Apib, FGV e Comissão Arns iniciam ciclo de debates jurídicos sobre o Marco Temporal

Apib, FGV e Comissão Arns iniciam ciclo de debates jurídicos sobre o Marco Temporal

“O Direito e as ameaças aos povos indígenas no começo do século 21” é o tema do primeiro encontro de uma série de quatro debates jurídicos sobre o Marco Temporal

O chamado “marco temporal” é uma tese jurídica que limita o direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais por meio da aplicação de um corte temporal restritivo. Segundo a tese, os povos indígenas só teriam direito às terras ocupadas por eles até a data da promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988. Na ausência de ocupação efetiva, seria necessário provar a existência de um conflito instaurado pela terra naquela mesma data. Essa tese redefine radicalmente o conceito de direito originário à terra consagrado na Constituição Federal, reduzindo e mesmo inviabilizando o reconhecimento e a proteção de grande parte das terras indígenas (TIs) no Brasil.

O marco temporal é uma das ameaças mais graves e estruturais aos direitos indígenas, à biodiversidade e ao equilíbrio climático na atualidade. Por isso, nesta sexta, 14/04, a partir das 13h, a Apib em parceria com o curso de direito da Fundação Getúlio Vargas e a Fundação Arns, realiza um ciclo de debates jurídicos dividido em quatro etapas que acontecerá presencialmente na faculdade em São Paulo e online, pela nossa página no YouTube. Os quatro encontros irão tratar da relação entre o marco temporal, os direitos e formas de vida indígenas, o equilíbrio climático e a biodiversidade.

Ao longo dos últimos 15 anos, o Marco Temporal tem sido central no cerceamento dos direitos indígenas, sendo usado para justificar despejos de comunidades e a suspensão da demarcação de TIs pelo governo federal e pelo Poder Judiciário. Esses processos têm deixado povos indígenas em situações de violência, ameaças, invasões territoriais e vulnerabilidade social e cultural constantes. O marco temporal tem contribuído também para o enfraquecimento da proteção das terras indígenas, e, em decorrência disso, para o desmatamento, a degradação ambiental, e a emissão de gases de efeito estufa oriundos de mudanças no uso da terra.

Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) assumiu a urgente tarefa de realizar o controle de constitucionalidade do marco temporal ao iniciar o julgamento do RE 1017365 – conhecido como “Caso Xokleng” -, uma ação na qual o Estado de Santa Catarina se apoia no marco temporal para restringir os direitos territoriais do povo Xokleng. Como o STF reconheceu repercussão geral ao julgamento, as centenas de ações judiciais versando sobre o marco temporal que hoje aguardam julgamento serão afetadas pelo seu desfecho.

O debate sobre o marco temporal é, por todas essas razões, pauta prioritária do movimento indígena, e precisa estar também no centro do debate público sobre direitos humanos, meio ambiente e equilíbrio climático. É neste contexto que a FGV Direito SP, em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Comissão Arns e o Instituto Clima e Sociedade (ICS), realiza o ciclo de debates, com o objetivo de, a partir da interlocução com organizações indígenas e com a comunidade científica, promover uma discussão pública multifacetada sobre o tema e produzir insumos para o julgamento do Caso Xokleng no STF, no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade do marco temporal.

Programação:
Abertura do Ciclo de debates sobre marco temporal
Carlos Nobre, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) – A confirmar
Eloy Terena, Secretário Executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI)
Kenarik Boujikian, Desembargadora aposentada TJSP e Cofundadora Associação Juízes para a Democracia
Manuela Carneiro da Cunha, Universidade de Chicago/Universidade de São Paulo/Comissão Arns
Oscar Vilhena, professor da FGV Direito SP

Serviço:
Data: 14/04
Horário: 13h – 16h
Local: FGV Direito SP e YouTube

Demarcação de terras, futuro e democracia é tema da 19ª edição do Acampamento Terra Livre

Demarcação de terras, futuro e democracia é tema da 19ª edição do Acampamento Terra Livre

A maior mobilização dos povos indígenas do Brasil, o ATL irá ocorrer do dia 24 a 28 de abril em Brasília

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lança nesta quinta-feira (06/04) o tema da 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), maior assembleia dos povos indígenas brasileiros que irá ocorrer entre os dias 24 e 28 de abril em Brasília, Distrito Federal. Intitulado “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia!”, a mensagem reforça a importância da demarcação de terras indígenas no país, que ficaram paralisadas durante quatro anos no Governo Bolsonaro.

Segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Brasil possui cerca de 680 territórios indígenas regularizados e mais de 200 aguardam análise para serem demarcados. Em dezembro de 2022, a Apib integrou o Grupo de Trabalho sobre Povos Indígenas, do governo de transição, que apresentou em seu relatório final a importância de demarcar 13 Terras Indígenas (TIs), que não possuem pendências em seus processos e estão prontas para serem homologadas, como forma de compromisso concreto do atual governo com os povos indígenas.

