Apib e Apoinme entram com representação criminal contra organização de fazendeiros que assassinou a Pajé Nega Pataxó

Apib e Apoinme entram com representação criminal contra organização de fazendeiros que assassinou a Pajé Nega Pataxó

O movimento de extrema direita, organizado pelo agrobanditismo, chamado Invasão Zero assassinou a Pajé Nega Pataxó, após fazer um cerco à autodemarcação do Povo Pataxó Hã Hã Hãe no território indígena Caramuru-Catarina Paraguassu, município de Potiraguá, no Sul da Bahia, no domingo, 21/01. Exigindo justiça e coerção à organização paramilitar de fazendeiros, o departamento jurídico da Apib acionou a Procuradoria da República na Bahia, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal através de uma notícia crime.

O documento denuncia “a prática de organização criminosa, uma vez que, (…) o grupo se associou por meio de entidade jurídica, de forma estruturada e com divisão de tarefas, valendo-se da violência, intimação, corrupção, fraude ou de outros meios assemelhados para cometer crime”.

Três lideranças indígenas Pataxó-hã-hã-hãe foram baleadas, durante a ação dos fazendeiros. O cacique Nailton foi atingido, duas pessoas foram espancadas, uma mulher teve o braço quebrado e um carro foi incendiado. Um vídeo mostra os feridos no chão, ainda sem socorro, sendo cercados pelo grupo paramilitar, que comemorava a violência.

A Polícia Militar da Bahia esteve presente no local, mas nada fez para proteger os indígenas. Ao contrário, segundo o relato do Cacique Nailton, a PM deu apoio e incentivo à ação criminosa mantida pelo grupo. “Os fazendeiros chegaram escoltados, porque chegou umas quinze viaturas e junto com os fazendeiros chegou umas cinco na frente”, conta a liderança, ainda hospitalizada.

O cacique relata que havia policiais reformados e à paisana entre o grupo. “Eu pedi ao comandante porque ele tinha condições de evitar que acontecesse um massacre. Falei para o comandante, tira a gente daqui, leva a gente para o hospital. E outro gritou de longe, acaba de matar”.

O tiro que matou Nega Pataxó partiu da arma de um filho de um dos fazendeiros presente no grupo de Whatsapp do Movimento Invasão Zero. Ele e um Policial Militar reformado, encontram-se presos pelo envolvimento no conflito.

Nega Pataxó era liderança espiritual e professora com importante atuação junto à juventude e às mulheres indígenas e, com seu irmão, integrava redes de saberes tradicionais de Universidades brasileiras, sendo doutora em Educação por Notório Saber pela UFMG, e o cacique Nailton, doutor por Notório Saber em Comunicação Social pela mesma universidade.

Milícia com CNPJ

O grupo “Invasão Zero” se constituiu como entidade privada registrada no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), no Estado da Bahia, em abril de 2023. Eles dizem articular 10 mil produtores rurais baianos em defesa da propriedade privada e contra as “invasões” de terras rurais e urbanas.

Os paramilitares são liderados por Renilda Maria Vitoria De Souza e Luiz Henrique Uaquim Da Silva, conhecidos, respectivamente, como Dida Souza e Luiz Uaquim. O grupo se projetou nacionalmente durante a CPI do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, (MST), articulando-se com parlamentares ruralistas e da extrema-direita.

Além da Bahia, os paramilitares estão articulados nos estados de Goiás, Pará e Mato Grosso desde o ano passado. Recentemente ruralistas do Maranhão, Espírito Santo e Tocantins adentraram na organização criminosa.

De acordo com a representação criminal, a atuação deles “toma forma de agrupamentos paramilitares de produtores rurais para retirar à força movimentos sociais que estão em ocupações rurais (MST) ou retomadas de territórios tradicionais (indígenas)”.

Entre os ruralistas e fascistas apoiadores dos criminosos estão o deputado federal Luiz Ovando (Progressistas/MS), o deputado federal Rodolfo Nogueira (PL/MS) o deputado federal Zucco (PL/RS), o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos/SP), o governador de Goiás Ronaldo Caiado (União Brasil/Go) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que já responde perante ao Tribunal Penal Internacional (TPI) pelo genocídio contra os povos indígenas brasileiros entre 2018 e 2022.

Históricos de ataques e assassinatos

Há menos de um mês, em dezembro de 2023, o Cacique Lucas Pataxó, do mesmo povo e da mesma comunidade, foi assassinado enquanto retornava para a aldeia.

Em janeiro de 2023, os Pataxós Samuel Cristiano do Amor Divino, 21, e Nauí Brito de Jesus, 16, foram mortos a tiros no km 787, quando estavam a caminho de uma das retomadas do povo Pataxó, em Itabela.

Em abril, o Pataxó Hã-hã-hãe Daniel de Sousa Santos, 17 anos, foi morto dentro de uma área de reserva, também em Pau Brasil.

Em setembro de 2022, o adolescente Pataxó Gustavo Silva da Conceição, de apenas 14 anos, foi assassinado com um tiro na cabeça após ataque de pistoleiros a uma aldeia no território indígena Comexatibá, em Prado.

As testemunhas relataram que pelo menos cinco homens invadiram o local, portando armas calibre 12, 32, fuzil ponto 40 e bombas de gás lacrimogêneo. A participação de policiais militares nos ataques explica o acesso da organização paramilitar aos armamentos pesados.

A Apib fez reiteradas denúncias sobre a escalada de violência no sul da Bahia, sem obter respostas efetivas das autoridades. Esperamos que o Estado brasileiro faça valer as leis com devida seriedade, para responsabilizar perante a constituição e o código penal os envolvidos, respondendo por organização criminosa e incitação ao crime.

Os povos indígenas do Brasil não suportam mais mortes. Exigimos a demarcação das terras que são nossas por direito, a proteção dos territórios e da vida e a revogação da Lei do genocídio (Lei 14.701), fator primordial de incentivo à matança dos nossos povos no período mais recente.

