19/jan/2022
Foto: Alass Derivas
Assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lembra que novo ministro do STF nunca demonstrou apreço pelos povos originários; o próprio Bolsonaro adiantou que ele deve seguir a mesma linha de Nunes Marques no julgamento do Marco Temporal
Por Mariana Franco Ramos
Como era de se esperar, líderes indígenas não receberam bem a aprovação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF). Alinhado ao agronegócio e ao presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro da Justiça e da Advocacia-Geral da União (AGU) assumiu o posto nesta quinta-feira (16) sem refutar tudo o que já fez contra os povos originários. E o histórico é longo.
“Ou seja, podemos esperar dele exatamente o que ele é e o que demonstrou ser”, resume o advogado Luiz Henrique Eloy, o Eloy Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). “É mais provável que ele siga atuando como ministro em favor da tese do Marco Temporal e contra os direitos indígenas em geral”, completou.
O que se discute na ação é se, para o reconhecimento de uma área como território indígena, é necessária a comprovação de que os indígenas ocupavam o local no momento da promulgação da Constituição de 1988. “Ele nunca demonstrou preocupação ou apreço por esse tema, pelos povos indígenas, e em suas atuações sequer rebateu com consistência os argumentos apresentados”, comentou Terena.
MINISTRO TEVE APOIO MACIÇO DA BANCADA RURALISTA
Após a sabatina no dia 1º, Mendonça recebeu 47 votos favoráveis e 32 contrários dos senadores. Apesar de a votação ser fechada, é possível afirmar, pelos posicionamentos públicos, que a maioria dos parlamentares favoráveis a ele integra a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), braço institucional da bancada ruralista, ou é alinhado a ela, como mostrou reportagem do observatório: “Inimigo dos indígenas e alinhado ao agronegócio: quem é o novo ministro do STF“.
Em outubro, Bolsonaro adiantou, durante café da manhã com membros da FPA, que o novo ministro deve atuar de forma coordenada com Nunes Marques, outro indicado por ele e que foi favorável à tese, em oposição ao relator do caso, Edson Fachin. “Essas pautas ele (Nunes Marques) está conosco, tanto é que ele empatou o jogo com o Fachin, 1 a 1, no Marco Temporal”, disse. “O André Mendonça, uma vez aprovado pelo Senado, vai na mesma linha”.
Bolsonaro quer ainda no STF pelo menos mais dois ministros alinhados aos interesses da bancada ruralista.
NA AGU, ATUAÇÃO ENFRAQUECEU MINORIA JÁ VILIPENDIADA HÁ ANOS
No ano passado, a série Esplanada da Morte, sobre a necropolítica de Bolsonaro e sua implicação no genocídio em curso, lembrou que o novo membro do Supremo foi responsável por tocar uma política de omissão em relação aos direitos indígenas e de inoperância quando o assunto é a pandemia de Covid-19. O descaso passa pela falta de compromisso com a proteção dos territórios.
O caso levou a Apib e seis partidos políticos (PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT) a entrarem com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 709) no STF. O documento denunciava a omissão e as falhas da União e demandava a elaboração de um plano emergencial para o controle da pandemia nas terras indígenas. “Lamentavelmente, o Estado brasileiro vem falhando gravemente no seu dever de proteger a saúde dos povos indígenas diante da Covid-19, gerando o risco de extermínio de muitos grupos étnicos”, dizia a ação.
O pedido liminar foi parcialmente aceito pelo relator, Luís Roberto Barroso, que obrigou o governo federal a apresentar uma série de medidas para enfrentar a situação. “Lembremos que a AGU vem tendo papel fundamental na ADPF 709”, destaca o advogado. “E, como de praxe, para enfraquecer a mesma minoria que vem sendo vilipendiada há anos. “André Mendonça na questão indígena tem um passado de atuação forte contra os indígenas, contra a Constituição de 1988”.
Na opinião de Eloy Terena, surpresa vai ser se Mendonça se der por suspeito ou mudar suas antigas posições “de servidão” ao governo:
— Na sabatina, ele disse que terá o gabinete aberto aos senadores. Terá também o gabinete aberto aos indígenas? Mas não só para recepções em que ele pose para fotos. Audiências em que leve a sério os argumentos que vêm sendo apresentados pelos indígenas no STF. Porque como AGU ele não foi apenas surdo aos argumentos, ele atuou contra. Será diferente na posição de ministro?
| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |
18/jan/2022
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), entrou nesta sexta (14), com uma petição na ADPF 709 em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai). Desde o dia 29 de dezembro de 2021, o órgão responsável pela política indigenista do Governo Federal excluiu as Terras Indígenas (TIs) não homologadas das atividades de proteção. Cerca de 239 territórios tradicionais estão afetados diretamente com a medida e 114 povos em isolamento voluntário e de recente contato. Além da petição na ADPF 709, a Apib entrou com uma representação no Ministério Público Federal (MPF). Outras 15 organizações indígenas também entraram com pedido no MPF por improbidade administrativa contra a Funai.
A medida da Funai foi publicada pelo Coordenador Geral de Monitoramento Territorial, Alcir Teixeira, para orientar as Coordenações Regionais, os Serviços de Gestão Ambiental e Territorial (SEGATs) e as Coordenações Técnicas Locais (CTLs). A decisão foi embasada em um entendimento jurídico da Procuradoria Federal Especializada (PFE), da Funai, que condiciona a execução de atividades de proteção territorial somente após o término do procedimento administrativo demarcatório, ou seja, após a homologação da demarcação por Decreto presidencial e o registro imobiliário em nome da União.
“Com este ato inconstitucional, o Governo Bolsonaro e sua corte chancela e expõe de vez os povos indígenas a todo tipo de violência cometida pelas diversas organizações criminosas que continuam a invadir os territórios indígenas: grileiros, madeireiros, pecuaristas, garimpeiros, mineradoras, arrendatários, enfim, empresas e corporações que visam explorar economicamente os territórios indígenas”, alerta a Apib em nota de repúdio sobre a medida.
