04/set/2022
Cartuchos mostram as armas utilizadas na chacina
Na madrugada deste sábado (04), um grupo de pistoleiros fortemente armados atacou o povo Pataxó numa área de retomada no Território Indígena Comexatibá, município de Prado, extremo sul da Bahia. O ataque vitimou um adolescente de 14 anos, que faleceu na hora com um tiro na cabeça e outro de 16 anos, que foi internado em um hospital da região.
Os pistoleiros chegaram ao local em um carro modelo Fiat Uno, disparando contra jovens, crianças e mulheres, munidos de armas calibre 12, 32, fuzil ponto 40 e bomba de gás lacrimogêneo.
Em protesto, familiares e parentes da comunidade Pataxó bloquearam a estrada em direção à cidade de Corumbau, a 750 km de Salvador.
Entenda a retomada
A morosidade do governo em demarcar o território tradicional Pataxó, que teve seu RCID publicado em 2015 e até o presente momento continua sem qualquer avanço administrativo, permitiu a invasão por diversas monoculturas, com destaque ao eucalipto e à agropecuária extensiva. Cansados de esperar, no mês de junho de 2022, aconteceu a retomada pacífica de uma área do território que era explorada pela monocultura de eucalipto. A partir de então, houve vários ataques aos Pataxó, conforme as denúncias feitas pelas lideranças, mas sem qualquer providência por parte dos órgãos públicos de segurança.
Sangue do indígena de 14 anos assassinado
O clima na região é bastante tenso e de muita tristeza entre os Pataxó neste momento. Este ataque não é isolado, mas faz parte de uma série de atentados que têm se intensificado com o estímulo de Bolsonaro às milícias, que têm se organizado na região, à exemplo dos recentes conflitos no T.I. Barra Velha, vizinho ao Comexatibá.
A população reconhece o envolvimento de policiais na milícia, articulados com fazendeiros bolsonaristas que têm realizado manifestações contra os indígenas e espalhado notícias falsas para difamar a legitimidade do movimento.
Bolsonaristas aterrorizam o Extremo Sul da Bahia.
Um áudio de ameaça antecedeu o ataque da milícia à uma retomada, que fica próxima à Barra do Cahy, praia onde ocorreu o primeiro contato dos Portugueses com os indígenas. Os fazendeiros se organizaram numa facção bolsonarista, composta também pelos pistoleiros e policiais corruptos. Provavelmente se trata dos mesmos responsáveis pelo cerco às comunidades Cassiana e Boca da Mata, no Território Indígena de Barra Velha que “desceram” – como o próprio pistoleiro afirma em áudio que circulou pelo whatsapp – para mais um ato de terrorismo.
A sede de articulação do grupo está localizada em Teixeira de Freitas. Na chamada Casa Brasil ocorrem uma série de encontros para mobilização da extrema direita, que conta com uma rede de sites e páginas propagadoras de notícias falsas para difamar a legitimidade do movimento. Esse grupo conta com o apoio de Nabhan Garcia, secretário do Ministério da Agricultura e do presidente Bolsonaro, que já visitou a cidade.
Precisamos de proteção URGENTEMENTE. Parem o genocídio contra os povos originários. Denuncie e proteja quem sempre esteve aqui. Antes do Brasil da coroa já existia o Brasil do cocar. Queremos paz!
26/ago/2022
Nota da FUNAI em favor do agronegócio e decisão liminar proferida pela Justiça Federal de Eunápolis espalham terror e convulsão social na TI Barra Velha, que fica no entorno do Monte Pascoal, onde se realizou a Primeira Missa do Brasil
Quadro da Primeira Missa no Brasil, de Victor Meireles: os pataxó estão na região do Monte Pascoal desde a invasão portuguesa do Brasil.
por Tatiana Scalco, com colaboração de Thyará Pataxó e João Payayá, para Jornalistas Livres
Na última segunda-feira (22), às 17h, mais uma vez a Polícia Militar esteve na Terra Indígena (TI) Barra Velha, no extremo sul da Bahia, no entorno do Monte Pascoal, a primeira porção de terra avistada por Pedro Álvares Cabral e sua tripulação, no dia 22 de abril de 1500, data do início da invasão do território brasileiro pelos portugueses. Território Pataxó desde aquela época, a TI Barra Velha está ameaçada. Lideranças relatam que os policiais foram truculentos e ameaçadores. Além disso, informam que tiros continuam sendo disparados contra as comunidades das aldeias Boca da Mata e Cassiana. Conforme os Indígenas, os ataques são realizados por pistoleiros. Mas adiantam que eles resistem e defenderão suas terras.
Os ataques a ambas aldeias foram intensificados na semana passada. Dois fatos podem ter estimulado a violência: a decisão do juizado federal de Eunapólis de conceder liminar de “interdito proibitório” contra os Pataxós da TI Barra Velha, publicada em 17 de agosto e a Nota de Esclarecimento sobre os recentes episódios ocorridos no sul da Bahia, publicada pela pela presidência da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), cinco dias depois (22 de agosto).
Sete caciques estão ameaçados de morte na TI Barra Velha. Contudo, eles falam que seguem unidos e na luta. Um dos caciques mais velhos comenta: “Esta terra é uma terra indígena. Esse é um Brasil indígena. E estamos juntos na luta. Não vamos abrir a mão, nem o pé”. E continua,
“Nós somos os donos das nossas terras de origem. O povo deles matou e continua matando o nosso povo. Acabando com tudo. E hoje os nossos povos indígenas estão reivindicando os seus direitos e eles estão dizendo que nós estamos errados. Nós não somos invasores. Primeiro os invasores foram o povo dele, Pedro Alvares Cabral. Desde que Pedro Álvares Cabral chegou aqui no Brasil, o Brasil já tinha índio e continua tendo índio. Tá entendendo”.
O Movimento Indígena está articulado e acompanha a situação. Denúncias e solicitações de providências junto aos órgãos públicos responsáveis têm sido encaminhadas por meio de suas diferentes organizações locais, regionais e nacionais, como FINPAT (Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia); MUPOIBA (Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia); APOINME (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo), APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
Dentre as diferentes ações tomadas, pode-se citar que a FINPAT entrou com representação junto ao Ministério Público Federal solicitando a instauração de Procedimento Investigatório Criminal (PIC), “dada a existência de grupo paramilitar fortemente armado voltado para a prática/difusão do racismo e da violência contra os últimos indígenas que resistem em seus territórios tradicionais já devidamente delimitados por laudo antropológico da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) – Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), no Sul e Extremo Sul da Bahia.”
O MUPOIBA solicitou providências junto aos diferentes órgãos estaduais e federais. As respostas têm chegado, aos poucos. Dia 22 de agosto a Polícia Militar da Bahia (PM BA) informou que:
“Nas ocupações citadas, o tratamento entre os indígenas e a PMBA (Companhia Independente de Policiamento Especializado/Mata Atlântica – CIPE/MA) foi ordeiro e respeitoso. Não houve emprego de força, tampouco orientações para desocupação ou permanência dos grupos. Por fim, saliento ainda que foi instaurada sindicância para melhor esclarecimento da denúncia de suposta participação de policial militar em retomada de propriedade, com acompanhamento da Corregedoria.”
Dinaman Tuxá comenta que tanto APIB quanto APOINME estão “fazendo incidências e solicitando providências sobre os fatos ocorridos”: “Estamos monitorando e acompanhando os fatos de perto para tomar os remédios jurídicos cabíveis para a proteção daquelas comunidades ali que estão sofrendo com essa violência”. E completa, “estamos estudando a possibilidade de ingresso em mecanismos internacionais para tentar chamar atenção internacional dos fatos que vêm ocorrendo ali”.
O Jurista Flávio Bastos destaca que a situação é consequência da ausência de equipes de fiscalização e do “desmonte dos aparatos administrativos, normativos e protetivos das terras indígenas”. Bem como das “décadas de espoliação, de tomada das terras tradicionais indígenas por parte de posseiros, fazendeiros, grileiros.” E continua, comentando que “este processo violento está sendo estimulado por ação direta ou por omissão do governo federal, bem como de alguns governos estaduais que violam claramente, frontalmente, a Constituição Federal, a Convenção 169 da OIT – que o Brasil reconhece expressamente e é obrigatória.
Além disso, também desrespeitam a Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas e a Declaração Americana sobre o Direito dos Povos Indígenas, ensina Bastos. O Brasil é membro das Nações Unidas e da OEA – Organização dos Estados Americanos. Como tal, é signatário das declarações que tratam dos direitos dos povos Originários.
Entenda a situação
Arte: Tiago Miotto/Cimi, fonte CIMI
A Terra Indígena Barra Velha é território Pataxó desde a época do descobrimento. Os indígenas lutaram e conseguiram que fosse realizado estudo circunstanciado neste Território Indígena. O relatório ficou pronto em 2007 e foi publicado pela FUNAI em 2009. O Território foi identificado com uma área de 52.748 hectares. Nele há 22 comunidades e mais de cinco mil indígenas.
Clique no link para acessar o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID)
Demarcação parada
Desde a publicação do RCID já se passaram 24 anos esperando a titulação das terras indígenas. O processo de demarcação está parado desde 2009. Isso ocorre, também, porque um grupo de fazendeiros e o sindicato rural de Porto Seguro tentam anular a demarcação na justiça, desde 2013. Seis mandados de segurança foram protocolados no Superior Tribunal de Justiça (STJ) solicitando que fosse impedida a publicação da Portaria Declaratória da área pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública – passo seguinte do processo demarcatório. Os pedidos de anulação da demarcação baseiam-se na tese do marco temporal.
Mapa TI Barra Velha com indicação de propriedades certificadas para fazendeiros – fonte: CIMI
O STJ atendeu de forma liminar o pedido e suspendeu o andamento do processo. Seis anos depois, em 2019, a Primeira Seção do STJ derrubou por unanimidade a liminar e reconheceu em decisão de mérito a legitimidade e validade da demarcação da TI Barra Velha. A decisão derrubou qualquer impedimento para a publicação da Portaria Declaratória da TI pelo Ministério da Justiça. Contudo isso ainda não ocorreu. Os ruralistas recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) e cinco das seis ações ainda tramitam lá.