Genocídio Legislado: Congresso derruba vetos, aprova lei do Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas

Genocídio Legislado: Congresso derruba vetos, aprova lei do Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas

Apib vai entrar com uma ação de inconstitucionalidade, no STF

O Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, agora lei 14.701/2023, nesta quinta-feira (14/12). Com isso, transformaram a tese ruralista do Marco Temporal em lei e aprovaram outros crimes contra os povos indígenas. 

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reforça que ‘Direitos não se Negociam’ e como resposta ao resultado da votação vai protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a anulação desta lei, considerada pela articulação como a lei do genocídio indígena. O protocolo só pode ser feito após a promulgação da lei, que ocorrerá em 48 horas e a ação será proposta em conjunto com os partidos políticos PT, REDE, PSOL e PSB.

“Esta lei é inconstitucional e deve ser analisada pelo STF. Porém, enquanto a ADI não for julgada pelos ministros do Supremo, os parentes estão enfrentando invasões nos territórios, assassinatos e a devastação do meio ambiente. É por isso que solicitamos que seja concedida a tutela de urgência antecipada! Não podemos ficar esperando enquanto as comunidades estão morrendo”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

A Apib protocolou no STF, na tarde desta quinta-feira, uma solicitação de audiência no tribunal para tratar sobre as ameaças aos direitos indígenas e a Constituição Federal, que existem nesta nova lei (14.701/2023). A Apib e suas sete organizações regionais de base (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa) reforçam que a luta continua e que o movimento indígena segue mobilizado nacionalmente e internacionalmente. 

“O Futuro da humanidade depende dos povos e da demarcação das Terras Indígenas. A principal Conferência, que trata sobre mudanças climáticas, a COP 28, foi encerrada nesta semana e o Congresso Nacional mais uma vez reforça seu compromisso com a morte. O Marco Temporal é uma proposta criada pelo agronegócio e já foi anulada pelo STF”, reforça Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib. 

Os únicos pontos dos vetos que foram mantidos e portanto foram RETIRADOS da Lei do Genocídio foram:

  • as ameaças aos povos indígenas isolados
  • a proposta que pretendia autorizar o uso de transgênicos nas Terras Indígenas 
  • a proposta racista sobre a alteração de traços culturais

Em sessão conjunta, entre deputados e senadores, desta quinta-feira, que derrubou os vetos de Lula terminou com um placar de 321 deputados contrários aos vetos e 137 favoráveis. No Senado a votação foi de 53 a 19 pela retirada dos vetos.

Inconstitucionalidades 

Além do Marco Temporal, outras inconstitucionalidades da lei já estão vigentes e violam artigos da Constituição Federal, bem como aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Estado Brasileiro. 

A participação efetiva de Estados e municípios em todas as fases do processo de demarcação e a regulamentação da cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas, são pontos destacados pela Apib como inconstitucionais. De acordo com a articulação, esses pontos da lei podem inviabilizar as demarcações e ampliar assédios de não indígenas sobre as TIs.

A nova lei também afirma que o direito de usufruto exclusivo não pode se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Lideranças indígenas da Apib ressaltam que o trecho pode abrir margem para violar o usufruto exclusivo dos povos indígenas sob o pretexto do “interesse de política de defesa”.

Na ADI, o departamento jurídico da Apib pede que a ação tenha como relator o Ministro Edson Fachin. O Ministro foi relator do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365, no qual o STF rejeitou o marco temporal, ou seja, a possibilidade de adotar a data da promulgação da Constituição Federal como marco para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas. 

“A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição”, diz trecho da decisão do Supremo. O julgamento do marco temporal no STF foi finalizado no dia 27 de setembro com 9 votos contra e 2 a favor da tese.

O desmatamento e a destruição da biodiversidade nas terras indígenas representam uma ameaça internacional para o equilíbrio climático global. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Além disso, os territórios indígenas concentram 80% da biodiversidade do planeta, mas estão ameaçados pelo avanço do agronegócio e das indústrias extrativistas, de desenvolvimento e turismo, tal como alerta o relatório da ONU Estado dos Povos Indígenas no Mundo, publicado em 2021.

Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da Apib, afirma que a Lei nº 14.701/2023, possui vícios de inconstitucionalidade e revanchismo parlamentar, onde o Senado pautou o PL no mesmo dia do julgamento do marco temporal no STF. O coordenador também reforça que um dos papéis do Supremo é garantir os direitos fundamentais de grupos sociais minoritários e que tem expectativas de que isso seja cumprido por meio da ADI.

“Vivemos em um sistema de freios e contrapesos e o limite imposto pelo Poder Legislativo é o de não aprovar leis que atentem contra cláusulas pétreas estabelecidas na Constituição Federal. Os direitos dos povos indígenas são originários e foram reconhecidos em 1988 e isso precisa ser respeitado”, diz Terena.

PL 2903 e veto parcial de Lula

Ao longo do ano de 2023, o PL 2903 representou uma das maiores ameaças aos direitos dos povos indígenas do Brasil. O Projeto de Lei defende os interesses latifundiários em detrimento dos direitos indígenas e foi aprovado em caráter de urgência no Senado Federal no dia 27 de setembro, mesma data em que o STF encerrou o julgamento do marco temporal.

Em contramão à demanda do movimento indígena pelo veto completo ao PL, o presidente Lula anunciou seu veto parcial no dia 20 de outubro. Lula retirou o marco temporal da proposta, assim como o cultivo de espécies transgênicas em Terras Indígenas e a construção de grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias, sem consulta prévia, livre e informada. O veto do presidente também retirou a flexibilização das políticas de proteção aos povos indígenas em isolamento voluntário do PL.

