar o exercício do direito de consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas em conformidade com a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); quando medidas administrativas e legislativas impactem seus territórios e direitos, respeitando os protocolos autônomos de consulta e consentimento elaborado pelos povos e comunidades
2 – Reativação de todos os dispositivos de participação e social, em que os nossos povos tinham representação: Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI); Conselho de Segurança Alimentar (CONSEA); Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH)
3 – Fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e o Subsistema de Saúde Indígena (SESAI/SUS), bem como implementação da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas (PNGTI).
EIXO 3 – RECONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS E INSTITUIÇÕES INDIGENISTAS
1 – Reestruturação das instituições responsáveis pela implementação das políticas públicas voltadas aos nossos povos, em especial, a FUNAI e a SESAI, garantindo autonomia, rigor técnico, servidores públicos e dotação orçamentária condizente com as necessidades das ações necessárias à promoção dos direitos indígenas, com respeito à diversidade de povos, gêneros, e gerações;
2 – Criação de mecanismos específicos de proteção a indígenas defensores de direitos humanos, com recursos financeiros e estrutura administrativa condizente
3 – Garantir a assistência integral à saúde indígena e à educação escolar intercultural e bilíngue respeitando as especificidades culturais e sociais de cada povo indígena
EIXO 4 – INTERRUPÇÃO DA AGENDA ANTI-INDÍGENA NO CONGRESSO FEDERAL
1 – Impedir o avanço de medidas legislativas que atentam contra os direitos territoriais indígenas, e com urgência, os PL 490/2007, do Marco Temporal e o PL 191/2020 da Mineração em Terras
EIXO 5 – AGENDA AMBIENTAL
1 – Propor medidas legislativas e administrativas que estabeleçam mecanismos de rastreabilidade de produtos, em respeito à devida diligência, para garantir que não sejam resultantes de conflitos territoriais, explorações ilegais de Tis, e áreas ilegalmente degradadas;
2- Retomar os compromissos e ambições ambientais assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris e em outros acordos internacionais do clima e meio ambiente;
3 – Reestruturar o ICMBio e o IBAMA, garantindo autonomia funcional, rigor técnico, servidores públicos e orçamento adequado para que cumpram suas missões institucionais de defesa dos biomas brasileiros;
4 – Reconhecer a contribuição dos Povos Indígena, Quilombolas e Comunidades Tradicionais na preservação da biodiversidade brasileira, criando mecanismos de reconhecimento pelo serviço ambiental prestado e incentivando iniciativas indígenas, como as brigadas indígenas anti-incêndio;
5 – Retomar as políticas de preservação de nossas fontes de água doce, reconhecendo o papel dos Povos Indígenas na gestão de grande parte de nossos recursos hídricos.
13/abr/2022
Foto: Kamikia Kisedje/ Cobertura coletiva Apib
A intervenção parte do ATL 2022 e levará para o céu de Brasília mensagens dos povos indígenas
Brasília, 13 de abril – Unindo a ancestralidade dos povos indígenas e a tecnologia, o Ato ‘A Queda do Céu’ ocorrerá nesta quarta-feira (13/04), a partir das 18h, na Esplanada dos Ministérios, local onde muitas edições passadas do Acampamento Terra Livre (ATL), foram realizadas. A intervenção multimídia com o uso de drones e rituais indígenas é inédita no Brasil e pretende ecoar para o mundo as mensagens dos povos originários.
A concentração para o Ato irá iniciar no acampamento localizado na Funarte, às 16h, e segue para a Esplanada. Além disso, durante a intervenção lideranças indígenas, políticas e artistas irão discursar contra os Projetos de Lei que integram a agenda anti-índígena do Governo Federal. Um deles é o PL 191/2020, que libera a exploração de terras indígenas, incluindo locais onde vivem povos isolados e de recente contato e que tramita em regime de urgência no Congresso.
“Este é um momento de celebração e luta pelos nossos direitos. O Ato ‘A Queda do Céu’ é uma intervenção política e cultural que nunca ocorreu no país. Vamos utilizar da nossa ancestralidade e da tecnologia de 150 drones para levar para todos e todas as mensagens dos povos indígenas”, disse Sônia Guajajara, coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
O Acampamento Terra Livre (ATL) é considerado a maior mobilização indígena do mundo. Realizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em 2022 o ATL voltou a Brasília com o tema ‘Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política’. Ao longo de nove dias de mobilização, mais de 8 mil pessoas de 200 povos indígenas das cinco regiões do país participam do ATL.
12/abr/2022
Novo relatório da Hutukara Associação Yanomami traz dados, imagens aéreas e relatos do inferno provocado pela invasão do garimpo ilegal
A Hutukara Associação Yanomami lança nesta segunda-feira (11/4) o relatório “Yanomami Sob Ataque: Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo” — um panorama do avanço da destruição garimpeira na maior terra indígena do país.
Com uma área equivalente à de Portugal, distribuída entre os estados de Roraima e Amazonas, a Terra Yanomami completa 30 anos de demarcação em 25 de maio de 2022. Na época do decreto, o território estava tomado pelo garimpo ilegal.
