27/mar/2021
Foto: Gabriel Uchida/Kanindé_ISA
Documento lançado nesta quinta-feira mostra a importância de garantir posse dessa população sobre seus territórios em áreas florestais
RIO — Os povos indígenas são os melhores guardiões das florestas da América Latina e do Caribe quando comparados aos responsáveis por outras florestas da região. É o que aponta o novo relatório “Governança florestal por povos indígenas e tribais”, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e do Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe (Filac).
O documento, baseado em uma revisão de mais de 300 estudos publicados nos últimos 20 anos, será lançado globalmente nesta quinta-feira, 25, em entrevista coletiva. O relatório defende ainda que governos exerçam ações como fortalecimento da colaboração com povos indígenas para melhorar a governança das florestas, reforcem direitos territoriais coletivos, compensem as comunidades indígenas pelos serviços ambientais que prestam, entre outras medidas.
Para David Kaimowitz, gerente de Instalações Florestais e Agrícolas da FAO, a demarcação e a titulação de terras são o primeiro passo fundamental:
— Nos territórios que já possuem título, é fundamental impedir invasões ilegais e apoiar o manejo florestal indígena. Esperamos convencer os governos com argumentos jurídicos, ambientais, econômicos e sociais. É importante que os governos latino-americanos estejam cientes de que têm obrigações legais de acordo com suas constituições e leis e tratados internacionais para garantir os direitos dos povos indígenas sobre seus territórios.
Segundo a análise, as taxas de desmatamento na América Latina e no Caribe são significativamente mais baixas em territórios indígenas onde esses povos tiveram os direitos coletivos à terra reconhecidos pelo governo. Isso indica, de acordo com a pesquisa, que assegurar a posse desses territórios é uma maneira eficiente e econômica de reduzir emissões de carbono.
Outro ponto em destaque no relatório é que o papel de proteção dos povos indígenas está cada vez mais em risco, em um momento em que a Amazônia chega a um ponto crítico, com impactos preocupantes sobre as chuvas e a temperatura e, eventualmente, sobre a produção de alimentos e o clima global.
Para Julio Berdegué, representante regional da FAO, os povos indígenas e tribais e as florestas em seus territórios desempenham papéis vitais na ação climática global e regional e no combate à pobreza, fome e desnutrição:
— Seus territórios contêm cerca de um terço de todo o carbono armazenado nas florestas da América Latina e do Caribe e 14% do carbono armazenado nas florestas tropicais em todo o mundo.
Territórios indígenas com títulos legais coletivos reconhecidos sobre suas terras foram os que apresentaram melhores resultados. Entre 2000 e 2012, as taxas de desmatamento nesses territórios na Amazônia boliviana, brasileira e colombiana ficaram entre a metade e um terço das taxas de outras áreas de florestas com características ecológicas semelhantes.
O relatório também defende que os governos devem investir em projetos de fortalecimento da atuação de povos indígenas nas florestas, reforçar os direitos territoriais comuns, facilitar o manejo florestal comunitário, fortalecer as culturas e conhecimentos tradicionais e estimular a governança territorial, além de apoiar as organizações de povos indígenas.
Menores taxas de desmatamento e menos emissão de carbono
Um dos estudos analisados no relatório destaca a importância de garantir a propriedade da terra: a taxa de desmatamento dentro das matas indígenas onde a propriedade foi garantida foi 2,8 vezes menor do que fora dessas áreas na Bolívia; 2,5 vezes menor no Brasil e duas vezes menor na Colômbia.
Territórios coletivos titulados evitaram entre 42,8 e 59,7 milhões de toneladas métricas (MtC) de emissões de CO2 a cada ano nesses três países, o equivalente a tirar de circulação entre 9 e 12,6 milhões de veículos por um ano.
Apesar de contribuírem com a biodiversidade, dos 404 milhões de hectares ocupados pelos povos indígenas, os governos reconheceram formalmente a propriedade coletiva ou direitos de usufruto sobre aproximadamente 269 milhões de hectares.
O relatório afirma que os custos de proteção de terras indígenas são cinco a 42 vezes menores do que os custos médios de CO2 evitado por meio da captura e armazenamento de carbono fóssil para usinas movidas a carvão e gás.