Porque as Aldeias Cassiana e Boca da Mata são estratégicas para o TI Barra Velha?
As Aldeias Cassiana e Boca da Mata estão numa localização crucial dentro do TI Barra Velha. Elas são pontos centrais na logística para o acesso e circulação dos indígenas dentro e fora do Território. Duas são as principais vias de acesso ao TI, ambas passam por elas. A entrada principal permite que essas comunidades e todas as outras dentro do TI Barra Velha acessem mais rápido hospitais e as cidades um pouco maiores da região. É por aí que chegam os alimentos, remédios, passam os casos de emergência médica, etc. E por aí que eles chegam aos rios, imprescindíveis a sua sobrevivência física, cultural e espiritual.
Mapa de localização Acesso TI Barra Velha e Aldeias Cassiana e Boca da Mata
Atualmente, os maiores conflitos acontecem justamente nessa área dentro dos limites do TI Barra Velha: no entorno das Aldeias Cassiana e Boca da Mata. Os fazendeiros, com apoio de pistoleiros e milicianos, têm se concentrado e cercado esses acessos.
Os Pataxó defendem seu território. Lideranças indígenas falam que estão lá também como “forma de impedir que madeireiros e caçadores continuem depredando o seu patrimônio”(do TI Barra Velha).
No dia 17 de agosto, o juiz federal de Eunapólis, Pablo Henrique Carneiro Baldivieso, concedeu decisão liminar contra a comunidade indígena Pataxó de Barra Velha em favor do espólio de Pedro Alcântara Costa, numa “ação de interdito proibitório”. A decisão do juiz Baldivieso cita, mas não considera a manifestação da FUNAI que informa que a área em questão “encontra-se totalmente inserida na terra indígena Barra Velha do Monte Pascoal, com status de delimitada”. A manifestação do Ministério Público Federal “pelo indeferimento da antecipação da tutela, uma vez que não restaria evidenciado o exercício da posse”, também é citada, mas não considerada.
A decisão do juiz poderá ter como desdobramento pressão ainda maior dos fazendeiros, impedindo aos indígenas o acesso a esses rios. O que cria para os Pataxós crise de subsistência e crise espiritual.
Mapa de projetos e iniciativas no TI Barra Velha – Fonte: Parra, Lilian Bulbarelli (2016)
Os Pataxó e sua relação com os rios do Território
O estudo antropológico (RCID) publicado destaca que o acesso aos rios do território é imprescindível à subsistência física, cultural e espiritual dos Pataxós. Na área dos conflitos atuais, a manutenção do acesso aos rios Cemitério e Benício foi um dos motivos da ocupação dos indígenas e defesa das comunidades Cassiana e Boca da Mata.
Lideranças Pataxó informam que o agravamento do conflito deu-se, também, porque os fazendeiros quiseram impedir que os indígenas continuassem com acesso aos rios. Acesso esse que nunca deixou de existir, desde tempos imemoriais. Eles destacam que sua posse sempre se deu a partir do acesso a esses rios. Para os Pataxós, os rios são imprescindíveis, tanto espiritualmente, pois lá está o cemitério onde estão enterrados os seus antepassados (e por isso o nome é Rio do Cemitério), quanto fisicamente e economicamente, porque lá é que se retira água para dessedentação dos animais, se faz a pesca e a catação de mariscos.
Na TI Barra Velha estão três Unidades de Conservação (UC) sobrepostas: a Área de Proteção Ambiental (APA) Caraíva-Trancoso, a Reserva Extrativista (RESEX) Corumbau e o Parque Nacional Histórico de Monte Pascoal. Local de intensa beleza e alto valor, sofre invasões, pressão da especulação imobiliária, de empresários do turismo de Caraíva e do tráfico de drogas, entre outros.
Foto: Reprodução
Cronologia da última semana
#Aldeia Boca da Mata
No mesmo dia da decisão do juiz, 17 de agosto, durante a tarde, a aldeia Boca da Mata esteve sob intenso tiroteio. As crianças que estavam na escola indígena foram cercadas, aterrorizadas, impedidas de sair e voltar para casa. Professores e pais ficaram em pânico. O tiroteio durou cerca de uma hora e ocorreu enquanto as crianças estavam tendo aula de esporte, jogando no campo ao lado da escola.
Bala encontrada em casa Pataxó
no dia 17/8, após tiroteio realizado.
“Socorro meu povo, os tiros está tudo vindo em cima das casas na Boca da Mata. Estão atirando … É muito tiro, bomba, granada, (…)”
No final da noite (17 de agosto), houve troca de tiros entre os próprios milicianos e a PM da Bahia. Policiais militares ficaram feridos. Logo em seguida, passaram a circular em grupos de whatsapp da região áudios de fazendeiros locais acusando os indígenas de terem causado os ferimentos nos policiais. Lideranças da comunidade Pataxó, entretanto, refutam essas acusações, dizendo que a comunidade não tem recursos suficientes para subsistência, muito menos recursos para aquisição de armas como aquelas que estavam sendo utilizadas.
Lethicia Reis, assessora jurídica do Conselho Missionário Indigenista (CIMI), esclarece que no dia 17, ao mesmo tempo, aconteceram dois conflitos na região: o ataque à Aldeia Boca da Mata e um conflito entre a Polícia Ambiental que estava protegendo a Mata Atlântica do Parque Nacional do Monte Pascoal e pessoas foram identificadas posteriormente como policiais que estavam à paisana.
Dra. Lethicia explica “aí houve um conflito entre essas duas partes, polícia ambiental e essas pessoas que estavam tentando desmatar a área – que há boatos que essas pessoas são policiais a paisana, ou milicianos ou jagunços, não se sabe ao certo – duas delas parecem que foram baleadas. Mas isso não foi na área de retomada e isso não está relacionado à luta dos Pataxó”.
As aulas das aldeias próximas, tanto Cassiana quanto Boca da Mata foram suspensas. O motivo é o clima de tensão e ameaças que as próprias crianças indígenas têm sofrido. Inclusive de serem atingidas por bala, informam as lideranças.
#Aldeia Cassiana
Na Aldeia Cassiana, a situação é gravíssima. Os indígenas informam que diversas famílias estão impedidas de transitar. “Estamos cercados”, dizem. Encontram-se sem possibilidade de comprar alimentos ou sair para trabalhar. O aumento diário da violência contra eles tem acontecido. Fazendeiros e pistoleiros fiscalizam as entradas e estradas das comunidades. O medo é grande, falam as lideranças. A APIB denuncia que esses atos são resultado de uma retaliação sistemática do agrobanditismo, conduzida por proprietários de fazendas vizinhas à TI, em decorrência de retomadas de terra no mês de junho e agosto na região.
Há poucos dias houve também mais uma tentativa frustrada de tornar a comunidade refém. No processo, contam os indígenas, pistoleiros tentaram atear fogo em uma das pontes de madeira que dá acesso a aldeia Boca da Mata e Cassiana. Membros das comunidades relatam temer que aconteça um novo massacre como o de 1951, em que foi dizimada a maior parte da população Pataxó na época.
Uma das moradoras da aldeia Cassiana, senhora, mãe de oito filhos, com 14 netos, comenta que está lá “esperando qualquer coisa”. Para a anciã, a terra é necessária para sobreviver. Ela afirma que não sai, a não ser morta. O comentário da indígena reverbera a situação de violações que outras etnias indígenas baianas também sofrem. O Cacique Babau Tupinambá, por exemplo, diz que “morrer é fácil. Viver é que é muito díficil”. Especialmente viver com dignidade, completa Babau.
Conversa entre Yulo Oiticica e parte dos moradores da aldeia Cassiana em 17 de agosto de 20220. Arquivo Pataxó TI Barra Velha.
Casa destruída por milicianos
No dia 17 de agosto, a aldeia Cassiana foi visitada pelo Superintendente de Políticas Territoriais e Reforma Agrária– SUTRAG da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) do Estado da Bahia, Yulo Oiticica. Oiticica constatou em primeira mão a situação precária da Aldeia. Ele confirma que constantemente “os caciques estão todos sendo ameaçados” e a “situação é muito tensa”. E continua, destacando que lideranças indígenas informam que “constantemente milicianos aparecem”, tendo como apoio a “participação de viaturas da polícia militar e policiais militares com eles. Dando tiros inclusive”.
Os indígenas denunciam que “são os milicianos que estão dando tiros para a aldeia, onde todas as lideranças indígenas, inclusive muitas mulheres e crianças acabam correndo para o meio do mato”. E completa, “não são os policiais” que estão atirando. Oiticica informa que viu uma ponte de madeira incendiada. Ela foi incendiada por, segundo relatos, milicianos numa tentativa de utilizar o fato para incriminar lideranças indígenas.
Ponte incendiada no TI Barra Velha, próxima as aldeias Cassiana e Boca da Mata.
Dias 18 e 19 de agosto (quinta e sexta-feira)
Os indígenas realizaram o XXIII KÃDAWÊ NUHATÊ PATAXÓ/ Festa da Resistência / Celebração / Frente de Resistência e Luta Pataxó , na aldeia Pataxó Pé do Monte no TI Barra Velha. No encontro várias organizações Pataxó, indigenistas e parceiros nacionais e estrangeiros falaram da situação local e também dos massacres que os povos originários sofreram e ainda sofrem. Território, Cultura, Tradição, Meio Ambiente foram celebrados.
Dia 20 de agosto (sábado)
Após convocação pelas redes sociais, os fazendeiros e grileiros da região realizaram manifestação na BR 101. Vídeos que circulam nas redes
Manifestação de Bolsonaristas
mostram que durante a manifestação, indivíduos declararam que não eram indígenas as pessoas que estavam nas Aldeias Boca da Mata e Cassiana.