Para a Apib a demarcação dos territórios ancestrais é essencial na preservação de todos os biomas do país, mas também na luta contra o genocídio dos povos originários e na manutenção da democracia brasileira, como explica Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação:

“A demarcação de terras indígenas é um direito ancestral previsto na Constituição Federal. Aqueles que invadem uma TI destroem as florestas e atacam indígenas, que há mais de 500 anos lutam pela proteção das suas famílias, culturas e terras. Não queremos falar somente do que pode acontecer daqui a 4 anos ou 8 anos. É agora que meus parentes estão sendo assassinados, a democracia está sendo desrespeitada e as mudanças climáticas estão sendo agravadas”, diz Tuxá.

Em 2022, o Acampamento Terra Livre reuniu em Brasília mais de 8 mil indígenas, de 100 povos diferentes e de todas as regiões do Brasil. Durante dez dias de programação, o ATL debateu o enfrentamento da agenda anti-indígena imposta pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e o fortalecimento de candidaturas indígenas para o Congresso Nacional.

Após a mobilização, o movimento indígena aldeou a política com a Campanha Indígena e a eleição das deputadas federais Célia Xakriabá e Sonia Guajajara, articulou a criação do Ministério dos Povos Indígenas e a retomada da Funai e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), além de cobrar o arquivamento de projetos de leis que ferem os direitos dos povos originários como o PL 191/2020. Em Fevereiro de 2023, a Apib apresentou uma petição ao Ministério dos Povos Indígenas e pediu que ele fosse rejeitado e arquivado. No documento, a APIB aponta irregularidades do PL em relação a Tratados Internacionais e a Constituição Federal. No dia 31 de março de 2023, o presidente Lula pediu ao Congresso que o projeto fosse rejeitado e arquivado.

O ATL é organizado pela Apib e construído em conjunto com suas sete organizações de base, sendo elas: Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), pela Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), pela Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpinsudeste), Comissão Guarani Yvyrupa, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho do Povo Terena e Assembléia Geral do Povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu).

O local e a programação da 19ª edição do Acampamento Terra Livre serão divulgados nas próximas semanas.

Luta por direitos

“A principal demanda do movimento é a questão da territorialidade, nossa demanda principal é a demarcação, reconhecimento das nossas terras e também o respeito aos modos de vida que nós queremos ter em nossos territórios. Claro que nossa saúde, educação, políticas para mulheres, crianças, juventude também são importantes, mas entendemos que sem território não há como discutir nenhuma dessas pautas. Território é saúde, educação e vida”, reforça Val Eloy Terana, coordenadora executiva da Apib.

O ATL 2023 pretende enfatizar a luta por direitos e denunciar as violências que seguem acontecendo nos territórios. “Precisamos estar atentos, pois vivemos um estado de emergência permanente. O ATL representa esse processo de alerta constante, pois é necessário avançar ainda mais no enfrentamento das violências. As invasões dos territórios indígenas, pela mineração, por projetos de infraestrutura, por grileiros, madeireiros, por empresários do turismo e tantas outras, seguem acontecendo e nós precisamos estar mobilizados para mudar essa realidade e seguirmos lutando pelos nossos direitos”, enfatiza Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.

De acordo com dossiê Interfaces da Criminalização Indígena, produzido pelo Observatório de Justiça Criminal e Povos Indígenas da APIB, cinco proposições legislativas relacionados ao terrorismo facilitam ou estimulam a criminalização do movimento indígena no Brasil.

Histórico

O primeiro ATL surgiu em 2004 a partir de uma ocupação realizada por povos indígenas do sul do país, na frente do Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios. A mobilização ganhou adesão de lideranças e organizações indígenas de outras regiões do país, principalmente das áreas de abrangência da Arpinsul, COIAB e da APOINME, reforçando a mobilização por uma Nova Política Indigenista, pactuada no período eleitoral naquele ano.

Dessa forma, foram consolidadas as estruturas para a criação e formalização da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), criada em novembro de 2005 como deliberação política tomada pelo Acampamento Terra Livre daquele ano.

Sobre a Apib

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil é uma instância de referência nacional do movimento indígena. Ela aglutina sete organizações regionais indígenas e nasceu com o propósito de fortalecer a união dos povos, além de articular e mobilizar organizações indígenas de diferentes regiões do país contra as ameaças e agressões aos direitos indígenas.

Censo registra mais de 1 milhão de pessoas indígenas no Brasil

Censo registra mais de 1 milhão de pessoas indígenas no Brasil

Dados preliminares do IBGE já incluem a coleta feita na TI Yanomami.

O censo demográfico de 2022 registrou 1.652.876 pessoas indígenas em todo o país, conforme anunciado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última segunda-feira (03/04). O dado é preliminar e pode aumentar após a divulgação dos primeiros resultados definitivos, prevista para a primeira semana de maio.

A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) apoia a realização do censo e o último levantamento já inclui a coleta feita na Terra Indígena Yanomami, dividida entre os estados de Roraima e Amazonas. No local, foram identificadas 27.144 indígenas, sendo 16.864 em Roraima e 10.280 no Amazonas. Desse total, 5.600 indígenas foram mapeados em áreas mais remotas, com apoio de agentes e helicópteros da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

No último censo lançado pelo IBGE em 2010 os povos indígenas somavam 896.917 pessoas, dos quais 572.083 viviam na zona rural e 324.834 habitavam as zonas urbanas brasileiras.