De acordo com a Apib, o governo Bolsonaro afronta de forma contínua a Constituição Federal para atacar os direitos dos povos indígenas. Para reverter a nova medida publicada pela Fundação, a entidade pede que o STF suspenda os efeitos da determinação publicada pela Funai. A entidade também pede ao MPF que seja aberto um inquérito civil contra Alcir Teixeira, coordenador da Funai responsável pela publicação da ordem, para que possíveis crimes administrativos cometidos contra os direitos dos povos indígenas sejam investigados e punidos.
Na petição, a assessoria jurídica da APIB aponta “ que o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro, responsável pela implementação da política indigenista (política pública para povos indígenas), e que tem por missão precípua, a defesa dos direitos e interesses dos povos indígenas e suas terras, está adotando uma postura da defesa mínima, exatamente no momento político em que as terras indígenas estão sob o alvo de interesses políticos e econômicos que recaem sobre tais territórios. É público e notório os altos índices de desmatamento, invasões e grilagem nas terras indígenas, já exaustivamente denunciados nos presentes autos, assim como no cenário internacional, tanto na ONU quanto no Sistema Interamericano de Direitos Humanos e, mais recentemente, junto ao Tribunal Penal Internacional (TPI)” .
A determinação da Funai significa o abandono de um terço das TIs existentes no Brasil e impactam justamente as mais vulneráveis juridicamente, que sofrem contínuas invasões e que abrigam 114 povos indígenas em isolamento voluntário e de recente contato.
Acesse a petição completa da Apib ao STF aqui
Acesse a representação completa da Apib ao MPF aqui
14/jan/2022
No dia 17 de dezembro de 2021, foi divulgada a data da sessão de julgamento do STF que deverá decidir sobre a aplicação da tese do marco temporal, como ficou conhecida, aos processos de demarcação de terras indígenas no Brasil: 23 de junho de 2022.
A tese do marco temporal é uma interpretação defendida por ruralistas e interessados na exploração de terras indígenas que, caso aplicada, restringe severamente o direito das comunidades às terras que tradicionalmente ocupam, previsto no artigo 231 da Constituição.
Eleito com um discurso racista e contrário à demarcação das terras indígenas – Bolsonaro chegou a afirmar em 2017 que não demarcaria “um centímetro a mais de terra indígena” –, o atual Presidente da República já anunciou que vai “tomar uma decisão” caso o STF decida a favor das comunidades indígenas.
Bolsonaro também indicou dois ministros para o Supremo Tribunal Federal: Nunes Marques, que tomou posse em agosto do ano passado, e André Mendonça, que tomou posse no dia 16/12/2021, e já declarou inclusive contar com o suporte do último em julgamentos estratégicos como o do marco temporal.
Mas o que é o marco temporal e por que essa tese viola o direito das comunidades indígenas às suas terras tradicionais? E de onde vem a competência do STF pra proferir esse tipo de decisão?
O julgamento sobre a TI Raposa Serra do Sol e o caso Xokleng vs. Estado de Santa Catarina.
Desde a colonização, foram diversas as formas como o Estado tratou as comunidades indígenas, passando do extermínio direto e escancarado e a escravização até uma política de “assimilação” que sugeria converter o indígena em força de trabalho, esperando que, com isso, abrisse mão de sua identidade, cultura, práticas e costumes ancestrais.
A ditadura militar acirrou essa política integracionista que transformou o indígena em inimigo público e percebia a sua presença como obstáculo ao progresso: para dar um exemplo, só na construção da transamazônica, chamada de “legado” dos militares por Bolsonaro, cerca de 8 mil indígenas foram mortos, cortando terras de 29 etnias, sendo 11 de povos isolados. É desse período a criação da FUNAI – Fundação Nacional do Índio e do Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973).
Com a Constituição de 1988, as comunidades indígenas conquistaram o reconhecimento de seus “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, conforme o texto do art. 231. A constituição não fixou nenhum marco temporal pra que a terra fosse considerada indígena.
Por isso, terra tradicionalmente ocupada é aquela utilizada pela comunidade para realizar suas atividades tradicionais e de subsistência, independente do tempo de ocupação, como está na Convenção nº 169 da OIT, já que esses povos são constantemente expulsos e ameaçados em seus territórios.
Contudo, em 2009, no julgamento do caso da terra indígena Raposa Serra do Sol, o STF entendeu que a terra pertencia à comunidade porque já estava sendo ocupada quando a Constituição foi promulgada, em 05/10/1988, além de fixar inúmeras condicionantes à demarcação de terra indígena.
Dessa forma, ao fixar um marco temporal que não estava na Constituição, o STF atribuiu um ônus às comunidades indígenas que não foi estabelecido pelo legislador constituinte, nem consta de qualquer lei, o que, ao violar a regra geral de interpretação dos direitos fundamentais prevista no art. 5º, inciso II, da Constituição de 1988, acaba transferindo para as populações indígenas a conta histórica do genocídio e das remoções forçadas.
Mesmo que a decisão proferida pelo STF no caso Raposa Serra do Sol não tenha efeito vinculante e o próprio STF tenha reconhecido em 2013 que esse marco só se aplicava àquela decisão, a Advocacia-geral da União – AGU vem defendendo a aplicação irrestrita das condicionantes utilizadas naquele caso, de modo que só fosse considerada terra indígena aquela que estava sendo ocupada em 05/10/1988, entendimento que vem sendo utilizado em ações de reintegração de posse e expulsões, como é o caso do processo do Estado de Santa Catarina contra o povo indígena Xokleng.
Essa é a tese que está em discussão no STF.
A discussão sobre a constitucionalidade do chamado “microssistema de precedentes judiciais obrigatórios”
O STF atribuiu repercussão geral ao RE 1.017.365 – processo Xokleng vs. Estado de Santa Catarina. Isso quer dizer que a decisão tomada pode constituir precedente obrigatório em todos os processos que envolvam direito dos povos indígenas a seus territórios ancestrais.