“E nós estamos fazendo aqui hoje, é, fechando a BR 101, para o Ministério da Agricultura, senhor Nabham Garcia, aquele que está estas pautas que representa a agricultura nesse país. Aqui temos pessoas que foram expulsas por pessoas que se dizem indígenas. Nós temos contatos de quase todos os caciques da região, eles não estão ligados à essa turma. Então precisa identificar, saber quem é essa turma”, fala o senhor no vídeo.
A reportagem consultou o Conselho de Caciques do TI Barra Velha e foi informada que os indígenas das Aldeias Cassiana e Boca da Mata são Pataxós do TI Barra Velha. Também, que as declarações veiculadas não são verídicas. O Conselho de Caciques publicou nota em que registra que “vídeos mostram que viaturas da polícia militar, civil, Rondesp, ao chegar perto do território pataxó retomado, tiram a placa de identificação das viaturas, deixando famílias preocupadas por desconhecer a real intenção destes policiais; já que foi anunciado que eram os próprios policiais que estavam cometendo essas atrocidades de forma privada.”
Dia 22 de agosto (segunda-feira)
Mais uma vez a Polícia Militar esteve na Aldeia Boca da Mata. Lideranças indígenas relatam que “os tiros continuam”, “tá tudo muito tenso” e que a abordagem dos PM foi “muito truculenta”. Após diálogo entre indígenas e os PMs, os mesmos foram embora.
Órgãos Executivo, Legislativo e da Justiça acompanham a situação, bem
como os movimentos da sociedade civil
Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA)
“Estamos acompanhando de perto o desenrolar da situação. Muito preocupados. Defendemos a integridade dos nossos povos indígenas e lamentamos a situação que o nosso país está se chegando. Nossos parentes sendo tratados da forma como estão sendo tratados. Isso nos envergonha, nos entristece e nos deixa todos revoltados”, comenta Jacó Lula da Silva – deputado estadual (PT BA) e atual presidente da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da ALBA.
Defensoria Pública da União
“Os recentes ataques aos indígenas no sul do Estado são mais um produto da inércia intencional do estado brasileiro em tutelar os direitos dos povos indígenas, agravada no atual governo, que não esconde o seu manifesto propósito de atuar contrariamente aos interesses dos povos indígenas. Há um projeto evidente de abandono dos indígenas no Brasil que ocasiona situações como as que estamos acompanhando hoje”, comenta Dr. Gabriel César dos Santos, Defensor Público da União.
Ministério Público Federal
Contatado pela reportagem, o Ministério Público Federal informou que acompanha “os conflitos fundiários no sul da Bahia e que já foi aberto inquérito civil público para apurar a situação atual no território indígena de Barra Velha”. E complementa informando que “mantém contato constante com as autoridades responsáveis para apurar a situação, evitar novos conflitos e buscar a segurança das comunidades indígenas.” Destacou também que tem realizado “diálogos constantes com Polícia Federal, Polícia Militar e Funai, instando os órgãos a atuar no local dos conflitos.” E que continuará atuando com objetivo de garantir “a integridade dos envolvidos, em especial os mais vulneráveis – os indígenas que vivem em aldeias da região.”
Órgãos Estaduais
Secretaria de Segurança Pública (SSP) da Bahia
Questionada sobre o que está fazendo em relação aos relatos de de violações ocorridos contra os indígenas Pataxó das Aldeias Cassiana e Boca da Mata, a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia – SSP BA informou que “conflitos envolvendo disputas por territórios indígenas são de responsabilidade da Polícia Federal”.
Sobre as ocorrências registradas no dia 17 de agosto, a SSP BA disse que “determinou prioridade e celeridade na apuração das denúncias sobre os conflitos ocorridos na Fazenda Barreirinha”. Também anunciou que “a Polícia Civil da Bahia já iniciou as oitivas para apurar denúncia de trocas de tiros no local, situado na zona rural da cidade de Porto Seguro.” E, que “a 23ª Coordenadoria Regional de Polícia do Interior (Eunapólis), com apoio das 6ª e 7ª Coorpins (Itabuna e Ilhéus), realizou o registro da ocorrência e iniciou as oitivas das pessoas envolvidas no caso.” Avisou que pessoas já haviam sido ouvidas e que “os exames periciais necessários para a investigação serão realizados”. E finalizou destacando que “as investigações também vão apurar se há o envolvimento de policiais militares no conflito”.
Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) da Bahia
Yulo Oiticica, superintendente de Políticas Territoriais e Reforma Agrária– SUTRAG da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) do Estado da Bahia visitou as aldeias Cassiana e Boca da Mata recentemente e destaca que uma tragédia pode acontecer a qualquer momento. Ele destaca que
“infelizmente essas lideranças indígenas têm tido paciência até demais, ou melhor, felizmente. Porque na verdade toda essa documentação necessária para a demarcação já se encontra no Ministério da Justiça. Inclusive laudo feito já por antropólogos e infelizmente o Ministério da Justiça não decide. Não demarca. Ignora as comunidades indígenas. Essa não é uma realidade só da Bahia, é verdade. Mas essa lógica de ódio dos indígenas pelo Governo Federal tem infelizmente patrocinado um derramamento de sangue muito grande. Temos que evitar que isso aconteça na Bahia.”
E conclui, “a situação é muito delicada. E é preciso que todos assumam sua responsabilidade nessa tarefa. Nós do Governo do Estado estamos tentando tudo o que é possível, na perspectiva da manutenção da paz e da justiça o quanto antes.”
Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Assistência Social (SJDHDS) da Bahia
A SJDHDS informa que “está acompanhando de perto os acontecimentos”. Registrou que acionou “a rede de proteção dos Direitos Humanos, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) e demais autoridades competentes, solicitando investigação”. Além disso, diz que “tem prestado apoio aos indígenas, realizado monitoramento na comunidade e já trabalha para a instalação de uma “Sala de Situação”, composta por diferentes órgãos do Governo da Bahia, a exemplo da própria SJDHDS, SSP, SEPROMI, SEMA, Casa Militar, SERIN , SDR e Casa Civil.” Ela explica que a “sala de situação” realizará encontros semanais, avaliando o caso e executando “as medidas necessárias para intermediar as questões e sanar os conflitos”. Informa ainda que “solicitou o reforço policial no território e, também, presta assistência aos integrantes das aldeia”, por meio da Superintendência de Direitos Humanos (SDH) e da Coordenação Executiva de Políticas para Povos Indígenas. E, que também tomou conhecimento que a Corregedoria da PM/SSP-BA “abriu procedimentos de investigação para apurar a denúncia, recebida por meio dos movimentos indígenas da região”, sobre a participação de policiais não fardados na ação.
Também ressalta que “a questão territorial indígena é de responsabilidade da Funai e da União, e a questão da segurança pública, nos territórios, é responsabilidade da Polícia Federal, cabendo ao órgão estadual atuar, complementarmente, nas responsabilidades constitucionais cabíveis ao Governo Estadual. Na ausência do Governo Federal, as ações do governo estadual têm sido realizadas com os devidos cuidados legais por se tratarem de terras indígenas”.
E conclui destacando: “A SJDHDS está ao lado dos povos indígenas da Bahia, lutando por respeito, pelos direitos humanos, pela vida. (…) O Governo do Estado não admite que esses ataques, que ferem os direitos humanos, a dignidade das pessoas e a história do povos originários do Brasil, aconteçam em territórios baianos, e por isso, cobra também um posicionamento do Governo Federal, que tem competência de defender e cuidar dos povos indígenas do Brasil, entretanto fecha os olhos aos pedidos de socorro dos índios brasileiros e ainda promove um massacre dos seus direitos, com um política de retrocessos que amplia as violações, a descriminação, o desrespeito, os conflitos fundiários.”
Conselho Nacional de Direitos Humanos
As denúncias envolvendo a escalada da violência e ataques sofridos pelas comunidades de Boca da Mata e Cassiana chegaram ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). O CNDH cobrou medidas efetivas dos órgãos responsáveis por meio de ofícios ao ao governo do estado da Bahia, a Polícia Federal, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal e a Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Eunápolis-BA. O prazo para resposta desses órgãos é 10 dias corridos a partir do dia 16 de agosto, ou seja, até o dia 26 de agosto. Além disso, o CNDH se posicionou, repudiando a situação, publicando nota nº 31/2022 e notícia sobre o caso.
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) é um órgão colegiado de composição paritária. Sua finalidade é a promoção e a defesa dos direitos humanos no Brasil por meio de ações preventivas, protetivas, reparadoras e sancionadoras das condutas e situações de ameaça ou violação desses direitos, previstos na Constituição Federal e em tratados e atos internacionais ratificados pelo Brasil. A lei nº 12.986 de 2 de junho de 2014 o regula. O Conselho atua orientado pelos Princípios Relativos ao Status das Instituições Nacionais de Direitos Humanos (Princípio de Paris), definidas pela ONU em 1992, marcados pelo pluralismo e pela autonomia. Dentre suas competências estão a fiscalização e monitoramento de políticas públicas de direitos humanos e o programa nacional de direitos humanos.
Fundação Nacional do Índio (FUNAI)
A Presidência da FUNAI publicou no dia 22 de agosto, Nota de Esclarecimento sobre os recentes episódios ocorridos no sul da Bahia. O texto, ao invés de apresentar informações sobre ações que estaria realizando em suporte aos indígenas do TI Barra Velha, busca “esclarecer aos indígenas acerca da ilicitude de sua conduta e desestimular práticas que correspondem ao esbulho ou turbação de propriedades, sob pena de a responsabilização por omissão.”
Sobre a Nota de Esclarecimento de FUNAI
A publicação da Nota de esclarecimento da FUNAI causou estranheza aos movimentos indígenas, indigenistas, defensores dos direitos humanos e juristas. Para eles, a Nota evidencia a atual política anti-indigena realizada pelo atual governo federal.