*Com informações da Agência Brasil

Seminário PNGATI pauta a retomada da política nacional de gestão territorial e ambiental de Terras Indígenas em Brasília

Seminário PNGATI pauta a retomada da política nacional de gestão territorial e ambiental de Terras Indígenas em Brasília

Fotos: Pedro Magalhães | Apib

O evento é organizado Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e marca o retorno da política PNGATI

Diversas organizações indígenas e indigenistas irão se reunir no Seminário PNGATI, que ocorre do dia 3 a 6 de abril no Centro Cultural Missionário em Brasília, no Distrito Federal. O seminário tem como principal tema a retomada da política nacional de gestão territorial e ambiental de Terras Indígenas.

Organizado pela pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e suas organizações regionais de base em conjunto com mais de oito organizações como o Instituto Socioambiental (ISA) e o Instituto Iepé, no seminário os participantes irão discutir ferramentas de implementação e controle da PNGATI e mecanismos de financiamento, além de participar de plenárias e grupos de trabalho onde será elaborado um documento com propostas para o próximo ano da política.

No abertura do evento, Dinamam Tuxá, coordenador executivo da APIB  e um dos painelistas, falou sobre a importância do seminário: “Este momento é muito importante para os povos indígenas, pois marca o retorno do debate sobre gestão territorial e ambiental de Terras Indígenas longe do desgoverno Bolsonaro. Estamos unindo forças para combater tudo o que foi negligenciado pelo Estado Brasileiro nos últimos quatro anos e construir o futuro indígena a partir da demarcação dos territórios e da garantia dos direitos ancestrais”, afirmou ele. Assim como Dinamam, Kleber Karipuna e Val Terena, também coordenadores executivos da Articulação, participarão do evento.

O Seminário PNGATI conta com a presença de lideranças indígenas de todas as regiões e representantes do executivo e do legislativo federal como as ministras Sônia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas, e Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, além de Joênia Wapichana, presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Weibe Tapeba, à frente da Secretaria de Saúde Indígena e a deputada Célia Xakriabá.

A PNGATI é uma política pública vinculada à Funai e criada por decreto presidencial em 2012. Ela é a primeira política indigenista construída de modo participativo e representa um avanço na gestão autônoma e sustentável dos territórios indígenas no Brasil.

A APIB irá transmitir parte da programação do seminário em seu canal no YouTube e no Facebook. Confira:

Dia 04 de abril

Painel II – PNGATI Olhando para o futuro: eixos e propostas

Hora: 09h – 10h

Dia 05 de abril

Painel III – Instâncias e instrumento de democracia participativo e participação social para implementação e controle social da PNGATI

Hora: 09h – 10h

Dia 06 de abril

Painel IV – Mecanismos de financiamento da PNGATI

Hora: 09h – 10h

Encerramento

Hora: 14h – 16h

Alerta Congresso: Medida Provisória que privatiza florestas e da licença para poluir é aprovada

Alerta Congresso: Medida Provisória que privatiza florestas e da licença para poluir é aprovada

Foto: Reprodução/DW

A MP 1151/2022 foi proposta durante o Governo Bolsonaro e altera a lei de concessões florestais para favorecer a comercialização da biodiversidade e de crédito de carbono.

A Câmara dos Deputados aprovou na última quinta-feira (30) a Medida Provisória 1151/2022, que muda a lei de concessões florestais para beneficiar o comércio do crédito de carbono e da biodiversidade. A partir de agora, empresas podem explorar por décadas a venda de crédito de carbono para corporações e países que não querem parar ou reduzir a emissão de gases de efeito estufa. 

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e todas as suas organizações regionais de base pedem a revogação da MP e alertam sobre os riscos dessa medida para os povos indígenas e para o mundo. A medida permite que o controle dos territórios seja feito pelas empresas, que tiverem a concessão florestal, e não pelas comunidades, submetendo as pessoas que vivem nas florestas aos desmandos de empresas privadas.

As concessões florestais são executadas por empresas, que não representam povos e comunidades tradicionais, logo, conferir a elas maior atribuição é repassar para as empresas o papel de guardiãs das florestas ou submeter os povos que vivem nessas áreas a uma tutela do setor privado. 

“A MP 1151 contribui com o aumento da especulação imobiliária sobre os territórios e impede o fortalecimento do marco legal de proteção dos direitos territoriais.  Exigimos que a MP seja revogada e sejam realizados debates com as comunidades impactadas por essa proposta”, reforça Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib. 

A medida pode intensificar conflitos territoriais, sobretudo em áreas indígenas que ainda não foram demarcadas. O Brasil ainda não possui nenhuma regulamentação em vigor sobre o mercado de carbono e portanto a MP pode atropelar processos e aumentar as pressões em cima dos territórios, sem a existência de marcos legais que regulam o setor e promovam a proteção dos direitos territoriais e da consulta, livre prévia e informada. 

