Brasília, 22 de fevereiro de 2022 – Apesar dos anúncios recentes de grandes mineradoras de que abandonariam seus interesses em territórios indígenas, milhares de requerimentos minerários com interferências nessas áreas seguem ativos na base de dados da Agência Nacional de Mineração (ANM). A abertura de terras indígenas para a mineração e o garimpo está no centro da agenda do governo Bolsonaro.
Com o avanço no Congresso dos projetos de lei como o PL 191/2020 e o PL 490/2007, esses requerimentos podem garantir às mineradoras prioridade na exploração desses territórios. É o que revela o novo relatório Cumplicidade na Destruição IV – Como mineradoras e investidores internacionais contribuem para a violação dos direitos indígenas e ameaçam o futuro da Amazônia, lançado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a organização Amazon Watch.
As duas organizações mapeiam os interesses das grandes mineradoras em terras indígenas desde 2020 e garantem que, mesmo após os declarações públicas de gigantes como a Vale e a Anglo American de que abriram mão dos seus pedidos para pesquisa e exploração mineral nesses territórios, muitos dos seus requerimentos seguem ativos no sistema da ANM – em alguns casos, até aumentaram. Além disso, alguns requerimentos foram redesenhados para que as áreas de exploração fiquem contíguas às terras indígenas, ainda causando enormes impactos. Enquanto isso, as principais instituições financeiras globais estão capacitando o destrutivo setor de mineração da Amazônia com bilhões de dólares em investimentos, empréstimos e subscrição.
O documento foca nos interesses minerários em terras indígenas de nove mineradoras: Vale, Anglo American, Belo Sun, Potássio do Brasil, Mineração Taboca e Mamoré Mineração e Metalurgia (ambas do Grupo Minsur), Glencore, AngloGold Ashanti e Rio Tinto. Juntas, elas possuíam em novembro de 2021 um total 225 requerimentos minerários ativos com sobreposição em 34 Terras Indígenas – uma área que corresponde a 5,7 mil quilômetros quadrados – oumais de três vezes a cidade de Brasília ou de Londres.
“Enquanto os Povos Indígenas lutam para garantir o direito à vida, tanto em nossos territórios quanto em todo o planeta, o governo brasileiro e as empresas da mineração tentam avançar um projeto de morte. Não é possível seguirmos convivendo com atividades que obrigam os povos indígenas a chorar o assassinato cotidiano de seus parentes, ou a testemunhar a destruição de biomas dos quais são os guardiões para avançar um projeto que não gera desenvolvimento real, e sim destruição e lucros nas mãos de poucos”, afirma Sonia Guajajara, da coordenação executiva da Apib.
As terras indígenas mais afetadas por esses pedidos são a TI Xikrin do Cateté (PA) e a TI Waimiri Atroari (AM), ambas com 34 requerimentos cada, seguidas pela TI Sawré Muybu (PA), com 21. A etnia mais impactada por estes pedidos de mineração é a Kayapó (PA), com 73 requerimentos. O Pará é o estado com a maior concentração de pedidos, que duplicaram entre julho e novembro de 2021. Os dados foram obtidos a partir de uma parceria com o projeto Amazônia Minada, do portal InfoAmazonia, que resultou em um painel interativo – lançado junto com o relatório – que permite pesquisa em tempo real na base de dados da ANM.
“É preciso um entendimento geral de que essas áreas não estão disponíveis para exploração mineral, e nem devem estar, tanto pelo respeito ao direito constitucional de autodeterminação dos povos indígenas sobre os seus territórios quanto pela sua importância para combater as mudanças climáticas e garantir a vida no planeta. O mesmo vale para territórios tradicionais e outras áreas de preservação. Esse entendimento deve vir do Estado, mas também das empresas (que têm totais condições de saber quais áreas estão pleiteando para sequer protocolar esses requerimentos), e das corporações financeiras que as financiam”, complementa Dinaman Tuxá, da coordenação executiva da Apib.
Cumplicidade na Destruição IV detalha ainda, em estudos de caso, os impactos e as violações de direitos protagonizados por cinco dessas mineradoras – Vale, Anglo American, Belo Sun, Potássio do Brasil e Mineração Taboca. Com apoio do Observatório da Mineração, foram resgatadas as trajetórias desses conflitos e seus desdobramentos atuais, que vão desde a invasão de territórios tradicionais à contaminação por metais pesados e o desrespeito ao direito de consulta e consentimento livres, prévios e informados. O relatório mostra, com testemunhos das comunidades afetadas que desafiam as declarações oficiais das empresas sobre sua atuação, como a presença e a atuação dessas corporações desfigura para sempre a vida desses povos e comunidades e podem contribuir efetivamente para a destruição dos ecossistemas e para o aprofundamento das mudanças climáticas.
“Os danos da mineração ao meio ambiente e à vida dos povos da floresta são brutais e pioraram muito no governo Bolsonaro. No ano passado, o desmatamento ligado à mineração na Amazônia aumentou 62% em relação a 2018, ano em que ele foi eleito. A aprovação do Projeto de Lei 191/2020 pode causar a perda de 16 milhões de hectares de floresta amazônica, além de colocar em risco a vida de milhares de povos indígenas e tradicionais. Mais do que nunca, precisamos comprometer além do governo brasileiro, as empresas do setor, seus investidores e a comunidade internacional para impedir o aprofundamento da destruição da Amazônia e dos ataques aos direitos dos povos indígenas”, afirma Ana Paula Vargas, diretora de Programas para o Brasil da Amazon Watch.
INSTITUIÇÕES NORTE-AMERICANAS E BRASILEIRAS LIDERAM O FINANCIAMENTO DAS MINERADORAS
Por trás dessas empresas e projetos que colaboram para a destruição da Amazônia e violação de direitos indígenas, há o financiamento de dezenas de instituições financeiras. Nesta edição do Cumplicidade na Destruição, elas identificaram que, nos últimos cinco anos, as empresas destacadas no relatório receberam um total de USD 54,1 bilhões em financiamento do Brasil e do exterior.