É importante chamar a atenção para a diferença entre a decisão vinculante do STF e o precedente judicial obrigatório: a Constituição de 1988 atribuiu ao STF a competência para tomar decisões dotadas de eficácia vinculante, ou seja, que devem ser observadas por todo o judiciário e administração pública: são apenas as chamadas súmulas vinculantes e as decisões tomadas em controle concentrado de constitucionalidade (artigos 102, § 2º, e 103-A da Constituição).
Contudo, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe a possibilidade de que o STF e demais Tribunais tomassem decisões que tivessem o caráter de “precedente judicial obrigatório”, adotando uma tese que, mesmo não se enquadrando nas hipóteses trazidas inicialmente na Constituição, deveria ser aplicada a todos os processos semelhantes.
Essa possibilidade tem sido objeto de críticas e questionamentos quanto à sua constitucionalidade, de um lado, porque atribui ao judiciário a possibilidade de editar preceitos gerais e abstratos fora das hipóteses autorizadas pela Constituição; de outro, porque, atribuindo a essas decisões uma autoridade que não resulta do texto constitucional, também limita o direito à ampla defesa e ao contraditório das partes que não integraram o processo em que o precedente foi formado.
Isso quer dizer que mesmo as teses fixadas pelo STF em julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral podem e devem ter sua aplicação questionada em cada caso, inclusive por meio de controle concreto de constitucionalidade, quando sua utilização resultar em violação a direitos constitucionais das comunidades indígenas.
O marco temporal contribui para a insegurança territorial das comunidades indígenas e representa um retrocesso jurídico e social
Mesmo sem ter sido finalizado o julgamento, o Ministério Público Federal estima que 27 processos de demarcação de terras indígenas já estão parados por conta do parecer da Advocacia-geral da União.
Essa situação de insegurança jurídica leva ao acirramento dos conflitos nas terras indígenas, das ameaças e violações de direitos humanos e de práticas de exploração ilegal em seus territórios, sem controle ou fiscalização do Estado, resultando em tragédias como a das duas crianças Yanomami que foram mortas sugadas por dragas de garimpo ilegal na comunidade Makuxi Yano, em outubro do ano passado.
Outro caso emblemático é o da TI Dzorobabé, da etnia Tuxá, na região de Rodelas-BA. Nos anos 80, a comunidade viu suas casas e parte de suas terras inundadas com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaparica (atual UHE Luiz Gonzaga), sob a condução da Cia. Hidrelétrica do São Francisco – CHESF e com financiamento do Banco Mundial, que resultou no alagamento de 07 municípios e no reassentamento de cerca de 10,5 mil famílias.
Até hoje, as famílias Tuxá não foram indenizadas pelos danos decorrentes do reassentamento forçado, e são vítimas de processo de reintegração de posse sobre sua terra ancestral Dzorobabé, que está suspenso aguardando a decisão do STF sobre o marco temporal, muito embora a Justiça Federal já tenha condenado a União e a FUNAI a iniciarem o processo de demarcação.
Na contramão, Bolsonaro enviou ao Congresso, no início de 2020, o PL 191/2020, que espera facilitar a exploração de terras indígenas. O governo federal também desengavetou a proposta de construir a Usina nuclear de Itacuruba, um megaprojeto de instalação de 06 reatores nucleares às margens do Rio São Francisco, com impactos diretos sobre inúmeros povos indígenas e quilombolas.
A insegurança territorial também foi um dos fatores que dificultou o estabelecimento de barreiras sanitárias nas comunidades indígenas em meio à pandemia de coronavírus: atualizado até 24/12/2021, o Boletim epidemiológico da SESAI registrou 56.612 casos confirmados de COVID-19, com 847 óbitos.
O marco temporal transfere para as populações indígenas a conta histórica do Estado brasileiro pelo genocídio e pelas remoções forçadas
Embora o Governo Bolsonaro tenha representado o acirramento do desmonte institucional dos mecanismos de efetividade dos direitos indígenas, resultando no aumento das ameaças e violações de direitos humanos, a verdade é que, desde a Constituição de 1988, o Estado não cumpriu o dever de fazer a demarcação das terras indígenas.
Para ilustrar, no Governo Dilma Rousseff (PT – 2011-2016), com um programa marcadamente desenvolvimentista, apenas 21 TI foram homologadas, contra 79 no Governo Lula (PT – 2003-2010) e 145 no Governo FHC (PSDB – 1995-2002), ao passo que, após o golpe de 2016, apenas 1 TI foi demarcada, enquanto 536 territórios permanecem sem qualquer providência estatal para sua regularização.
A ratificação da tese do marco temporal pelo STF representaria um profundo golpe contra a autodeterminação e afirmação dos povos originários, confirmando a conivência e protagonismo do Estado com o massacre e criminalização dos povos indígenas do Brasil, concretizados na negligência com o dever constitucional de demarcar, proteger e respeitar os direitos dessas populações a permanecerem nas terras que tradicionalmente ocupam.
Essa conivência apenas denuncia as condições estruturais de formação do Estado brasileiro: sem a participação democrática dos povos originários e contra a sua presença. Revela também a cumplicidade dos partidários de um programa de desenvolvimento amparado na expansão da fronteira agrícola e na exploração de terras ancestrais, contra o poder de decisão e autodeterminação das comunidades tradicionais.
Ayrumã Flechiá Tuxá, indígena do povo Tuxá, estudante de direito na UFBa, membro do Serviço de Apoio Jurídico da UFBA (SAJU/UFBA) e do Instituto Mahin Gama;
Douglas Mota, advogado, membro do Instituto Mahin Gama.
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https://brasil.elpais.com/brasil/2021-08-20/nem-um-centimetro-a-mais-para-os-indigenas-e-para-a-biodiversidade-no-brasil-de-bolsonaro.html.
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/12/4971093-bolsonaro-sobre-novo-marco-temporal-nem-era-para-ser-discutido.html
Cf. Brasil. Comissão Nacional da Verdade. Violação de direitos humanos dos povos indígenas. In. CNV, Relatório da Comissão Nacional da Verdade, v. III. Brasília: CNV, 2014. (Disponível em: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_3_digital.pdf).
“Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes.” Art. 14, 1, da Convenção nº 169 da OIT, consolidada no Dec. nº 10.088/2019 (disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D10088.htm#art5).
Cf. Acórdão (decisão) proferido no julgamento do PET nº 3.388/RR (caso Raposa Serra do Sol), sob relatoria do Min. Carlos Ayres Britto, disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630133.
O art. 5º, inciso II, da Constituição, dispõe que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, de modo que o texto constitucional veda ao judiciário interpretações que imponham a particulares obrigações que não foram fixadas em Lei.
Cf. decisão do STF em julgamento de embargos de declaração na PET nº 3.388/RR (caso Raposa Serra do Sol), disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5214423.
A defesa, pela AGU, da extensão das chamadas “salvaguardas institucionais” adotadas no caso Raposa Serra do Sol (PET nº 3.388 RR) aos demais processos de demarcação de terras indígenas teve início ainda no Governo Dilma Roussef, com a Portaria nº 303/2012, e, após o golpe de 2016, foi ratificada no Parecer nº 0001/2017/GAB/CGU/AGU, disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/19185923/do1-2017-07-20-parecer-n-gmf-05–19185807.
Cf. NERY Jr, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 16ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1983.
Cf. inteiro teor do PL nº 191/2020, disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1855498&filename=PL+191/2020.
Cf. Boletim epidemiológico da SESAI, disponível em: http://www.saudeindigena.net.br/coronavirus/mapaEp.php.
Cf. Relatório CIMI/2020 “Violência contra povos indígenas”, disponível em: https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-povos-indigenas-2020-cimi.pdf.
11/jan/2022
Com o apoio e participação da comunidade Pau Brasil, na Bahia, lideranças do povo Pataxó Hã-hã-hãe ocuparam nessa segunda-feira (10) um antigo prédio da Comissão Executiva Plano Lavoura Cacaueira (CEPLAC). A ocupação reivindica uma luta incansável dos povos indígenas pela destinação do prédio para o polo base da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).
Segundo o representante da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), Fábio Titiah – no prédio há 5 anos funciona o polo base de saúde indígena, que se estrutura em apenas 4 salas inferiores, as quais são insuficientes, o que dificulta a permanência.
“O ideal é que todo o prédio seja disponibilizado ao polo, o que possibilitaria uma melhora na logística, o que refletirá numa melhor e mais adequada atuação para os trabalhadores da saúde indígena.”
Os serviços oferecidos no polo têm sofrido prejuízos de forma constante, como com as fortes chuvas na região, que ocasionaram perdas de documentos, equipamentos e remédios, precarizando a situação da equipe de saúde.
Com o avanço das chuvas na região, o prédio que sedia o polo foi alagado, com o nível da água chegando a 80 cm. As lideranças afirmam que essa situação é inaceitável, motivo pelo qual não é possível esperar pela boa vontade do poder público. O próprio município já possui um terreno para construir um novo polo, de modo que já se passaram mais de 6 anos sem planos de início das obras.
Por isso, a comunidade e as lideranças indígenas ocuparam o prédio e a proposta é seguir em resistência até que o governo federal possa liberar o espaço para o município de Pau Brasil, que atende ao povo indígena Pataxó Hãhãhãe. Há pouco as lideranças decidiram pelo fechamento das 4 salas inferiores e só abrirão quando todo o prédio for declarado para saúde indígena.
Atualmente o prédio é usado também pela secretaria de agricultura do município, pelo que as lideranças, ao chegarem, pediram para um dos funcionários do órgão desocupar o prédio, já que o patrimônio pertence ao governo federal. As lideranças seguem mobilizadas pedindo que a saúde indígena e o povo sejam respeitados e atendidos.
11/jan/2022
Foto: Cícero Bezerra
A luta da APIB junto ao Supremo Tribunal Federal, com a ADPF 709, garantiu a inclusão dos povos indígenas como grupo prioritário na vacinação contra Covid-19.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), juntamente com suas organizações regionais de base, manifesta apoio à decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de iniciar a imunização contra Covid-19 de crianças de 5 a 11 anos. Nesse sentido, exigimos a inclusão de todas as nossas crianças indígenas, as que vivem dentro e fora de territórios homologados, na campanha de vacinação e a continuidade da vacinação dos adolescentes de 12 a 18 anos.
A luta da Apib junto ao Supremo Tribunal Federal, com a ADPF 709, garantiu a inclusão dos povos indígenas como grupo prioritário na vacinação contra Covid-19, incluindo os povos que vivem no Brasil como povo Warao, que é refugiado da Venezuela. Nesse sentido, queremos a garantia de que a totalidade de nossas crianças sejam incluídas de forma prioritária no programa de vacinação.
Manifestamos também nosso repúdio aos constantes ataques feitos pelo Governo Bolsonaro contra a decisão da Anvisa, o órgão da administração federal responsável pela verificação das condições da qualidade, segurança e eficácia de uma vacina. A decisão da Anvisa foi realizada no dia 17 de dezembro de 2021 e está baseada em dados epidemiológicos nacionais e internacionais sobre o impacto da COVID-19 nas diferentes faixas etárias, considerando o risco de infecção, transmissão, e agravamento (hospitalização e morte) e dados dos estudos sobre a eficiência e segurança da vacinação de crianças.
A pandemia ainda não acabou e é preciso seguir com os cuidados para evitar o aumento de casos e de mortes pela Covid-19. Além da vacina, reforçamos o uso de máscara, álcool 70% e prezar pelo distanciamento social.
27/dez/2021
Reunidos em assembleia entre os dias dias 18 e 20 de dezembro, na aldeia Sawre Jaybu, o povo Munduruku do Baixo Tapajós reafirma luta incansável contra as violências e explorações e segue com pautas importantes contra o governo brasileiro e cobra pelo cumprimento de ações pertinentes afirmadas em carta final da assembleia.