Os povos indígenas e tribais estão envolvidos na governança comum de 320 a 380 milhões de hectares de florestas na região, que armazenam cerca de 34 bilhões de toneladas métricas de carbono, mais do que todas as florestas da Indonésia ou da República Democrática do Congo.
Enquanto os territórios indígenas da Bacia Amazônica perderam menos de 0,3% do carbono em suas florestas entre 2003 e 2016, as áreas protegidas não indígenas perderam 0,6%, e outras áreas que não eram terras indígenas nem áreas protegidas perderam 3,6%. Em praticamente todos os países da América Latina, territórios indígenas e tribais têm taxas de desmatamento mais baixas.
— Quase metade (45%) das florestas intactas na Bacia Amazônica estão em territórios indígenas. Enquanto a área de floresta intacta diminuiu em apenas 4,9% entre 2000 e 2016 nas áreas indígenas da região, nas áreas não indígenas caiu 11,2%. Isso torna evidente por que sua voz e visão devem ser levadas em consideração em todas as iniciativas e estruturas globais relacionadas às mudanças climáticas, biodiversidade e silvicultura, entre muitos outros tópicos — explicou a presidente da FILAC, Myrna Cunningham, ressaltando o papel de preservação que esses povos assumem:
— Também existe a sua riqueza cultural, a diversidade de línguas, as diferentes formas de pensar e ver o mundo. A sociedade, as organizações e os meios de comunicação são chamados a compreender cada vez melhor o papel de nossos povos indígenas na preservação de todos como espécie humana, onde o cuidado com as florestas é um de muitos outros elementos essenciais. Só com isso, temos o suficiente para trabalhar e seguir em frente.
Apesar de os territórios indígenas cobrirem 28% da Bacia Amazônica, eles geraram 2,6% das emissões de carbono relacionadas à destruição das florestas na região. Os povos indígenas e tribais não praticam muito a pecuária extensiva nem se dedicam à agricultura mecanizada, duas das principais causas das perdas florestais na região.
A América Latina foi uma região pioneira no reconhecimento dos direitos territoriais comuns do povos indígenas e tribais, manejo florestal comunitário e pagamentos por serviços ambientais, medidas que ajudaram a proteger as florestas.
—
Texto publicado originalmente no Jornal O Globo
26/mar/2021
A banda de heavy metal francesa Gojira lançou hoje a música “Amazônia” em homenagem aos povos indígenas do Brasil. E reverterá toda a renda arrecadada com a música para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), para apoio às atividades das mulheres indígenas. A parceria foi uma articulação das mulheres Guarani Kayowa e a primeira doação será para apoiar a construção de casas de rezas no Mato Grosso do Sul.
A banda Gojira anunciou recentemente os detalhes de seu novo álbum, Fortitude, que será lançado no dia 30 de abril pela Roadrunner Records. A faixa “Amazônia”, é a segunda do álbum.
A Apib foi escolhida pela banda por cumprir um grande trabalho em defesa dos povos indígenas do Brasil, os direitos ambientais e culturais dos povos que sofreram imensamente – vítimas de violações de direitos humanos e ambientais, desmatamento, perda de terras, trabalhos forçados, violência e assédio.
“Este é um chamado à unidade”, diz o vocalista Joe Duplantier.“ A comunidade de música pode ser poderoso quando unidos para algo significativo como este! Tantos amigos, grandes artistas, bandas aderiram ao movimento sem hesitar doando instrumentos. Este é um esforço coletivo de tantas pessoas ao nosso redor! ”
Ele adiciona: “Nós não queremos apenas lançar uma música chamada Amazônia – nós queremos fazer algo em cima disso. Como artistas, sentimos a responsabilidade de oferecer uma maneira para as pessoas agirem”.
Acesse a Campanha: https://www.gojira-music.com/amazonia
Em anúncio nas redes sociais, a banda está organizando duas iniciativas, a primeira é um leilão com uma guitarra com assinatura de Joe Duplantier gravada por Joe com obras de arte celebrando a vida selvagem da Amazônia, além de um baixo Nashguitars gravado à mão do baixista do Metallica, Robert e sua esposa artista, Chloe Trujillo, uma impressão fotográfica exclusiva da Lamb of God Randy Blythe, um capacete de motocicleta Rockhard Slayer de edição limitada e muito mais.
A cada semana, novos itens serão adicionados ao leilão. Também vão lançar uma impressão de arte de edição limitada para beneficiar a Apib, onde os primeiros 500 fãs que comprarem a impressão terão seus nomes adicionados ao design final.
