Povos Kayapó e Munduruku cobram  direito de consulta prévia no TCU sobre projeto da Ferrovia Ferrogrão

Povos Kayapó e Munduruku cobram  direito de consulta prévia no TCU sobre projeto da Ferrovia Ferrogrão

Na última segunda-feira (22) em Brasília, uma delegação de lideranças indígenas dos povos Kayapó e Munduruku foi até o Tribunal de Contas da União (TCU), para exigir que seu direito à consulta prévia seja respeitado no processo de planejamento da concessão à iniciativa privada de uma ferrovia no Mato Grosso que impactam diretamente os seus territórios. Com quase mil quilômetros de extensão, partindo de Sinop, no Mato Grosso, até o porto de Miritituba, no Pará, e com a previsão de uma estação intermediária em Matupá (MT), o projeto é considerado prioritário pelo Governo Federal.

 

Às pressas, após serem pegos de surpresa por  uma nota publicada no jornal O Globo, a qual afirmou que o TCU iria encaminhar o processo de concessão da ferrovia sem que o governo ouvisse os povos impactados, as lideranças se mobilizaram na elaboração de carta ao órgão. A nota afirma que o Tribunal teria arquivado a representação do Ministério Público Federal (MPF) com uma série de advertências sobre as irregularidades do processo. A representação do MPF foi assinada por 14 procuradores e cinco organizações indígenas e da sociedade civil, entre elas o Instituto Kabu, o Instituto Raoni, ATIX,  Associação Iakiô e o ISA, e protocolada em outubro de 2020, na qual pede-se a suspensão do processo de concessão à iniciativa privada para a construção da ferrovia até que seja realizada a consulta sobre a sua viabilidade, ainda na fase de planejamento.

Os indígenas se articularam e enviaram uma petição solicitando a retirada do processo da pauta até que fossem escutados. Mesmo com a pandemia, decidiram ir à Brasília e dialogar pessoalmente com o ministro  Aroldo Cedraz, relator do processo no TCU.  Uma audiência virtual foi marcada para a terça (23), às 17h. Na noite de domingo, ocasião em que a delegação já estava na capital, o processo foi retirado de pauta.

Na carta — entregue por Doto Takak-Ire, Relações Públicas do Instituto Kabu (IK) e Mydjere Kayapó, vice-presidente do IK, que representa 13 aldeias Kayapó das Terras Indígenas Baú e Menkragnotí, no sul do Pará, e ainda a liderança Alessandra Munduruku, — os povos indígenas pediram a participação das etnias nos projetos de infraestrutura desde a fase de planejamento.

“O Tribunal de Contas da União tem uma grande responsabilidade nas mãos, não pode decidir às pressas e muito menos sem antes escutar todas as partes. O projeto de concessão da Ferrogrão é de 69 anos, um erro na sua avaliação pode comprometer muitas gerações. As decisões têm que ser tomadas com calma e tempo suficiente para ouvir todos os envolvidos, principalmente aos povos indígenas e as comunidades tradicionais das bacias dos rios Xingu e Tapajós onde se pretende instalar a ferrovia, bem como todas as outras obras que complementam, como portos, hidrovia, estradas, entre outras”, diz a carta.

Sobre os Impactos da Ferrogrão

Estudo publicado em dezembro do ano passado revelou que a ferrovia pode impactar 4,9 milhões de hectares de áreas protegidas em municípios que somam 1,3 milhões de hectares desmatados ilegalmente, além do potencial impacto sobre 16 Terras Indígenas.

O planejamento governamental reconhece apenas os territórios indígenas Praia do Índio e Praia do Mangue, em Itaituba, como impactados pelo empreendimento. Até hoje os Munduruku não foram consultados como determina seu Protocolo de Consulta. [Leia a carta da associação Pariri denunciando o avanço dos estudos da Ferrogrão sem a consulta]. 

Em dezembro de 2017 a ANTT se comprometeu  em realizar a consulta antes do processo ser encaminhado ao TCU (acesse ata). Sem consultar previamente os povos indígenas, o Ministério da Infraestrutura encaminhou para análise do Tribunal em julho do ano passado. 