Carta da 17° Assembleia Geral Munduruku do Médio Tapajós:
Nós, Munduruku do Médio e Alto Tapajós, junto com representantes da Federação dos Povos Indígenas do Pará, parentes Kayapó e Kumaruara, estivemos reunidos na 17ª Assembleia Geral Munduruku do Médio Tapajós entre os dias 18 e 20 de dezembro de 2021. Discutimos a demarcação de nossas terras e a proteção do nosso território, incluindo lugares sagrados que estão fora das terras demarcadas.
Já explicamos em diversas cartas que toda a Bacia do rio Tapajós tem marcas de nossos antepassados e está cheia de lugares importantes para nossa existência como povo Munduruku. Mesmo assim, não paramos de ser surpreendidos pelo Governo e pelas empresas que querem destruir nosso território e a vida do povo Munduruku. No início do mês de novembro de 2021, recebemos a notícia de que o Governo está estudando como “destravar” a construção de novas hidrelétricas, incluindo São Luiz do Tapajós, falando do potencial energético do rio Tapajós. Foi por causa dessa hidrelétrica que a Funai demorou três anos para assinar o RCID da TI Sawre Muybu.
As demarcações das terras indígenas Munduruku do médio Tapajós continuam ameaçadas por hidrelétricas, hidrovia, ferrovia, portos e projetos de exploração mineral, tanto Sawre Muybu como Sawre Ba’pim. O Governo atual não tem interesse em demarcar nossas terras, muito pelo contrário. Bolsonaro foi eleito com a promessa de que não demarcaria nem um centímetro de Terras Indígenas e colocou na Funai um representante dos ruralistas que está cumprindo bem essa promessa. Apesar de termos sido informados na Funai em Brasília que as contestações à TI Sawre Muybu foram respondidas e o processo estava pronto para seguir para o Ministério da Justiça, recebemos notícia de que a Presidência da Funai fez o processo andar para trás e pediu nova análise. Agora, dá a desculpa de que precisa aguardar o julgamento do marco temporal, mais esse enorme ataque aos nossos direitos territoriais.
Mesmo a TI Kayabi, onde também vivemos, que é homologada, está ameaçada pelo marco temporal. O Governo, com apoio da Funai, está querendo negociar a redução de parte da Terra Indígena localizada no estado do Mato Grosso. Já teve a decisão liminar do Ministro Luíz Fux de suspender o registro em cartório da nossa Terra, usando o argumento do marco temporal. Nem precisamos dizer que os Munduruku ocupam tradicionalmente a região do Teles Pires há séculos, inclusive, há lugares sagrados no rio Teles Pires – como Karobixexe e Dekoka’a – que já foram destruídos por duas barragens hidrelétricas. Não permitiremos mais ataques à nossa vida e ao povo Munduruku.
A demarcação da TI Sawre Ba’pim segue a passos muito lentos. Depois de quase dez anos, recebemos a notícia de que os estudos foram concluídos e de que o Relatório foi enviado para Brasília, mas que o processo parou de novo no departamento de demarcação. O nosso cacique Suberalino Saw, grande liderança que lutou pela demarcação dessa terra, faleceu e não viu a demarcação ser concluída. Quantas lideranças que lutaram por essa Terra vão falecer antes de a Funai concluir essa demarcação? Não vamos esperar mais. Já fizemos a autodemarcação da TI Sawre Muybu e sabemos como agir quando o Estado não cumpre o seu papel.
As Terras Munduruku e Sai Cinza continuam invadidas por garimpos, trazendo destruição de rios e floresta, doenças e muita violência para nosso povo. Não temos nem como contar quantas cartas e denúncias já fizemos sobre isso e não vemos nenhuma solução definitiva.
Exigimos que:
– o processo de demarcação da TI Sawre Muybu seja encaminhado para declaração do Ministro da Justiça
– a Funai publique o resumo do Relatório Circunstanciado da Terra Indígena Sawre Ba’pim.
– o cumprimento das decisões do STF de retirada dos garimpos e a permanência da Força Nacional em Jacareacanga.
– a decisão do Ministro Luíz Fux seja revertida, que a TI Kayabi seja registrada em cartório com urgência e a Funai e a AGU cumpram seu dever constitucional de proteger as Terras Indígenas, não negociáveis e de usufruto exclusivo dos povos indígenas.
23/dez/2021
Sem luz, sem água potável e sem perspectiva de melhora, o povo pataxó que vive no território de Ponta Grande, na região de Porto Seguro (BA), enfrenta, além da pandemia de covid-19 e das consequências da forte chuva que atingiu a região, uma decisão judicial que veta a “implantação de serviços básicos de qualquer natureza”. Na prática, o território não pode fazer melhorias em pontos de energia —já precários— ou obras de saneamento básico. As chuvas atingiram as poucas instalações elétricas, dificultando o uso de eletrodomésticos.
“A queda de energia é frequente, porque a rede daqui é ‘gato’ e somos cem famílias usando a mesma rede”, explica Thyara Pataxó, liderança indígena da aldeia Novos Guerreiros, uma das cinco aldeias pataxós localizadas no território.
As cinco aldeias —Mirapé, Nova Coroa, Txihí Kamaiurá e Ytapororoca, além da Novos Guerreiros— concentram cerca de mil famílias que foram duramente atingidas pelas chuvas no início deste mês. Thyara relata que, em meio ao drama de perderem suas casas, muitos têm sofrido com alergias e coceiras na pele por causa da má qualidade da água disponível para beber. “Usamos a água de poços artesianos construídos por nós”, diz. “Mas, com as chuvas e sem saneamento, ficamos com áreas de esgoto aberto que acabam contaminando os poços. Por falta de opção as famílias continuam bebendo desta água.”