Apib e Apoinme publicaram hoje, 24 de agosto de 2022, nota de repúdio à nota da Funai. Para as organizações indígenas, o posicionamento apresentado pelo órgão explicita postura racista da Fundação Nacional do Indio. O texto ” imputa aos indígenas condutas que inferem no descumprimento da legislação, praticando “ilicitudes” e “esbulho ou turbação de propriedades” Trata-se de uma postura absurda da instituição diante da realidade dos ataques de milícias sobre o território e o cerco armado às aldeias Cassiana e Boca da Mata”, destacam. As organizações exigem imediata demarcação do TI e “a retomada de uma política que garanta o direito indígena originário”. E concluem afirmando que
“a Funai precisa ser desmilitarizada, retomando o papel de aplicar as políticas que garantem nossos direitos previstos na constituição. Nossa luta é pela vida!”
A FINPAT também publicou nota de repúdio ao esclarecimento publicado pela FUNAI, no dia 24 de agosto de 2022.
NOTA DE REPÚDIO – Federação Indígena – FINPAT, vêm pelo presente REPUDIAR a Nota da FUNAI em posição anti-indígena, em difamar e condenar a luta legítima do Povo Pataxó na revindicação do seu território sagrado. Essa postura racista da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, demonstra a sua clara posição e lado, deixa a sua atribuição institucional, para defender os interesses de particulares, fazendeiros, latifundiários, usurpadores e grileiros das terras indígenas da Bahia. A nota imputa aos indígenas condutas que inferem no descumprimento da legislação, praticando “ilicitudes” e “esbulho ou turbação de propriedades”. Trata-se de uma postura absurda da instituição diante da realidade dos ataques de milícias sobre o território e o cerco armado às aldeias Cassiana e Boca da Mata em P. Seguro/BA. A situação nas aldeias é de verdadeiro terror, com ameaças, rondas de milicianos fortemente armados. Um absurdo, a violação dos direitos indígenas feita pela própria instituição do Estado Brasileiro. Att. Pres. FINPAT.
Para o Defensor Público Federal, Dr. Gabriel César, “a nota da FUNAI é mais uma evidente prova do desvio de finalidade acometido pela instituição, uma vez que sequer disfarça o seu manifesto interesse de atuar de forma contrária aos interesses da comunidade indígena, em terra tradicionalmente ocupada, fato este constatado em estudo de redemarcação concluído em 2007. Ao assumir a narrativa dos fazendeiros, a FUNAI assume o lado oposto ao que deveria estar, deliberadamente esquecendo da sua missão legal”
Na mesma linha, o jurista, especialista em genocídio contra os povos originários e membro da Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos (FADDH), Dr. Flávio Leão Bastos, considera que a nota “comprova os desvios constitucionais e institucionais que atualmente caracterizam a atuação da FUNAI, que perdeu, assim, sua legitimidade perante os povos originários e perante a população do Brasil”. Para ele, o texto publicado,
“demonstra como a entidade se afastou de forma contundentes de suas funções institucionais, quais sejam, a proteção das culturas indígenas no Brasil. O texto é sem sentido, uma vez que apresenta apontamentos sobre responsabilizações de ordem legal; limita-se a afirmar que os cidadãos indígenas do Brasil respondem por eventuais violações à lei e, ainda, chega a mencionar precedentes judiciais sem, contudo, mencionar, de forma clara e objetiva, um único ato ilícito por parte de indivíduos indígenas. Ainda mais, parece desconhecer o contexto real em curso no sul do Estado da Bahia. Não menciona os constantes fuzilamentos de que são vítimas os Pataxós, incluídas as crianças indígenas. Tampouco tangencia as incursões de homens fortemente armados contra terras tradicionais Pataxós demarcadas ou a oferta diária de venda de parcelas de terras indígenas pela internet e, até mesmo, pelo WhatsApp. Recorde-se que os povos indígenas não possuem armas de fogo, que são encontradas na região a partir de seu porte ilegal pelo crime organizado e por pistoleiros contratados por invasores de terras indígenas, situação causada, dentre outras, pela ausência do Estado brasileiro na proteção das terras tradicionais.”
A mensagem que as lideranças indígenas deixam é
“Resistimos 522 anos e continuaremos resistindo!”
A reportagem segue acompanhando a situação.
Esta matéria foi produzida com informações da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME, Defensoria Pública da Uniao – Regional Direitos Humanos Bahia – DPU-BA, Ministério Público Federal – MPF, Governo da Bahia, Federação Indigena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia- FINPAT, Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia – MUPOIBA, Conselho Indigenista Missionário -CIMI, Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos – FADDH, Conselho Nacional de Direitos Humanos – CNDH, Conselho de Caciques do TI Barra Velha e Coletivo Semear.
Fotos: Acervo Pataxó TI Barra Velha. Vídeos: Acervo Pataxó TI Barra Velha.
Os nomes dos caciques e lideranças indígenas do Território Indígena Barra Velha foram omitidos pela reportagem por questão de segurança, devido à situação de risco em que os mesmos se encontram.
24/ago/2022
A Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) repudiam a postura racista da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que emitiu uma nota condenando a luta do povo Pataxó no Território Indígena de Barra Velha, no extremo sul da Bahia, município de Porto Seguro. A nota imputa aos indígenas condutas que inferem no descumprimento da legislação, praticando “ilicitudes” e “esbulho ou turbação de propriedades” Trata-se de uma postura absurda da instituição diante da realidade dos ataques de milícias sobre o território e o cerco armado às aldeias Cassiana e Boca da Mata.
Criada com o objetivo de proteger os povos originários do país e com intuito de assegurar direitos resguardados na Constituição Federal, a Fundação, sob o governo fascista de Jair de Bolsonaro, sofreu uma ruptura em seus ideais embasadores e ao mesmo tempo em que seus recursos financeiros foram sucateados, ela foi militarizada, passando a adotar posturas anti-indígenas. A Funai está deliberadamente ignorando as denúncias de invasões dos territórios por criminosos que, além de coagir as pessoas, ameaçam lideranças e tentam se apropriar das terras.
Desde a retomada feita pelos Pataxós no dia 25 de junho, na Fazenda Brasília, também localizada no interior do Território Indígena Barra Velha, a milícia bolsonarista, fortemente armada com pistolas e fuzis, circula pelos acessos às aldeias, dispara tiros contra os moradores locais e espalha falsas informações com intuito de difamar os indígenas, o que deve ser refutado e de maneira nenhuma pode ser considerado “livre expressão de ideias”.
No dia 26 de junho, a Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (FINPAT) denunciou o ataque a 60 indígenas, entre crianças, mulheres e jovens, “os indígenas foram atacados em uma área de ocupação territorial, denominada de fazenda Brasília, por uma quadrilha e organização criminosa, formada por cerca de 200 fazendeiros, pistoleiros, milicianos e supostos policiais militares que adentraram a área ocupada com aproximadamente 50 caminhonetes e outros veículos, portando arma de fogo de grosso calibre (pistolas 0.40, fuzis e escopetas 12), armamento de uso restrito das forças armadas, com dezenas de armas em punho apontadas em direção aos indígenas. Os indivíduos, em sua maioria, estavam encapuzados com touca ninja, um deles se identificou como proprietário da Fazenda Brasília e outro como Policial da CAEMA/BA”.
Ressaltamos que a área em questão está identificada e delimitada como Território Indígena, com RCID aprovado pelo Governo Federal (Funai), de acordo com publicação do Diário Oficial do Estado e União em 2009. Sabemos que a representação local da Funai sustenta uma postura deliberadamente bolsonarista, a qual atenta com a finalidade da instituição estabelecida por seu Estatuto, em seu art. 2º, I, qual seja, “proteger e promover os direitos dos povos indígenas, em nome da União”. Tal postura caracteriza, portanto, um desvio demasiado de sua função pública.
Diante disso, manifestamos nossa indignação ante “omissões e negligências” da própria Funai, que se recusa a atender aos pedidos de socorro dos Pataxó diante da escalada de violência local. A Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (FINPAT) enviou, no dia 20 de julho, um ofício às autoridades solicitando providências para a segurança dos indígenas, destacando que fragmentos importantes de Mata Atlântica têm desaparecido diariamente na região. Inúmeras denúncias foram feitas judicialmente, na imprensa, nas redes sociais e nos órgãos responsáveis e nada foi feito até o momento.
Ao contrário, a polícia negligenciou os ataques e passou a abordar os indígenas dentro do território, a qualquer hora do dia e da madrugada, para buscar armas, acusando-os de porte. Uma das lideranças, que não identificamos por questões de segurança, afirmou que “não temos nem conhecimento de lutar com arma de branco, nem dinheiro para comprar munição e armas, nossas armas são nossas bordunas, tacapes, maracás que sempre usamos”.
Por sua vez, na última quarta-feira, 17/08, a milícia de Bolsonaro e alguns policiais entraram em confronto atirando na direção das duas aldeias, que circundam a estrada de acesso mais rápido ao território, já fora das divisas da fazenda Brasília, onde houve a retomada. A situação, que se estende há mais de um mês, vinha se agravando desde a segunda-feira, dia 15/08, quando homens armados cercaram as aldeias de Boca da Mata e Cassiana. Já na quarta-feira, ao longo da tarde e da noite, as mesmas aldeias foram alvo de intensos disparos de arma de fogo por parte do grupo armado que invadiu e atacou as aldeias.
Diversas famílias estão impedidas de transitar, sem possibilidade de comprar alimentos ou sair para trabalhar, e a violência aumenta a cada dia, havendo frequentes ataques e cerco de fazendeiros e pistoleiros, os quais fiscalizam as entradas e estradas das comunidades. De acordo com informações das lideranças e de moradores do distrito, os integrantes da milícia são policiais militares articulados com fazendeiros, mais uma expressão do agrobanditismo fomentado por este governo.