Na representação, o MPF alerta o TCU de que impedir a participação dos indígenas no planejamento da ferrovia pode provocar o subdimensionamento dos custos socioambientais. De acordo com os levantamentos iniciais, foram identificados potenciais impactos sobre o conjunto de terras do povo Munduruku nas regiões do médio e Alto Tapajós; sobre as terras dos povos Panará e Kayapó, no sudoeste do Pará; e sobre seis terras indígenas no Mato Grosso, incluindo áreas de povos isolados e o Território Indígena do Xingu.

Transferência de cursos do Ensino Superior no Amapá prejudica comunidades indígenas

Transferência de cursos do Ensino Superior no Amapá prejudica comunidades indígenas

A Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) lançou dois ofícios comunicando a ação de transferência dos cursos de Direito e de Enfermagem do Campus Binacional do Oiapoque para o Campus de Santana. Reconhecemos que a cidade de Santana deve receber seus cursos, mas não abdicaremos do direito de manter os nossos cursos no Oiapoque. A Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Estado do Amapá e norte do Pará (APOIANP) publicou uma nota de repúdio contra a retirada dos cursos de Enfermagem e Direito do Campus Binacional do Oiapoque.

Parece haver um duplo movimento da UNIFAP, em utilizar a situação do Campus Binacional para arrecadar fundos do Governo Federal e emenda de parlamentares, enquanto internamente, promove o esvaziamento dos cursos com a transferência de docentes e técnicos sem que a Universidade reponha as vagas dos mesmos. Agora temos algo ainda mais grave, a transferência de cursos inteiros. 

Leia as notas das organizações indígenas do estado sobre a situação:

Lideranças exigem saída de coordenador de DSEI no Mato Grosso do Sul

Lideranças exigem saída de coordenador de DSEI no Mato Grosso do Sul

Na última segunda (22), lideranças se reuniram na sede do Distrito Sanitário Indígena (DSEI) do Mato Grosso do Sul para reunir com a coordenação do distrito e a direção da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Mesmo diante das dificuldades enfrentadas pelas lideranças para se deslocar até a sede, a reunião não ocorreu.

Lideranças indígenas exigem a exoneração do coordenador do Distrito Sanitário Indígena (DSEI) do Mato Grosso do Sul, Joe Saccenti Junior por descaso com as comunidades. A segunda maior população indígena do país tem sido tratada com desrespeito, causando indignação diante da violações de direitos constitucionais.

A situação não é novidade. No começo de janeiro, profissionais indígenas da saúde denunciaram demissões arbitrárias nas equipes multiprofissionais.  Sem providências significativas na prestação de serviços de saúde às comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul, no dia 28 de janeiro, cerca de 80 lideranças, entre parlamentares e representantes locais, dos povos Terena e Guarani Kaiowá ocuparam DSEI em protesto ao descaso com a precariedade da saúde indígena no estado. Na ocasião, as lideranças exigiam melhorias estruturais no DSEI, vacina para todos os indígenas e diálogo com a coordenação do DSEI.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil em conjunto com as organizações e lideranças locais repudiam o descaso com a saúde indígena no Mato Grosso do Sul. Leia a nota de repúdio na íntegra:

NOTA DE REPÚDIO

CONSELHO ATY GUASU GUARANI E KAIOWÁ, ATY GUASU JOVENS, KUNHANGUE ATY GUASU ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB, CCNAGUA, composto por lideranças das comunidades indígenas da região sul do Estado de Mato Grosso do Sul, representando aproximadamente 70 mil indígenas Guarani e Kaiowá, reunidos nesta data no DSEI-MS (Distrito Sanitário Especial Indígena de MS) para aguardar reunião com o atual coordenador do distrito sanitário e com o atual secretário de saúde indígena, vem a público se manifestar:
Em 29 de janeiro deste ano os movimentos indígenas de Mato Grosso do Sul, Conselho Aty Guasu e Conselho Terena, as duas maiores populações indígenas do Estado, se reuniram no DSEI em Campo Grande com o secretário de saúde indígena, Sr. Robson Santos da Silva, para exigir a saída do atual coordenador, Sr. Joe Saccenti Junior, devido à falta de consulta às comunidades indígena que é requisito trazido pela Convenção 169 da OIT e demais legislações correlatas ao direito indígena.
A gestão do atual coordenador do DSEI é totalmente abaixo do esperado, o caos na saúde se alastra nas comunidades do Estado, e por conta desse motivo o movimento indígena exigiu a exoneração do atual coordenador e que foi aceito pelo secretário de saúde naquela data.
Ocorre que, no dia 22 de fevereiro de 2021, apesar de todos as dificuldades encontradas para que as lideranças pudessem vir novamente até o Dsei-MS visando se reunir com o atual coordenador e com o atual secretário de saúde, não houve o atendimento, causando indignação na população indígena a falta de respeito e discriminação com a população indígena do Estado, que é a segunda maior do país.
Cabe ainda frisar, dentre tantos prejuízos causados à saúde indígena pelo trabalho de baixa qualidade prestado pelo atual coordenador, está a despedida sem justificativa de diversos agentes de saúde em meio há Pandemia de COVID -19 que assola as aldeias deste Estado e, o alarmante número de suicídio de jovens indígenas.
Assim, o povo indígena Guarani e Kaiowá repudia a atitude do atual secretário de saúde indígena e do atual coordenador distrital, exigindo a troca imediata no comando do Dsei-MS.
Campo Grande-MS, 22 de fevereiro de 2021.