Os algozes continuam os mesmos, mas com um poder de destruição muito maior. “O ataque aos povos da Terra Indígena Yanomami já ocorreu na década de 1980, com a invasão de mais de 40 mil garimpeiros. Hoje, em 2022, a história se repete. Isso é muito grave”, alerta Dario Kopenawa, vice-presidente da Hutukara.
O documento denuncia diversos ataques de criminosos contra comunidades indígenas e traz uma cronologia completa do assédio ao Palimiu em 2021 — região onde existe uma forte atuação do grupo Primeiro Comando da Capital (PCC).
Segundo dados extraídos do relatório, em 2021 o garimpo ilegal avançou 46% em comparação com 2020. No ano passado, já havia sido registrado um salto de 30% em relação ao período anterior. De 2016 a 2020, o garimpo na TIY cresceu nada menos que 3.350%, ressalta o estudo da Hutukara.
Ainda de acordo com o documento, o número de comunidades afetadas diretamente pelo garimpo ilegal soma 273, abrangendo mais de 16.000 pessoas, ou seja, 56% da população total. Existem mais de 350 comunidades indígenas na Terra Indígena, com uma população de aproximadamente 29 mil pessoas.
“A extração ilegal de ouro [e cassiterita] no território Yanomami trouxe uma explosão nos casos de malária e outras doenças infectocontagiosas, com sérias consequências para a saúde e para a economia das famílias, e um recrudescimento assustador da violência contra os indígenas”, diz a Hutukara.
De fato, conforme mostra o relatório, a malária explodiu em zonas de forte atuação garimpeira, como nas regiões do Uraricoera, Palimiu e Waikás. No Palimiu, em 2020, houve mais de 1.800 casos.
“Destaca-se que a população total do Palimiu no mesmo ano era de pouco mais de 900 pessoas, ou seja, os dados apontam para uma média de quase duas [contaminações por] malárias por pessoa”, ressalta o texto.
No começo do monitoramento, em outubro de 2018, a área total destruída pelo garimpo somava pouco mais de 1.200 hectares, com a maior parte concentrada nos rios Uraricoera e Mucajaí. Desde então, a superfície impactada mais que dobrou, atingindo em dezembro de 2021 o total de 3.272 hectares.
O crescimento se acentuou principalmente a partir do segundo semestre de 2020, coincidindo perigosamente com o recrudescimento da pandemia de Covid-19. Somente em 2021, houve um incremento de mais de mil hectares.
De acordo com o documento, dos 37 polos de saúde existentes na Terra Indígena, 18 possuem registro de desmatamento relacionado ao garimpo.
Uma foto recente, feita pelo vice-presidente da Hutukara, da estrutura da Unidade Básica de Saúde Indígena (UBSI) de Homoxi sendo engolida por uma cratera provocada pelo garimpo, gerou grande repercussão na imprensa e mídias sociais.
Registros aéreos feitos pela Hutukara para o relatório, no final de janeiro de 2022, mostram também a proximidade cada vez maior do garimpo das comunidades indígenas, além de cicatrizes imensas na floresta, poluição dos rios e o flagrante de aeronaves, helicópteros e outros equipamentos de altíssimo valor usados na atividade ilegal.
“O governo precisa avaliar suas ações, pois muitas operações de combate ao garimpo não surtiram efeito. Esse documento mostra a realidade que estamos vivendo e suas consequências, de muita violência e vulnerabilidade. O meu povo está sofrendo. Pedimos o apoio da população para se unir ao nosso grito de socorro para a retirada imediata dos garimpeiros do nosso território”, convocou Dario Kopenawa.
O documento finaliza com uma série de recomendações ao Poder Público e destaca que o garimpo não é um problema sem solução, mas demanda vontade política para garantir uma atuação eficiente e coordenada do Estado e a articulação entre os órgãos e agentes responsáveis.
Principais fatores para o salto do garimpo ilegal na Terra Yanomami
- Aumento do preço do ouro no mercado internacional
- Falta de transparência na cadeia produtiva do ouro e falhas regulatórias que permitem fraudes na declaração de origem do metal extraído ilegalmente
- Fragilização das políticas ambientais e de proteção a direitos dos povos indígenas e, consequentemente, da fiscalização regular e coordenada da atividade ilícita em Terras Indígenas
- Agravamento da crise econômica e do desemprego no país, produzindo uma massa de mão de obra barata a ser explorada em condições de alta precariedade e periculosidade
- Inovações técnicas e organizacionais que permitem às estruturas do garimpo ilegal se comunicar e se locomoverem com muito mais agilidade
- A política do atual governo de insistente incentivo e apoio à atividade apesar do seu caráter ilegal, produzindo assim a expectativa de regularização da prática
Relatos
O relatório também traz relatos impressionantes da violência sofrida por mulheres e crianças por parte de garimpeiros. Segundo os depoimentos, coletados por pesquisadores indígenas, garimpeiros estariam as abusando sexualmente após embriagar pessoas das comunidades assediadas.
Leia trechos de relato registrado por um dos pesquisadores indígenas:
“Após os Yanomami solicitarem comida, os garimpeiros rebatem sempre. (…) ‘Vocês não peçam nossa comida à toa! É evidente que você não trouxe sua filha! Somente depois de deitar com tua filha eu irei te dar comida!’.