A Apib informou que as doações têm recorte principal para as mulheres indígenas, as primeiras doações vão ser destinadas ao território das mulheres Guarani Kayowa, no Mato Grosso do Sul, que ajudará na construção das casas de Rezas. E que seguiram nas ajudas as mulheres da Amazônia.
Acesse o Clipe: https://youtu.be/B4CcX720DW4
26/mar/2021
Foto Bruno Kelly/Amazônia Real
Lideranças e Caciques do povo Kayapó, no sul do Pará, reuniram na aldeia Kayapó Kanhkro, município de Ourilândia do Norte, para pedir o fim da cooperativa Kayapó Ltda, fundada em 2018 pelo cantor e ex-deputado federal Sérgio Reis e pelo empresário João Gesse.
As lideranças denunciam que a cooperativa apenas visa explorar as terras indígenas, com grande extração, exploração agroindustrial, produção e comercialização comum de essências nativas por meio do manejo sustentável da floresta da reserva Kayapó.
Madeireiro desde os anos 80, João Gesse bate continência para Bolsonaro, nutre esperança de prosperidade e lista os culpados pelo atraso na região. Em diversos discursos, declarou que a cooperativa tem o objetivo de “desmascarar as ONGs”, “tirar a Funai” e irá ensinar os indígenas da região “aprender a administrar suas coisas igual a índio americano”.
Não bastasse isso, João Gesse ainda quer acabar com a Associação Floresta Protegida e outras instituições indígenas. Tal absurdo fez com que as lideranças e caciques dos municípios de São Félix do Xingu, Tucumã, Ourilândia do Norte, Pau D’arco, Cumaru do Norte e Bannach se mobilizassem e pedissem a imediata saída da Cooperativa de suas terras.
“Não precisamos de cooperativas comandadas por brancos (não indígenas), temos nossas organizações para nos representar”, declara lideranças em carta – O povo kaiapó tem mais de 11 associações e entidades que representa as aldeias da região e cobram uma urgente intervenção contra a cooperativa.
Desde 2014 os Kayapó convivem com garimpeiros e madeireiros numa vasta área territorial, entre as cidades de Redenção e Tucumã. Em 2019, novos garimpos desmataram 330 hectares de floresta, segundo dados do Sirad-X, da rede Xingu+. É o dobro do registrado em 2018. Estradas ilegais ligam áreas de garimpos distantes mais de 80 quilômetros uma da outra. A exploração madeireira no percurso completa o quadro de devastação.
Além dos principais impactos e crimes já anunciados a cooperativa Kayapó Ltda. pressupõe corromper lideranças, difamar e atacar quem se opõe à destruição da floresta, estratégia que se torna mais fácil diante da inação deliberada do poder público. “O Dia do Fogo”, combinado por fazendeiros pelo WhatsApp sem que o Ibama pudesse impedir, é só um aspecto, o mais visível, do problema. A omissão expõe lideranças comunitárias à violência e ao risco de morte.
Leia a Carta enviada pelas lideranças: CARTA CONTRA COOPERATIVA
25/mar/2021
Nota de repúdio ao ataque contra a Associação de Mulheres Indígenas Munduruku – Wakomborum
Na manhã desta quinta-feira, 25, a sede da Associação de Mulheres Indígenas Munduruku Wakoborũn, no município de Jacareacanga no Pará foi alvo de intensa depredação, a mando de garimpeiros que atuam na região. Este cenário de violências é resultado direto das ações do Governo Federal que buscam legalizar crimes cometidos por garimpeiros e mineradoras dentro das terras indígenas e agravam os conflitos nos territórios.
Um ato de vandalismo que tem a intenção de ameaçar e intimidar as mulheres que lutam pela proteção das terras munduruku contra a ação de invasores. A Wakoborũn tem feito denúncias constantes contra os criminosos, pedindo ações da Polícia Federal na região para frear o avanço do garimpo ilegal. Sem nenhuma resposta dos órgãos federais, as lideranças vivem sob ameaça de morte e os criminosos seguem atuando impunemente.
“Eles já vinham anunciando que iam fazer isso e o poder público local e os demais órgãos competentes nada fizeram para manter a nossa segurança”, enfatiza nota publicada pela associação das mulheres.