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ATY GUASSU

Após denúncias da Apib, banco francês promete deixar de financiar empresas que desmatam a Amazônia

Após denúncias da Apib, banco francês promete deixar de financiar empresas que desmatam a Amazônia

Em 2019, a APIB realizou um ato em frente ao BNP Paribas, onde as lideranças entregaram  à instituição uma carta e um relatório de denúncia, apresentando uma lista de recomendações às instituições financeiras a fim de evitar uma maior destruição da floresta amazônica, do cerrado e dos povos indígenas.

O banco francês BNP Paribas, um dos maiores bancos da Europa presente em 72 países, anunciou nesta semana que pretende parar de financiar empresas desmatadoras e produtoras ou compradoras de carne bovina e soja em terras da Amazônia e do Cerrado. 

Em nota, o banco francês se compromete de forma rigorosa que somente fornecerá produtos ou serviços financeiros para empresas que tenham em sua estratégia de negócio o propósito de ‘desmatamento zero’ em sua cadeia de produção e de abastecimento até 2025, o mais tardar.

Nos últimos anos, a crise ambiental e, em grande escala, o desmatamento no Brasil se tornaram uma ameaça à vida e aos direitos de povos que vivem na Amazônia e no Cerrado brasileiro. Metade do Cerrado já foi derrubado e é um dos ecossistemas mais ameaçados do planeta. Em expansão na Amazônia, fazendeiros e pecuaristas estabeleceram um número recorde de incêndios em terras indígenas amazônicas. Essa expansão agroindustrial causa um enorme aumento no desmatamento da Amazônia e destruição do cerrado e é impulsionada pelo bloco “ruralista” no Congresso – que representa os interesses do agronegócio brasileiro – e pelo governo Bolsonaro.  

Lideranças indígenas em 2019 realizaram a jornada internacional “Sangue indígena, nenhuma gota a mais”, organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), onde percorreram 12 países europeus para informar e denunciar autoridades, empresas e sociedade europeia sobre as violências contra os povos indígenas. Em ato em frente à sede do banco BNP Paribas, as lideranças entregaram uma carta e um relatório de denúncia, apresentando uma lista de recomendações às instituições financeiras a fim de evitar uma maior destruição da floresta amazônica, do cerrado e dos povos indígenas. 

No relatório, que contou com a colaboração da Amazon Watch, intitulado “Cumplicidade em Destruição: como consumidores e financiadores do norte possibilitam o ataque de Bolsonaro à Amazônia brasileira”, foi identificado como as empresas de soja, açúcar, carne, couro, madeira e empresas importadoras estão possibilitando a destruição da Amazônia e do Cerrado brasileiro, e como elas negociam de forma desimpedida, com o apoio de instituições financeiras na Europa e nos Estados Unidos. 

Foram analisadas as transações comerciais de 2017-2019 das empresas brasileiras envolvidas no aumento do desmatamento ilegal na Amazônia (e crimes relacionados) e foram encontrados links com comerciantes e importadores de commodities europeus e americanos. Em seguida, analisaram-se os fluxos de investimento nessas empresas, identificando os principais credores, subscritores e investidores em ações. Essas descobertas demonstram como as empresas internacionais estão envolvidas na expansão do agronegócio para as florestas tropicais. 