Com a aprovação, o Brasil pode perder espaço nas articulações e políticas internacionais sobre mudanças climáticas, como a implementação do Acordo de Paris e as negociações dentro das Conferências internacionais do Clima e da Biodiversidade. 

Um alerta produzido pelo grupo Carta de Belém também evidencia que a comercialização de créditos de carbono florestal visa a compensação de emissões por empresas privadas e atrasam a mudança necessária que o setor precisa para se comprometer com as mudanças no padrão de produção e distribuição, para o enfrentamento das mudanças climáticas. 

PLs do terrorismo podem estimular a criminalização do movimento indígena no Brasil, aponta APIB em dossiê

PLs do terrorismo podem estimular a criminalização do movimento indígena no Brasil, aponta APIB em dossiê

A análise faz parte do dossiê Interfaces da Criminalização Indígena, uma produção do Observatório de Justiça Criminal e Povos Indígenas da APIB.

Cinco proposições legislativas relacionados ao terrorismo facilitam ou estimulam a criminalização do movimento indígena no Brasil, associando movimentos sociais à desordem, ao crime e ao terrorismo. A análise é apresentada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) no dossiê Interfaces da Criminalização Indígena, lançado nesta quinta-feira (30/03) por meio do edital “Direitos Humanos e Justiça Criminal’’ do Fundo Brasil. 

O dossiê é uma produção do Observatório de Justiça Criminal e Povos Indígenas, iniciativa da APIB que promove um espaço de discussões entre pesquisadores, advogados e lideranças indígenas sobre os processos de criminalização na luta pela demarcação dos seus territórios.

Desde quando a Lei Antiterrorismo foi aprovada em 2016 (PL 13260/2016), o Brasil é alvo de críticas e preocupações de organizações internacionais. Relatores da Organização Nacional das Nações Unidas (ONU) e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos demonstram preocupação com o impacto da lei no exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais como a participação social em protestos políticos, o que representaria um risco à própria democracia. 

Apesar disso, o Observatório identificou, até o começo de 2020, 70 projetos de lei que tramitavam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e buscavam restringir o direito ao protesto e ampliar as condutas que configuram atos terroristas. A maior parte deles foram propostos no primeiro ano do Governo Bolsonaro em 2019, quando 21 PLs relacionados ao terrorismo foram apresentados no legislativo. 

Maurício Terena, coordenador jurídico da APIB e um dos organizadores do dossiê  Interfaces da Criminalização Indígena, explica que o documento apresenta um banco de dados com os projetos normativos levantados pelo Observatório. O advogado ressalta que o relatório propõe analisar e dar visibilidade a projetos que podem ser votados nos próximos meses, devido à fase de tramitação em que se encontram no Congresso Nacional. 

Entre os projetos destacados pelo documento está o PL de ações contra terroristas (1595/2019), que segundo o dossiê amplia a interpretação do que é terrorismo e não está de acordo com o direito internacional dos direitos humanos. Já o PL 732/2022 foi proposto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e adiciona na definição de terrorismo “o emprego premeditado, reiterado ou não, de ações violentas com fins políticos ou ideológicos” na Lei Antiterrorismo. 

O coordenador jurídico afirma que o movimento indígena é alvo constante de perseguição de setores influentes das elites brasileiras e por isso é um dos grupos mais afetados pelos PLs analisados pelo dossiê. 

“Um exemplo disso é que a alteração no PL 732 não esclarece se as ‘ações violentas’ se direcionam contra pessoas ou bens, dando margem para que as retomadas de territórios indígenas sejam classificadas como terrorismo, onde geralmente cercas e porteiras são derrubadas. Situação semelhante acontece com a proposição 7104/2014 que pretende dar exclusão de ilicitude para mortes no interior do domicílio em caso de supostas invasões, ou seja: fazendeiros e empresários que ameaçam a integridade pessoal dos povos indígenas podem apenas declarar legítima defesa”, esclarece Terena. 

Além dos já citados, o dossiê Interfaces da Criminalização Indígena também evidencia outros dois projetos: o PL 272/2016 e PL 4895/2020. O primeiro também prevê alterações na Lei Antiterrorismo e insere ações como incendiar, depredar e saquear no texto. Para o Observatório, o PL é vago na conceituação das condutas, o que abre brechas para criminalizar movimentos populares.

O segundo projeto cria o crime de “intimidação violenta”, no qual a relatora a deputada Margarete Coelho (PP-PI)  pediu que a pena seja aplicada para condutas de pessoas em movimentos sociais que protestam em defesa de direitos, garantias e liberdades constitucionais.

No relatório, o Observatório de Justiça Criminal e Povos Indígenas também apresenta uma análise da aplicação da Resolução do Conselho Nacional de Justiça em torno de homens e mulheres indígenas encarcerados na região da Amazônia Legal e um estudo sobre dinâmicas de criminalização de indígenas por meio de casos de perseguição contra as lideranças Sonia Guajajara e Almir Suruí, além de expor as faces da criminalização da mulher indígena no sistema de justiça criminal brasileiro.