“A aprovação de projetos que interessam ao Executivo, tal como a Reforma Tributária no último dia 8 de novembro, fazem parte desse toma lá dá cá e reafirmamos que DIREITOS NÃO SE NEGOCIAM! Essas ações apenas perpetuam o império dos interesses do capital representado principalmente pela bancada ruralista e evangélica, entre outras, que alavancam a sobrevida da extrema direita que nos últimos anos infernizou a vida do povo brasileiro. A negociata dos nossos direitos para aprovar a Reforma Tributária implicou em o Governo Federal acenar para os parlamentares sinal verde para a derrubada dos vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, que pretende transformar o Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas em lei”, diz nota da Apib.

À época, a votação dos vetos ao PL 2903 estava prevista para 9 de novembro, mas foi adiada algumas vezes, até a votação no dia 14 de dezembro. Leia aqui a nota completa publicada pela Apib no dia 10 de novembro.

A Apib ressalta que as atitudes do Congresso Nacional são resultados da ligação direta de políticos brasileiros à invasão de terras indígenas, como mostra o dossiê “Os invasores” do site jornalístico “De olho nos ruralistas”. De acordo com o estudo, representantes do Congresso e do Executivo possuem cerca de 96 mil hectares de terras sobrepostas às terras indígenas.

Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de TIs, que doaram R$ 3,6 milhões para a campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).

Nesta última semana, uma comitiva das organizações e lideranças indígenas, que compõem a Apib, estiveram em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, para a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a COP28. A participação indígena foi a maior de todas as conferências e a Apib promoveu uma série de denúncias de violações de direitos e incidências políticas internacionais. 

Na COP28, a comitiva reforçou as Emergências Indígenas e exigiu a garantia dos direitos e demarcação das Terras Indígenas. Para a Apib e suas organizações regionais de base, não é possível combater a crise climática sem a demarcação e é necessário frear as violências financiadas pelo agronegócio contra as vidas indígenas.












A Pauta Verde virou Cinzas às vésperas da COP 28

A Pauta Verde virou Cinzas às vésperas da COP 28

O departamento jurídico da Apib elaborou um relatório sobre os desmontes promovidos pelo congresso nacional à “pauta verde”, ou seja, às políticas ambientais e iniciativas de combate à crise climática. Enquanto o governo federal especula sobre suas intenções em tornar o Brasil um oásis de cuidados com a natureza, o legislativo ruralista continua tratorando as leis para favorecer o agronegócio.

O maior exemplo disso é “a aprovação em tempo recorde do Projeto de Lei nº 2903/2023 (Marco Temporal de Terras Indígenas) no Senado Federal – matéria que se encontra na iminência de apreciação da derrubada do Veto Presidencial”, afirma a análise.

A nota técnica aborda os projetos de lei Nº 1459/2022 do Senado, o PL 11247/2018 e o PL 412/2022 da Câmara dos Deputados. Os projetos anti-indígenas, aprovados na última semana, perpassam a financeirização da natureza e o incentivo aos combustíveis fósseis e ao uso de agrotóxicos, alguns deles proibidos em muitos países de economia desenvolvida, por exemplo, entre os integrantes da União Europeia.

Confira a nota no link: Informe AJUR_APIB – A Pauta Verde virou Cinzas às vésperas da COP 28

Arthur César Pereira de Lira, porque o presidente da Câmara dos Deputados quer derrubar o veto ao marco temporal

Arthur César Pereira de Lira, porque o presidente da Câmara dos Deputados quer derrubar o veto ao marco temporal

(Dados do Dossiê “Arthur, O Fazendeiro”, De olho nos ruralistas)

O presidente da Câmara é um dos apoiadores da tese do Marco Temporal, que pode inviabilizar a demarcações de terras indígenas por todo Brasil. Por coincidência ou não, uma das fazendas de Arthur Lira, em São Sebastião, estado de Alagoas, é vizinha ao povoado Karapotó Terra Nova.

O tio de Arthur César Pereira de Lira, Adelmo Pereira, protagonizou um conflito de três décadas contra o povo Kariri-Xocó. E seus herdeiros deram continuidade, após sua morte. Entre eles o prefeito do município de Craíbas, o primogênito Teófilo José Barroso Pereira, que teve suas contas de campanha rejeitadas pelo TSE na última eleição. Eles se dizem donos de 2.014,69 hectares, área sobreposta a Terra Indígena Kariri-Xocó, homologada por Lula em junho de 2023.

O decreto 11.508/2023 homologou a área de reestudo do território, ampliando a TI dos atuais 600 hectares para a extensão de 4.689 hectares, na fronteira de Alagoas com Sergipe, na região do Rio São Francisco. A demarcação foi fruto de muita luta, iniciada logo após a homologação da primeira área que, já nos anos 1990, era pequena para a comunidade. Segundo o Censo do IBGE de 2022, os 2.260 indígenas vivem em uma área seis vezes menor que o Parque da Tijuca, no Rio de Janeiro. Cada morador tem uma área pouco superior a 2 mil metros quadrados — insuficiente para a segurança alimentar e a reprodução cultural do povo.

Invasões e crimes ambientais

Além de tomar a terra indígena, a família também possui histórico de crimes ambientais. Em março de 2016, o Ibama embargou uma das fazendas do clã Pereira e Lira pelo desmatamento de 259,60 hectares dentro da TI, em área próxima do Ouricuri, zona sagrada para os indígenas. Em 2011, o MPF ajuizou uma ação civil pública contra o tio de Lira e outros três fazendeiros por destruírem, com “correntão”, 158,5 hectares de área indígena. O desmatamento, além de destruir o território sagrado, o que representa um ataque ao povo indígena, também tem objetivo de ampliar o pasto para criação de gado de corte.

Os Pereira e Lira dominam a produção agropecuária de Alagoas e foi assim que construíram o poder político coronelista, se aproveitando de cavalgadas, vaquejadas e controlando as prefeituras do interior. O relatório do De Olho nos Ruralistas identificou 115 fazendas, somando 17.321,20 hectares de terra voltados exclusivamente para pecuária bovina no estado e mais 2.718,31 hectares no agreste pernambucano.