 

Para a APIB, a definição  de política restritiva do banco é  uma conquista simbólica, quando se trata da primeira ação por parte de um grande banco internacional. Mas reforça que continuará no combate e atentamente acompanhando se a nova política se efetivará ou é apenas um “marketing” por parte da instituição.  

 

Entre as ligações do desmatamento ilegal e as instituições financeiras, o BNP Paribas aplicou US$ 3.215 milhões de financiamento, na forma de participações, empréstimos e subscrição, para empresas envolvidas em queimadas ilegais e desmatamento na Amazônia e Cerrado, que contribuíram com a violência contra os povos indígenas que ali residem. 

Acompanhe os novos critérios anunciados pelo BNP Paribas: 

> O BNP Paribas não financiará clientes que produzam e comprem carne ou soja em terras desmatadas e convertidas após 2008 na Amazônia. 

> As clientes devem, portanto, aplicar essa data-limite, que havia sido fixada em 2008 na Amazônia, de acordo com regulamentos e acordos setoriais.

> O BNP Paribas encorajará seus clientes a não produzir ou comprar carne e soja de terras desmatadas ou convertidas no Cerrado após 1º de janeiro de 2020, de acordo com os padrões globais.

> Para todos os seus clientes, o BNP Paribas exigirá total rastreabilidade dos canais de carne bovina e soja (direto e indireto) até 2025.

Além disso, o BNP Paribas informa que incentivará todos os seus clientes criadores de gado a mudarem as suas práticas para um sistema mais respeitador do bem-estar animal, tendo como referência os Padrões Mínimos Responsáveis da FARMS Initiative .

Reforçamos que o banco precisa fazer mais do que “encorajar” seus clientes a eliminar o desmatamento de sua cadeia de abastecimento e adotar abordagens mais consistentes em relação a esses dois ecossistemas vitais.

“Se está realmente comprometido em deter o desmatamento nesses ecossistemas críticos, deve suspender imediatamente o financiamento para empresas que já violaram os compromissos anteriores de não desmatamento ou conversão na Amazônia, até que possam demonstrar que estão realmente dispostas e capazes de produzir carne bovina e soja sem desmatamento”, disse Moira Birss, da Amazon Watch.

As empresas que não podem fazer isso devem ser excluídas de qualquer financiamento, pois não há como garantir que não estejam envolvidas no desmatamento. Além disso, qualquer política sobre a Amazônia e Cerrado deve abordar as formas como as questões de desmatamento se sobrepõem aos direitos dos povos indígenas e tradicionais. O banco não deve financiar fazendas que estão próximas e/ou impactam comunidades tradicionais.

MPF recomenda a inclusão de todos os indígenas do AM em grupo prioritário

MPF recomenda a inclusão de todos os indígenas do AM em grupo prioritário

Na última semana o Ministério Público Federal do Amazonas (MPF-AM) expediu uma recomendação para que todos os indígenas do Amazonas, incluindo os que vivem em contexto urbano ou em áreas não regularizadas,  sejam vacinados contra a COVID-19. O documento enviado ao Ministério da Saúde, à Secretaria de Vigilância em Saúde, ao Estado do Amazonas, à Fundação de Vigilância em Saúde e aos Municípios do Amazonas, prevê a destinação de dose em quantidades adequada para atender ao público mencionado.

De acordo com o Plano Nacional de Imunização (PNI) em vigor hoje no Brasil, apenas os indígenas que vivem em terras homologadas estão incluídos como público prioritário dos esforços de vacinação contra a COVID-19. Esta diretriz ignora completamente indígenas que vivem em contextos urbanos ou em áreas que estão em processo de regularização. Se considerarmos somente Manaus, esta orientação deixa desprotegidos quase 20 mil indígenas, de acordo com a Coordenação de Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Copime).

Segundo o IBGE, a população indígena do Amazonas é formada por 183,5 mil indivíduos, segundo dados de 2012, no entanto, o Plano Operacional da Campanha de Vacinação elaborado pela Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), prevê a vacinação de apenas 100.642 pessoas.

De acordo com a recomendação do MPF, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) do Amazonas devem acompanhar e auxiliar os órgãos de saúde para a adequada vacinação de todos os indígenas do estado de forma prioritária.