‘Se você tiver uma filha e a der para mim, eu vou fazer aterrizar uma grande quantidade de comida que você irá comer! Você se alimentará!’.
Os [garimpeiros] dizem: ‘Essa moça aqui. Essa tua filha que está aqui, é muito bonita!’. Então, os Yanomami respondem: ‘É minha filha!’. Quando falam assim, os garimpeiros apalpam as moças. Somente depois de apalpar é que dão um pouco de comida.
Os garimpeiros têm relação somente com as mulheres que tomaram cachaça. Os garimpeiros não conseguem com as mulheres que não tomaram cachaça.”
Na visão da maioria das mulheres indígenas, afirma o relatório, os garimpeiros representam uma terrível ameaça. São violentos, produzindo um clima de terror permanente nas aldeias.
Assim registra uma pesquisadora indígena a partir de uma entrevista com outra mulher Yanomami:
“Quando as pessoas disseram que eles se aproximavam, eu fiquei com medo. Por isso, desde que ouço falar dos garimpeiros, eu vivo com angústia.
De fato, as pessoas agora pensam: ‘Depois que os garimpeiros que cobiçam o ouro estragaram as vaginas das mulheres, fizeram elas adoecer’. Por isso, agora, as mulheres estão acabando, por causa da letalidade dessa doença. É tanto assim que, em 2020, três moças, que tinham apenas por volta de 13 anos, morreram.
Elas eram novas, tendo apenas tido a primeira menstruação. Após os garimpeiros terem provocado a morte dessas moças, os Yanomami protestaram contra os garimpeiros, que se afastaram um pouco. As lideranças disseram para eles que estando tão próximos, se comportam muito mal.”.
Moradores da região do Rio Apiaú relataram à Hutukara que um garimpeiro que trabalha na região ofereceu drogas e bebidas aos indígenas e, quando todos já estavam bêbados e inertes, estuprou uma das crianças da comunidade.
Em uma outra denúncia, se narra um “casamento” arranjado de uma adolescente Yanomami com um garimpeiro mediante a promessa de pagamento de mercadoria, que nunca foi cumprida.
Baixe o relatório completo: relatório yanomami
Originalmente publicado em 11/04/2022 em: https://socioambiental.medium.com/yanomami-sob-ataque-bd9df62ebd1
12/abr/2022
Foto: Kamikia Kisedje
Movimento indígena se organiza para incentivar participação indígena nas eleições
Maior mobilização indígena, a 18ª edição do ATL tem como foco a organização e representação política dos povos indígenas nos espaços de poder. Com o tema ‘Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política’, o movimento indígena chama atenção para projetos políticos que violam os direitos dos povos indígenas. Durante a agenda “Campanha Indígena”, realizada na terça (12), o movimento indígena debateu com pré-candidaturas e representantes de partidos políticos sobre participação indígena na política partidária e também lançou pré-candidaturas de todo o Brasil para o próximo pleito.
“Nós precisamos ocupar a política partidária para ocupar o poder. Por isso, um dos nossos objetivos centrais no ATL é incentivar candidaturas indígenas ao parlamento, seja nas assembleias legislativas estaduais, seja no Congresso Nacional. Chega da política da morte, nós chegamos em Brasília com a política da vida originária.” Kerexu Yxapyry, coordenadora executiva da Apib e pré-candidata a deputada federal por Santa Catarina.
O movimento indígena propõe que os partidos políticos aliados das lutas dos povos assumam um compromisso com as candidaturas dos povos originários, incentivem e legitimem a filiação partidária e apoio institucional a indígenas que lançarem candidaturas. Com isso, durante a programação do nono dia do ATL uma Carta aberta foi entregue ao pré-candidato à presidência da República Luis Inácio Lula da Silva, que estava presente no acampamento.
“Queremos um Brasil que respeite a água, respeite a floresta, respeite a mãe terra. Reconstruir com o povo. É disso que a gente precisa. Chega de destruição, chega de violência, fora garimpo. Aguardamos o senhor lá em Roraima na Raposa serra do sol”, disse a deputada federal Joenia Wapichana durante o debate.
O documento fala sobre a importância de interromper os processos de destruição executados pelo Estado brasileiro e apresenta cinco principais eixos que devem ser debatidos, sendo eles: direitos territoriais indígenas; retomada dos espaços de participação e controle social indígenas; reconstrução de políticas e instituições indígenas; interrupção da agenda anti-indígena no congresso federal e agenda ambiental.
Campanha Indígena
O projeto Campanha Indígena, realizado pela Apib em parceria com as organizações regionais desde 2020, pretende ampliar a representação dos povos nas instâncias dos poderes legislativo e executivo em todo o país. O lançamento da Campanha Indígena foi feito durante o Acampamento Terra Livre 2022, em uma agenda especial para discutir o tema. Na ocasião, mais de 30 candidaturas indígenas foram lançadas e os dados da Campanha Indígena estarão disponíveis no site.