A água retirada dos poços é amarela e apresenta um forte cheiro. Thaya afirma que a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) não considera a água própria para consumo. Procurada pelo UOL, a secretaria não retornou sobre o assunto. Lethicia Reis, assessora jurídica do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), afirma que a proibição também afetou a campanha de vacinação contra o coronavírus nas aldeias. “Não pudemos reforçar a distribuição de água para ter congelador que armazenasse as doses de vacina. Tivemos de colocar [os imunizantes] em outras terras indígenas”, explica ela. Marcelo Bloizi, advogado dos pataxós, observa que, mesmo no grupo prioritário da vacinação, os indígenas tiveram “sufocado o direito à saúde” pelo Poder Judiciário. “A gente sabe o quanto a água foi importante neste período de pandemia, principalmente para a higiene. Como você mantém a água potável numa área sem poder reformar as instalações?”, questiona.
Decisão segue pedido de reintegração de posse
A determinação judicial que proíbe obras para implementar luz e água no território veio do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) e acata um pedido da Goés Cohabita, tradicional construtora baiana que move o processo contra os pataxós desde 2003. A empreiteira tem um longo histórico de processos de reintegração de posse na área, sendo o primeiro deles em 1997. A decisão pegou não só as comunidades de surpresa como também os advogados, que alegam não terem sido informados deste pedido da empresa. “Isso é relativamente comum”, lamenta Lethicia Reis. A assessora jurídica do Cimi disse que é prática corriqueira a Funai (Fundação Nacional do Índio) ser citada em processos em vez de informarem à comunidade. Isso vem de um período anterior à Constituição de 1988.
“Antes, a Funai tinha uma atitude de garantir a permanência dos indígenas ali. Mas a situação ficou mais grave no governo de Jair Bolsonaro, porque o entendimento interno mudou. Agora, usam a tese da mínima defesa, em que só defendem aldeias indígenas já demarcadas.” Lethicia Reis, assessora jurídica do Cimi.
Além da natureza da decisão, surpreendeu também a data em que foi publicada: 13 de novembro de 2020, seis meses após o ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspender qualquer ação de reintegração de posse em terras indígenas durante a pandemia ou antes que seja definida a votação do marco temporal, ainda em julgamento no Supremo. A defesa dos pataxós recorreu ao STF, mas o ministro Nunes Marques manteve a decisão do TRF-1. Em nota enviada ao UOL, o advogado Manoel Almeida Neto, representante jurídico da Goés Cohabita, afirma que o pedido foi feito em 2019, “após reiterados descumprimentos de ordens judiciais”, quando foram instalados pontos de luz por meio de um programa social do governo da Bahia. Almeida Neto argumenta que as instalações são ilegais, já que a área original não pode mais sofrer alterações desde que o processo de reintegração foi determinado. A defesa dos indígenas, por outro lado, disse que a presença deles no local é anterior à chegada da construtora e que, nos autos do processo, o procurador da Bahia conclui que a matrícula em nome da Goés Cohabita é irregular.
O parecer, publicado em 2015, de fato indica irregularidade na matrícula mãe —que foi desmembrada em várias outras no decorrer dos anos. Nos autos, consta que o terreno adquirido pela construtora não foi devidamente demarcado e que não há provas de que a área tenha sido cedida, doada ou vendida pelo estado da Bahia. “Vale observar que, se assim foi perpetrado o dito registro, em verdade fora levado indevidamente a registro no Cartório de Imóveis, mascarando “posses” em terras devolutas do Estado como se propriedades particulares fossem, criando-se, assim, a grande confusão fundiária existente no Estado da Bahia”, diz trecho do texto assinado pelo procurador estadual Odilair Carvalho Júnior.
Disputa pela área inclui outros processos Marcelo Bloizi compara o processo a uma hidra, representada na mitologia grega por uma criatura com várias cabeças de serpente; a cada cabeça que fosse cortada, nasciam outras no mesmo lugar. O desmembramento da matrícula mãe em várias outras originou uma série de medidas judiciais contrárias ao povo pataxó. É como uma hidra. Parece que você enfrenta um e já vêm os outros [processos], que entram com medidas judiciais contra para resguardar um direito de propriedade.” Marcelo Bloizi, advogado dos pataxós Bloizi também menciona uma decisão judicial de 1997 que reconheceu a presença dos indígenas na região antes da chegada da construtora. O processo (1997.33.01.001294-4) diz que “conclui-se ser a posse dos índios anterior à dos autores”. Embora a decisão não tenha sido localizada em sistemas eletrônicos de Justiça, ela é citada no segundo volume do “Tratado de Direito Constitucional”, coleção publicada em 2012 sob coordenação dos juristas Ives Gandra Martins, Gilmar Ferreira Mendes e Carlos Valder do Nascimento.
A Goés Cohabita afirma que em 2004 já contava com o reconhecimento da Justiça de que havia um “risco iminente de invasão de propriedade”. “Mesmo assim, em 2006, os indígenas invadiram a área privada e a Justiça converteu a decisão descumprida em reintegração de posse. Desde então, os indígenas vêm progressivamente ocupando a extensão da área em descumprimento às ordens judiciais e tentando junto do TRF-1 a supressão dos efeitos das decisões, sem sucesso”, diz o texto enviado por Almeida Neto. Bloizi argumenta que a decisão judicial também prejudica os pataxós na Justiça, já que o território ficou com pouca ou nenhuma energia e, diante das inundações provocadas da chuva, soma-se a dificuldade de deslocamento na região. “Até pedi a compreensão do MPF (Ministério Público Federal) para aceitar um recurso sem procuração diante das circunstâncias, porque eles estão sem energia elétrica para poder imprimir os papéis que necessitam de assinaturas e mesmo dificuldade de chegar a algum local onde possam fazer isso”, conclui. O TRF-1 estipulou que, em caso de manutenção da rede elétrica ou “continuidade de obras de distribuição de água na localidade”, a multa diária será de R$ 20 mil.
Matéria originalmente publicada no UOL em 23/12/2021
21/dez/2021
No dia 18 de dezembro, moradores da Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns se reuniram na comunidade de São Pedro, na região do Arapiuns, para fazer a eleição da nova diretoria da Organização das Associações e Moradores da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (Tapajoara). A equipe do Tapajós de Fato foi até a comunidade São Pedro e acompanhou a programação.