Documentos foram queimados e equipamentos da sede da associação foram quebrados, durante o ato de vandalismo liderado por garimpeiros da região. No local, além da organização das mulheres, funcionava também o escritório coletivo da associação Da’uk, da associação Arikico, do Movimento Munduruku Ipereg Ayu e da CIMAT.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), juntamente com suas organizações de base, acionou o Ministério Público Federal para investigar o caso e responsabilizar os criminosos deste ato de intimidação e violência. Tomaremos as medidas judiciais e políticas cabíveis para garantir a integridade física das lideranças ameaçadas.
Nossa solidariedade e força para as mulheres munduruku, lideranças e organizações que estão sendo vítimas de constantes ataques. Wakoborũn foi a primeira guerreira munduruku. Uma justiceira conhecida por sua coragem na defesa pela vida do seu povo. É com a força dos nossos ancestrais que nos unimos na luta pela vida e autonomia dos nossos povos!
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, 25 de março de 2021.
Leia a noita divulgada pela Associação de Mulheres Indígenas Munduruku Wakoborũn: Denúncia queima do escritório
23/mar/2021
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, em conjunto com o Conselho Terena, acionou o Ministério Público Federal (MPF) de Mato Grosso do Sul (MS) para exigir a vacinação dos indígenas do povo Terena na região do distrito de Taunay, município de Aquidauana, MS.
A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) exclui do plano de vacinação contra covid-19 os indígenas que vivem em terras não homologadas, como é o caso da Terra Indígena Taunay, que mesmo em estado avançado de demarcação, não entrou na cobertura de imunização.
A determinação da SESAI descumpre decisão do Supremo Tribunal Federal, que definiu no dia 16 de março, em resposta a ação movida pela Apib, pela garantia da vacinação a todos os indígenas localizados em áreas não homologadas.
O povo Terena é hoje o terceiro povo indígena com maior número de mortes por Covid-19, no Brasil. Em agosto de 2020, a SESAI chegou a proibir a ajuda humanitária do grupo Médico Sem Fronteiras ao povo Terena, em um momento onde os casos de mortes aumentaram mais de 500%. De acordo com dados do Ministério da Saúde, o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Mato Grosso do Sul vacinou 23.881 indígenas, no Estado, de um total de 45.693 indígenas previstos pelo programa de vacinação.
A Apib e o Conselho Terena pedem ao MPF-MS que seja instaurado inquérito civil para apurar os motivos da não inclusão dos indígenas do povo Terena, que vivem no distrito de Taunay, na prioridade de vacinação contra Covid-19.
No documento, as organizações também pedem que o DSEI Mato Grosso do Sul seja oficiado para promover a imunização do povo Terena do distrito de Taunay, em um prazo de 48 horas, sob pena de responsabilização civil, criminal e administrativa dos responsáveis pelo órgão.
23/mar/2021
Julgamento da ação do povo Guarani Kaiowá que busca reverter a anulação da terra indígena, localizada no Mato Grosso do Sul, inicia no dia 26, sexta-feira
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomará, a partir desta sexta-feira (26), o julgamento da ação que busca reverter a anulação da Terra Indíngena (TI) Guyraroka, do povo Guarani Kaiowá. O recurso é movido pela própria comunidade indígena, que não foi ouvida nem citada no processo que, em 2014, culminou na anulação do processo administrativo de demarcação de sua terra pela Segunda Turma do STF.
O julgamento ocorre em plenário virtual, no qual os onze ministros votam numa plataforma online, ao longo de uma semana, sem necessidade de reunião por videochamada e tampouco espaço para sustentação oral das partes.
A ausência de participação da comunidade da TI Guyraroka no processo é o principal argumento para reverter a decisão da Segunda Turma. O direito de acesso à Justiça é garantido expressamente aos povos indígenas no artigo 232 da Constituição Federal de 1988 e vem sendo garantido em diversas decisões recentes da própria Suprema Corte.
Além disso, outros dois pontos destacados pela defesa da comunidade indígena são o fato de que a decisão baseou-se na tese inconstitucional do marco temporal, ainda em discussão no Supremo, e foi tomada a partir de um mandado de segurança. Esta modalidade jurídica não permite a apresentação de novas provas e o próprio STF vem decidindo que ela não deve ser utilizada para discutir demarcações de terras indígenas, devido à complexidade do tema.