Observatório de Justiça Criminal e Povos Indígenas

Criado em 2020 pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) , o Observatório de Justiça Criminal e Povos Indígenas é um espaço colaborativo de discussões e produção de conhecimento entre pesquisadores, advogados e lideranças indígenas que lutam pela garantia dos direitos dos povos indígenas do Brasil. 

Confira o dossiê Interfaces da Criminalização Indígena abaixo:

Dossiê Interfaces da Criminalização Indígena

Apib e Apoinme denunciam guerra contra o Povo Pataxó na Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Apib e Apoinme denunciam guerra contra o Povo Pataxó na Comissão Interamericana de Direitos Humanos

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), a Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR), o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos (FADDH), o Instituto Hori Educação e Cultura, a Justiça Global e a Terra de Direitos enviaram um relatório à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para esclarecer a situação de violência constante a que o povo Pataxó têm sido submetido, no extremo sul da Bahia. A CIDH recebeu o documento na sexta-feira, 24/03.

O relatório do governo enviado à Comissão afirma que “o Estado tem buscado pacificar os conflitos narrados na área em questão, investigar os crimes ocorridos e, em sede judicial, tem assegurado os direitos dos indígenas”. Porém, até o momento os esforços para conter as investidas dos fazendeiros e milicianos contra a vida dos povos indígenas da região se mostraram ineficazes. E a íntima relação de policiais da Bahia com os fazendeiros têm tornado as instituições de segurança inacessíveis e ameaçadoras para os indígenas.

Em diversas oportunidades, os caciques e lideranças Pataxó têm reiteradamente solicitado o envio urgente da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) à região, inclusive em reuniões do Gabinete de Crise do Ministério dos Povos Indígenas, na crença de que ampliar a força-tarefa diminuirá a ousadia dos fazendeiros.

 

Insegurança e Estado de guerra

O Estado brasileiro conduziu uma Força Tarefa, no âmbito do Sistema Estadual de Segurança Pública, para intensificar o policiamento feito pela Polícia Militar da Bahia, concluir as investigações e ações de polícia judiciária no âmbito da polícia civil da Bahia (PCBA) e do departamento de polícia técnico (DPT), assim como a fomentação da atuação interinstitucional. A medida foi tomada apenas depois que o jovem Gustavo Pataxó foi assassinado pela milícia, em 4 de setembro de 2022. Mesmo assim, em janeiro de 2023, outros dois indígenas foram assassinados às margens da BR 101.

A Força Tarefa culminou com a prisão de três policiais militares da Companhia Independente de Policiamento Especializado da Mata Atlântica (CIPE – MA / CAEMA), no dia 06 de outubro de 2022. Em janeiro, houve grande apreensão de armas e munições, reforço da Força Tarefa e o soldado autor dos últimos dois assassinatos foi preso temporariamente. Também houve a instauração de uma Força Integrada de Combate a Crimes Comuns envolvendo Povos e Comunidades tradicionais (FI/SSP) e a apresentação de um Plano de Atuação Integrada de Enfrentamento à Violência contra Povos e Comunidades Tradicionais.

Mesmo assim, a Federação Indígena das nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (FINPAT), relata que as comunidades Pataxó tem enfrentado a impossibilidade de realizar denúncias oficiais, por meio de boletins de ocorrência, devido à insegurança em relação às forças de segurança pública.

Como afirma o relatório da Apib, “isso se deu justamente devido à insegurança das comunidades em relação às forças locais, devido à participação de policiais militares em grupos milicianos que, contratados por fazendeiros, atacam as comunidades, o que acaba por comprometer a lisura da Polícia Militar enquanto instituição de segurança, uma vez que muitos policiais que estão agindo à margem da Lei, usando o aparato do Estado, treinamento militar, equipamentos, estrutura e inteligência, para cometer crimes e atentados contra a vida de dezenas de pessoas indígenas vulneráveis, sem condições de defesa.”

 

Ataque midiático 

A mídia protagoniza a guerra contra os indígenas, realizando uma ofensiva contra as comunidades Pataxó, num movimento de propaganda anti-indígena. O povo tem sido alvo de uma série de reportagens em grandes meios de comunicação que questionam a legitimidade da demarcação de seus territórios e, inclusive, a identidade indígena das comunidades envolvidas.

A emissora Jovem Pan News é responsável por circular uma notícia criminosa, no dia 21/03, que, além de trazer uma série de informações falsas, tenta deslegitimar os indígenas em luta pela demarcação de suas terras.

A notícia falsa associa as retomadas das Terras Indígenas de Barra Velha e Comexatibá ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, chama o povo Pataxó de “falsos índios” e atribui a eles crimes praticados pela milícia armada, contratada pelos fazendeiros intrusos, que têm aterrorizado a população da região. Nenhuma liderança indígena foi entrevistada pela reportagem, o que só reforça o caráter racista e calunioso da notícia.