Em 2019, o ex-ministro bolsonarista do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi a Porto Seguro oficializar a “Pedra Fundamental da Privatização” do Parque Nacional do Pau-Brasil, entregando o patrimônio dos povos à iniciativa privada. Os indígenas da etnia Pataxó lutam pela demarcação desse território há décadas e nada foi feito pelo governo federal. Essa ação de privatização do Parque Nacional foi mais um ataque aos povos e suas lutas. Salles é o mesmo ministro que recomendou “aproveitar a pandemia para passar a boiada sobre as leis ambientais”, durante sua gestão. Após esse episódio, privatização e ataques armados começaram a ser constantes na região.
O povo Pataxó foi o primeiro a ter contato com os invasores brancos, há 522 anos, e, desde então, não há paz para os indígenas. Atualmente, tem resistido bravamente ao avanço da monocultura no entorno do seu território, sofrendo com a seca das nascentes e dos rios, com a cooptação por parte de fazendeiros e empresários do turismo que querem promover a venda de terrenos e a especulação imobiliária, e, agora, com o movimento de extrema direita que se propaga na região. Em Caraíva, por exemplo, a invasão do território indígena resultou na criação de um área periférica chamada Xandó, que já alcança extensão maior que o distrito turístico orginal, onde se propaga violência, tráfico de drogas e venda ilegal de terrenos.
Por todo o exposto, exigimos a imediata demarcação do território e a retomada de uma política que garanta o direito indígena originário. A Funai precisa ser desmilitarizada, retomando o papel de aplicar as políticas que garantem nossos direitos previstos na constituição. Nossa luta é pela vida!
15/ago/2022
As comunidades Pataxó de Boca da Mata e Cassiana, território indígena (TI) Barra Velha, localizado no extremo sul da Bahia, denunciam os ataques e o cerco de fazendeiros e pistoleiros. Há cerca de um mês as famílias estão sendo impedidas de transitar, sem possibilidade de comprar alimentos nas cidades ou sair para trabalhar. Uma retaliação do agrobanditismo, conduzida por proprietários de fazendas vizinhas ao TI. De acordo com os relatos, as ameaças têm ocorrido de forma sistemática desde as retomadas feitas no mês de junho e agosto na região.
“Eu, como moradora dessa comunidade há mais de 29 anos, venho relatar meu medo e insegurança diante desses ataques. Faz mês que não andamos mais livres pelo território e por onde saímos da aldeia, o único acesso, são as fazendas. Não estamos conseguindo sair porque as entradas e estradas das comunidades estão sendo fiscalizadas por pistoleiros fortemente armados”, afirmou Cleidiane Ponçada Santana, moradora do TI.
Em carta, a indígena, busca por socorro diante da situação de cárcere a que os Pataxó estão submetidos, pois “os órgãos públicos como Funai já não existem e há muito tempo deixou de dar apoio às comunidades indígenas”, relata. “Precisamos e pedimos intervenção pois estamos vendo a hora de acontecer um massacre como em 1951 que matou e dizimou maior parte da população Pataxó na época”, alerta Cleidiane.
Em outro documento, Wirianan Pataxó, professor e morador do TI, reitera a denúncia, “os ataques são constantes por parte dos pistoleiros e milicianos da região. Tiros são ouvidos a todos os momentos e muitos comentários que vão invadir as aldeias”. Ele também alerta que a imprensa regional têm produzido notícias falsas para atentar contra a reputação dos indígenas. Entre as “Fake News” propagadas está a queimada de pertences em fazendas, feitas pelos próprios pistoleiros a mando dos fazendeiros para acusar os indígenas.
Os fazendeiros, plantadores de monocultura de eucalipto, têm interesse na especulação imobiliária, visto que as terras, além de serem férteis e preservadas no entorno das comunidades, se localizam numa região paradisíaca, buscada pelas elites para construção de mansões de veraneio.
O professor reforça que o território de Barra Velha pertence aos povos originários, direito que está garantido na constituição. Porém, com a militarização dos órgãos competentes promovida pelo governo Bolsonaro, eles se tornaram inoperantes ou defensores do agrobanditismo, incluindo a polícia militar. “Peço encarecidamente aos órgãos de defesa dos povos originários que interfiram em favor das nossas comunidades OAB, Direitos Humanos, ONU, Entidades voltadas para a vida e Organizações Indigenistas”, apela Wirianan, apontando que a única solução é a demarcação dos territórios.
02/ago/2022
Site bolsonarista publicou falsas acusações contra lideranças e apoiadores dos indígenas
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) manifesta toda solidariedade ao povo do Território Indígena (TI) Comexatibá, localizado em Prado, no extremo sul baiano. Um site de notícias da região publicou neste domingo, 31, uma suposta nota da comunidade da Vila de Cumuruxatiba, fazendo acusações falsas contra caciques, lideranças indígenas e apoiadores. A nota em questão não possui sequer uma assinatura de moradores da vila.
A “fake news” tem claro objetivo de difamar o secretário municipal de assuntos de indígenas, morador da Aldeia Kaí, Ricardo Oliveira Xawã, que vem sendo atacado e ameaçado constantemente, após duas retomadas realizadas pelos Pataxó. O cacique Zé Fragoso, da aldeia Tibá, as funcionárias da Funai, Leiliane e Lilian, e a Profa. Dra. da Universidade do Estado da Bahia, Maria Geovanda Batista, bem alguns nativos da vila também são citados como formadores de uma milícia que comercializaria a caça.
Notícia original que foi distorcida para incriminar indígenas.
As lideranças acionaram o ministério público para denunciar a calúnia e difamação do conteúdo publicado, exigindo direito resposta. O mesmo site publicou outra matéria sobre o assunto, em que noticia a Operação Guardiões do Bioma, realizada pelo Instituto Chico Mendes de Proteção da Biodiversidade (ICMBio), com apoio de policiais militares da Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental de Porto Seguro (CIPPA/PS) e afirma que as apreensões foram feitas nas zonas rurais dos municípios de Prado e Itamaraju, sem mencionar terras indígenas, o local específico da ação ou a fonte das imagens. De fato, o ICMBio esteve na aldeia Kaí, como parte da fiscalização realizada, mas não encontrou evidências de crime ambiental.
Prado possui quatorze comunidades Pataxó, sendo nove no TI Comexatibá. No entanto, a ameaça de latifundiários e especuladores de imóveis tem se intensificado através da articulação de bolsonaristas, principalmente, do município vizinho, Teixeira de Freitas, onde está instalada uma espécie de sede onde latifundiários e representantes da extrema direita se reúnem. A autora da notícia e proprietária do site é moradora de Teixeira.
Se associam a estes, os especuladores imobiliários que têm invadido terras dentro do Território para criar condomínios de luxo na beira das praias paradisíacas do local, entre eles o vereador de Prado, natural de Teixeira de Freitas, Brenio Pires (Podemos).
A notícia falsa é mais um ataque aos povos organizados, que lutam por seus direitos e pela democracia no Brasil. Repudiamos vigorosamente a má conduta jornalística e a prática fascista de espalhar notícias falsas para difamar as lideranças populares, a fim de justificar crimes que eles mesmos cometem. Alertamos que o período eleitoral se aproxima e como ocorrido nas eleições passadas, esse tipo de notícia falsa deve ser propagada de forma ainda mais intensa. Antes de compartilhar, procure fontes confiáveis de informação.
22/jul/2022
Por que e Para Quem – Foi publicado o Decreto municipal 082/2022
Para Tomar a Terra Indígena Pataxó Comexatiba, em Cumuruxatiba – Prado-BA?
Incentivar, Descriminalizar, Legitimar e Regularizar as Invasões na Terra Indígena?
A Serviço do Que e de Quem foi Decretado a Invasão da Terra Indígena Comexatiba, da Aldeia Tibá, o Sonho da Zabelê? Quem Ganha? Quem Perde com o Decreto municipal?
CARTA ABERTA DO(A)S PATAXÓ ÀS AUTORIDADES PÚBLICAS MUNICIPAIS, ESTADUAIS, FEDERAIS, PESSOAS INTERESSADAS DE TODA COMUNIDADE DE CUMURUXATIBA E REGIÃO
Não se pode negar o direito ao acesso à água, energia elétrica, saneamento básico, moradia, alimentação segura, escola, saúde, enfim, aos serviços e políticas públicas. Somos favoráveis que as famílias e pessoas que, ainda irregularmente, dentro da nossa Terra Indígena Pataxó Comexatiba, construíram suas moradas, suas ocas e kijémi, tenham seus direitos mais imediatos, atendidos já. Nós, Pataxó, das organizações indígenas, estamos dispostos a dialogar e colaborar no que for necessário para o nosso Bem-Viver. Por Uma Cumuruxatiba para Ser Feliz. Como afirma nosso hino que Corina Medeiros, nossa primeira professora compôs, no início de 1940.
É nosso desejo enfrentar o desafio de encontrar caminhos e soluções para enfrentarmos os desafios dos limites e das possibilidades de expansão das moradias conforme as necessidades reveladas. Queremos que outras direções e rumos sejam tomados para que não aconteça com nossa antiga e invadida “vila índia” (FUNAI, 2015), a mesma expulsão, exclusão e marginalização do(a)s parentes nativos que vêm sendo atirados para as periferias em condições indignas de se viver. Como em Trancoso, Arraial D’Ajuda, Caraíva, Coroa Vermelha, Santo André, enfim, o mesmo que acontece nas outras antigas vilas deste litoral, depois de consolidadas o mercado das atividades voltadas para o turismo. Daí porque, nós, nativo(a)s, povos originários identificados em Cumuruxatiba: Pataxó e demais etnias reconfiguradas e classificadas pelo Estado na categoria de pescadores artesanais extrativistas, residualmente pertencentes a outros grupos étnicos minoritários (negríndios, famílias Tupinikim, Tupinambá, Aimoré, Maxakali, afrobrasileiro(a)s, etc.), possamos co-habitar a mesma Terra-Mãe que nutriu nossos antepassados, onde deles, também se nutriu.