Criada em 1998, a área da Reserva é de 677.513,24 hectares, sendo a terceira maior do Brasil, em seu território há 76 comunidades e destas, 42 duas são aldeias, é território de 13500 pessoas, sendo a reserva mais populosa do Brasil, abrangendo áreas dos municípios de Santarém e Aveiro, região do Baixo Tapajós, margem esquerda do rio Tapajós.
O encontro ficou marcado pelas discussões acaloradas no segundo dia, em que a Comissão Eleitoral, escolhida no mês de agosto, conduzia o processo. Uma das pessoas que fazia parte da Comissão Eleitoral era Livaldo Sarmento, morador da Resex, Livaldo fez algumas observações sobre alguns pontos que infligiram o estatuto da Tapajoara e que já eram suficientes para que não ocorresse a votação.
Ao Tapajós de Fato, Livaldo Sarmento explicou o que aconteceu. Inicialmente é preciso saber a diferença entre Assembleia Geral e Reunião do Conselho Comunitário,pois, “segundo o estatuto da Tapajoara, a escolha ou aclamação de nova diretoria deve ser feita em Assembleia Geral. Já o conselho Comunitário, que é formado por três lideranças de cada comunidade ou aldeia, tem poder de deliberar questões administrativas, políticas e financeiras, mas não de empossar uma nova diretoria”- disse Livaldo.
Livaldo explicou também que o atual regimento eleitoral diz que “se houvesse mais de uma chapa, às eleições deveriam ocorrer nas comunidades polo no dia 12 de dezembro e a posse no dia 18 de dezembro”. Em sua fala, ele conta que o edital de convocação falava de “reunião do Conselho Comunitário”, não deveria ter ocorrido eleição, para isso era preciso fazer convocação para Assembleia Geral Ordinária, “a chapa que foi inscrita não poderia ser aclamada na reunião do lá em São Pedro”.
Segundo Livaldo, o que foi decidido na reunião do dia 18 de dezembro foi apenas “o procedimento, a metodologia” pelo qual seria feita a escolha da nova diretoria, que, no caso, o Conselho Comunitário, escolheu que fosse através de aclamação. No entanto, “a chapa não foi aclamada, muito menos empossada, bem como não foi escolhido e nem votado o Conselho Fiscal”.
Livaldo explicou também que em relação à chapa que se colocou para concorrer à diretoria, estava tudo certo, as pessoas que faziam parte da atual diretoria e que compunham parte da nova chapa, se afastaram das atividades internas, cumprindo o prazo previsto de 45 dias.
Livaldo falou também que foi inserido no regimento que “a Tapajoara iria enviar para a Comissão Eleitoral a lista de todos os associados aptos a votar até o dia 12 de novembro”, que seria um mês antes da eleição, se houvesse mais de uma chapa concorrendo. “Mas a direção da Tapajoara não deixou ninguém organizando essa lista”. Uma lista foi entregue à Comissão Eleitoral apenas no dia 27 de novembro e continha apenas o nome de 640 pessoas aptas a votar. Livaldo diz que “tinham muito mais pessoas que estavam aptas a votar” além de ser uma lista incompleta, pois não continha data de nascimento e as identificações dos documentos pessoais” e considera isto mais um descumprimento”.
Entretanto, o artigo 4º do regimento, combinado com o artigo 40, fala que “os associados admitidos a menos de trinta dias antes da data da eleição não poderão votar”, ou seja, quem foi admitido antes, se estivesse com atraso na Tapajoara, poderia quitar as mensalidades e votar na eleição.
Por conta dos diversos momentos de tensão que tiveram, que acabaram comprometendo a reunião, não houve mais nenhum encaminhamento. “A Tapajoara precisa ter uma eleição dentro que estabelece o estatuto e o regimento eleitoral”- disse Livaldo Sarmento.
O morador da Resex disse ainda que o correto era que “ no dia 18 fosse marcada uma Assembleia Geral em que os presentes não seriam representantes, seriam os associados para aclamar a chapa”. Pois a única instância que possui poder soberano é a Assembleia Geral, segundo o estatuto. “Pois reunião do conselho comunitário não tem poder para eleger chapa”
Não houve prestação de contas
Outra questão que também impossibilitaria a eleição é a não prestação de contas da última gestão. Como o período da atual gestão finda no dia 31 de dezembro de 2021, a prestação de contas deveria ter sido feita no dia 18 de dezembro, na Assembleia Geral, entretanto, não foi definido data para uma nova assembleia para fazer a prestação de contas e a partir do dia 01 de janeiro de 2022 a atual diretoria não poderá responder mais pela Tapajoara.
Ataques aos povos indígenas da Resex
Dentre as diversas falas e insultos, várias foram direcionadas aos indígenas que estavam na reunião, algumas falas que se enquadram até mesmo como crime de racismo, direcionada a grupo de indígenas que estavam na reunião.
Os indígenas foram acusados publicamente de atrapalhar a Tapajoara. Procurada pelo tapajós de Fato, Auricélia Arapiun, que é coordenadora do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), que representa 13 povos da região do Baixo Tapajós, contou que esses conflitos não são recentes, eles acontecem “a partir do momento em que CITA e o STTR (Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém), pedem na justiça a suspensão de projetos de manejo madeireiro dentro da Resex, por falta de consulta prévia livre e informada aos povos tradicionais, começa os grandes conflitos”
Auricélia Arapiun disse que o que ocorre é uma intensificação dos conflitos a partir do momento em que o CITA passou a questionar, dentro do Conselho Deliberativo da Resex, vários projetos, “começamos a ser visto com outros olhos… passamos a ser visto pela coordenação da Tapajoara como inimigos do povo, inimigos da Resex”.
Auricélia falou ainda que o momento é muito tenso porque o que se quer é “que as coisas sejam feitas do jeito certo, mas infelizmente foi um momento muito conturbado, momento de muitos conflitos na própria assembleia”. A coordenadora disse que o que os indígenas gostariam é que fosse um processo em que todos pudessem participar, “um processo limpo”.