A família comanda cinco prefeituras de Alagoas. Eles também estão à frente dos consórcios intermunicipais Conisul e Conagreste, que receberam tratores a partir de emendas parlamentares liberadas pelo presidente da Câmara, através do conhecido “orçamento secreto”.

O filho e o sobrinho de Pauline Pereira (prima mais próxima de Arthur Lira) são donos de frigoríficos com contratos assinados junto as prefeituras comandadas pela família. Um dos contratos foi embargado pelo Tribunal de Contas do Estado. Parte do gado que vai para as prefeituras sai da fazenda na terra indígena. O principal frigorífico com esses contratos, o Dom Grill, patrocina as vaquejadas e cavalgadas do clã.

O primo César Lira comanda o Incra em Alagoas. Um processo contra o instituto relata agressão e ameaças contra assentados e sem-terra. César visita os territórios armado e pretende disputar uma prefeitura em 2024.

A empresa que administra os negócios da família se chama ADM Administradora de Bens e Direitos, titular de seis imóveis sobrepostos à TI Kariri-Xocó. São as fazendas Baixa Grande, Boa Esperança, Brejão, Unajara e São Raimundo, além de parte da Fazenda Santa Terezinha. Os sócios são os parentes Margarida Barroso Pereira, viúva de Adelmo, e os filhos Teófilo, Noêmia, Ana Margarida e Denise.

Usina bolsonarista e despejo

Em Campo Alegre, Arthur arrendou uma área de 427 hectares da Usina Porto Rico. Em 2017, ele e o pai foram alvo de um processo de despejo por não pagar parte do arrendamento. Ainda em operação, a usina foi denunciada em setembro de 2022 por coagir funcionários a votar em Bolsonaro. Nas terras da usina Lira promoveu o despejo de uma família posseira que vivia há décadas no local.

Com dados da Receita Federal, De Olho nos Ruralistas, identificou pelo menos 47 empresas que têm, como sócios, integrantes do clã. Desse total, 33 constam como ativas no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). A partir da lista, e dos portais de transparência de seis municípios alagoanos geridos, nos últimos doze anos, por familiares do presidente da Câmara foram identificadas treze licitações de fornecimento de carne e outros materiais, firmados entre essas empresas e as prefeituras de Campo Alegre, Junqueiro e Teotônio Vilela. Os contratos somam R$ 8,31 milhões. O maior beneficiário das contratações é o Frigorífico Dom Grill, de Nicolas Pereira, do gado oriundo da área demarcada da Terra Indígena Kariri-Xocó. Dos cinco contratos assinados pela empresa, apenas três tiveram os valores divulgados. Estes somam R$ 3,9 milhões.

Farra dos tratores

Sob o comando de Lira, a mesa diretora da Câmara distribuiu cerca de R$ 3 bilhões em emendas parlamentares para a compra de maquinário agrícola. Os contratos superfaturados eram geridos pela Codevasf com recursos do Ministério do Desenvolvimento Regional. A pasta era comandada pelo senador Rogério Marinho (PL), homem de confiança de Lira.

Em troca, estes garantiriam a base de sustentação a Bolsonaro, facilitando sua reeleição. Entre 2020 e 2022, estima-se que o orçamento secreto custou aos cofres públicos R$ 53,9 bilhões — valor equivalente a 91% do PIB de Alagoas.

A luta continua: Congresso cancela sessão e vetos ao PL 2903 seguem sem definição

A luta continua: Congresso cancela sessão e vetos ao PL 2903 seguem sem definição

O Congresso Nacional cancelou a sessão de hoje (23/11), que iria pautar a votação sobre os vetos ao Projeto de Lei 2903 (Lei 14.701/2023). Ainda não foi estabelecida uma nova data para sessão conjunta entre Senado e Câmara dos Deputados apreciarem os vetos, que podem definir se o Marco Temporal e outros crimes contra os povos indígenas sejam legalizados.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e todas as suas sete organizações regionais de base seguem mobilizadas para impedir mais retrocessos. As organizações indígenas reforçam que os direitos indígenas não podem ser negociados e que as mobilizações nos territórios, cidades e redes devem continuar para que os vetos ao PL2903 sejam mantidos e o Marco Temporal não vire lei.

O presidente Lula vetou parcialmente o PL 2903, do Marco Temporal, no dia 20 de outubro, em contramão à demanda do movimento indígena pelo veto completo do projeto. Alguns pontos centrais da lei do genocídio indígena foram vetados, no entanto, aqueles que permaneceram continuam apresentando ameaças às vidas dos povos indígenas. Cabe agora ao Congresso Nacional definir se mantém ou se derruba os vetos de Lula.

Nesta semana, uma comitiva das organizações indígenas que compõem a Apib vão ampliar as denúncias internacionais sobre as violações de direitos indígenas. Lideranças de todo o país irão participar da 28ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a COP28.

Em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, as organizações vão reforçar as Emergências Indígenas e reforçar as denúncias contra o Marco Temporal e exigir a garantia dos direitos e demarcação das Terras Indígenas. Para Apib e suas organizações regionais de base, não é possível combater a crise climática sem a demarcação e é necessário frear as violências financiadas pelo agronegócio contra as vidas indígenas.

Senadora Tereza Cristina, a Senhora do Desmatamento

Senadora Tereza Cristina, a Senhora do Desmatamento

A Senadora Tereza Cristina Corrêa da Costa defende um legado familiar de invasão de terras indígenas. Ela é coordenadora política do bloco ruralista no Senado, mas já foi ministra da Agricultura do governo Bolsonaro, quando recebeu o título de Senhora Desmatamento.

Desde 2014, quando foi eleita pela primeira vez para a Câmara dos Deputados, ela recebe doações de fazendeiros com sobreposições em território Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul.

As famílias Corrêa da Costa e Alves Corrêa, juntas, dominaram a política entre os ruralistas dos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e promovem até hoje a invasão de terras indígenas.