O cemitério de Cumuruxatiba é indígena, lá, nossos antepassados, pais, mães, avós, bisavós foram enterrados. Estamos cientes que temos um passado, um presente e um futuro comum que nos une. Cujo Decreto investe para destruir e nos separar, colocando-nos uns contra os outros. É isso que após entendermos, nos trouxe até aqui para esclarecer. Nós não concordamos é com o Decreto e tudo que ele semeia para colher sem nada nos favorecer ou garantir.
Não são as definições, os princípios, termos e ajustes de nossas condutas desejadas em nossos modos de relacionamento, envolvimento e desenvolvimento na comunidade Mangabeiras e posteriormente, Jamelão, ambas auto instaladas organizada a partir de 2012, que recusamos acolher para dialogarmos, definições, contratos e pactuações com a mediação do MPF e da FUNAI.
É o Decreto Municipal (082/2022), na forma como foi decidido, condicionando o atendimento das justas demandas da comunidade à violação de nossos direitos, sem consultar se a comunidade concordava com o conteúdo de seu texto ou não, com ou sem alterações. Pelo que entendemos, as necessidades justificadas não passam de um álibi para esta chantagem oportunista de burlar os direitos indígenas e colocar moradores uns contra os outros e todos contra nós, indígenas Pataxó. Somente com a intenção de favorecer o sucesso da estratégia de liberar os condomínios luxo, entre outros igualmente fechados nas áreas pertencentes as aldeias, que estão sendo construídos, se multiplicam, prosperam enriquecendo bem poucos vindos de fora no território em questão. Aspecto que vem gerando muitos prejuízos e agressões racistas contra nós, povo Pataxó que vem sofrendo ameaças de toda ordem, inclusive riscos de morte, gerando insegurança e nos tornando vulneráveis a mais invasões e agressões. São prejuízos que envolve assédio moral, perdas patrimoniais, material e imaterial da comunidade e cultura que queremos interromper e evitar. Se, lermos com atenção e analisarmos o Artigo 2º. do Decreto Municipal 082/2002 que cria o Bairro Mangabeira como ‘Núcleo Informal Consolidado’, é possível perceber que os seus limites e fronteiras não foram definidos, foram empurrados para ‘depois’, ignorando completamente a Terra Indígena e os nossos direitos constitucionais. Observemos o Artigo 2º afirma o seguinte: “Os limites do Núcleo ‘Núcleo Informal Consolidado’ o Bairro Mangabeira, situado no Distrito de Cumuruxatiba, para fins de Reconhecimento de Domínio Municipal e posterior objeto de Regularização Fundiária Urbana de interesse social – REURB-S, ocupado preponderantemente por população de baixa renda do Município de Prado Bahia”. Este artigo falta com a verdade porque atualmente, a maioria das famílias que residem na área já não são mais nativas, muitos venderam irregularmente suas supostas posses, há parentes fazendo mercado com isso, aprenderam com nossos algozes, a má fé vinda de fora pra dentro. É a minoria nativa que vive lá, entre 20 e 30% de seus moradores, no máximo. Precisamos da realização deste cadastro, até porque a necessidade dos serviços público e da infraestrutura são reais e justificados.
Então, a serviço de quem está este Decreto? Quem perde e quem ganha com tudo isso?
Diante do exposto é possível concluir que todo este contorcionismo jurídico-administrativo foi feito para usar as famílias que verdadeiramente necessitam de moradia digna para contrariar os direitos constitucionais (Art.231 e 232); acomodar grandes interesses, colocando-se a serviço do lucro de menos de 10 famílias abastadas camufladas de supostos proprietários – influentes e poderosos, como: um vereador da Câmara Municipal de Prado, o presidente do Associação do PA Cumuruxatiba – que também comanda um grupo religioso local; o dono da pousada Boa Sorte, situada no povoado, entre outros.
São estes que se apresentam como principal ameaça que, muito além do tráfico de influência, de recursos da natureza. Por isso seus mentores recorrem a agenciamentos, associações perigosas envolvendo forças milicianas armadas e forças de segurança particular, além de violações à cultura indígena trazendo festas e bagunças generalizadas para as proximidades das comunidades indígenas. Porque as famílias Pataxó que vivem nas aldeias apresentam as mesmas demandas por água potável, energia elétrica, escola, conservação das estradas, nos unimos para que estes mesmos direitos sejam garantidos e cheguem até nós, por meio do poder público que desejamos dialogar. Queremos que estes direitos sejam assegurados para todos sem privilégios ou distinção.
Por todo o exposto é que nós, das comunidades e aldeias indígenas prejudicadas e impactadas por este Decreto e determinação política-administrativa autoritária, queremos:
- Que sejam suspensas e interditadas toda a venda de lotes e projetos de condomínios fechados e irregulares que foram criados na Terra Indígena Comexatiba.
- Que seja declarado proibidos os bailes e ‘batidões’ e torneios regados a bebidas, som alto e circulação de estranhos nas nossas aldeias que chegam atraídos por tais festas financiadas por vereador da câmara municipal de Prado-BA e seus aliados locais e de fora do distrito e município. Estamos sendo invadidos, incomodados por tais eventos quase todo feriado, final de semana e períodos de veraneio. Nossos jovens, nossas crianças, os velhos e as demais famílias precisam ser protegidos, inclusive, nossa cultura, visto que vem ferindo e corrompendo nossos usos e costumes locais.
- Que medidas de compensação e reparação à comunidade Pataxó, pelo poder público sejam discutidas e asseguradas para que possamos dialogar sobre as flexibilizações necessárias para um Plano Diretor e Georreferenciamento da área de expansão urbana do Distrito de Cumuruxatiba e outros que se encontram sob as mesmas condicionantes dos direitos indígenas e comunidades tradicionais, incluindo a da pesca artesanal.
- A liberação de todos os acessos das antigas estradas de servidão que foram fechadas para o acesso à praia em toda a faixa litorânea do distrito.
- Que este episódio em vez de semear e cultivar conflitos entre nativos, moradores vindos de fora e comunidade Pataxó, possa servir de baliza para a construção da Cumuruxatiba que desejamos construir e compartilhar com pradenses, outros baianos, brasileiros, cidadãs e cidadãos do mundo que sonham com o Bem Viver sem as desigualdades que vêm se aprofundando entre nós
11/jan/2022
Com o apoio e participação da comunidade Pau Brasil, na Bahia, lideranças do povo Pataxó Hã-hã-hãe ocuparam nessa segunda-feira (10) um antigo prédio da Comissão Executiva Plano Lavoura Cacaueira (CEPLAC). A ocupação reivindica uma luta incansável dos povos indígenas pela destinação do prédio para o polo base da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).
Segundo o representante da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), Fábio Titiah – no prédio há 5 anos funciona o polo base de saúde indígena, que se estrutura em apenas 4 salas inferiores, as quais são insuficientes, o que dificulta a permanência.
“O ideal é que todo o prédio seja disponibilizado ao polo, o que possibilitaria uma melhora na logística, o que refletirá numa melhor e mais adequada atuação para os trabalhadores da saúde indígena.”
Os serviços oferecidos no polo têm sofrido prejuízos de forma constante, como com as fortes chuvas na região, que ocasionaram perdas de documentos, equipamentos e remédios, precarizando a situação da equipe de saúde.
Com o avanço das chuvas na região, o prédio que sedia o polo foi alagado, com o nível da água chegando a 80 cm. As lideranças afirmam que essa situação é inaceitável, motivo pelo qual não é possível esperar pela boa vontade do poder público. O próprio município já possui um terreno para construir um novo polo, de modo que já se passaram mais de 6 anos sem planos de início das obras.
Por isso, a comunidade e as lideranças indígenas ocuparam o prédio e a proposta é seguir em resistência até que o governo federal possa liberar o espaço para o município de Pau Brasil, que atende ao povo indígena Pataxó Hãhãhãe. Há pouco as lideranças decidiram pelo fechamento das 4 salas inferiores e só abrirão quando todo o prédio for declarado para saúde indígena.
Atualmente o prédio é usado também pela secretaria de agricultura do município, pelo que as lideranças, ao chegarem, pediram para um dos funcionários do órgão desocupar o prédio, já que o patrimônio pertence ao governo federal. As lideranças seguem mobilizadas pedindo que a saúde indígena e o povo sejam respeitados e atendidos.
23/dez/2021
Sem luz, sem água potável e sem perspectiva de melhora, o povo pataxó que vive no território de Ponta Grande, na região de Porto Seguro (BA), enfrenta, além da pandemia de covid-19 e das consequências da forte chuva que atingiu a região, uma decisão judicial que veta a “implantação de serviços básicos de qualquer natureza”. Na prática, o território não pode fazer melhorias em pontos de energia —já precários— ou obras de saneamento básico. As chuvas atingiram as poucas instalações elétricas, dificultando o uso de eletrodomésticos.
“A queda de energia é frequente, porque a rede daqui é ‘gato’ e somos cem famílias usando a mesma rede”, explica Thyara Pataxó, liderança indígena da aldeia Novos Guerreiros, uma das cinco aldeias pataxós localizadas no território.
As cinco aldeias —Mirapé, Nova Coroa, Txihí Kamaiurá e Ytapororoca, além da Novos Guerreiros— concentram cerca de mil famílias que foram duramente atingidas pelas chuvas no início deste mês. Thyara relata que, em meio ao drama de perderem suas casas, muitos têm sofrido com alergias e coceiras na pele por causa da má qualidade da água disponível para beber. “Usamos a água de poços artesianos construídos por nós”, diz. “Mas, com as chuvas e sem saneamento, ficamos com áreas de esgoto aberto que acabam contaminando os poços. Por falta de opção as famílias continuam bebendo desta água.”