No início de março, a emissora Band também prestou o desserviço de publicar uma matéria difamatória e racista contra o povo Pataxó. Essas e outras empresas de comunicação têm promovido uma campanha midiática contra as autodemarcações na região, que se propagam ainda mais através das redes sociais. As notícias não esclarecem os motivos reais dos conflitos e não apuram responsáveis, atribuindo supostos crimes à luta dos indígenas, ao mesmo tempo em que não reconhecem a legitimidade do povo sobre seu território. 

 

Justiça

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski suspendeu uma decisão da Justiça de Teixeira de Freitas a favor da reintegração de posse nas retomadas de duas áreas na região, na sexta-feira, 24/03. O ministro considerou o despejo uma ofensa à decisão anterior do STF, do ministro Edson Fachin, que em 2021 suspendeu todos os processos que tratem de demarcações de áreas indígenas até o fim da pandemia de covid-19 ou do julgamento final do caso.

Os territórios de Barra Velha e Comexatibá estão delimitados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), aguardando a assinatura do presidente da república na carta declaratória, para homologação dos documentos.

A Fazenda Marie, em Itamaraju, e a Fazenda Santa Rita III, em Prado são reivindicadas como parte das Terras Indígenas e serão mantidas sob a posse do povo Pataxó. A defensoria também apresentou uma Reclamação Constitucional para impedir a retirada dos indígenas de um terceiro imóvel, a Fazenda Therezinha. A área integra a Terra Indígena Comexatibá, em Prado, mesmo local onde o jovem indígena Gustavo Pataxó, de 14 anos, foi assassinado no final do ano passado. Ainda não há resultado sobre o último pedido de suspensão de desocupação.

O Ministério dos Povos Indígenas, apesar de vigilante, ainda não apresentou propostas efetivas para a situação. O gabinete de crise que atua desde janeiro em Brasília, foi prorrogado por 45 dias, mas surtiu poucos efeitos reais sobre a violência. A chegada da comitiva ministerial ao estado é inadiável. A vida de 12 mil indígenas Pataxó não pode mais esperar a discussão de soluções dos conflitos que assolam o território. O único caminho é a demarcação das Terras Indígenas Pataxó e a prisão dos fazendeiros e milicianos criminosos.

Despejos nas retomadas no extremo sul da Bahia são anulados pelo STF

Despejos nas retomadas no extremo sul da Bahia são anulados pelo STF

A decisão da Justiça de Teixeira de Freitas a favor da reintegração de posse nas retomadas de dois territórios no extremo sul baiano, foi suspensa pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. O ministro considerou o despejo uma ofensa à decisão anterior do STF, do ministro Edson Fachin, que em 2021 suspendeu todos os processos que tratem de demarcações de áreas indígenas até o fim da pandemia de covid-19 ou do julgamento final do caso.

A Fazenda Marie, em Itamaraju, e a Fazenda Santa Rita III, em Prado são reivindicadas como parte da Terras Indígenas (TI) Barra Velha e Comexatibá, e serão mantidas sob a posse do povo Pataxó. Lewandowski acatou, nesta sexta-feira, 24/03, as reclamações apresentadas pela Defensoria Pública da União (DPU) contra decisões da Vara Federal em Teixeira de Freitas que determinou a retirada do povo das comunidades em Barra Velha do Monte Pascoal e Nova Alegria.

A defensoria também apresentou uma Reclamação Constitucional para impedir a retirada dos indígenas de um terceiro imóvel, a Fazenda Therezinha. A área integra a Terra Indígena Comexatibá, em Prado, mesmo local onde o jovem indígena Gustavo Pataxó, de 14 anos, foi assassinado no final do ano passado. Ainda não há resultado sobre o último pedido de suspensão de desocupação.

Os territórios de Barra Velha e Comexatibá estão delimitados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), aguardando a assinatura do presidente da república na carta declaratória, para homologação dos documentos.

Com as políticas anti-indígenas do governo anterior, as demarcações foram paralisadas e os conflitos se intensificaram após os indígenas avançarem com as autodemarcações. Desde junho de 2022, os fazendeiros reagem violentamente às retomadas, bancando a atuação de uma milícia armada, vinculada à polícia militar, que aterroriza os moradores da região.

O governo no Estado da Bahia criou, em janeiro, uma Força Integrada (FI) composta por policiais Militares, Civis, além do Corpo de Bombeiros e Polícia Federal para conter a violência dos conflitos, que já deixaram três indígenas mortos. No entanto, as comunidades denunciam a relação próxima entre a FI e os fazendeiros invasores.

Já o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) criou um gabinete de crise para acompanhar a situação e planeja ir até a região em breve.