“O fortalecimento de campanhas de candidatos indígenas é necessário para ampliar a representatividade dos povos originários nos espaços políticos, por isso é uma ação central para o movimento indígena. A democracia necessariamente implica em participação. Assim, não vemos outra saída senão ocupar os espaços de tomada de decisões” Sônia Guajajara, coordenadora-executiva da Apib.
O Acampamento Terra Livre é uma realização da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a mobilização segue ocupando Brasília até 14 de abril.
12/abr/2022
Foto: André Guajajara
Brasília, 12 de abril de 2022.
Estimado Presidente Lula,
Nós, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em conjunto com suas organizações regionais de base, estamos em Brasília, de 4 a 14 de abril de 2022, realizando a 18° edição do Acampamento Terra Livre (ATL). Esta é a maior mobilização nacional indígena da história do país. Mais de 8 mil indígenas de 200 povos passaram por estes gramados.
Estamos aqui, pois entendemos as urgências que o Brasil e nossos povos vivem nos tempos de hoje. Nossas aldeias são constantemente invadidas, nossas Terras – as porções mais preservadas de todo o Brasil -, são destruídas pelo avanço ilegal da mineração, do garimpo, da grilagem, da indústria madeireira, do agronegócio, e outros empreendimentos como hidrelétricas, portos, estradas, linhas de transmissão, e até pelo tráfico de drogas. E este processo resulta invariavelmente em morte e violência contra nós, indígenas, de todas as regiões do Brasil. Nossas casas de reza são queimadas, nossas crianças e mulheres violentadas, nossos jovens e defensores são perseguidos e assassinados.
Precisamos interromper esses processos de destruição. Nossa luta é por nossos Povos, sim, mas também pelo futuro de todos e todas as brasileiras e pela humanidade inteira! É hora de construirmos um projeto civilizatório de país e de mundo. Nosso projeto é baseado nos princípios do respeito à democracia, aos direitos humanos, a justiça, ao cuidado com o meio ambiente, defendemos a pluralidade, sem racismo e discriminações de nenhum tipo.
Temos plena dimensão do esforço coletivo necessário para defender a democracia. Também nas instâncias institucionais, temos ocupado todos os espaços possíveis para garantir que nossas reivindicações sejam atendidas. E essa chave de compreensão, de que não é possível que não estejamos nos espaços de tomada de decisão e de execução de políticas públicas, é que nos leva, hoje, a nos posicionar durante o processo de eleições gerais brasileiras.
Lançamos a iniciativa “Campanha Indígena”, com a intenção de incentivar e apoiar candidaturas indígenas às Assembleias Legislativas e ao Congresso Nacional. Entendemos que é fundamental aumentarmos a representatividade indígena nas Casas Legislativas, não só porque é nelas que correm as principais ameaças aos nossos direitos fundamentais, assegurados pela Constituição Federal de 1988, mas também porque queremos estabelecer um nível de diálogo institucional com todas as esferas de governo.
Movidos por esta iniciativa, acreditamos que não há espaço para nenhum tipo de neutralidade quando o assunto é a eleição presidencial. O embate que você enfrentará este ano, como representante de uma parcela da sociedade que não se cala diante das desigualdades, é contra a barbárie do capital, o ódio fascista e o racismo estrutural deste sistema. Bolsonaro representa o que há de mais repugnante na política brasileira. Sua permanência no governo é intolerável. O Brasil não pode titubear: é fundamental derrotar Bolsonaro e sua agenda de morte e destruição.
É por isso que, reunidos no Acampamento Terra Livre 2022, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e suas organizações regionais: a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinm); o Conselho do Povo Terena; a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpinsudeste); a Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpinsul); a Grande Assembleia dos Povos Guarani Kaiowá (Aty Guasu); a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); a Comissão Guarani Yvyrupa; a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade, e tantas outras organizações indígenas aqui presentes, ANUNCIAM o apoio à sua pré-candidatura como Presidente da República.
Leais à nossa missão de defender os Povos Indígenas, nossas vidas, nossos territórios, nossos direitos, e conscientes do papel fundamental que cumprimos na preservação do meio ambiente, o que beneficia todas as pessoas — indígenas e não-indígenas , entendemos que o apoio à sua pré-candidatura deve vir acompanhado de um processo intenso de diálogo, elaboração de propostas e de compromissos políticos que resultem em um Programa de Governo coletivo e atento às questões urgentes que enfrentamos atualmente.
Este processo se inicia hoje, com esta Carta-Compromisso, e seguirá pelos próximos meses, e durante o seu mandato, até que em coletivo retomemos e reconstruamos o Brasil. Finalizamos esta declaração enunciando alguns compromissos que entendemos centrais para este diálogo, em defesa dos direitos fundamentais dos nossos povos que vêm sendo sistematicamente violados.
EIXO 1 – DIREITOS TERRITORIAIS INDÍGENAS – DEMARCAÇÃO E PROTEÇÃO AOS TERRITÓRIOS INDÍGENAS JÁ!