A água retirada dos poços é amarela e apresenta um forte cheiro. Thaya afirma que a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) não considera a água própria para consumo. Procurada pelo UOL, a secretaria não retornou sobre o assunto. Lethicia Reis, assessora jurídica do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), afirma que a proibição também afetou a campanha de vacinação contra o coronavírus nas aldeias. “Não pudemos reforçar a distribuição de água para ter congelador que armazenasse as doses de vacina. Tivemos de colocar [os imunizantes] em outras terras indígenas”, explica ela. Marcelo Bloizi, advogado dos pataxós, observa que, mesmo no grupo prioritário da vacinação, os indígenas tiveram “sufocado o direito à saúde” pelo Poder Judiciário. “A gente sabe o quanto a água foi importante neste período de pandemia, principalmente para a higiene. Como você mantém a água potável numa área sem poder reformar as instalações?”, questiona.
Decisão segue pedido de reintegração de posse
A determinação judicial que proíbe obras para implementar luz e água no território veio do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) e acata um pedido da Goés Cohabita, tradicional construtora baiana que move o processo contra os pataxós desde 2003. A empreiteira tem um longo histórico de processos de reintegração de posse na área, sendo o primeiro deles em 1997. A decisão pegou não só as comunidades de surpresa como também os advogados, que alegam não terem sido informados deste pedido da empresa. “Isso é relativamente comum”, lamenta Lethicia Reis. A assessora jurídica do Cimi disse que é prática corriqueira a Funai (Fundação Nacional do Índio) ser citada em processos em vez de informarem à comunidade. Isso vem de um período anterior à Constituição de 1988.
“Antes, a Funai tinha uma atitude de garantir a permanência dos indígenas ali. Mas a situação ficou mais grave no governo de Jair Bolsonaro, porque o entendimento interno mudou. Agora, usam a tese da mínima defesa, em que só defendem aldeias indígenas já demarcadas.” Lethicia Reis, assessora jurídica do Cimi.
Além da natureza da decisão, surpreendeu também a data em que foi publicada: 13 de novembro de 2020, seis meses após o ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspender qualquer ação de reintegração de posse em terras indígenas durante a pandemia ou antes que seja definida a votação do marco temporal, ainda em julgamento no Supremo. A defesa dos pataxós recorreu ao STF, mas o ministro Nunes Marques manteve a decisão do TRF-1. Em nota enviada ao UOL, o advogado Manoel Almeida Neto, representante jurídico da Goés Cohabita, afirma que o pedido foi feito em 2019, “após reiterados descumprimentos de ordens judiciais”, quando foram instalados pontos de luz por meio de um programa social do governo da Bahia. Almeida Neto argumenta que as instalações são ilegais, já que a área original não pode mais sofrer alterações desde que o processo de reintegração foi determinado. A defesa dos indígenas, por outro lado, disse que a presença deles no local é anterior à chegada da construtora e que, nos autos do processo, o procurador da Bahia conclui que a matrícula em nome da Goés Cohabita é irregular.
O parecer, publicado em 2015, de fato indica irregularidade na matrícula mãe —que foi desmembrada em várias outras no decorrer dos anos. Nos autos, consta que o terreno adquirido pela construtora não foi devidamente demarcado e que não há provas de que a área tenha sido cedida, doada ou vendida pelo estado da Bahia. “Vale observar que, se assim foi perpetrado o dito registro, em verdade fora levado indevidamente a registro no Cartório de Imóveis, mascarando “posses” em terras devolutas do Estado como se propriedades particulares fossem, criando-se, assim, a grande confusão fundiária existente no Estado da Bahia”, diz trecho do texto assinado pelo procurador estadual Odilair Carvalho Júnior.
Disputa pela área inclui outros processos Marcelo Bloizi compara o processo a uma hidra, representada na mitologia grega por uma criatura com várias cabeças de serpente; a cada cabeça que fosse cortada, nasciam outras no mesmo lugar. O desmembramento da matrícula mãe em várias outras originou uma série de medidas judiciais contrárias ao povo pataxó. É como uma hidra. Parece que você enfrenta um e já vêm os outros [processos], que entram com medidas judiciais contra para resguardar um direito de propriedade.” Marcelo Bloizi, advogado dos pataxós Bloizi também menciona uma decisão judicial de 1997 que reconheceu a presença dos indígenas na região antes da chegada da construtora. O processo (1997.33.01.001294-4) diz que “conclui-se ser a posse dos índios anterior à dos autores”. Embora a decisão não tenha sido localizada em sistemas eletrônicos de Justiça, ela é citada no segundo volume do “Tratado de Direito Constitucional”, coleção publicada em 2012 sob coordenação dos juristas Ives Gandra Martins, Gilmar Ferreira Mendes e Carlos Valder do Nascimento.
A Goés Cohabita afirma que em 2004 já contava com o reconhecimento da Justiça de que havia um “risco iminente de invasão de propriedade”. “Mesmo assim, em 2006, os indígenas invadiram a área privada e a Justiça converteu a decisão descumprida em reintegração de posse. Desde então, os indígenas vêm progressivamente ocupando a extensão da área em descumprimento às ordens judiciais e tentando junto do TRF-1 a supressão dos efeitos das decisões, sem sucesso”, diz o texto enviado por Almeida Neto. Bloizi argumenta que a decisão judicial também prejudica os pataxós na Justiça, já que o território ficou com pouca ou nenhuma energia e, diante das inundações provocadas da chuva, soma-se a dificuldade de deslocamento na região. “Até pedi a compreensão do MPF (Ministério Público Federal) para aceitar um recurso sem procuração diante das circunstâncias, porque eles estão sem energia elétrica para poder imprimir os papéis que necessitam de assinaturas e mesmo dificuldade de chegar a algum local onde possam fazer isso”, conclui. O TRF-1 estipulou que, em caso de manutenção da rede elétrica ou “continuidade de obras de distribuição de água na localidade”, a multa diária será de R$ 20 mil.
Matéria originalmente publicada no UOL em 23/12/2021
10/maio/2021
Crédito da foto: Thyara Pataxó/Etnomída
POR RENATO SANTANA, DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO – CIMI
A decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) de paralisar todas as políticas públicas destinadas às aldeias da Terra Indígena Ponta Grande, localizada no município de Porto Seguro (BA), foi reclamada pelo povo Pataxó, representado pela assessoria jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
No dia 03 de maio a Reclamação Constitucional, ingressa com caráter de urgência, foi distribuída ao ministro Kassio Nunes Marques. Nela os indígenas afirmam que a decisão do TRF-1 contraria a Suprema Corte, que suspendeu quaisquer ações de reintegração de posse enquanto durar a pandemia. A decisão do ministro Edson Fachin ocorreu no início de maio de 2020 como apêndice do processo de Recurso Extraordinário 1.017.365/SC.
Ocorre que o desembargador Carlos Brandão, ao paralisar a execução de políticas públicas na Terra Indígena, proferiu sua decisão nos autos de uma ação possessória de reintegração de posse de 2006. Ou seja, seu teor e tramitação violam a autoridade de julgado pelo STF e desobedecem uma decisão em vigor até o término da pandemia ou com o julgamento do Recurso Extraordinário.
“Esperamos que o ministro Kassio Nunes Marques dê uma decisão que retome, o mais rápido possível, as obras e políticas públicas nas nossas aldeias. Não podemos ficar sem água em plena pandemia. Se pra afastar a covid precisamos cuidar da higiene, como fazemos isso sem água? Sem contar que o próprio STF diz que não pode ter esse tipo de ação contra o nosso povo”, diz o cacique Roberto Pataxó.
“Não deveria haver tramitação porque a decisão do ministro Fachin a impede. Pedimos, portanto, que a decisão seja cassada por ter sido proferida enquanto a suspensão era para acontecer”, diz a assessora jurídica do Cimi
A defesa dos Pataxó solicita, na Reclamação Constitucional, que os efeitos da decisão sejam suspensos em caráter liminar e que acolhida a presente reclamação, com a confirmação da medida liminar, o TRF-1 decida conforme o disposto na decisão do ministro Fachin atrelada ao Recurso Extraordinário 1.017.365/SC.
“Não deveria haver tramitação porque a decisão do ministro Fachin a impede. Pedimos, portanto, que a decisão seja cassada por ter sido proferida enquanto a suspensão era para acontecer e que seja determinada a suspensão do processo, o que não aconteceu até hoje mesmo com a decisão do Fachin”, explica a assessora jurídica do Cimi, Lethicia Reis de Guimarães.
Mulheres na aldeia Novos Guerreiros, Terra Indígena Ponta Grande: mobilização envolve todas as cinco aldeias. Crédito da foto: Thyara Pataxó/Etnomídia
Autoria da ação contra os Pataxó
A paralisação das políticas públicas foi requerida no âmbito da ação possessória pela autora, a empresa Goés Cohabita Administração, Consultoria e Planejamento LTDA. A empresa, com capital acima dos 23 milhões de reais, é liderada por Joaci Fonseca de Góes, que reivindica a posse da “Fazenda Ponta Grande”, onde estão localizadas as aldeias Pataxó.
Conforme nota da Etnomídia Pataxó, o empresário Joaci Góes mantém uma imagem de intelectual, tendo presidido a Academia Baiana de Letras, comprometido com a educação e outras questões sociais, além de ter sido deputado federal e um dos principais dirigentes do jornal Tribuna da Bahia.
No entanto, mesmo atrelado a atividades avessas a uma postura ávida por acúmulo de capital e especulação imobiliária, a ação da Goés Cohabita fez com que obras relacionadas à distribuição de água e energia elétrica fossem paralisadas deixando cerca de duas mil famílias Pataxó sem acesso a necessidades básicas como saneamento, água potável e iluminação de vias e residências.
“Nos faz sentir que somos vistos como animais, sem direito a nada, sem direito a um chão, sem direito ao nosso território, sem direito a uma casa, sem direito à água potável e à luz elétrica”, trecho da carta dos caciques
“Prejudica a gente na demarcação e nos projetos sociais das comunidades indígenas. Somos cinco aldeias e essas aldeias precisam dos projetos sociais. Através dessa liminar, ficamos impossibilitados de receber esses projetos municipais, estaduais e federais”, diz o cacique Roberto Pataxó. Ele frisa que a ocupação tradicional é atestada por estudos antropológicos e históricos.