Desde a anulação, em 2014, o povo Guarani e Kaiowá vem se mobilizando fortemente para reaver a demarcação do tekoha – lugar onde se é – Guyraroka. As 26 famílias da aldeia vivem hoje numa área de 55 hectares, uma pequena parcela dos 11 mil hectares identificados e delimitados pela Funai em 2004 e declarados como de ocupação tradicional indígena pelo Ministério da Justiça em 2009.
Além do pouco espaço, a comunidade vive cercada por grandes fazendas, que ocupam seu território para o plantio de monoculturas como soja, milho e cana-de-açúcar. A proximidade tem gerado ameaças às lideranças e até a intoxicação de crianças e adultos pelo veneno despejado nas lavouras, separadas da aldeia apenas pelas cercas de arame.
O povo Guarani e Kaiowá chegou a recorrer da decisão da Segunda Turma, mas seus pedidos de admissão foram negados, e o processo transitou em julgado em meados de 2016. Inconformada, a comunidade da TI Guyraroka ingressou em 2018 com a Ação Rescisória (AR) 2686, que busca reverter o julgamento no qual foi ignorada.
A rescisória começou a ser julgada no ano de 2018, mas foi retirada de pauta após um pedido de vistas do ministro Edson Fachin. A ministra Carmen Lúcia e o ministro Luiz Fux, relator do caso, votaram contra o pedido da comunidade. A Procuradoria-Geral da República (PGR) manifestou-se favoravelmente aos indígenas. Em 2019, o julgamento chegou a retornar à pauta da Corte, mas foi novamente adiado.
“Estamos na expectativa desse julgamento, pedimos aos ministros que avaliem nossa situação e a precariedade onde estamos vivendo hoje”, reivindica Erileide Domingues Guarani Kaiowá, moradora do tekoha Guyraroka. “Vamos nos manifestar e insistir pela vitória”.
O risco de um possível despejo, caso a anulação não seja revertida, e a situação de violência e violações vivenciadas pelos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul fizeram com que o caso fosse levado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que foi à terra indígena durante sua visita ao Brasil, em 2018.
A CIDH classificou a situação do povo Guarani e Kaiowá como uma “grave situação humanitária” e emitiu, em 2019, medidas cautelares em favor dos indígenas da TI Guyraroka, solicitando ao Estado brasileiro que tome providências para garantir o direito à vida e à integridade pessoal dos membros da comunidade.
Acesso à Justiça
A efetivação do direito constitucional de acesso à Justiça é uma reivindicação constante dos povos indígenas, muitas vezes prejudicados por decisões judiciais tomadas sem sua participação.
Recentemente, em pelo menos quatro outras ações rescisórias, o STF suspendeu decisões contrárias aos indígenas em processos nos quais eles não foram ouvidos. As ações tratavam das TIs Toldo Boa Vista e Palmas, ambas do povo Kaingang, no Paraná.
“Todas essas ações contam com decisões favoráveis aos indígenas justamente porque não houve a citação da comunidade, o que a Suprema Corte vem entendendo que gera nulidade”, explica Rafael Modesto dos Santos, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e um dos advogados da comunidade.
“O caso Guyraroka é um caso clássico do que as comunidades indígenas enfrentam por todo o país, qual seja, a dificuldade de ter acesso à Justiça. Vários processos estão tramitando e decisões sendo tomadas sem ouvir os maiores interessados, justamente as pessoas que vão arcar com o peso de eventual decisão judicial”, avalia Luís Eloy Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e também advogado da comunidade na ação.
“Isso é um resquício do regime tutelar, que perdurou durante muito tempo no Brasil, e é resquício também de uma posição racista em relação aos povos indígenas, que tende a invisibilizar, mas também a obstruir o acesso à Justiça por parte dos povos e comunidades indígenas”, crítica Eloy.
Nos últimos anos, povos indígenas e suas organizações vêm sendo reconhecidos pelo STF como representantes legítimos em processos de grande relevância, como o caso Xokleng que teve repercussão geral determinada pela Corte e a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, que cobra do poder público ações de combate à pandemia entre os povos indígenas.
Marco temporal
O principal argumento utilizado para anular a demarcação da TI Guyraroka foi a tese do “marco temporal”, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
Ao longo do século XX, os Guarani Kaiowá foram repetidas vezes expulsos do tekoha Guyraroka, progressivamente ocupado por fazendeiros. Os indígenas, entretanto, nunca desistiram do seu território e seguiram retornando a ele, numa trajetória de idas e vindas que culminou na atual retomada, onde estão há mais de vinte anos.