- Comprometimento político e garantia de recursos suficientes para a identificação, delimitação, declaração, demarcação e homologação imediata de todas as Terras Indígenas, até o final de 2026;
- Elaboração de Plano factível para imediata desintrusão de todas as terras indígenas, invadidas por fazendeiros, grileiros, madeireiros, garimpeiros e outros invasores;
- Constituição de uma Força Tarefa Interministerial para criar Planos Permanentes de Proteção das Terras Indígenas bem como assegurar recursos e condições necessários para a sua manutenção e a participação direta das comunidades indígenas.
- Fortalecimento da política especial de proteção e de não contato aos povos indígenas isolados e de recente contato, com respeito à política do não contato e estabelecimento de portarias de Restrição de uso para suas terras de no mínimo 1 ano, com avaliação de renovação antes de seu vencimento.
EIXO 2 – RETOMADA DOS ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL INDÍGENAS
- Dar cumprimento a obrigação de consultar os povos indígenas quando medidas administrativas e legislativas impactem seus territórios e direitos, respeitando seus protocolos autônomos de consulta e consentimento, em conformidade com a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT);
- Reativar todos os dispositivos de participação social, extintos ou reduzidos pelo Governo Bolsonaro, tais como: Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI); Conselho de Segurança Alimentar (CONSEA); Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) assegurando ampla participação da sociedade civil; e ainda propomos o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e o Subsistema de Saúde Indígena (SESAI/SUS), bem como implementação da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas (PNGTI).
EIXO 3 – RECONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS E INSTITUIÇÕES INDÍGENAS
- Reestruturar as instituições responsáveis pela implementação das políticas públicas voltadas aos nossos povos, em especial, a FUNAI e a SESAI, garantindo autonomia, rigor técnico, servidores públicos e dotação orçamentária condizente com as necessidades das ações necessárias à promoção dos direitos indígenas, com respeito à diversidade de povos, gêneros, e gerações;
- Criar mecanismos específicos de proteção a indígenas defensores de direitos humanos, com recursos financeiros e estrutura administrativa condizente
- Promover a assistência integral à saúde indígena e à educação bilíngue respeitando as especificidades culturais e sociais dos povos indígenas.
EIXO 4 – INTERRUPÇÃO DA AGENDA ANTI-INDÍGENA NO CONGRESSO FEDERAL
Impedir o avanço de medidas legislativas que atentam contra os direitos territoriais indígenas como:
– PL 490/2007 – Marco Temporal
– PL 191/2020 – Mineração em Terras Indígenas
– PL 6299/2002 – PL do Veneno
– PL 2633/2020 e PL 510/2021 (Grilagem de Terras)
– PL 3729/2004 (Agora no senado como PL nº 2159/2021) | Licenciamento ambiental
- – PDL 177/2021 (Denúncia da convenção 169 da OIT)
EIXO 5 – AGENDA AMBIENTAL
- Propor medidas legislativas e administrativas que estabeleçam mecanismos de rastreabilidade de produtos, em respeito à devida diligência, para garantir que não sejam resultantes de conflitos territoriais, explorações ilegais de Tis, e áreas ilegalmente degradadas;
- Retomar os compromissos e ambições ambientais assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris e em outros acordos internacionais do clima e meio ambiente;
- Reestruturar o ICMBio e o IBAMA, garantindo autonomia funcional, rigor técnico, servidores públicos e orçamento adequado para que cumpram suas missões institucionais de defesa dos biomas brasileiros;
- Reconhecer a contribuição dos Povos Indígena, Quilombolas e Comunidades Tradicionais na preservação da biodiversidade brasileira, criando mecanismos de reconhecimento pelo serviço ambiental prestado e incentivando iniciativas indígenas, como as brigadas indígenas anti-incêndio.
Certos de seu compromisso com o Brasil; certos de sua ética e caráter forjados na esteira da linha de produção metalúrgica; certos da sua capacidade de governar este país para todos os povos que o ergueram sobre o derramamento de sangue e suor, firmamos aqui este compromisso mútuo de retomar a direção da nossa democracia e demarcar a trilha que nos levará à pátria dos trabalhadores e trabalhadoras, à nação pluriétnica do BEM VIVER.
11/abr/2022
Plenária LGBTQIA+ no 18° acampamento terra Livre. Fotos: Juliana Pesqueira / Apib / Coletivo Proteja
Indígenas lançam manifesto na primeira plenária nacional LGBTI+ da história do Acampamento Terra Livre.
“Colorindo a luta em defesa do território”, este é o tema que orientou os debates da primeira plenária nacional dos indígenas LGBTI+ realizada na manhã desta segunda-feira, 11/04, no 18° Acampamento Terra Livre. Com intervenções que reuniram cocares e bandeiras do arco-íris, indígenas de todos os biomas do país lançaram um manifesto pelo reconhecimento e respeito aos seus corpos-territórios.
A mediação da mesa foi feita por Erisvan Guajajara, da Mídia Índia, que anunciou “esse momento para nós é histórico. Após 18 anos, viemos aqui com a diversidade de nossos corpos-territórios erguer a bandeira colorida, pois o momento se faz necessário. Para que as LGBTIs não sigam morrendo com o preconceito, impregnado no discurso de ódio. Estamos nas aldeias, nos campos, na rua, na cidade e vamos continuar ocupando todos os espaços pois o nosso colorido da resistência está aqui para afirmar que nossa a luta é pela VIDA, pelos nossos direitos, basta de racismo, basta de transfobia, basta de violência. Tire seu preconceito do meu caminho que irei passar com o meu cocar”.