Em carta endereçada às autoridades públicas (acesse pelos links abaixo), os caciques da Terra Indígena Ponta Grande questionam: “como cuidaremos de nosso povo durante a pandemia, que já mata mais de 3.000 pessoas por dia no Brasil, se não temos água nem luz? Como uma decisão judicial pode ser tão injusta? (SIC)”. Eles afirmam que a comunidade da Terra Indígena se sente violada.
“Nos faz sentir que somos vistos como animais, sem direito a nada, sem direito a um chão, sem direito ao nosso território, sem direito a uma casa, sem direito à água potável e à luz elétrica, sem direito a VIVER! Nem o momento de pandemia, de calamidade pública, foi capaz de conter uma decisão terrível como essa. Nem a autoridade do STF foi capaz de conter mais uma violação dos povos indígenas”.
Resistência dos Pataxó contra o despejo da aldeia Novos Guerreiros, em 2020, teve cantos, rituais e manifestações. Crédito da foto: Thyara Pataxó/Etnomídia
Comunidade não reconhecida nos autos
A defesa dos Pataxó argumenta, na Reclamação, que “a despeito da previsão do artigo 232 da Constituição Federal, a comunidade indígena ainda não é reconhecida como parte nos autos da reintegração de posse. Por isso, na audiência em que foi exarada sentença (em 19 de outubro de 2006), por não figurar como parte integrante do processo e, consequentemente, ter a sua intimação prejudicada, a comunidade indígena sequer se encontrava presente”.
Paralelamente, a Fundação Nacional do Índio (Funai) informou ao juiz que o Grupo de Trabalho para revisão dos limites da Terra Indígena Coroa Vermelha, cuja demarcação deixou de fora a área da Ponta Grande, foi publicado pela Portaria nº 1.082, da Presidência do órgão, em 05 de outubro de 2007, comprovando haver estudo iniciado para a demarcação nova área em favor da comunidade da Ponta Grande. Justamente por isso, desde então, os Pataxó passaram a ser clientes de políticas públicas e projetos sociais.
Causou espanto aos Pataxó o fato de que em outubro de 2020 a comunidade requereu, no âmbito da ação possessória, a construção de obras estaduais para distribuição de água para a comunidade indígena
Em ofício da Funai datado de 11 de novembro de 2016, juntado ao processo, o órgão indigenista afirma que a comunidade indígena, composta na época por cerca de 450 pessoas divididas em cinco aldeias (Nova Coroa, Itapororoca, Mirapé, Novos Guerreiros e Txihikamayurá), já era beneficiária do programa federal “Luz para Todos”, executado pela Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba).
Causou espanto aos Pataxó o fato de que em outubro de 2020 a comunidade requereu, no âmbito desta ação possessória, a construção de obras estaduais para distribuição de água para a comunidade indígena. O TRF-1 foi comunicado com antecedência da necessidade da comunidade e da chegada desta política pública às famílias indígenas.
Comemoração na aldeia Novos Guerreiros, depois que a suspensão do despejo foi confirmada, em 2020. Crédito da foto: Thyara Pataxó/Etnomídia
Os argumentos da Reclamação Constitucional
“A insegurança dos direitos territoriais dos povos indígenas somada à pandemia do coronavírus colocou os povos indígenas em situação de risco ainda maior, seja pela omissão estatal na regularização dos territórios, seja pela maior vulnerabilidade em relação ao vírus”, argumenta a defesa dos indígenas.
Este também é o argumento do ministro Fachin em sua decisão de maio de 2020: “a manutenção da tramitação de processos, com o risco de determinações de reintegrações de posse, agravam a situação dos indígenas, que podem se ver, repentinamente, aglomerados em beiras de rodovias, desassistidos e sem condições mínimas de higiene e isolamento para minimizar os riscos de contágio pelo coronavírus”.
“Diversas têm sido as decisões neste sentido reconhecidas pelo STF, que reforçam o entendimento que a decisão do ministro Edson Fachin tem eficácia nacional e compulsória”, diz trecho da Reclamação
A suspensão dos processos possessórios relativos à Terra Indígena Ponta Grande foi explicitamente determinada na Reclamação Constitucional 43.058/BA, proposta em liminar pela Defensoria Pública da União (DPU) no STF, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em 02 de setembro de 2020: “dessa forma, tendo em vista o possível descompasso entre o ato reclamado e a orientação firmada pelo STF no âmbito da repercussão geral, entendo presente a fumaça do bom direito a dar ensejo à concessão da liminar”.
Há ainda, no STF, sob relatoria do ministro Alexandre de Morais, outra Reclamação Constitucional, de número 45.671/BA, que também trata da Terra Indígena Ponta Grande, pertinente novamente à Aldeia Novos Guerreiros e interposta pela DPU. Neste caso, é reclamada decisão proferida nos autos da reintegração de posse, proposta por José Derly Costa, que também tramita na Vara Federal Cível e Criminal de Eunápolis.
“Diversas têm sido as decisões neste sentido reconhecidas pelo STF, que reforçam o entendimento que a decisão do ministro Edson Fachin tem eficácia nacional e compulsória, suspendendo decisões e processos de reintegração de posse em todo o país, como a Rcl 42.329 e a Rcl 43.907. Em relação aos povos da Bahia, há que se mencionar ainda a Rcl 45.260 (Tupinambá de Olivença)”, diz trecho da Reclamação.
Pedido ao Governador da Bahia
Pedido aos MPs
Pedido ao CDA
Decisão
29/abr/2021
No último dia 26 de abril, os caciques do território indígena Pataxó Ponta Grande encaminharam para diversos órgãos uma carta de pedido de socorro para a atual situação em que o território se encontra. Na carta, os líderes indígenas declaram ESTADO DE EMERGÊNCIA nas cinco comunidades que compõe o território de Ponta Grande, onde se encontram famílias sem acesso à água potável, a energia elétrica e a outras políticas públicas essenciais.
Essa situação é decorrente da decisão monocrática do Tribunal Regional Federal da primeira região, proferida pelo desembargador CARLOS BRANDÃO NA APELAÇÃO 0002966- 22.2006.4.01.3310, que determina a paralisação de toda política pública destinada às aldeias que compõem o referido território (Aldeia Mirapé, Aldeia Novos Guerreiros, Aldeia Ytapororoca, Aldeia Nova Coroa e Aldeia Txihí Kamaiurá).
Na decisão o desembargador determina:
Pelo exposto, defiro o pedido de tutela de urgência para determinar a paralisação de qualquer obra na região compreendida desde o Rio dos Mangues, na porção sul, município de Porto Seguro-Ba; estendendo-se até a Rua da Mata e Gleba A, da Terra Indígena Coroa Vermelha, município de Santa Cruz Cabrália-BA, porção ao norte; tendo como confrontantes, a leste, com a BR 367 e Rua do Telégrafo, que liga os municípios de Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália-BA; e a oeste com a Gleba B da Terra Indígena Coroa Vermelha (Reserva da Jaqueira), até ulterior deliberação deste TRF da 1ª Região.
Essa decisão do desembargador Carlos Brandão paralisou as obras que permitiria a distribuição de água potável e das obras de prévia a distribuição de energia para os moradores do território. Um trecho marcante da carta feita pelo território fala: “Como cuidaremos de nosso povo durante a pandemia, que já mata mais de 3.000 pessoas por dia no Brasil, se não temos água nem luz? Como uma decisão judicial pode ser tão injusta? (…) Esta decisão nos viola no nosso âmago, nos faz sentir que somos vistos como animais, sem direito a nada, sem direito a um chão, sem direito ao nosso território, sem direito a uma casa, sem direito à água potável e à luz elétrica, sem direito a VIVER! Nem o momento de pandemia, de calamidade pública, foi capaz de conter uma decisão terrível como essa. Nem a autoridade do Supremo Tribunal Federal foi capaz de conter mais uma violação dos povos indígenas.”
A decisão desumana é requerida pela empresa GOÉS COHABITA ADMINISTRACÃO CONSULTORIA E PLANEJAMENTO LTDA, liderada pelo empresário do ramo de especulação imobiliária JOACI FONSECA DE GÓES. O empresário é responsável por diversos confrontos com o povo Pataxó da Bahia a vários anos, onde reivindica a posse da matrícula 1.914, de mais de 5 milhões de metros quadrados, denominada também de “Fazenda Ponta Grande”, onde está localizada diversas aldeias indígenas.
O empresário Joaci Góes mantêm uma imagem de intelectual baiano comprometido com a educação e outras questões sociais, é titular e presidiu a academia de letras da Bahia, foi deputado federal e foi um dos principais dirigentes do jornal tribuna da Bahia, onde publicou um artigo no dia 23 de março de 2021 falando da necessidade de oferecer saneamento básico as comunidades vulneráveis. Ironicamente enquanto escrevia e publicava seu texto, a empresa que leva seu nome submeteu cerca de duas mil (2000) famílias indígenas ao completo abandono, privando-os dos direitos mais essenciais para a garantia da vida.
A GOÉS COHABITA ADMINISTRACÃO CONSULTORIA E PLANEJAMENTO LTDA tem um capital social de R$23.219.724,00 (Vinte e três milhões, duzentos e dezenove mil e setecentos e vinte e quatro reais) e tenta incansavelmente tomar as terras de famílias que vivem da pesca e da produção e comercialização de artesanatos tradicionais. Essa situação traz à tona a necessidade de o estado intervir nessas questões, e garantir ao povo pataxó AS CONDIÇÕES MÍNIMAS DE VIDA.
Porto Seguro – BA, 29 de abril de 2021
Pedido ao Governador da Bahia
Pedido aos MPs
Pedido ao CDA
Decisão