Antônio Corrêa da Costa foi governador do Mato Grosso em 1830. Já o bisavô de Tereza governou o estado em 1920 e 1930 e seu avô, Fernando Corrêa da Costa, foi governador em 1950 e 1964. Violando a constituição nos anos 60, o avô de Tereza, Fernando Corrêa da Costa distribuiu 4 milhões de hectares a vinte empresas colonizadoras, uma área do tamanho da Holanda.

Seu objetivo era impedir a demarcação do Parque Nacional do Xingu. O parque foi reduzido a 13% do tamanho original. A intermediação das empresas aumentou em até 3.750% o custo da terra para os colonos, o que resultou num lucro “fabuloso” para elas.

Quando foi governador em 1964, pela Arena, partido que sustentou a ditadura militar, o patriarca dos Corrêa da Costa, concedeu a colonos 75 mil hectares do território do povo Bororo em Santo Antônio do Leverger. A intenção era favorecer familiares, políticos e juízes locais. Originalmente a área foi demarcada em 1896 pelo Marechal Cândido Rondon e concedida pelo governo estadual. Com a ação do então governador, os indígenas perderam mais da metade do território.

A área dos Bororo possuía apenas 65 mil hectares, em 1896. Um documento do período da ditadura sobre violações aos direitos indígenas ironizou: o povo ficou “devendo 10 mil hectares aos colonos”. Este relatório, de mais de 7 mil páginas, passou 45 anos desaparecido e só foi localizado em 2013.

Em 1975, a FUNAI certificou equivocadamente a inexistência de indígenas na Fazenda Santa Maria, de pouco mais de 3.319 hectares, localizada dentro da reserva. A declaração favorecia o fazendeiro José Roberto Figueiredo Ferraz, de uma família tradicional de São Paulo. Só foi cancelada por uma portaria do fim dos anos 1980, após a redemocratização do país. Desde 1996, um processo de redemarcação das terras tramita na Funai. Esta é apenas uma das tantas terras indígenas que estão em disputa e serão afetadas pelo marco temporal.

As parentes da ex-ministra, Mônica Alves Corrêa e Mirian Alves Corrêa, são donas da fazenda Esperança, em Aquidauana (MS), dentro de uma área do povo Terena. Um laudo antropológico aponta fraude na aquisição destas terras.

Outros Alves Corrêa e Corrêa da Costa estão envolvidos em disputas com povos indígenas nos dois estados (o Mato Grosso foi dividido em 1979) e em outras irregularidades no ambiente rural.

Tereza Cristina foi eleita senadora pelo estado do Mato Grosso do Sul. Seus financiadores de campanha possuem sobreposições no território Guarani Kaiowá, uma das áreas de maior conflito no Brasil.

Em 2014, ela ganhou R$ 15 mil de Renato Eugênio de Rezende Barbosa e R$ 5 mil de John Francis Walton. Nos anos seguintes as doações aumentaram. Em 2018, Walton contribuiu com o mesmo valor. Em 2022, ele e Renato doaram R$ 20 mil e R$ 30 mil, respectivamente.

Outro doador é Jacintho Honório Silva Filho, fazendeiro paulistano acusado de mandar matar o cacique Guarani Kaiowá Marcos Veron. Mato Grosso do Sul e Mato Grosso são os estados com maior número de latifúndios do Brasil.

Entre as empresas envolvidas no processo de colonização e invasão terras indígenas estão: Construções e Comércio Camargo Corrêa, Sociedade de Melhoramentos Irmãos Brunini, Grupo Brunini de Comunicação, JBS, Colonizadora Rio Ferro, e a Cosan, que junto com a Shell, controla a maior produtora de açúcar e etanol do mundo, a Raízen.

(Dados do relatório “Os Invasores” e da reportagem Avô da ministra da Agricultura entregou terras para grandes empresas no MT e encolheu Parque do Xingu, De olho nos Ruralistas)

Emergência Indígena: Direitos não se negociam

Emergência Indígena: Direitos não se negociam

Nós, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), criamos o Emergência Indígena, em 2020, para enfrentar um contexto devastador de crise humanitária, sanitária e política, no período da Covid-19.

Decidimos não morrer!

A pandemia e o governo anti-indígena de Jair Bolsonaro nos forçaram a promover uma intensa mobilização para enfrentar mais um genocídio contra os nossos povos.

Mesmo com diversos avanços nas nossas lutas, as ameaças sobre nossos direitos, dignidade e proteção das nossas culturas e territórios se acirraram.

Em 2023, estamos retomando o “Emergência Indígena”, pois nunca foi ‘apenas um vírus’!

Somos obrigados a enfrentar no nosso cotidiano a violência do racismo enraizado na sociedade e nas estruturas do Estado.

Parem de nos matar!

Invasões, assassinatos, ameaças, criminalização de lideranças, violações dos nossos direitos…

Contextos que fazem parte da colonização, da monarquia e do autoritarismo, peculiares da ditadura militar, que nunca deixaram de existir e de nos perseguir.

Precisamos confrontar diretamente as violências e assassinatos historicamente cometidos contra as mulheres e indígenas LGBTQIAP+.

O projeto genocida contra os nossos povos, o roubo de nossos territórios ancestrais e das nossas riquezas naturais seguem com força colocando nossas vidas, culturas e toda a sobrevivência da vida no planeta em risco.

Direitos não se negociam!

A invenção ruralista do Marco Temporal, para demarcação de Terras Indígenas, levantou uma série de ameaças em todas as instâncias de poder.

Propostas legislativas como o PL 2903 e a PEC 48 do Marco Temporal, o PL 191, da mineração, PEC 59 e as tentativas de instalar a CPI das demarcações são exemplos concretos de um genocídio sendo legislado.

A agenda anti-indígena do Congresso Nacional é dominada pelos parlamentares que atuam na defesa dos interesses do latifúndio e dos invasores das nossas Terras.

Destacamos as Frentes Parlamentares da Agropecuária e da Mineração como os espaços criados para legalizar o nosso genocídio.