“Nasci aqui no Guyraroka em 1920, e estou pedindo para vocês, ministros, devolver para mim essa aldeia Guyraroka”, reivindica seu Tito Vilhalva, ancião centenário do tekoha. “Estamos pedindo pela demarcação para nós podermos sossegar e vocês também. Nasci aqui mesmo, em 1920, e estou com 101 anos. Naquela época, aqui era já aldeia. Conheço tudo aqui, por isso estamos pedindo a demarcação da nossa terra”.
A tese do marco temporal, que apareceu pela primeira vez no STF no caso Raposa Serra do Sol, ainda está em discussão no próprio Supremo e pode vir a ser definida no caso de repercussão geral envolvendo o povo Xokleng.
“Em 2014, a Segunda Turma resgatou e aplicou a tese do marco temporal no caso Guyraroka, sem ter passado pelo crivo do contraditório, pois não ouviram os povos indígenas. Agora, o reconhecimento da repercussão geral, indicando que esse tema não está pacificado no STF, dá mais um elemento para justificar a reversão do julgado que anulou a TI Guyraroka”, avalia Modesto.
22/mar/2021
Alinhados com a Funai, ruralistas se movimentam para aprovar pautas de interesses da bancada e do governo Bolsonaro
Via Jornal O Globo
Ao menos três projetos de lei que rediscutem a autonomia dos indígenas em seus territórios, garantida na Constituição, ganharam força na Câmara dos Deputados, com o apoio de fazendeiros, mineradoras e do próprio governo federal. O mais atacante deles transfere da União para o Congresso a última palavra na demarcação das terras indígenas, com poder de rever as áreas já demarcadas e de proibir a ampliação das reservas já existentes, e anda acelerado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde recebe ainda esta semana o parecer do deputado Arthur Maia (DEM-BA)
Relator do PL 490/2007, que na prática altera o Estatuto do Índio e tira da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ministério da Justiça a prerrogativa de decidir sobre essas áreas, Maia é ligado à bancada ruralista e defensor do projeto. O GLOBO apurou junto à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) que seu parecer será favorável à proposta que tramita há 14 anos na Câmara e já recebeu 13 anexos de outros PLs.
Entre idas e vindas, o projeto foi desarquivado no início do governo do presidente Jair Bolsonaro e agora encontrou o ambiente propício com o alinhamento da CCJ e da bancada ruralista. A pedido de Maia, os demais projetos de lei foram anexados neste PL (490/0207), visto que os temas são correlatos, como o mesmo pedido de alteração no Estatuto do Índio e o estabelecimento da promulgação da Constituição em 1988 como “marco temporal” para definir as terras ocupadas por índios, questão essa que é tema de ação no Supremo Tribunal Federal (STF).
Entre os parlamentares da bancada ruralista com interesse na proposta está o deputado Nelson Barbudo (PSL-MT), que já apresentou dois projetos de lei pedindo a alteração do Estatuto do Índio e a “realocação de não indígena ocupantes de terras tradicionalmente ocupadas por indígena”, além de indenização e título definitivos para os fazendeiros à medida que as demarcações foram sendo revistas. Com o aval do presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), a CCJ recebeu o PL de Barbudo na última quinta-feira. A presidente da CCJ, Bia Kicis (PSL-DF), também é a favor da revisão das demarcações.
22/mar/2021
Foto: Adenilson Nunes/SECOM
O Observatório da Alimentação Escolar divulgou nota pública contra os Projetos de Lei 3.292/2020 e 4.195/2012 que colocam em risco o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e retiram, na aquisição de alimentos, a prioridade dada a comunidades tradicionais indígenas e de remanescentes de quilombos, excluindo estas populações do acesso aos mercados institucionais.
Ao criar obrigatoriedades e reservas de mercado para determinados alimentos (leite, carne de porco, café, mel, farinha de arroz, orgânicos, entre outros), estes PLs e seus anexos tornam o PNAE vulnerável aos múltiplos interesses de produtores e da indústria de alimentos, que veem no programa um canal de escoamento, abrindo precedente para os mais diversos tipos de lobby. Além disso, os cardápios da alimentação escolar devem ser elaborados por nutricionistas responsáveis técnicos do Programa, de modo a respeitar as necessidades nutricionais dos estudantes, a cultura alimentar e a produção agrícola da localidade. Devem se pautar na sustentabilidade, na sazonalidade e na diversificação.