O MPF cita, na recomendação, o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas, criado pela Lei nº 14.021/2020, que inclui como público-alvo das políticas emergenciais definidas em face da covid-19 “indígenas que vivem fora das terras indígenas, em áreas urbanas ou rurais” e “povos e grupos indígenas que se encontram no País em situação de migração ou de mobilidade transnacional provisória”.

Confira o documento na íntegra PR_AM_00006088_2021_Rec_01_2021_vacinação_indígena_prioritária

A devastadora e irreparável morte de Aruká Juma

A devastadora e irreparável morte de Aruká Juma

É desoladora a morte por complicações de Covid-19 do último homem do povo Juma, o guerreiro Amoim Aruká. O povo Juma sofreu inúmeros massacres ao longo de sua história. De 15 mil pessoas no início do século XX, foi reduzido a cinco pessoas em 2002. Um genocídio comprovado, mas nunca punido, que levou seu povo quase ao completo extermínio. O último massacre ocorreu em 1964 no rio Assuã, na bacia do rio Purus, perpetrado por comerciantes de Tapauá interessados pela sorva e castanha existente no território Juma. No massacre foram assassinadas mais de 60 pessoas, apenas sete sobreviveram. Integrantes do grupo de extermínio contratados pelos comerciantes relataram atirar nos Juma como se atirassem em macacos. Os corpos indígenas foram vistos por ribeirinhos da região, após o massacre, servindo de comida para porcos do mato, inúmeras cabeças decapitadas espalhadas pelo chão da floresta. O mandante do crime, ciente do ocorrido, se vangloriou por ter sido o responsável de livrar “Tapauá dessas bestas ferozes”. Essa história jamais deve ser esquecida.

Aruká, um dos sobreviventes, continuou sua luta de resistência, vendo seu povo beirar o desaparecimento. Lutou pela demarcação do território Juma, que foi homologado apenas em 2004, a Terra Indígena (TI) Juma. Os sobreviventes Juma, apesar do risco de desaparecimento, viram seu povo crescer novamente na década de 2000, por meio de casamentos com indígenas Uru Eu Wau Wau, povo indígena também de língua Tupi-Kagwahiva.

Por estarem sujeitos a uma imensa vulnerabilidade e risco de desaparecimento, o povo Juma é considerado de recente contato e consta entre os povos a serem protegidos por Barreiras Sanitárias, cuja instalação foi determinada pelo Supremo Tribunal Federal a pedido dos povos indígenas, de representantes da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), por meio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 709 (ADPF 709). O pedido foi feito em julho de 2020 e o Ministro Luís Roberto Barroso deferiu. Porém, diante das dificuldades alegadas pelo Governo Bolsonaro, o ministro deu o prazo de até setembro de 2020 para que as Barreiras na TI Juma fossem instaladas. Em agosto de 2020 o Governo Bolsonaro disse que iria fazer a Barreira no rio Assuã, na REBIO Tufari, fora da TI Juma, seria uma Barreira Sanitária composta pela Polícia Militar e DSEI-Humaitá. No entanto, em dezembro do mesmo ano, afirmou que faria apenas um posto de controle de acesso na BR 230 – Rodovia Transamazônica, mas não comprovou o seu efetivo funcionamento.

Se o posto de acesso funcionou ou não, como vinha representantes da COIAB e APIB cobrando há meses nas Salas de Situação com o Governo Bolsonaro, já não importa mais para Aruká. O que se sabe, comprovadamente, é que ele agora está morto. É tristemente com seus mortos que os povos indígenas comprovam seus apelos. A COIAB e APIB avisaram que os povos indígenas de recente contato estavam em extremo risco. O último homem sobrevivente do povo Juma está morto. Novamente, o governo brasileiro se mostrou criminosamente omisso e incompetente. O governo assassinou Aruká. Assim como assassinou seus antepassados, é uma perda indígena devastadora e irreparável.

Manaus, Amazonas, 17 de fevereiro de 2021.