O Marco-Tráfico mostrou o toma lá dá cá entre os poderes da república. Os direitos indígenas viraram moeda de troca.

Desde 2016, o Estado Democrático de Direito vem sendo esfacelado.

Primeiro o golpe político, jurídico, midiático sobre a presidenta Dilma, depois o governo Temer e a ascensão e derrota eleitoral do bolsonarismo.

Agora, a direita tradicional e a bolsonarista cavam dentro do Congresso a força para desafiar os poderes executivo e judiciário, sobrepondo as leis inconstitucionais a favor dos interesses econômicos próprios.

O movimento indígena conquistou avanços históricos e precisamos reforçar isso. A Apib ‘Aldeou a Política’. A Campanha Indígena promoveu o fortalecimento de candidaturas indígenas.

A bancada do Cocar com Célia Xakriabá fortalece as trincheiras políticas que precisam ser travadas no Congresso Nacional.

Entendemos como avanços importantes a criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), e a indicação de lideranças indígenas para posições estratégicas do Poder Executivo.

Sonia Guajajara, como Ministra do MPI; Joênia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI); Weibe Tapeba, como Secretário de Saúde Indígena.

A eleição do presidente Lula foi uma conquista coletiva. No entanto, o contexto eleitoral forçou uma aliança ampla, que incluiu setores econômicos e políticos conservadores e anti-indígenas.

O Congresso Nacional segue dominado por parlamentares patrocinados por corporações nacionais e internacionais e acionistas do agronegócio, que querem acabar com os direitos indígenas.

As Bancadas do boi, da Bíblia, e da bala representam uma verdadeira ameaça às nossas vidas!

A maioria dos Governos Estaduais e Municipais seguem sendo conservadores e anti-indígenas.

Políticos brasileiros, representantes no congresso nacional e no executivo, possuem 96 mil hectares de terras sobrepostas às Terras Indígenas.

Eles são financiados por fazendeiros invasores de Terras Indígenas, que doaram R$ 3,6 milhões para campanha eleitoral de ruralistas.

Eles são financiados por fazendeiros invasores de Terras Indígenas, que doaram milhões para campanha eleitoral de ruralistas.

É muita terra para esses poucos fazendeiros.

A degradação ambiental, a invasão de terras e o atropelo dos direitos dos povos podem piorar com a proposta da retomada de grandes investimentos em projetos de infraestrutura, embutidos no chamado PAC III.

O engajamento na questão climática e na promoção dos direitos indígenas tem aumentado na sociedade.

Em paralelo, os ataques e investidas contra os povos avançam nos três Poderes do Estado brasileiro.

O governo Lula está diante da encruzilhada de conter as forças fascistas que não perderam a força social com a derrota nas eleições.

Lula precisa garantir os compromissos com o meio ambiente e os movimentos sociais que o elegeram e gerar empregos através do crescimento econômico.

Para isso o governo aposta em grandes empreendimentos, obras, investimentos, mas erra ao mirar as terras indígenas nas políticas de expansão do capital em busca de desenvolvimento.

Este não é o caminho para sair das crises que nos aprisionam.

A pressão dos interesses financeiros provoca o cruel aumento dos conflitos territoriais, violências e violações, assim como o racismo, criminalização e assassinatos.

O problema está na configuração do Estado brasileiro, que é o comitê gestor dos negócios do retrocesso ruralista.

Por isso, reiteramos, nunca foi apenas o vírus da Covid-19 a nossa emergência.

O projeto genocida contra os Povos Indígenas e o roubo de nossos territórios ancestrais segue com força colocando nossas vidas, culturas e toda a sobrevivência do planeta em risco.

Retomamos a campanha “Emergência Indígena” para estruturar o enfrentamento de ataques à vida dos Povos Indígenas.

Precisamos seguir denunciando as dinâmicas de poder que violam nossos direitos diariamente.

Seguimos dedicando todas as forças para informar, fortalecer e articular as bases do movimento para a mobilização indígena permanente em defesa de nossas vidas, culturas, territórios e direitos.

O nosso futuro depende da demarcação, homologação, proteção e garantia da posse plena e permanente das nossas terras!

Exigimos a execução das políticas públicas diferenciadas, como educação e saúde. O respeito a lei 11.645 que obriga o ensino de história indígena e afro-brasileira na rede de ensino.

Precisamos derrotar o poder político-econômico dos ruralistas e tomar nosso lugar nos espaços que definem os rumos do país. Não haverá Brasil sem os Povos Indígenas.

Diga ao povo que avance!

Arrendamento MATA!

Arrendamento MATA!

Foto: Lidiane Ribeiro/Ibama

Isso é uma emergência!

No dia 24 de março de 2023, uma criança Kaingang de 10 anos foi mais uma vítima do arrendamento na Terra Indígena Ivaí, entre os municípios de Pitanga e Manoel Ribas, no centro do estado do Paraná.

A região sul num contexto geral é assombrada pelo arrendamento ilegal dos territórios indígenas. Ato que influência na organização política e social das comunidades, tornando-se um espelho da sociedade capitalista onde poucos detêm o dinheiro e o poder em detrimento da maioria, que sofre sem recursos, sem uma natureza livre de veneno e muitas vezes sem a vida. Situação essa que pode piorar ainda mais se o Marco Temporal virar lei.

Claudielson Ogsá Brum (10) pertencente ao povo Kaingang, foi assassinado por uma colheitadeira de três toneladas, enquanto caminhava junto da família rumo à igreja. Claudielson foi estraçalhado pela máquina de moer história que lhe ceifou a vida.

Em depoimento a Polícia Militar, o maquinista alega que crianças corriam atrás da máquina pegando “rabeira”, mas testemunhas no local afirmam o contrário. “A gente estava a poucos metros da máquina, não tinham crianças correndo atrás dela. O motorista não viu o Claudielson, estava escuro e chovia. Ele foi atropelado enquanto ia para a igreja”, diz uma testemunha que pede para não ser identificada, em entrevista cedida ao jornal Parágrafo 2.