Um exemplo do problema encontra-se na argumentação do deputado Vitor Hugo sobre a substituição do leite em pó, hoje priorizado em muitas localidades. Para o deputado, seria uma forma de estímulo à produção local e geração de renda nas localidades em que se encontram os estudantes que consomem o produto. A nota do Observatório, no entanto, aponta que apesar de intencionar uma alimentação com menor nível de processamento – o que as organizações e movimentos que assinam a nota também defendem, de forma alinhada ao Guia Alimentar para a População Brasileira -, ao criar cota específica para a aquisição de um determinado tipo de alimento, a presente proposta abre precedente para uma série de possíveis reservas de mercado, que respondem aos interesses dos mais diversos tipos de lobby. Além disso, há de se considerar a falta de estrutura de muitas escolas, especialmente nos municípios mais pobres, para o devido armazenamento do leite fluido.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC) também se manifestou oficialmente de forma contrária ao PL 3.292. Ainda assim, a Câmara dos Depurados aprovou o Projeto de Lei com urgência e está na pauta para ser vota nesta terça-feira 23/03.
Na atual crise, ao invés de destruir o PNAE, o governo deveria dar resposta aos que produzem alimentos com as políticas de abastecimento que estão sendo desmontadas, como é o caso do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM).
Leia na íntegra: Novo Posicionamento Publico PL 4.159
20/mar/2021
Foto: Eric Marky Terena – Mídia Índia
A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) segue recomendando medicação sem comprovação científica para o tratamento de Covid-19, entre indígenas que estão na área de abrangência do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Vilhena, nas regiões noroeste de Mato Grosso e sul de Rondônia.
As recomendações para o uso de Ivermectina e “Kit Covid” foram publicadas em ofício do órgão no dia 15 de março, assinado pela coordenadora Solange Pereira Tavares. O documento foi produzido com a intenção de fortalecer medidas de isolamento social e prevenção devido à nova onda de contágios que colapsou o sistema de saúde do Brasil.
O DSEI Vilhena registrou, até o dia 19 de março, 900 casos confirmados do novo coronavírus e a morte de 16 indígenas pela doença na região. De acordo com dados do Ministério da Saúde, 1.719 indígenas que são atendidos pelo Distrito de Saúde foram imunizados com a segunda dose da vacina contra Covid-19, até o dia 19 de março. O órgão contabiliza um total de 3.055 indígenas com mais de 18, que estão aptos para receber a vacina.
As recomendações feitas pelo DSEI Vilhena para o uso de medicações sem comprovação científica são contrárias às orientações feitas pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Segundo a SBI, não é recomendável o tratamento farmacológico precoce para Covid-19 com qualquer medicamento (cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, nitazoxanida, corticoide, zinco, vitaminas, anticoagulante, ozônio por via retal, dióxido de cloro), porque os estudos clínicos não mostraram benefícios e em alguns casos esses medicamentos podem causar efeitos colaterais.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) alerta para que as organizações indígenas e lideranças denunciem as práticas que desobedecem às orientações médicas para o tratamento da Covid-19 e reforça que o principal tratamento hoje contra a Covid-19 é a vacina.
19/mar/2021
Foto: Eric Marky Terena – Mídia Índia
Anexado ao processo que corre no STF, manifesto aponta grave ameaça também aos nativos de recente contato
Oito médicos especializados em saúde indígena com experiência junto a povos isolados e de recente contato assinam uma carta na qual manifestam preocupação com a vigência de uma lei aprovada pelo Congresso, que permite a presença de missionários em terras habitadas por indígenas isolados.
O documento, de 18 páginas, foi protocolado em petição nesta quinta-feira no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Articulação dos Povos Índigenas do Brasil (Apib), entidade que questiona a constitucionalidade da lei no Supremo, em vigor em plena pandemia de Covid-19.
O grupo critica o argumento da Advocacia-Geral da União (AGU) manifestada no processo no STF de que a presença de missionários religiosos não oferece riscos aos povos isolados caso haja “submissão compulsória daqueles à equipe de saúde e aval do médico responsável”.