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Opi – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato

Nova versão do plano de enfrentamento à Covid-19 no contexto indígena apresentado pela União segue insuficiente

Nova versão do plano de enfrentamento à Covid-19 no contexto indígena apresentado pela União segue insuficiente

A elaboração de um plano do Governo Federal que atenda as necessidades de proteção integral dos povos originários se arrasta por quase um ano. Na quarta versão, o plano apresentado continua ignorando considerações de especialistas sobre problemas estruturais nos territórios.  

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib se manifestou sobre a quarta versão do “Plano Geral de Enfrentamento e Monitoramento da Covid-19 para os Povos Indígenas Brasileiros”, apresentado pela Governo Federal, no contexto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 709 que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). A elaboração de um plano que atenda as necessidades de proteção integral dos povos originários se arrasta por quase um ano. 

Na petição encaminhada ao ministro do STF Luís Roberto Barroso, relator da ADPF 709, a Apib alerta para  o flagrante descaso do Estado brasileiro com os povos originários: “Enquanto os povos indígenas esperam um provimento judicial que dê proteção concreta aos povos e comunidades, o vírus avança sobre os territórios indígenas.” Além disso, a organização pede a não homologação do plano, tendo em vista que o plano apresentado segue ineficaz e insuficiente. Um exemplo são as medidas indicadas para conter invasões aos territórios indígenas que, ao ser tratada de forma superficial no plano, demonstram o menosprezo pela gravidade da situação. 

Enquanto, por um lado, o processo da ADPF 709 se estende por ineficiência e falta de vontade política do Governo Federal em garantir a devida proteção dos povos originários durante uma crise sanitária global, por outro lado, a Funai publica a Resolução Nº 4, cujo objetivo é “definir novos critérios específicos de heteroidentificação que serão observados pela FUNAI, visando aprimorar a proteção dos povos e indivíduos indígenas, para execução de políticas”, violando direitos dos povos indígenas que possuem respaldo na Constituição e em tratados internacionais. A justificativa da resolução, na prática, sustenta apenas os critérios racistas que excluem a totalidade da população indígena no Brasil do Plano Nacional de Imunização contra Covid-19, que seria a medida mais efetiva para conter o avanço do vírus. 

A quarta versão do plano também segue sem atender às considerações de cunho técnico feitas pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e Fiocruz, e ainda ignora críticas e sugestões da Defensoria Pública da União (DPU), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Procuradoria Geral da República (PGR). 

De acordo com a petição da Apib, a União, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), tenta camuflar a situação nos territórios, as tensões e violências crescem: “Lideranças indígenas morrem, o garimpo e o desmatamento avançam diariamente e a máquina pública, por meio de seus agentes que não possui compromisso com os princípios republicanos, que por determinação constitucional deveriam proteger os povos originários, trabalham para baixar expedientes que facilitam a apropriação das terras indígenas.”

As recorrentes ações do Governo que impedem a implementação de uma ação de enfrentamento da pandemia da Covid-19 entre os povos indígenas não são surpresa. Na ocasião da aprovação do projeto de lei 1142/2020 que criava o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas, o presidente Jair Bolsonaro vetou 22 trechos que, se aprovados, impedia a implementação de medidas que salvariam vidas. No entanto, 16 vetos foram derrubados pelo Congresso Nacional. Ao final do processo de aprovação da lei, que durou cerca de 4 meses, mais de 700 indígenas já haviam falecido devido a complicações do novo coronavírus, incluindo lideranças históricas. 

Dados do Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena registrou, até a última terça (16), 48.678 casos de contaminação e 965 óbitos em decorrência do novo coronavírus. Mais da metade dos 305 povos indígenas do país e os Warao, originários da Venezuela e refugiados no Brasil, foram diretamente impactados pela Covid-19. “Não são números, são vidas. Quantos indígenas precisam morrer para implementar um plano emergencial?”, questiona Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Apib, diante da incapacidade de garantir o direito à vida dos povos indígenas. 

 

2ª Nota pública do povo Tembé-Theneteraha

2ª Nota pública do povo Tembé-Theneteraha

Informações à população, imprensa, autoridades e órgãos públicos

Caso: Assassinato da liderança indígena Isac Tembé

O nosso povo enterrou o guerreiro querido Isac Tembé neste domingo (14), às 10h, dentro dos nossos costumes tradicionais.

Permanecemos em luto e cumprindo com os rituais de passagem.