Conselho de Caciques dos Povos do Oiapoque questiona Petrobras sobre projeto exploração de Petróleo nas proximidades de três terras indígenas (Uaçá, Galibi e Juminã)

Conselho de Caciques dos Povos do Oiapoque questiona Petrobras sobre projeto exploração de Petróleo nas proximidades de três terras indígenas (Uaçá, Galibi e Juminã)

Funcionários da petroleira vão à aldeia Manga dois anos após assumir projeto na Foz do Amazonas

“As palavras se vão. Nós, indígenas, aprendemos isso a duras penas. Temos que documentar.” Com essa frase Priscila Karipuna repetiu a solicitação para que a Petrobras se comprometesse a seguir o Protocolo de Consulta Prévia dos Povos Indígenas do Oiapoque, documento que informa ao governo e empresas como devem incluir os povos em decisões administrativas e legislativas que afetarão suas vidas e seus direitos. O pedido, algumas vezes ignorado pela equipe de 13 pessoas da Petrobras, foi feito em reunião do Conselho de Cacique dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO) na aldeia Manga, na Terra Indígena Uaçá, no dia 13 de fevereiro. Ao fim do encontro ficou acordado com o cacique Edmilson Oliveira, do povo Karipuna, que o CCPIO criará um grupo de trabalho com representantes indígenas, da Petrobras, para acompanhamento das atividades na Foz do Amazonas.

Petrobras quer explorar petróleo na foz do Rio Amazonas

“As contrapartidas são um leque de opções. Vamos ouvir vocês e construir juntos com seus anseios e queremos saber os seus receios. A mão de obra hoje é muito pequena, a Petrobras não tem escritório em Oiapoque. No aeroporto empregamos 20 pessoas, três delas são indígenas. Sempre que possível vamos buscar absorver mão de obra indígena. Indiquem quem vocês querem que seja o elo de contato, que estamos dispostos a criar um comitê”, disse uma funcionária da Petrobras.

Estavam presentes 36 cacicas e caciques dos povos Karipuna, Palikur-Arukwayene, Galibi Marworno e Galibi Kali’na, além de integrantes das aldeias, das organizações indígenas, a secretária extraordinária de povos indígenas do Estado do Amapá, Simone Karipuna, representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e as organizações da sociedade civil Iepé (Instituto de Pesquisa e Formação Indígena) e WWF-Brasil.

Solicitada por ofício do CCPIO à Petrobras, a reunião foi a primeira oportunidade dos povos dialogarem com a petroleira sobre as movimentações já iniciadas em Oiapoque para o processo de licenciamento ambiental para exploração do bloco FZM-59 na bacia da Foz do Amazonas, a 178 km da cidade no extremo norte do Brasil.

Na primeira reunião participaram 36 cacicas e caciques dos povos Karipuna, Palikur-Arukwayene, Galibi Marworno e Galibi Kali’na

As colaboradoras e colaboradores da Petrobras informaram que cinco embarcações, equipes treinadas e helicópteros estão na região, à espera da liberação da licença ambiental para exploração do bloco. Segundo o CCPIO apurou, os equipamentos e maquinários estão aguardando a licença desde novembro, pois a expectativa era de que a exploração começasse ainda em 2022.

A reunião durou todo o dia. Na parte da manhã, as pessoas presentes se identificaram e a Petrobras fez uma apresentação para mostrar como será feita a atividade de exploração caso a licença ambiental seja concedida pelo Ibama e demonstraram plena confiança sobre as medidas de resposta previstas em caso de acidentes. Além disso, a empresa reforçou que a atividade atual na Foz do Amazonas é temporária e para verificar se há presença de petróleo na localidade (prospecção). Caso seja encontrado, começa a nova fase de licenciamento ambiental para a produção de petróleo, que então será uma atividade permanente, com a construção de um poço de petróleo em alto mar.

Na parte da tarde da reunião, diversos indígenas presentes colocaram suas preocupações com a movimentação na cidade de 28 mil habitantes (IBGE, estimativa 2021), da qual um terço é indígena. A cidade tem três terras indígenas, com algumas aldeias que ficam nas margens da BR 156 AP Norte, que liga a capital amapaense a Oiapoque. O trecho final da rodovia atravessa por cerca de 40 quilômetros a TI Uaçá. Já as outras aldeias se localizam às margens do rio Oiapoque, rio Uaçá. Esse território, que sofre grande influência das marés, é muito sensível e tem enorme importância sob a ótica da biodiversidade, além dos modos de vida local.

A presença da empresa na região já começou a afetar a vida dos povos indígenas, pois foi a movimentação provocada pelo uso do aeroporto de Oiapoque que levou à mudança do lixão de lugar. O Cacique Edmilson destacou a insatisfação com a mudança.

A movimentação no aeroporto já causou impactos nas comunidades, antes mesmo de começar a pesquisa sobre a viabilidade da exploração

“Já estamos sofrendo impacto com a mudança do lixão da cidade para o quilômetro 21 da BR, na terra indígena. [Hoje, o lixão] está na rota dos aviões, agora vai ficar na aldeia, perto dos igarapés do rio Curupi. É nosso berçário de peixes que sobem no verão para desova. É um impacto que já vamos sofrer”, alertou.

Para a Secretária Extraordinária dos Povos Indígenas do Amapá, Simone Karipuna, a questão do lixão é consequência do contexto das atividades da Petrobras. Simone fez inúmeros questionamentos. “Quais as contrapartidas vocês trariam aos povos? Os projetos teriam de envolver a população local, capacitar indígenas para trabalhar na Petrobras. Vocês já têm planos de recuperação de danos ambientais? O espaço aéreo sobre os territórios já está sendo afetado. Vocês vão entrar nos territórios?”