Corporações sediadas nos Estados Unidos continuam entre as principais financiadoras cúmplices na destruição, como mostrado nos relatórios anteriores da série. Juntas, as gestoras Capital Group, a BlackRock e a Vanguard investiram USD 14,8 bilhões nas mineradoras com interesses em terras indígenas e histórico de violações de direitos. Destaca-se também a participação de instituições brasileiras no financiamento da grande mineração: o fundo de pensão brasileiro Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil) é o responsável pelos mais altos investimentos nestas mineradoras, com mais de USD 7,4 bilhões, seguido pelo banco Bradesco, com quase USD 4,4 bilhões e a Caixa Econômica Federal, com USD 786 milhões.
A empresa que mais recebeu investimentos e empréstimos nesse período foi a Vale, com USD 35,8 bilhões, mostrando que nem mesmo os sucessivos desastres em Mariana e Brumadinho diminuíram o apetite dos investidores com relação à mineradora. Os dados, obtidos com com apoio da instituição holandesa Profundo Research and Advice, mostram também o grande interesse do Canadá em financiar a mineração no Brasil. O Royal Bank of Canada, maior banco privado do país, injetou USD 512 milhões nas mineradoras, e é o principal investidor institucional do Projeto Volta Grande, de mineração de ouro, da empresa Belo Sun, considerado socialmente e ecologicamente inviável.
“A pandemia de Covid-19, ao invés de frear o ímpeto extrativista, impulsionou o setor mineral a bater recordes de lucros nos últimos dois anos. Esses bancos e fundos de investimentos ainda consideram que investir em mineração é um bom negócio, ignorando o extenso histórico de violações e impactos provocados por esse setor. Embora muitos desses atores já tenham sido listados em edições anteriores desta série, este novo relatório demonstra a urgência com que eles precisam se comprometer com mudanças reais a fim de deter o rastro de destruição da mineração”, afirma Rosana Miranda, assessora de campanhas da Amazon Watch.
No início do mês de fevereiro, o presidente Bolsonaro indicou as prioridades que fazem parte da agenda de morte que ameaça os direitos e vida dos povos indígenas no Brasil. Ao total cerca de 35 Projetos de Leis foram enviados com urgência para a Câmara dos Deputados e Senado Federal.
A lista foi elaborada pela Secretaria de Governo, comandada pelo ministro Luiz Eduardo Ramos, e funciona como uma espécie de sugestão do Executivo para o novo comando do Legislativo.
O governo dividiu os projetos em grupos. Há uma lista de pautas com efeito de urgência, porque já estão em tramitação e só dependem neste momento da aprovação em uma das casas para serem sancionadas.
Dentre as prioridades entenda as principais ameaças aos povos indígenas e o futuro do planeta:
Marco Temporal PL 490/2007
O projeto prevê a restrição das demarcações de terras indígenas com base na tese do marco temporal, abre terras demarcadas para atividades como garimpo, mineração, agronegócio e construção de hidrelétricas e outras grandes obras, e propõe até que a União se aproprie e disponibilize para a reforma agrária terras em que tenha havido “alteração dos traços culturais” da comunidade indígena.
Mineração em Terras Indígenas PL 191/2020
Visa permitir a mineração industrial e artesanal, a geração hidrelétrica, a exploração de petróleo e gás, e a agricultura em larga escala nas Terras Indígenas, removendo o poder de veto dessas comunidades sobre as decisões que impactam suas terras;
Se aprovado, o projeto, que transforma em regra o que a Constituição de 1988 pensou como exceção, levará ao aumento do desmatamento, das invasões de terras indígenas e da violência contra esses povos.
Licenciamento ambiental PL 3729/2004
Enfraquece os requisitos para o licenciamento ambiental, isenta 13 tipos de atividades impactantes do licenciamento e permite o “auto-licenciamento” para uma série de projetos;
Se aprovado poderá resultar na proliferação de tragédias como as ocorridas em Mariana e Brumadinho (MG), no total descontrole de todas as formas de poluição, com graves prejuízos à saúde e à qualidade de vida da sociedade, no colapso hídrico e na destruição da Amazônia e de outros biomas.
O Projeto de Lei retoma os retrocessos do texto original da MP nº 910/2019 e ainda propõe novas alterações que beneficiam médios e grandes posseiros e especuladores de terra pública, incentivando a ocupação de novas áreas de floresta pública, promovendo a grilagem e o desmatamento ilegal.
Porte de Armas PL 3723/2019 e PL 6438/2019
Altera o Estatuto do Desarmamento, o Código Penal, a Lei de Segurança Bancária e a Lei de Segurança Nacional, para disciplinar o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), estabelecer definições, modificar regras do registro, cadastro e porte de armas de fogo. Aumenta penas e modifica a descrição dos crimes. Regula o exercício das atividades de colecionador, atirador esportivo e caçador (CAC).
Em ofício enviado ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República na última sexta-feira (11), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) solicitou medidas urgentes para garantir a proteção de indígenas isolados do Rio Mamoriá, denominados como “isolados do Mamoriá Grande”, que habitam o interior da Reserva Extrativista do Médio Purus, município de Lábrea, no sul do Amazonas.
A Apib apresentou a situação de vulnerabilidade imposta aos indígenas isolados pela ausência e lentidão do Estado brasileiro, especialmente do órgão indigenista oficial, a Fundação Nacional do Índio (Funai), além de exigir medidas imediatas para garantir a proteção desse grupo que está em risco de desaparecimento.
Com existência até então desconhecida, o grupo de indígenas isolados foi identificado por uma expedição da equipe descentralizada da Funai, responsável pelos trabalhos com indígenas isolados e de recente contato. Foram encontrados vestígios materiais que o grupo deixou à mostra e que comprovam a ocupação do território nos últimos anos.