Na manhã desta segunda, 15, recebemos em nosso território a comissão da SDDH na representação do advogado Marco Apolo que representará juridicamente a família e o povo Tembé na justiça do homem não- indígena.

Na manhã da próxima terça-feira, o povo Tembé receberá na Aldeia São Pedro, na Terra Indígena Alto Rio Guamá, a comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Pará, por meio de seu presidente, deputado Carlos Bordalo.

Nosso povo aguarda para o mais breve possível a vinda do Ministério Público Federal (MPF), órgão que possui a missão constitucional de defender nossos direitos. Da mesma forma que apelamos a todos os órgãos e instituições que possam nos ajudar neste momento tão difícil .

Isac Tembé caçava dentro da terra indígena e foi executado. Perguntamos novamente: por que a Policia Militar entrou em Terra Imdigena, território federal, para executar nosso jovem ?

O povo Tembé quer justiça e vai lutar sem parar até que a memória de Isac Tembé seja honrada e que a justiça seja feita nessa região onde a bala substitui as algemas e a lei do silêncio substitui os direitos sociais e humanos.

Terra Indígena Alto Rio Guama, 15 de fevereiro de 2021.

Povo Tembé-Theneteraha

Associação Indígena Tembé das Aldeias Tawari e Zawaruhu
CNPJ 13.772.794/0001-53.
https://www.facebook.com/311445938928728/posts/5181407988599141/

Manifesto dos Laklano-Xokleng ao povo de Nova Veneza

Manifesto dos Laklano-Xokleng ao povo de Nova Veneza

Somos o povo indígena Laklano-Xokleng e formamos, juntos as demais 305 etnias que vivem no Estado Brasileiro um grupo de perto de um milhão de humanos. Sempre vale lembrar que antes da invasão de 1492 éramos mais de mil etnias e mais de cinco milhões de seres humanos. Somos nós, agora, os Laklano Xokleng, quem escreve ao povo de Nova Veneza. Sim! Queremos falar com vocês, novos venezianos.

Vocês que vivem nessa bonita cidade tinham conhecimento de que, em vosso nome, as autoridades municipais, eleitas por vocês, se ocuparam de homenagear em praça pública um assassino? Acreditamos que não! Pois temos certeza de que se soubessem não permitiriam tal homenagem.

Qualquer homem, mulher e até mesmo criança de Nova Veneza iria se indignar se soubesse de tal homenagem. Mas, ainda que não saibam, ela se deu. E é algo assim como se o Estado de Israel, que abriga hoje os judeus, homenageasse o assassino Adolf Hitler, nomeando uma cidade, estrada ou praça com o nome dele.

Nosso coração se encheu de tristeza ao saber dessa praça que leva o nome de um matador da nossa gente: Natale Coral. Um homem que comandou grupos que violaram mulheres, mataram crianças, despedaçaram homens e lhes cortaram as orelhas para fazer colar. Não. O povo de Nova Veneza não pode compactuar com esse crime, que volta a se repetir nessa homenagem.

Na cidade existe uma lei, bem clara, sobre quem pode ser homenageado. É a lei N.º 1.972, de 25 de setembro de 2009 aprovada pelos vereadores de Nova Veneza que determina:

§ 1º – Somente será permitida a adoção de denominação de pessoas falecidas nos seguintes casos:

a) – de pessoas residentes em Nova Veneza, desde que tenham, quando em vida, participado de entidades e movimentos comunitários ou que tenham sido pessoas beneméritas, ou que tenham colaborado, efetivamente, para o engrandecimento deste município.

Nós, os Laklãnõ-Xokleng perguntamos: um assassino de homens, mulheres, velhos e crianças é alguém que engrandeceu Nova Veneza? Se isso foi considerado legítimo nos tempos passados, há muito que deixou de ser. O genocídio indígena não é algo para se celebrar.

A gente cristã de Nova Veneza acharia justo homenagear Pôncio Pilatos? Acharia legítima uma praça com o nome de Mussolini, ou com o nome dos assassinos de Jesus, homem santo que chamam de deus?

Pois sabendo que não fariam isso nós viemos pedir que não permitam que o município venha a homenagear qualquer um que tenha na sua biografia o assassinato de homens, mulheres, crianças e velhos, inocentes e indefesos. Exijam a mudança do nome. Unam-se à nossa voz que clama.