O Brasil é o país que mais mata LGBTIs no mundo. A cada 23h uma pessoa trans é assassinada no país. E os casos de suicídio tem aumentado diariamente com a promoção institucional da LGBTfobia, papel que o governo Bolsonaro vem cumprindo. Quando se trata de indígenas nos deparamos com uma situação de dupla vulnerabilidade. É o que destaca Natan Paracá, do levante indígena da Universidade de São Paulo (USP). “É importante ressaltar a nossa vulnerabilidade dentro do contexto universitário, além de ser indígenas, somos LGBTs. E no espaço urbano não recebemos o acolhimento podemos ter no território. As pautas indígenas LGBTI+ não são as mesmas dos brancos. Também temos questões da hiper sexualização, mesmo dentro do contexto universitário, do ensino superior. Por isso precisamos fortalecer nosso canto, nossa identidade, entender que não somos anormais, diferentes dos outros, mas todos somos povos indígenas e precisamos resistir juntos”.
O Coletivo Tibira é uma das organizações de base dos LGBTIs indígenas. Ele leva o nome do primeiro indígena morto pela LGBTfobia, em 1614. Representado por Neimar, eles reafirmaram a transversalidade das pautas, que precisam ser defendidas de forma concomitante. “Nós não falamos somente sobre a diversidade, mas também sobre saúde, educação, território. Não estamos fazendo uma segregação do movimento, mas a gente sabe que ainda existe muito preconceito dentro de vários povos. Acreditamos que são resquícios desse processo de colonização que precisamos combater. Não adianta lutar com a causa indígena e não se importar com a questão LGBTI, a gente também tem o direito de existir”.
Fotos: Juliana Pesqueira / Apib / Coletivo Proteja
Jéssica de Crateús, Ceará, trouxe um antigo canto que inspirou o nome do Coletivo Caboclas, o primeiro do estado. “Na minha aldeia mora uma cabocla, eu não sei se é homem ou se ela é mulher, é uma cabocla índia da pele morena, mora na aldeia de Tapinaré.”
Arthur Guajajara, que também compõe o Coletivo Tibira, ressaltou a importância de tirar a questão LGBTI+ da invisibilidade nos territórios. “Nós não somos povos diferentes, nós lutamos pela mesma causa que é nosso território, o que a gente quer é respeito nas bases, nas nossas aldeias. Nós não vamos mais aceitar que passem pano, sofrer violência e deixar isso passar só naquele momento. Que o povo colorido seja respeitado. Não estamos aqui só para aparecer, estamos para dizer basta dessa violência. Se você não aceita, pelo menos respeita. O respeito é a base de tudo, a educação é a base de tudo”.
Em seguida Yaponã Guajajara e Fred Potiguara realizaram a leitura do manifesto que destaca o papel do capitalismo na mercantilização dos corpos e no aumento da violência. “Não aceitamos o avanço capitalista e mercantilista representados pelo interesse do agronegócio, mineração, madeireiros, grileiros e os mais diversos tipos de especuladores em nossos territórios, explorando nossa biodiversidade, violando o direito de ser e existir de nossa gente. Reafirmamos que sempre estivemos aqui, sempre existimos enquanto indígenas LGBTI+ e lutamos contra essa sociedade que ainda mantém as raízes profundas da colonização”, afirma o documento.
Os coordenadores da APIB, Dinamam Tuxá e Sônia Guajajara, receberam o manifesto. “Esse momento que traz na programação oficial a discussão LGBTI+ vem para demonstrar que o ATL acolhe e respeita todas as pautas e formas que as pessoas se entendam ser. Para nós, todas as formas de vida importam. É muito importante para demonstrar que, nós povos indígenas, exigimos respeito por nossa diversidade de povos e culturas. Cada um é o que é, e como se entende ser. E o acampamento acolhe com muita alegria para oferecer esse apoio, essa liberdade de expressão. Essa luta é nossa”, apoiou Sônia. A plenária encerrou com uma performance de Joelma Guarani, cantando Calypso.
Leia aqui o manifesto “Colorindo a vida em defesa do território”.
09/abr/2022
Crédito: Mídia Ninja
Mulheres indígenas de todo o país foram protagonistas da programação, dessa sexta-feira (8), do Acampamento Terra Livre 2022 (ATL). Juntas, compartilharam conhecimentos, lutas enfrentadas no dia a dia e o compromisso de entrar na política institucional
Por Assessoria de Comunicação do ATL 2022
A força das mulheres originárias marcou a última sexta-feira (8), quinto dia do Acampamento Terra Livre 2022 (ATL), fazendo quem estava por perto dançar, cantar e se emocionar. Com o tema “Nossas Vozes Ancestrais Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política”, mulheres de todas as regiões do país compartilharam, no palco principal do acampamento, suas vivências, conhecimentos e a ambição de alcançar espaços na política institucional.