Essa informação foi transmitida em setembro de 2021 para a Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (GIIRC), vinculada à sede da Funai em Brasília, porém, até hoje, cinco meses depois, a entidade não tomou as medidas necessárias à proteção do grupo. Essa omissão se mantém mesmo diante do envio de três documentos à sede da Fundação em Brasília pela Frente de Proteção Etnoambiental, de setembro a dezembro do ano passado, requerendo a instalação de bases de proteção aos isolados recém-confirmados e a restrição de uso do território.
Outra situação reforçada pela Apib é que a cobertura vacinal contra a covid-19 está abaixo de 30% e há incidência de malária, o que já deveria ser suficiente para que atitudes mais enérgicas tivessem sido tomadas. Além disso, a preocupação aumenta devido à proximidade dos isolados, os quais possuem um sistema imunológico vulnerável, com ribeirinhos da Reserva Extrativista Médio Purus, o que exacerba o risco de contágio.
Conforme o indigenista e ex-presidente da Funai, entre 1991 e 1993, Sydney Possuelo, responsável pela criação do Departamento de Índios Isolados, em 1987, “receber uma informação como essa e a Funai não fazer nada é quase um genocídio. É virar as costas a uma situação que se sabe que vai ser terrível se não fizer nada”.
Organizações indígenas e entidades indigenistas, como a Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (FOCIMP), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Isolados e de Recente Contato (OPI) se manifestaram repudiando a inação do órgão indigenista oficial.
Até agora, segundo a FOCIMP, o movimento indígena não teve acesso a qualquer documentação referente ao possível registro, em ata da Sala de Situação Local em Lábrea, sobre a confirmação oficial da presença de povos indígenas isolados na região do rio Mamoriá. No entanto, sabe-se que houve medidas de mobilização, acionamento às equipes de saúde, secretarias municipais de saúde de Lábrea e setores de Vigilância Sanitária, mas não houve nenhuma movimentação da FUNAI de Brasília para adotar medidas protetivas in loco, em tempo de evitar o risco de contaminação. A organização ainda alega ter conhecimento de que há uma crise sanitária nas comunidades da região onde foram localizados os indígenas isolados. Tanto nas comunidades extrativistas quanto nas comunidades indígenas, os níveis de contaminação estão subindo e colocando em elevadíssimo risco os isolados.
Diante disso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reitera as recomendações feitas pelas organizações indígenas de base e entidades indigenistas, exigindo imediata proteção do grupo isolado por meio da implantação de bases de proteção da Funai na região; a criação de um cordão sanitário no entorno do grupo isolado; a elaboração urgente pela Funai, Sesai e representantes indígenas e de suas organizações de um plano de contingência para situações de possível contato e para conter a contaminação do grupo isolado pela Covid-19 e outras enfermidades; a imediata emissão de portaria de Restrição de Uso pelo presidente da Funai para que os técnicos do órgão possam dar continuidade aos estudos para a demarcação da área indígena; a investigação dos atos de prevaricação cometidos pelos servidores públicos da Funai em Brasília-DF que, ao saberem da existência dos índios isolados, não atuaram urgentemente dentro de suas responsabilidades; e, finalmente, a continuidade e ampliação dos estudos técnicos da Funai que visem à demarcação da área, delimitando o território ancestral desse grupo e assegurando o direito originário à terra, conforme prevê a Constituição Federal.
Nesta semana a Articulação dos povos indígenas do Brasil (Apib) enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) memoriais defendendo a autonomia das defensorias públicas. No próximo dia 11 de fevereiro, inicia o julgamento no plenário virtual do STF, da Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 6852, proposta pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, que questiona a constitucionalidade da prerrogativa dos membros da Defensoria Pública de requisitarem “de autoridade pública, ou de seus agentes, exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições”.
A Apib foi admitida como amicus curiae, e somando-se com outras organizações da sociedade civil, defende que esta prerrogativa é indispensável à missão da Defensoria Pública e sua retirada violaria as prerrogativas institucionais do órgão, o que pode se desdobrar em violações a direitos fundamentais dos povos indígenas, como o direito à ampla defesa, uma vez que muitos indígenas e suas comunidades, por serem grupos sociais em situação de vulnerabilidade, são atendidos diretamente pelas defensorias, tanto nas esferas estaduais, quanto na esfera federal.
A Defensoria Pública foi uma das grandes conquistas da Constituição Cidadã de 1988 e é fundamental para uma sociedade justa e democrática. Como órgão público é natural que tenha prerrogativas que outros órgãos têm, como por exemplo, o Ministério Público. Se o órgão que acusa pode requisitar documentos, o órgão que defende também pode. Essa ADI é mais um ataque à sociedade e ao Serviço Público e a parte mais prejudicada, mais uma vez será a população mais vulnerável e desprovida de recursos para poder recorrer aos seus direitos.
Não podemos aceitar mais este ataque aos serviços públicos e à democracia!
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luis Roberto Barroso, decidiu nesta terça-feira (01 de fevereiro) suspender os atos administrativos da Fundação Nacional do Índio (Funai) que exclui Terras Indígenas não homologadas das atividades de proteção do órgão indigenista. A decisão do ministro atende a uma ação feita pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ao STF, no dia 14 de janeiro, contra o órgão indigenista do Governo Federal.
Desde o dia 29 de dezembro de 2021, a Funai excluiu as Terras Indígenas (TIs) não homologadas das atividades de proteção. Cerca de 239 territórios tradicionais ficaram afetados diretamente com a medida, além de 114 povos em isolamento voluntário e de recente contato. Além da ação no STF feita, através da ADPF 709, em trâmite no STF, a Apib também entrou com uma representação no Ministério Público Federal (MPF) contra o ato do Órgão. Outras 15 organizações indígenas também entraram com pedido no MPF por improbidade administrativa contra a Funai.