Nós, os Laklano Xokleng, que ainda resistimos, apesar de todos os crimes, assassinatos e violações, há muito tempo aceitamos a paz. Já perdoamos os migrantes que vieram para essa terra, muitos deles enganados, e tomaram o nosso mundo. Perdoamos, mas não esquecemos. Todos os brasileiros têm direito à memória, à verdade e à justiça! Basta de homenagear aqueles que são responsáveis pela dor do próximo.

Exigimos a retirada de qualquer homenagem aos assassinos de indígenas na cidade de Nova Veneza.

Exigimos homenagem aos que foram assassinados e ao nosso povo Laklãnõ-Xokleng!

Anexamos o documento histórico elaborado pelo cidadão de Nova Veneza, consciente dos crimes de Natale Coral, professor Dr. Waldir Rampinelli, para que todos saibam ao que estamos nos referindo.

Paz entre nós! Guerra aos injustos!

Nota Pública do Povo Tembé-Theneteraha

Nota Pública do Povo Tembé-Theneteraha

O coração do povo Tembé-Tenetehara sangra com o brutal assassinato do nosso jovem guerreiro Isac Tembé. A bala que lhe tirou a vida, com apenas 24 anos, atingiu a todos que desde tempos imemoriais habitamos essa terra e fazemos a permanente defesa da floresta e de nossos saberes tradicionais.
O jovem Isac foi executado a tiros por policiais militares na noite da última sexta-feira, 12. Ele saiu para caçar depois de um dia de trabalho na construção de sua casinha para morar com sua família. Perguntamos: por que esses agentes da segurança pública servem de milícia privada para fazendeiros que invadem terra indígenas? Por que chegaram atirando contra nossos jovens, filhos, netos e sobrinhos, que caçavam, pratica que faz parte da cultura de nosso povo?
A polícia Militar assassinou duas vezes Isac Tembé: mataram seu corpo e tentam matar sua memória quando atacam a índole de nosso jovem guerreiro e liderança exemplar. Isac era um cidadão honrado, professor de história, atuante na comunidade e na organização da juventude. Sua esposa está grávida e em breve dará à luz a mais uma criança Tembé, garantia da continuidade deste povo originário. Jamais se envolveu em qualquer ato ilícito e nunca em sua vida portou ou disparou uma arma de fogo.
Por isso, repudiamos como mentirosa a versão dos policiais militares, que alegam ter reagido a uma agressão a tiros. Somos um povo da alegria e da festa; um povo pacífico, ordeiro e cumpridor da lei. Exigimos das autoridades uma apuração rápida, transparente e rigorosa, a fim de identificar e punir os responsáveis por esse crime.
Nosso território sofre diariamente invasões e ataques por parte de exploradores ilegais de madeira ou de fazendeiros que insistem em manter a ocupação de partes da Terra Indígena Alto Rio Guama, através de cabeças de gado e de outras atividades econômicas. Há décadas lutamos contra essa violência e não vamos parar até que nenhum metro de nossa terra esteja ilegalmente ocupado. Não temos medo. A Constituição Federal protege nossos direitos e o Estado brasileiro precisa fazer cumprir o que manda a Lei maior.
Apelamos às autoridades do Brasil e do mundo para que não nos deixem sós!
Exigimos que Funai, MPF, Polícia Federal e todos os órgãos competentes venham até o nosso território e vejam o que passamos.
Exigimos perícia no local do ocorrido. Exigimos resposta urgente pois não vamos nos calar e deixar que esse crime permaneça impune.
Que a memória viva de Isac Tembé fortaleça nossa caminhada.
Que o espírito dos nossos ancestrais guie o povo Tembé-Tenetehara em sua luta em favor da vida.
Convocamos a imprensa e as autoridades para uma reunião pública, nesta segunda (15), às 10 horas, na aldeia São Pedro, Terra Indígena Alto Rio Guama, ocasião em que o povo Tembé decidirá o caminho da luta em busca de justiça.
Exigimos justiça!
Punição dos assassinos e mandantes da morte de Isac Tembé !
Terra Indígena Alto Rio Guama, 14 de fevereiro de 2021.
Associação Indígena Tembé Das Aldeias Tawari e Zawaruhu,CNPJ 13.772.794/0001-53.