Abrindo a plenária “Retomando o Brasil: Vozes Diversas das primeiras brasileiras”, Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), disse que “já passou do tempo de as mulheres indígenas ainda estarem em papéis secundários”.
“Hoje, nós mulheres, estamos presentes em muitos espaços, de participação, de controle social, nas universidades, mulheres profissionais, mulheres cacicas e mulheres parlamentares. Hoje podemos sim participar e construir um Brasil que caibam todas nós. Somos muitas e diversas. Estamos aqui em nome das que nos antecederam e daquelas que ainda virão”, afirmou a coordenadora.
Sônia reforçou, ainda, a importância de as mulheres indígenas ocuparem espaços políticos, como cargos no Congresso Nacional. “Não podemos seguir sendo violentadas e assassinadas. Queremos fortalecer essa luta para além do chão da aldeia, para também construirmos políticas específicas, adequadas às nossas realidades. Lutar por direito não é pedir favor, porque direito não se agradece, direito se implementa”.
Em seguida, mulheres de todo o país tiveram a oportunidade de representar seus povos e compartilhar os principais obstáculos enfrentados: o machismo e a agenda anti-indígena do Congresso Nacional e do governo brasileiro. Em seus discursos, elas clamaram palavras de força, incentivando as mulheres presentes no Acampamento – entre elas, crianças, jovens e anciãs.
Da aldeia Teles Pires, divisa entre Mato Grosso e Pará, Ediene Munduruku trouxe para Brasília a sua resistência e prometeu continuar lutando contra os “projetos da morte” da base governista.
“Repudiamos o governo Bolsonaro genocida. O povo Munduruku diz ‘não’ ao PL 191 e ‘não’ ao marco temporal. Resistimos com toda a força de poder de nossas ancestralidades. Estamos aqui para defender os nossos costumes e direitos. Queremos os nossos territórios, vidas e futuro livres. Não aceitamos devastação, destruição e não aceitamos mais ameaças contra as mulheres indígenas. Não irão matar as nossas vozes, porque somos a resistência de nossos territórios”, afirmou Ediene.
Inspirada pelo pai, Samira Xavante, do povo Xavante, localizado em Mato Grosso, também se deslocou até a capital federal para defender seu povo, especialmente pelas mulheres e pelas futuras gerações. Em coro com Ediene, Samira também fez críticas ao avanço de projetos implementados pelo atual governo.
“Antes de falecer, meu pai havia me falado: ‘não é porque você é mulher que não vai poder lutar pelo seu povo. Você é minha filha mais velha, continue essa luta, porque um dia eu não estarei mais aqui’. E hoje eu estou aqui, dando continuidade a esse legado. Não é fácil para nós, mulheres indígenas. Muitos acham que a gente deve apenas cumprir com tarefas básicas, mas nós vamos muito além. Estamos aqui conquistando os nossos espaços. Hoje estou aqui para somar forças com vocês, precisamos pensar no futuro de nossos filhos e netos. O discurso do agronegócio vem chegando e nos ameaçando. Mas não vamos permitir. Queremos preservar a nossa cultura, a luta das nossas lideranças e dos nossos antepassados que abriram caminhos para que nós pudéssemos estar aqui hoje”, afirmou.
Luisa Canuto, do povo Tabajara, do Ceará, lembrou que, dentro do “pacote de destruição” tem um “item mais cruel”: o machismo. “Com esse pacote de destruição, estamos esquecendo que tem um item mais cruel, que mata mais do que o câncer, mais do que a guerra entre Rússia e Ucrânia. É o machismo. Esse é o pior ítem e temos que tirá-lo de nossos territórios. Fora machismo! Queremos nossa liberdade. Amém!”, clamou.
Durante a plenária, outras mulheres também denunciaram casos de machismo que ocorrem dentro dos territórios. Entre elas, Txuluhn Xokleng. “Venho denunciar as perseguições que as mulheres sofrem dentro dos territórios indígenas. Os homens não aceitam que a gente alcance outros espaços. Por isso, vamos juntas, somar forças e ecoar o nosso grito”, afirmou Txhuluhn.
Do povo Guarani, Jane Guarani disse que a Lei da Maria da Penha “foi criada moldada para atender mulheres brancas” e que, como “futura advogada”, irá lutar por todas as mulheres indígenas.
“Eu sou do povo Guarani, mas sinto a dor das Kaingang, das Xokleng, de qualquer mulher indígena. Eu, como futura advogada, quero estar lutando por vocês. Nós, mulheres indígenas, não somos contempladas pela Lei Maria da Penha, porque ela foi criada no molde da mulher branca. E aproveito para falar: ‘fora, Bolsonaro!’ e fora todas as lideranças que querem repreender as mulheres indígenas”, finalizou, emocionada.