A medida da Funai foi publicada pelo Coordenador Geral de Monitoramento Territorial, Alcir Teixeira, para orientar as Coordenações Regionais, os Serviços de Gestão Ambiental e Territorial (SEGATs) e as Coordenações Técnicas Locais (CTLs). A decisão foi embasada em um entendimento jurídico da Procuradoria Federal Especializada (PFE), da Funai, que condiciona a execução de atividades de proteção territorial somente após o término do procedimento administrativo demarcatório, ou seja, após a homologação da demarcação por Decreto presidencial e o registro imobiliário em nome da União.
Confira os pontos da decisão do ministro Barroso:
“a suspensão imediata dos efeitos do Ofício Circular Nº 18/2021/CGMT/DPT/FUNAI e o PARECER n. 00013/2021/COAFCONS/PFE-FUNAI/PGF/AGU e (ii) a implementação de atividade de proteção territorial nas terras indígenas pela FUNAI, independentemente de estarem homologadas. Expeçam-se, com a máxima urgência, ofícios para a Advocacia-Geral da União; (ii) a Procuradoria Federal Especializada junto à FUNAI, (iii) a Coordenadoria de Assuntos Finalísticos – COAF PFE FUNAI SEDE; (iv) a Fundação Nacional do Índio – FUNAI, (v) a Coordenação de Monitoramento Territorial da FUNAI; (vi) os Coordenadores Regionais da FUNAI; (vii) os Serviços de Gestão Ambiental e Territorial – SEGATs junto à FUNAI e para (viii) as Coordenações Técnicas Locais – CTLs junto à FUNAI. Registre-se, em tais ofícios, que a recalcitrância no descumprimento da presente decisão implicará a extração de peças e devido encaminhamento aos órgãos do Ministério Público para a apuração de crime de desobediência, nos termos do art. 330 do Código Penal.”
Parentes e parentas, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), avalia estrategicamente e orienta a participação de nossos povos indígenas na seleção do Censo Demográfico 2022, que disponibiliza 200 mil vagas temporárias para recenseador e agente censitário. As vagas estão distribuídas em 5.297 municípios do país e as inscrições vão até sexta-feira (21), às 16h de Brasília. Inscrições no link censo2022.ibge.gov.br
O censo ou recenseamento demográfico é um estudo estatístico referente a uma população que possibilita o recolhimento de várias informações, tais como o número de homens, mulheres, crianças e idosos, onde e como vivem as pessoas. Reforçamos a importância para que nosso povo que vive e conhecem o território possa contribuir com esse levantamento.
Os recenseadores do IBGE atuarão diretamente na coleta das informações em mais de 70 milhões de domicílios. Como o salário do recenseador é por produção, é possível simular a remuneração. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) é a organizadora da seleção, clique aqui para se inscrever.
As provas serão realizadas em todos os municípios onde houver vagas. O candidato poderá fazer a prova em local diferente do que ele selecionar para trabalhar no ato da inscrição. O IBGE reforça que as inscrições para os processos seletivos de 2020 e 2021 não serão válidas para o Censo 2022. O pedido de reembolso dos processos cancelados pode ser feito clicando aqui.
Como as vagas de agente censitário terão inscrição única, ao candidato com melhor classificação será oferecida a vaga de ACM. Os demais terão direito às vagas de ACS, de acordo com a ordem de classificação.
A taxa de inscrição para recenseador é de R$ 57,50, e de R$ 60,50 para agente censitário, e pode ser paga até 16 de fevereiro. Com a prorrogação dos prazos, as provas foram adiadas de 27 de março para 10 de abril. Os candidatos podem concorrer aos dois processos seletivos, já que as provas dos recenseadores serão realizadas no turno da manhã e a dos agentes censitários na parte da tarde. As provas objetivas serão aplicadas presencialmente seguindo os protocolos sanitários de prevenção da Covid 19 que constam em edital. O candidato que descumprir as medidas de proteção será eliminado do processo seletivo.
De acordo com o coordenador de Recursos Humanos do IBGE, Bruno Malheiros, a prorrogação é um processo normal e esperado em processos seletivos deste porte. “Há o acréscimo de ser um processo que foi aberto em um período de festas de final de ano, com a população viajando. Os alunos das universidades são um público que se interessa pelo trabalho de recenseador, e eles estão de férias neste momento. Além disso, muita gente está empregada com contratos temporários que expiram agora no final de dezembro, e vai começar a buscar novas oportunidades”.
Remuneração do recenseador
Na seleção para recenseadores, os candidatos devem escolher, no ato da inscrição, a área em que desejam trabalhar. Essas áreas podem corresponder a um ou mais bairros, ou a comunidades. Por exemplo, para a cidade do Rio de Janeiro há 6.480 vagas em 70 áreas de trabalho, inclusive em comunidades como Complexo da Maré (120 vagas), Vigário Geral (113), Rocinha (65), Complexo do Alemão (60), Cidade de Deus (35), morro do Borel (8) e Vidigal (6). A ideia é que os moradores dessas áreas se inscrevam no processo seletivo para poderem atuar nas imediações de suas residências. Assim, o IBGE contará com recenseadores ambientados a sua região de trabalho.
Como os recenseadores são remunerados por produtividade, o IBGE preparou um simulador online, que calcula quanto o profissional vai receber de acordo com a quantidade de residências visitadas e pessoas recenseadas, considerando ainda a taxa de remuneração de cada setor censitário, o tipo de questionário preenchido (básico ou amostra) e o registro no controle da coleta de dados. A jornada de trabalho recomendável para os recenseadores é de, no mínimo, 25 horas semanais. A previsão é que os aprovados trabalhem por até três meses na coleta domiciliar.
Isenção de taxa para pessoas de baixa renda
Os processos seletivos para o Censo 2022 permitem a solicitação da isenção do pagamento da taxa de inscrição para pessoas inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, o CadÚnico.