A família de Claudielson é uma das mais humildes da comunidade, prova essa da desigualdade gerada pelo arrendamento e o agronegócio na região. Além de terem seu território explorado com o plantio de soja, a família ainda perdeu seu bem mais valioso.

A T.I. Ivaí hoje conta com 7.306,35 hectares, cerca de 30,000 hectares a menos do que a limitação original registrada através do decreto nº 294 de 17/04/1913. Mais da metade do território perdeu sua mata nativa (Mata Atlântica) para dar lugar à plantação de trigo e soja. Vivem na aldeia hoje cerca de 1891 Kaingangs.

Chega de violência contra nossos territórios, nossos corpos e nossas vidas!

Não somos mercadoria: Governo Lula e banda podre do Congresso Nacional utilizam os direitos indígenas como moeda de troca política

Não somos mercadoria: Governo Lula e banda podre do Congresso Nacional utilizam os direitos indígenas como moeda de troca política

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) repudia as manobras políticas do Governo Lula de usar os direitos indígenas como moeda de troca com parlamentares do Centrão, que reúne os segmentos mais reacionários da classe política brasileira.

A aprovação de projetos que interessam ao Executivo, tal como a Reforma Tributária no último dia 8 de novembro, fazem parte desse toma lá dá cá e reafirmamos que DIREITOS NÃO SE NEGOCIAM! Essas ações apenas perpetuam o império dos interesses do capital representado principalmente pela bancada ruralista e evangélica, entre outras, que alavancam a sobrevida da extrema direita que nos últimos anos infernizou a vida do povo brasileiro.

A negociata dos nossos direitos para aprovar a Reforma Tributária implicou em o Governo Federal acenar para os parlamentares sinal verde para a derrubada dos vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, que pretende transformar o Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas em lei.

A votação dos vetos ao PL 2903 estava prevista para quinta-feira (9/11), mas foi adiada para sessão conjunta entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal para o próximo dia 23 de novembro.

Essa não é a primeira vez que os direitos indígenas estão sendo negociados e desconstruídos no Congresso Nacional. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, colocou o PL 2903 para ser votado e aprovado, no dia 27 de setembro, para liberar as pautas de interesse do Governo Lula, especialmente o programa Desenrola Brasil, naquele momento.

O presidente Lula vetou parcialmente o PL 2903, do Marco Temporal, no dia 20 de outubro, em contramão à demanda do movimento indígena pelo veto completo do projeto. Alguns pontos centrais do PL do genocídio indígena foram vetados por Lula, no entanto, era preciso um grande empenho político do Governo para evitar que os parlamentares derrubassem os vetos.

Com as negociações para aprovação da Reforma Tributária, o marco temporal e outros crimes contra os povos indígenas, que foram inicialmente vetados por Lula, podem virar lei. Caso isso aconteça, estará na mão do Supremo Tribunal Federal (STF) anular a lei, da mesma forma como decretou a inconstitucionalidade do Marco Temporal.

Três pontos que não foram vetados por Lula e já foram sancionados na nova lei, que agora tem número de 14.701, representam grande ameaça aos direitos indígenas.

– O Artigo 5º, trata da participação efetiva de Estados e Municípios em todas as fases do procedimento de demarcação, o que pode protelar ainda mais, ad infinitum, as demarcações.

– O Artigo 26° regulamenta a cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas e pode ampliar assédios de terceiros não indígenas sobre as TIs para fins de “cooperação” ou exploração econômica. O artigo atropela totalmente o direito de uso e usufruto exclusivo assegurado aos povos indígenas pela Constituição Federal de 1988.

– E o artigo 20° dispõe que o direito de usufruto exclusivo não pode se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Esta decisão além de perpetuar a doutrina de segurança nacional peculiar da ditadura militar, atenta contra o direito de autodeterminação – de autonomia -, e de consulta livre prévia e informada dos povos indígenas assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), lei no país.

Além de usar nossos direitos como moeda de troca, ressaltamos que uma das principais promessas do Governo Lula aos povos indígenas, que foi a demarcação de 14 Terras Indígenas nos primeiros 100 dias de governo, segue sendo descumprida.

Exigimos que o ministro da Casa Civil da Presidência da República, Rui Costa, pare de embarreirar as demarcações dentro do Governo Lula e respeite os direitos indígenas.

Direitos não se negociam e seguimos na luta pela DEMARCAÇÃO JÁ!

Diga ao povo que avance!

A luta continua: veto parcial de Lula não representa uma vitória

A luta continua: veto parcial de Lula não representa uma vitória

  • Ainda que a tese do Marco Temporal tenha sido um dos pontos vetados pelo Presidente Lula, o Congresso Nacional ainda pode reverter os vetos.

  • Além disso, o Presidente aprovou algumas medidas do PL 2903 que ameaçam a soberania dos Povos Indígenas sobre suas terras e o futuro climático global.

Em contramão à demanda do movimento indígena pelo veto completo ao PL 2.903/2023,  o presidente Lula anunciou seu veto parcial no dia 20 de outubro. Assim, a decisão presidencial retira o Marco Temporal da proposta, assim como o cultivo de espécies transgênicas em Terras Indígenas (TIs); a construção de grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias, sem consulta prévia, livre e informada; e a flexibilização das políticas de proteção aos povos indígenas em isolamento voluntário. Por outro lado, duas das medidas do PL aprovadas pelo Presidente flexibilizam o usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre seus territórios, sendo avaliadas como críticas pela Apib.

Em 2023, o Projeto de Lei 2.903/2023 representou uma das maiores ameaças aos direitos dos Povos Indígenas do Brasil, tendo sido idealizado em base a princípios anti-indígenas, e aprovado pelo Congresso Nacional sob a diligência da bancada ruralista. Por tal motivo, a Apib reivindicou o veto total ao projeto que defende os interesses latifundiários em detrimento dos direitos indígenas.