Parenta vota em parenta
“Nós pelas que nos antecederam, nós por nós e nós pelas que virão” foi o tema que guiou os debates da tarde desta quinta-feira (8), no 18° Acampamento Terra Livre. Na mesa, foram anunciadas as pré-candidaturas para deputadas federais de Sônia Guajajara, Célia Xakriabá, Juliana Jenipapo Kanindé, Eunice Kerexu, Vanda Ortega, do povo Witoto do Amazonas, Telma Taurepang e Larissa Pankararu. E as pré-candidaturas a deputadas estaduais de Chirley Pankará, co-deputada pela Mandata Ativista, do PSOL em São Paulo; Eliane Xunakalo; Simone Karipuna; Comadre Guerreira Potiguara, da Paraíba; Airy Gavião, do povo Gavião e do povo Tukano, do mandato coletivo indígena do Distrito Federal; Val Eloy, do povo Terena do Mato Grosso do Sul; Geni Guarani, Tereza Arapium, cacica da aldeia Andirá do baixo Tapajós e Joênia Wapichana, a primeira mulher indígena a exercer o cargo de deputada federal no Brasil.
O anúncio das candidatas foi precedido pela bênção do povo Guarani, que se reuniu em canto e reza em torno das mulheres. Em seguida, Sônia Guajajara abriu as falas destacando que a inserção na política institucional não é uma escolha, mas um desafio que a história impôs a elas, porque é preciso participar das decisões deste país.
“Não vamos enfrentar, porque a gente quer, porque a gente está atrás de cargos ou de regalias. Não. É porque nos cansamos de ver nossas crianças sendo sugadas pelas dragas do garimpo ilegal, crianças sendo contaminadas pela lama. A lama que não vale a vida de ninguém. Não queremos mais ver nossas florestas sangrar, os animais serem queimados, o agronegócio adentrar nos nossos territórios, matando com veneno as crianças que ainda estão no útero da sua mãe, crianças sendo degoladas. Não queremos mais ver nossas mulheres sendo violentadas, assassinadas e o estado não tomar nenhuma providência”, alertou a liderança.
Sônia apontou a intenção de substituir as bancadas ruralista, da bala e da bíblia por uma bancada indígena, a “Bancada do Cocar”. “Queremos que o Congresso Nacional tenha a cara do Brasil e, para ter a cara do Brasil, tem que ter mais mulheres indígenas”. Sônia concorrerá para deputada federal pelo estado de São Paulo.
Célia Xacriabá, pré-candidata ao Congresso Nacional, por Minas Gerais, contou que a pergunta mais repetida para ela é: “mas vocês estão preparadas? Como se prepararam?”. E respondeu: “nós nos preparamos na luta, eu me preparei com meu povo Xacriabá, no chão do meu território. Nós somos mais preparadas, porque somos nós que não temos a mão suja de sangue nem de lama da mineração. Porque a primeira pessoa que o governo Bolsonaro atacou foi uma mulher e essa mulher é a terra. E quando atacam a terra, atacam a todas nós”.
A futura representante Xacriabá no Poder Legislativo analisou que os povos indígenas, mesmo sendo apenas 5% da população, cuidam de 83% da biodiversidade do mundo. Para ela, esta representação também é dos mais de 4 milhões de indígenas que foram tombados nesse Brasil e se trata de combater o racismo e o machismo institucional e retomar a democracia.
“Não é pelo poder, mas para poder fazer. Não é para corromper, mas é para romper amarras. Falam tanto de pátria, mas não existe amor à pátria sem respeitar as mulheres mátria. Acreditamos que é possível legislar não só com a caneta, mas levar a força do jenipapo e do urucum. Não podemos retomar a democracia neste ano da eleição de 2022 se não existir a presença de mulheres indígenas no Congresso Nacional”. Célia também pretende fazer uma unificação da bancada do “Turbante de Cocar”.
Vanda Ortega, do povo Witoto do Amazonas, criticou alguns partidos que criam candidaturas para atender cotas, mas não criam condições reais para as candidaturas. “Os partidos querem somente a nossa causa, mas não querem mulheres indígenas no poder. Não há uma construção dentro dos partidos para que essas mulheres sejam eleitas. Estou aqui, porque não podemos mais aceitar os homens brancos que não sentem nossas dores, que não sentem o que passamos nos nossos territórios, que não defendem nossos territórios”.
Telma Taurepang, do estado de Roraima, ressaltou a importância da unidade das mulheres no projeto de aldear a política. “Não vamos deixar partido nenhum nos dividir. A minha luta vai ser contra aqueles que não nos querem ver vivos. Aqueles que estão há mais de 20, 30 anos para nos destruir. Que fazem PLs [Projeto de Lei], PECs [Proposta de Emenda à Constituição] para nos matar. Hoje os povos indígenas estão atravessando o mar vermelho. Precisamos ter fé, sem a fé não somos nada. Espero que ano que vem a gente faça um novo Acampamento Terra Livre, mas com pessoas compromissadas com o povo, eleitas no Congresso Nacional”.
ATL 2022
Considerada a maior mobilização indígena do Brasil, o acampamento ocorre no mesmo período em que o Congresso Nacional e o governo brasileiro pautam a votação de projetos que violam os direitos dos povos indígenas. O chamado”Pacote da Destruição” coloca em pauta, além do marco temporal, a legalização de garimpo dentro dos territórios, a flexibilização de leis ambientais e a regularização de terras griladas.
A mobilização é uma realização da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que volta a Brasília, neste ano, com o tema ‘Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política’. O ATL encerra no dia 14 de abril.
Acesse a programação, aqui.