Para recenseador, o pedido deverá ser feito até o dia 21 de janeiro. Após o envio dos dados, a solicitação passará por uma análise da organizadora. O resultado preliminar dos pedidos de isenção de taxa será no dia 2 de fevereiro, cabendo recursos nos dias 3 e 4 de fevereiro. No dia 15 de fevereiro, sai o resultado definitivo. Caso o pedido de isenção seja indeferido, o candidato poderá pagar a taxa até o dia 16 de fevereiro.
IBGE preparou apostila para candidatos se prepararem para as provas
Os candidatos a recenseador serão selecionados por uma prova objetiva, de caráter eliminatório e classificatório, com 10 questões de Língua Portuguesa, 10 questões de Matemática, 5 questões sobre Ética no Serviço Público e 25 questões de Conhecimentos Técnicos. A prova será aplicada no dia 10 de abril, na parte da manhã.
“O conteúdo a ser cobrado na prova está detalhado no edital. Disponibilizamos também uma apostila de conhecimentos técnicos, preparada pelo IBGE, para que o candidato obtenha os conhecimentos necessários para responder as questões sobre a operação censitária. A apostila e o Código de Ética do IBGE estão disponíveis no site da FGV”, afirma Bruno Malheiros.
Os candidatos aprovados na primeira etapa receberão um treinamento presencial e à distância, de caráter eliminatório e classificatório, com duração de cinco dias e carga horária de oito horas diárias. Os candidatos que tiverem no mínimo 80% de frequência no treinamento receberão uma ajuda de custo para transporte e alimentação. As contratações ocorrem logo em seguida.
Já os candidatos para as funções de agente censitário farão prova objetiva de caráter eliminatório e classificatório, com 10 questões de Língua Portuguesa, 10 questões de Raciocínio Lógico Quantitativo, 5 questões de Ética no Serviço Público, 15 questões de Noções de Administração / Situações Gerenciais e 20 questões de Conhecimentos Técnicos. A prova será aplicada no dia 10 de abril, na parte da tarde.
A prova para ACM e ACS tem duração de 3 horas e 30 minutos. A de recenseador tem duração de 3 horas. Os gabaritos preliminares serão divulgados no dia seguinte a aplicação das provas, no site da FGV. O resultado final está previsto para 20 de maio de 2022.
Coleta do Censo 2022 será presencial, por telefone ou internet
Ciente do contexto de pandemia, o diretor adjunto de Pesquisas do IBGE, Cimar Azeredo, acrescenta que o Instituto está desenvolvendo protocolos que garantam a segurança do recenseador e do morador durante a coleta das informações. Além dos procedimentos de segurança, como uso de máscara, álcool e distanciamento mínimo, o morador terá a opção de responder ao recenseador presencialmente, por telefone ou ainda preencher o questionário pela internet.
“Essas três formas de coleta serão utilizadas durante a operação do Censo 2022. De qualquer forma, o recenseador terá que ir ao domicílio, seja para realizar a entrevista no local, obter o telefone do morador ou fornecer o link e a chave de acesso ao questionário para que o próprio morador preencha o questionário pela internet. O IBGE vai visitar mais de 70 milhões de domicílios. Estamos trabalhando para que a pesquisa que retrata o país seja realizada com segurança para todos”, garante Cimar.
Censo 2022 vai visitar todos os municípios brasileiros
No ano que vem, cerca de 213 milhões de habitantes, em mais de 70 milhões de domicílios, serão visitados pelos recenseadores nos 5.570 municípios do país. A pesquisa revelará entre outras informações, as características dos domicílios, identificação étnico-racial, nupcialidade, núcleo familiar, fecundidade, religião ou culto, deficiência, migração interna ou internacional, educação, deslocamento para estudo, trabalho e rendimento, deslocamento para trabalho, mortalidade e autismo. Realizado a cada dez anos, o Censo Demográfico é a principal fonte de referência para o conhecimento das condições de vida da população em todos os municípios do país.
Assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lembra que novo ministro do STF nunca demonstrou apreço pelos povos originários; o próprio Bolsonaro adiantou que ele deve seguir a mesma linha de Nunes Marques no julgamento do Marco Temporal
Por Mariana Franco Ramos
Como era de se esperar, líderes indígenas não receberam bem a aprovação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF). Alinhado ao agronegócio e ao presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro da Justiça e da Advocacia-Geral da União (AGU) assumiu o posto nesta quinta-feira (16) sem refutar tudo o que já fez contra os povos originários. E o histórico é longo.
“Ou seja, podemos esperar dele exatamente o que ele é e o que demonstrou ser”, resume o advogado Luiz Henrique Eloy, o Eloy Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). “É mais provável que ele siga atuando como ministro em favor da tese do Marco Temporal e contra os direitos indígenas em geral”, completou.
O que se discute na ação é se, para o reconhecimento de uma área como território indígena, é necessária a comprovação de que os indígenas ocupavam o local no momento da promulgação da Constituição de 1988. “Ele nunca demonstrou preocupação ou apreço por esse tema, pelos povos indígenas, e em suas atuações sequer rebateu com consistência os argumentos apresentados”, comentou Terena.
MINISTRO TEVE APOIO MACIÇO DA BANCADA RURALISTA
Após a sabatina no dia 1º, Mendonça recebeu 47 votos favoráveis e 32 contrários dos senadores. Apesar de a votação ser fechada, é possível afirmar, pelos posicionamentos públicos, que a maioria dos parlamentares favoráveis a ele integra a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), braço institucional da bancada ruralista, ou é alinhado a ela, como mostrou reportagem do observatório: “Inimigo dos indígenas e alinhado ao agronegócio: quem é o novo ministro do STF“.
Em outubro, Bolsonaro adiantou, durante café da manhã com membros da FPA, que o novo ministro deve atuar de forma coordenada com Nunes Marques, outro indicado por ele e que foi favorável à tese, em oposição ao relator do caso, Edson Fachin. “Essas pautas ele (Nunes Marques) está conosco, tanto é que ele empatou o jogo com o Fachin, 1 a 1, no Marco Temporal”, disse. “O André Mendonça, uma vez aprovado pelo Senado, vai na mesma linha”.