Na última sexta-feira (20), o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que vetaria alguns pontos do PL, incluindo a proposta de instituição do Marco Temporal, mas aprovou outros pontos ameaçadores para os Povos Indígenas, como a perda do usufruto exclusivo das suas terras provocada por interesses de defesa ou soberania nacional numa terra, assim como por atividades econômicas de cooperação entre indígenas e não indígenas.

Tais medidas já entraram em vigor em 20 de outubro, a partir da Lei 14.701/2023. Os demais pontos vetados serão analisados no dia 9 de novembro por uma comissão mista de senadores e deputados que decidirão se acatam ou anulam as medidas vetadas por Lula.

Quais pontos do PL 2.903/2023 foram vetados por Lula?

  • Marco Temporal: a tese que defende que os Povos Indígenas precisam provar sua presença em seus territórios ancestrais na data de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, para ter direito ao reconhecimento e demarcação como Terra Indígena, foi derrubada. A tese do Marco Temporal já tinha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 27 de setembro de 2023.

  • Indenizações aos invasores e ocupantes ilegais de territórios indígenas reconhecidos.

  • Anulação da demarcação de uma Terra Indígena e expropriação em razão da “alteração dos traços culturais” da comunidade indígena.

  • Instalação de equipamentos e redes de comunicação, assim como construção de infraestruturas em TIs, como estradas e  vias de transporte.

  • Cultivo de organismos genéticamente modificados em TIs.

  • Contato forçado com povos indígenas em isolamento voluntário.

  • Permissão para instalação de bases, unidades, postos militares ou intervenções militares em TIs.

  • Exploração de recursos para geração energética, empreendimentos de energia em geral e extração de riquezas naturais sem consulta prévia, livre e informada das comunidades atingidas ou do órgão indigenista federal competente.

Quais são os próximos passos para a análise dos vetos?

A Apib reforça que a cobrança do movimento indígena era para que Lula vetasse totalmente o PL 2.903/2023. Agora, alertamos sobre a necessidade dos vetos parciais serem mantidos pelos parlamentares. Senadores e deputados vão compor uma comissão mista que analisará os pontos vetados por Lula. A data de tal análise ainda não foi definida, mas a bancada ruralista (Frente Parlamentar da Agropecuária) já emitiu uma nota oficial afirmando que possui votos suficientes para reverter todos os vetos no Congresso Nacional.

A luta, portanto, não acabou. A Apib alerta para a necessidade de continuar na mobilização, pois caso esses vetos sejam anulados pelo Congresso, eles serão oficialmente incluídos como parte da Lei 14.701/2023. Isso ameaça a sobrevivência dos Povos Indígenas, viola as diretrizes do Comitê de Direitos Humanos da ONU do qual o Brasil é signatário, e ameaça o futuro climático global. Apenas o STF poderia rever a constitucionalidade da lei, a partir de um novo processo de judicialização.

Quais medidas não foram vetadas e ameaçam os Povos Indígenas e a luta contra a crise climática?

O PL 2903 já entrou em vigor como Lei 14.701/2023, com os pontos que não foram vetados pelo Presidente Lula. Entre eles, ainda existem várias ameaças para os Povos Indígenas, para a biodiversidade e para a garantia de equilíbrio climático proporcionado pelas Terras Indígenas. Entre os pontos não vetados, dois são críticos pois abrem brecha para violações aos direitos indígenas:

  1. O Artigo 20 afirma que o usufruto exclusivo não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional.

  2. O Artigo 26 trata sobre cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas, o que pode ampliar o assédio de terceiros para flexibilizar o direitos dos Povos Indígenas ao usufruto exclusivo de suas terras.

Afirmamos que o Artigo 20 é perigoso, pois pode, igualmente, abrir margem para mitigar o usufruto exclusivo, diante do conceito genérico de “interesse de política de defesa”, justificando intervenções militares nos territórios. Da mesma forma, é relevante considerar que, ilegalmente, já existem 96 mil hectares de áreas sobrepostas às terras indígenas e que essa suposta cooperação entre indígenas e não indígenas não será pacífica ou livre de altos custos para a autonomia e preservação dos modos de vida dos Povos Indígenas. Além disso, reforçamos que os Povos Indígenas são resguardados pelo Artigo 231, §6o, da Constituição, que prevê que o relevante interesse da União deverá ser disposto por Lei Complementar e não por Lei Ordinária como é o caso da Lei 14.701/2023.

O questionamento da soberania dos Povos Indígenas em seus territórios é uma dos vetores do aumento dos conflitos fundiários no Brasil. O Relatório sobre Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil em 2022 demonstrou que, entre 2019 e 2022, foram registrados 795 assassinatos de indígenas durante o governo de Jair Bolsonaro, representando um aumento de 54% em comparação aos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer e, a maior parte destes crimes, tem relação direta com conflitos territoriais. A Apib considera que esse significativo aumento de violência tem relação direta com os discursos promovidos pelo então Presidente Bolsonaro contrários aos direitos territoriais indígenas, somado ao total desmantelamento da política indigenista nesse período.

Da mesma forma, o desmatamento e a destruição da biodiversidade nas Terras Indígenas representam uma ameaça internacional para o equilíbrio climático global. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em Terras Indígenas. Além disso, os territórios indígenas concentram 80 % da biodiversidade do planeta, mas estão ameaçados pelo avanço do agronegócio e das  indústrias extrativistas, de desenvolvimento e turismo, tal e como alerta o relatório da ONU Estado dos Povos Indígenas no Mundo, publicado em 2021.

Portanto, a Apib alerta que os impactos da Lei 14.701/2023 e da potencial derrubada dos vetos presidenciais ao PL 2903 trarão impactos não apenas para os Povos Indígenas, mas também consequências globais para o equilíbrio climático: não há como construir políticas nacionais e acordos internacionais consistentes contra as mudanças climáticas sem garantir o pleno usufruto dos Povos Indígenas aos seus territórios. Por isso, nossa luta continua.