Auricélia disse que será cobrada a prestação de contas “pois não está tendo a prestação, não está tendo transparência. E sobre os ataques e até mesmo criminalização feita às lideranças indígenas, a coordenadora do CITA falou que todas as medidas cabíveis serão tomadas por meio da assessoria jurídica pois, “que não dá para aceitar as pessoas desrespeitando a população que vive dentro do território da Resex”.
13/dez/2021
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), por meio da organização de base Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), manifesta sua solidariedade ao povo indígena Maxakali, afetado pelas chuvas torrenciais que têm atingido o nordeste de Minas Gerais nos últimos dias, ocasionando enchentes e alagamentos. De acordo com relatos nas redes sociais dos moradores da Aldeia Pradinho, localizada no município de Umburaninha, em Minas Gerais, os povos Maxakali encontram-se, atualmente, ilhados em decorrência da chuva.
O transbordamento dos rios e a interdição de estradas, ainda não reparadas, agravam a situação da comunidade indígena, que já sofre com a falta de alimentos e as dificuldades na realização dos trabalhos do cotidiano.
Além disso, as crianças e os adultos da Aldeia Pradinho também têm enfrentado, conforme noticiado pelo jornal Estado de Minas, um grave surto de gastroenterite, agravando ainda mais a situação de calamidade vivenciada pelos povos Maxakali, que carecem de assistência médica.
As informações obtidas junto à comunidade indígena dão conta de que ainda há muitos pontos a serem reparados nas estradas, especialmente para as aldeias principais. Em relação às aldeias menores, a notícia que se possui é a necessidade de uma nova abertura de estrada que comporte manilhamento nos pontos baixos.
Ilhados, os povos Maxakali não podem ser esquecidos pelas autoridades públicas e políticas nesse cenário de verdadeira calamidade que atinge o nordeste de Minas Gerais. Apesar das chuvas fortes apresentarem um obstáculo momentâneo à atuação do corpo de bombeiros e das autoridades locais, entendemos a urgência na construção de uma agenda local, regional e nacional de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas que impactam, sobretudo, aqueles que desempenham o papel de guarda e proteção da natureza: os próprios indígenas.
Não é novidade que as ações cada vez mais destrutivas dos homens ocasionam a destruição do meio ambiente e das reservas naturais, desencadeando, entre outros eventos catastróficos, chuvas torrenciais que afligem comunidades e trazem dor, sofrimento e angústia aos povos atingidos. É preciso que o Poder Público deixe de ser omisso e atue na construção de uma política conjunta de defesa, preservação e manutenção do meio ambiente.
Enquanto essa agenda política ambiental ainda não se consolida, os povos Maxakali não podem esperar por socorro. E é por isso que todos aqueles que podem colaborar o façam, ajudando os povos Maxakali a adquirirem, principalmente, gêneros alimentícios.
Nesse momento conturbado que tem assolado as comunidades indígenas do nordeste de Minas Gerais, a Apib e Apoime manifestam sua profunda solidariedade e esperam que todos os nossos parentes possam ser amparados pela fraternidade da sociedade, e que o Poder Público assuma a responsabilidade pela realização das medidas emergenciais necessárias.
A todas e todos que puderem colaborar, por favor, ajudem. Os povos Maxakali precisam de apoio!
11/dez/2021
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) manifesta sua solidariedade aos parentes afetados por um ciclone extratropical, que atingiu o sul e o extremo-sul da Bahia nesta quarta-feira (8), ocasionando chuvas torrenciais, enchentes e alagamentos. Diversas aldeias dos povos Pataxó, Pataxó Hã Hã Hãe e Tupinambá estão em estado de calamidade em consequência deste evento climático. Rios estão transbordando, estradas interditadas, e as barragens correm grande risco de desabamento, o que impossibilita aos moradores saírem de casa. E as chuvas seguem cada vez mais fortes.
Por meio do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (MUPOIBA), Movimento Indígena da Bahia (MIBA) e da nossa organização de base, a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), recebemos informações de que, em Porto Seguro, a ponte que dá acesso à aldeia indígena Pataxó Boca da Mata, foi totalmente destruída. Moradores da região estão isolados em casa e as fortes chuvas dificultam o trabalho do corpo de bombeiros e ajudantes.
Grande parte das demais aldeias, como Encanto da Patioba, Cachimbo e aldeias localizadas em Itamaraju encontram-se ilhadas. O cacique Roni, da aldeia Encanto da Patioba, informou que os níveis dos rios estão muito altos, o que dificulta a saída dos indígenas da aldeia para um lugar seguro. Além disso, barragens próximas à localidade correm grande risco de desabamento, fato que põe a vida dos moradores da aldeia ainda mais em risco.
Em Cumurutaxiba, a situação também é bastante crítica, com famílias desabrigadas precisando de ajuda emergencial. O corpo de bombeiros da região já se mobilizou e está arrecadando algumas doações como cestas básicas, produtos de higiene, fraldas e leite em pó.
Sempre que um povo é atingido por impactos naturais, notadamente em virtude da crise climática provocada por ações predatórias e destrutivas, todos nós também somos afetados. É necessária uma agenda política urgente de mitigação das mudanças climáticas e de apoio aos Povos Indígenas, que são os principais guardiões das florestas e do meio ambiente. Entendemos que estas chuvas são sinais diretos da revolta da Mãe Terra, que atingem toda a humanidade.
A Apib espera que todos nossos parentes possam ser amparados nesse momento pela solidariedade da sociedade e que o Poder Público assuma sua responsabilidade de amparo social e das medidas de proteção e acolhimento emergenciais necessárias.
Pedimos aos nossos encantados que cuidem dos povos nesse momento, para que os nossos territórios se recuperem e nós sigamos cuidando da natureza e criando as possibilidades para nos recuperarmos dessa tragédia que há anos estamos anunciando e que são consequência do ecocídio que está em curso no mundo.