Bolsonaro quer ainda no STF pelo menos mais dois ministros alinhados aos interesses da bancada ruralista.
NA AGU, ATUAÇÃO ENFRAQUECEU MINORIA JÁ VILIPENDIADA HÁ ANOS
No ano passado, a série Esplanada da Morte, sobre a necropolítica de Bolsonaro e sua implicação no genocídio em curso, lembrou que o novo membro do Supremo foi responsável por tocar uma política de omissão em relação aos direitos indígenas e de inoperância quando o assunto é a pandemia de Covid-19. O descaso passa pela falta de compromisso com a proteção dos territórios.
O caso levou a Apib e seis partidos políticos (PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT) a entrarem com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 709) no STF. O documento denunciava a omissão e as falhas da União e demandava a elaboração de um plano emergencial para o controle da pandemia nas terras indígenas. “Lamentavelmente, o Estado brasileiro vem falhando gravemente no seu dever de proteger a saúde dos povos indígenas diante da Covid-19, gerando o risco de extermínio de muitos grupos étnicos”, dizia a ação.
O pedido liminar foi parcialmente aceito pelo relator, Luís Roberto Barroso, que obrigou o governo federal a apresentar uma série de medidas para enfrentar a situação. “Lembremos que a AGU vem tendo papel fundamental na ADPF 709”, destaca o advogado. “E, como de praxe, para enfraquecer a mesma minoria que vem sendo vilipendiada há anos. “André Mendonça na questão indígena tem um passado de atuação forte contra os indígenas, contra a Constituição de 1988”.
Na opinião de Eloy Terena, surpresa vai ser se Mendonça se der por suspeito ou mudar suas antigas posições “de servidão” ao governo:
— Na sabatina, ele disse que terá o gabinete aberto aos senadores. Terá também o gabinete aberto aos indígenas? Mas não só para recepções em que ele pose para fotos. Audiências em que leve a sério os argumentos que vêm sendo apresentados pelos indígenas no STF. Porque como AGU ele não foi apenas surdo aos argumentos, ele atuou contra. Será diferente na posição de ministro?
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), entrou nesta sexta (14), com uma petição na ADPF 709 em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai). Desde o dia 29 de dezembro de 2021, o órgão responsável pela política indigenista do Governo Federal excluiu as Terras Indígenas (TIs) não homologadas das atividades de proteção. Cerca de 239 territórios tradicionais estão afetados diretamente com a medida e 114 povos em isolamento voluntário e de recente contato. Além da petição na ADPF 709, a Apib entrou com uma representação no Ministério Público Federal (MPF). Outras 15 organizações indígenas também entraram com pedido no MPF por improbidade administrativa contra a Funai.
A medida da Funai foi publicada pelo Coordenador Geral de Monitoramento Territorial, Alcir Teixeira, para orientar as Coordenações Regionais, os Serviços de Gestão Ambiental e Territorial (SEGATs) e as Coordenações Técnicas Locais (CTLs). A decisão foi embasada em um entendimento jurídico da Procuradoria Federal Especializada (PFE), da Funai, que condiciona a execução de atividades de proteção territorial somente após o término do procedimento administrativo demarcatório, ou seja, após a homologação da demarcação por Decreto presidencial e o registro imobiliário em nome da União.
“Com este ato inconstitucional, o Governo Bolsonaro e sua corte chancela e expõe de vez os povos indígenas a todo tipo de violência cometida pelas diversas organizações criminosas que continuam a invadir os territórios indígenas: grileiros, madeireiros, pecuaristas, garimpeiros, mineradoras, arrendatários, enfim, empresas e corporações que visam explorar economicamente os territórios indígenas”, alerta a Apib em nota de repúdio sobre a medida.
De acordo com a Apib, o governo Bolsonaro afronta de forma contínua a Constituição Federal para atacar os direitos dos povos indígenas. Para reverter a nova medida publicada pela Fundação, a entidade pede que o STF suspenda os efeitos da determinação publicada pela Funai. A entidade também pede ao MPF que seja aberto um inquérito civil contra Alcir Teixeira, coordenador da Funai responsável pela publicação da ordem, para que possíveis crimes administrativos cometidos contra os direitos dos povos indígenas sejam investigados e punidos.
Na petição, a assessoria jurídica da APIB aponta “ que o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro, responsável pela implementação da política indigenista (política pública para povos indígenas), e que tem por missão precípua, a defesa dos direitos e interesses dos povos indígenas e suas terras, está adotando uma postura da defesa mínima, exatamente no momento político em que as terras indígenas estão sob o alvo de interesses políticos e econômicos que recaem sobre tais territórios. É público e notório os altos índices de desmatamento, invasões e grilagem nas terras indígenas, já exaustivamente denunciados nos presentes autos, assim como no cenário internacional, tanto na ONU quanto no Sistema Interamericano de Direitos Humanos e, mais recentemente, junto ao Tribunal Penal Internacional (TPI)” .
A determinação da Funai significa o abandono de um terço das TIs existentes no Brasil e impactam justamente as mais vulneráveis juridicamente, que sofrem contínuas invasões e que abrigam 114 povos indígenas em isolamento voluntário e de recente contato.
No dia 17 de dezembro de 2021, foi divulgada a data da sessão de julgamento do STF que deverá decidir sobre a aplicação da tese do marco temporal, como ficou conhecida, aos processos de demarcação de terras indígenas no Brasil: 23 de junho de 2022.
A tese do marco temporal é uma interpretação defendida por ruralistas e interessados na exploração de terras indígenas que, caso aplicada, restringe severamente o direito das comunidades às terras que tradicionalmente ocupam, previsto no artigo 231 da Constituição.