Os médicos questionam a classificação da lei 14.021 como “medidas de proteção social” de combate à pandemia e citam o artigo 13 como um dos “pontos obscuros da lei” que autoriza “a permanência de missões de cunho religioso que já estejam nas comunidades indígenas, após avaliação da equipe de saúde e aval do médico responsável”. A Apib pede que o STF declare inconstitucional texto do artigo sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em julho do ano passado.
A restrição ao ingresso de terceiros em áreas com a presença confirmada de indígenas isolados é diretriz da política indigenista desde 1987, apontam os médicos na abertura da carta ao qual O GLOBO teve acesso. Para eles, tal artigo traz imenso retrocesso à política indigenista no país e grave ameaça a esses povos.
– O que nos espanta é como esse artigo foi incluído em um projeto de lei que se pretende a dar proteção a esses povos. Já não teria sentido fora de um contexto de pandemia, quanto mais agora, totalmente fora de cabimento. Sem contar que existe grande responsabilidade de um médico em liberar um missionário em terras indígenas, uma vez que isso pode trazer consequências drásticas – afirma Lucas Albertoni, integrante do Observatório dos Povos Isolados (OPI) e um dos médicos que assinam a carta.
– A questão chave é que, num momento de pandemia, não existe qualquer benefício da presença desses missionários em território que supere o risco de contágio, pois não há protocolos para a presença dele nessas áreas. Até mesmo os funcionários essenciais da Funai precisam de protocolos para permanecer nessas áreas, passarem por rigorosa testagem e período de quarentena – argumenta.
Assinam a carta além de Albertoni, os médicos Ana Lúcia Pontes; Clayton de C. Coelho; Douglas A. Rodrigues; Erik L. Jennings Simões; Paulo Cesar Basta; Sarah Barbosa Segalla e Simone Ladeia Andrade.
Os especialistas também argumentam que portarias emitidas antes e depois da pandemia pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e Fundação Nacional do Índio (Funai) reforçam a necessidade de suspensão de todas as atividades que impliquem o contato com comunidades indígenas isoladas.
“Devido às situações de vulnerabilidade decorrentes do isolamento, uma vez que os indígenas isolados não recebem vacinas, não existe infraestrutura para atendimento a eventuais intercorrências médicas, a possibilidade de contato remoto com equipes de saúde é absolutamente limitada e, em caso de haver a necessidade de remoção para equipamentos de saúde especializados, a operação logística de transporte é sobremaneira custosa e complexa”, diz trecho da carta.
Os médicos sustentam ainda que a chance de propagação de microrganismos transmissores de doenças infecciosas e parasitárias “constitui ameaça real, sobretudo nos tempos sombrios da pandemia de Covid19”.
“Vale lembrar a enorme depopulação, registrada em passado recente, em consequência de epidemias de doenças contagiosas deflagradas pelo contágio que segue ao contato com grupos indígenas isolados. Outro ponto a ser considerado é o risco iminente de agentes externos às comunidades trazerem prejuízos à autodeterminação étnica desses povos e à manutenção de seus aspectos culturais ancestrais”, diz a carta ao mencionar exemplos de povos afetados por doenças transmitidas por missionários no passado como os Krenakarore e o povo Zoe´e.
Brecha para atuação de fanáticos
No argumento da Apib, o artigo 13 da lei abre uma brecha para a atuação de missionários e religiosos fundamentalistas evangélicos que buscam contato com índios isolados na tentativa de convertê-los para sua religião.
A defesa jurídica da Apib afirma ainda na petição que o parágrafo ameaça a integridade física dos povos indígenas isolados, garantida não somente pela Constituição como também pela Declaração Americana dos Direitos dos Povos Indígenas, de 2016, da qual o Brasil é signatário. Cita ainda como espinha dorsal de seu argumento o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, cujo artigo 18 defende que a liberdade de crença não pode se sobrepor ao direito à saúde.
“A liberdade de manifestar a própria religião ou crença poderá ser limitada para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas”, diz trecho da petição ao citar o pacto.
Revelações do GLOBO sobre a conduta do pastor, missionário e ex-coordenador de índios isolados da Fundação Nacional do Ìndios (Funai) Ricardo Lopes Dias tornaram insustentável a sua permanência no cargo. Dias Lopes foi exonerado pelo Ministério da Justiça.