Eleito com um discurso racista e contrário à demarcação das terras indígenas – Bolsonaro chegou a afirmar em 2017 que não demarcaria “um centímetro a mais de terra indígena”–, o atual Presidente da República já anunciou que vai “tomar uma decisão” caso o STF decida a favor das comunidades indígenas.
Bolsonaro também indicou dois ministros para o Supremo Tribunal Federal: Nunes Marques, que tomou posse em agosto do ano passado, e André Mendonça, que tomou posse no dia 16/12/2021, e já declarou inclusive contar com o suporte do último em julgamentos estratégicos como o do marco temporal.
Mas o que é o marco temporal e por que essa tese viola o direito das comunidades indígenas às suas terras tradicionais? E de onde vem a competência do STF pra proferir esse tipo de decisão?
O julgamento sobre a TI Raposa Serra do Sol e o caso Xokleng vs. Estado de Santa Catarina.
Desde a colonização, foram diversas as formas como o Estado tratou as comunidades indígenas, passando do extermínio direto e escancarado e a escravização até uma política de “assimilação” que sugeria converter o indígena em força de trabalho, esperando que, com isso, abrisse mão de sua identidade, cultura, práticas e costumes ancestrais.
A ditadura militar acirrou essa política integracionista que transformou o indígena em inimigo público e percebia a sua presença como obstáculo ao progresso: para dar um exemplo, só na construção da transamazônica, chamada de “legado” dos militares por Bolsonaro, cerca de 8 mil indígenas foram mortos, cortando terras de 29 etnias, sendo 11 de povos isolados. É desse período a criação da FUNAI – Fundação Nacional do Índio e do Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973).
Com a Constituição de 1988, as comunidades indígenas conquistaram o reconhecimento de seus “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, conforme o texto do art. 231. A constituição não fixou nenhum marco temporal pra que a terra fosse considerada indígena.
Por isso, terra tradicionalmente ocupada é aquela utilizada pela comunidade para realizar suas atividades tradicionais e de subsistência, independente do tempo de ocupação, como está na Convenção nº 169 da OIT, já que esses povos são constantemente expulsos e ameaçados em seus territórios.
Contudo, em 2009, no julgamento do caso da terra indígena Raposa Serra do Sol, o STF entendeu que a terra pertencia à comunidade porque já estava sendo ocupada quando a Constituição foi promulgada, em 05/10/1988, além de fixar inúmeras condicionantes à demarcação de terra indígena.
Dessa forma, ao fixar um marco temporal que não estava na Constituição, o STF atribuiu um ônus às comunidades indígenas que não foi estabelecido pelo legislador constituinte, nem consta de qualquer lei, o que, ao violar a regra geral de interpretação dos direitos fundamentais prevista no art. 5º, inciso II, da Constituição de 1988, acaba transferindo para as populações indígenas a conta histórica do genocídio e das remoções forçadas.
Mesmo que a decisão proferida pelo STF no caso Raposa Serra do Sol não tenha efeito vinculante e o próprio STF tenha reconhecido em 2013 que esse marco só se aplicava àquela decisão, a Advocacia-geral da União – AGU vem defendendo a aplicação irrestrita das condicionantes utilizadas naquele caso, de modo que só fosse considerada terra indígena aquela que estava sendo ocupada em 05/10/1988, entendimento que vem sendo utilizado em ações de reintegração de posse e expulsões, como é o caso do processo do Estado de Santa Catarina contra o povo indígena Xokleng.
Essa é a tese que está em discussão no STF.
A discussão sobre a constitucionalidade do chamado “microssistema de precedentes judiciais obrigatórios”
O STF atribuiu repercussão geral ao RE 1.017.365 – processo Xokleng vs. Estado de Santa Catarina. Isso quer dizer que a decisão tomada pode constituir precedente obrigatório em todos os processos que envolvam direito dos povos indígenas a seus territórios ancestrais.
É importante chamar a atenção para a diferença entre a decisão vinculante do STF e o precedente judicial obrigatório: a Constituição de 1988 atribuiu ao STF a competência para tomar decisões dotadas de eficácia vinculante, ou seja, que devem ser observadas por todo o judiciário e administração pública: são apenas as chamadas súmulas vinculantes e as decisões tomadas em controle concentrado de constitucionalidade (artigos 102, § 2º, e 103-A da Constituição).
Contudo, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe a possibilidade de que o STF e demais Tribunais tomassem decisões que tivessem o caráter de “precedente judicial obrigatório”, adotando uma tese que, mesmo não se enquadrando nas hipóteses trazidas inicialmente na Constituição, deveria ser aplicada a todos os processos semelhantes.
Essa possibilidade tem sido objeto de críticas e questionamentos quanto à sua constitucionalidade, de um lado, porque atribui ao judiciário a possibilidade de editar preceitos gerais e abstratos fora das hipóteses autorizadas pela Constituição; de outro, porque, atribuindo a essas decisões uma autoridade que não resulta do texto constitucional, também limita o direito à ampla defesa e ao contraditório das partes que não integraram o processo em que o precedente foi formado.
Isso quer dizer que mesmo as teses fixadas pelo STF em julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral podem e devem ter sua aplicação questionada em cada caso, inclusive por meio de controle concreto de constitucionalidade, quando sua utilização resultar em violação a direitos constitucionais das comunidades indígenas.
O marco temporal contribui para a insegurança territorial das comunidades indígenas e representa um retrocesso jurídico e social
Mesmo sem ter sido finalizado o julgamento, o Ministério Público Federal estima que 27 processos de demarcação de terras indígenas já estão parados por conta do parecer da Advocacia-geral da União.
Essa situação de insegurança jurídica leva ao acirramento dos conflitos nas terras indígenas, das ameaças e violações de direitos humanos e de práticas de exploração ilegal em seus territórios, sem controle ou fiscalização do Estado, resultando em tragédias como a das duas crianças Yanomami que foram mortas sugadas por dragas de garimpo ilegal na comunidade Makuxi Yano, em outubro do ano passado.
Outro caso emblemático é o da TI Dzorobabé, da etnia Tuxá, na região de Rodelas-BA. Nos anos 80, a comunidade viu suas casas e parte de suas terras inundadas com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaparica (atual UHE Luiz Gonzaga), sob a condução da Cia. Hidrelétrica do São Francisco – CHESF e com financiamento do Banco Mundial, que resultou no alagamento de 07 municípios e no reassentamento de cerca de 10,5 mil famílias.
Até hoje, as famílias Tuxá não foram indenizadas pelos danos decorrentes do reassentamento forçado, e são vítimas de processo de reintegração de posse sobre sua terra ancestral Dzorobabé, que está suspenso aguardando a decisão do STF sobre o marco temporal, muito embora a Justiça Federal já tenha condenado a União e a FUNAI a iniciarem o processo de demarcação.
Na contramão, Bolsonaro enviou ao Congresso, no início de 2020, o PL 191/2020, que espera facilitar a exploração de terras indígenas. O governo federal também desengavetou a proposta de construir a Usina nuclear de Itacuruba, um megaprojeto de instalação de 06 reatores nucleares às margens do Rio São Francisco, com impactos diretos sobre inúmeros povos indígenas e quilombolas.
A insegurança territorial também foi um dos fatores que dificultou o estabelecimento de barreiras sanitárias nas comunidades indígenas em meio à pandemia de coronavírus: atualizado até 24/12/2021, o Boletim epidemiológico da SESAI registrou 56.612 casos confirmados de COVID-19, com 847 óbitos.
O marco temporal transfere para as populações indígenas a conta histórica do Estado brasileiro pelo genocídio e pelas remoções forçadas
Embora o Governo Bolsonaro tenha representado o acirramento do desmonte institucional dos mecanismos de efetividade dos direitos indígenas, resultando no aumento das ameaças e violações de direitos humanos, a verdade é que, desde a Constituição de 1988, o Estado não cumpriu o dever de fazer a demarcação das terras indígenas.
Para ilustrar, no Governo Dilma Rousseff (PT – 2011-2016), com um programa marcadamente desenvolvimentista, apenas 21 TI foram homologadas, contra 79 no Governo Lula (PT – 2003-2010) e 145 no Governo FHC (PSDB – 1995-2002), ao passo que, após o golpe de 2016, apenas 1 TI foi demarcada, enquanto 536 territórios permanecem sem qualquer providência estatal para sua regularização.
A ratificação da tese do marco temporal pelo STF representaria um profundo golpe contra a autodeterminação e afirmação dos povos originários, confirmando a conivência e protagonismo do Estado com o massacre e criminalização dos povos indígenas do Brasil, concretizados na negligência com o dever constitucional de demarcar, proteger e respeitar os direitos dessas populações a permanecerem nas terras que tradicionalmente ocupam.
Essa conivência apenas denuncia as condições estruturais de formação do Estado brasileiro: sem a participação democrática dos povos originários e contra a sua presença. Revela também a cumplicidade dos partidários de um programa de desenvolvimento amparado na expansão da fronteira agrícola e na exploração de terras ancestrais, contra o poder de decisão e autodeterminação das comunidades tradicionais.
Ayrumã Flechiá Tuxá, indígena do povo Tuxá, estudante de direito na UFBa, membro do Serviço de Apoio Jurídico da UFBA (SAJU/UFBA) e do Instituto Mahin Gama;
Douglas Mota, advogado, membro do Instituto Mahin Gama.
“Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes.” Art. 14, 1, da Convenção nº 169 da OIT, consolidada no Dec. nº 10.088/2019 (disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D10088.htm#art5).
O art. 5º, inciso II, da Constituição, dispõe que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, de modo que o texto constitucional veda ao judiciário interpretações que imponham a particulares obrigações que não foram fixadas em Lei.
Com o apoio e participação da comunidade Pau Brasil, na Bahia, lideranças do povo Pataxó Hã-hã-hãe ocuparam nessa segunda-feira (10) um antigo prédio da Comissão Executiva Plano Lavoura Cacaueira (CEPLAC). A ocupação reivindica uma luta incansável dos povos indígenas pela destinação do prédio para o polo base da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).
Segundo o representante da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), Fábio Titiah – no prédio há 5 anos funciona o polo base de saúde indígena, que se estrutura em apenas 4 salas inferiores, as quais são insuficientes, o que dificulta a permanência.
“O ideal é que todo o prédio seja disponibilizado ao polo, o que possibilitaria uma melhora na logística, o que refletirá numa melhor e mais adequada atuação para os trabalhadores da saúde indígena.”
Os serviços oferecidos no polo têm sofrido prejuízos de forma constante, como com as fortes chuvas na região, que ocasionaram perdas de documentos, equipamentos e remédios, precarizando a situação da equipe de saúde.
Com o avanço das chuvas na região, o prédio que sedia o polo foi alagado, com o nível da água chegando a 80 cm. As lideranças afirmam que essa situação é inaceitável, motivo pelo qual não é possível esperar pela boa vontade do poder público. O próprio município já possui um terreno para construir um novo polo, de modo que já se passaram mais de 6 anos sem planos de início das obras.
Por isso, a comunidade e as lideranças indígenas ocuparam o prédio e a proposta é seguir em resistência até que o governo federal possa liberar o espaço para o município de Pau Brasil, que atende ao povo indígena Pataxó Hãhãhãe. Há pouco as lideranças decidiram pelo fechamento das 4 salas inferiores e só abrirão quando todo o prédio for declarado para saúde indígena.
Atualmente o prédio é usado também pela secretaria de agricultura do município, pelo que as lideranças, ao chegarem, pediram para um dos funcionários do órgão desocupar o prédio, já que o patrimônio pertence ao governo federal. As lideranças seguem mobilizadas pedindo que a saúde indígena e o povo sejam respeitados e atendidos.