Para Hiandra Pedroso, a assessora jurídica da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e do Norte do Pará (APOIANP) já há impactos relacionados à Petrobras. “Com a questão do lixão houve uma aceleração, expectativas têm sido geradas. É só ir à cidade e conversar com as pessoas. A Petrobras tem responsabilidade nesses fatos pelo nexo de casualidade, tem responsabilidade factual”, afirmou a advogada.

O Cacique Odimar fez mais ressalvas sobre a questão do lixo e cobrou a empresa. “A história do lixão começou com 500 metros de distância da aldeia Tuluhi. Sabemos todos os igarapés e espaços das nossas terras indígenas e a nossa preocupação é que o lixão afete nossas águas. Disseram que não vai atingir nada. Mas vai atingir com certeza. Vocês [Petrobras] fazem um estudo agora, mas no futuro sabemos que vai nos atingir. Tem casas e umas 100 pessoas que moram ali perto de onde será o lixão.”

Insegurança ambiental na exploração de petróleo

Povos indígenas cobram projeto para minimizar o impacto ambiental sobre seus territórios e modos de vida

A licença ambiental do bloco FZA-M-59 ainda não foi concedida porque o Ibama e Ministério Público Federal no Amapá e no Pará entendem que faltam elementos que garantam um plano de emergência eficiente para o caso de um derramamento de óleo (que pode causar danos transfronteiriços, chegando por exemplo à Guiana Francesa, além de impactar estados brasileiros como Amapá, Maranhão, Pará). Em 2018, o mesmo problema levou o Ibama a negar licença para empreendimentos nessa região, que teve blocos arrematados em leilão pela Petrobras, a empresa francesa Total e a britânica BP. Em 2021, a Petrobras assumiu o bloco, após a saída das duas parceiras.

O Ministério Público Federal, Ibama e pesquisadores vêm apontando há mais de um ano que a modelagem da exploração do FZA-M-59, que simula a dispersão do óleo em caso de acidentes não garante segurança ao processo. O conhecimento tradicional dos povos indígenas sobre a dinâmica das marés no litoral do Amapá também contrapõe os resultados científicos.

Outra condicionante à liberação, cobrada pelo MPF, é a obrigatoriedade da consulta livre, prévia e informada aos povos locais sobre a forma como os seus modos de vida seriam impactados. Portanto, a petroleira brasileira quer fazer a exploração, mas não conseguiu ainda comprovar que a operação seja segura.

Conheça os receios dos indígenas e as respostas da Petrobras

Empresa defende que trará impactos positivos às vidas indígenas, porém o território sofre mudanças negativas antes mesmo do projeto começar

Na reunião, todos puderam fazer seus questionamentos à equipe da Petrobras. Uma colaboradora da Petrobras garantiu que todas as perguntas feitas pelos indígenas seriam respondidas e sugeriu que a comunidade escolhesse as pessoas que seriam o ponto focal para a empresa manter o diálogo. “A voz dos povos indígenas vai ser ouvida dentro da Petrobras. Minha sugestão é que o ponto focal seja o cacique Edmilson e a Sonia [secretária de estado].” Por ser uma fase ainda de investigação, as colaboradoras da companhia informaram que querem ouvir os povos para saber “qual impacto positivo podemos trazer, para trazer desenvolvimento local”.

Porém, na primeira questão que aparece, sobre o lixo e o uso do aeroporto, a Petrobras não se responsabilizou. Uma das funcionárias disse que “a Petrobras não pode falar pela prefeitura [de Oiapoque, responsável pela administração do aeroporto]. Fazemos a reparação de evento adicional se for decorrente da nossa atividade. [Em caso de algum incidente] a indenização ou compensação seguirá os ritos para entender o que houve. Os impactos esperados serão bem localizados na [região do bloco] FZA-M- 59, e não afetam a atividade pesqueira.”

A discussão, no entanto, é muito anterior a isso. A preocupação dos indígenas diz respeito aos impactos ambientais, sobre suas vidas e territórios, como alertou Ramon Karipuna, representante dos Povos Indígenas do Oiapoque pela Prefeitura Municipal de Oiapoque.
“Se tiver um acidente [na atividade de exploração de petróleo], vamos perder nossos peixes, tracajás e pássaros. A gente se preocupa com essas aeronaves. Nós preservamos o nosso território.”

Até o momento, não estão claras as mudanças que tal empreendimento poderá trazer para a região

Até o momento, não estão claras as mudanças que tal empreendimento poderá trazer para a região. É o que questiona o Cacique Jacson. “Se a corrente marinha faz o que tá perto chegar a Oiapoque, quais serão os impactos ambientais aos mangues, matas ciliares? Queríamos ver isso em estudo, mostrando isso. É a nossa preocupação.” Já o Cacique Nazildo, levanta a amplitude dos impactos. “Vemos que os trabalhos já iniciaram. Se houver um acidente que chegue a uma terra indígena, vai afetar as três terras indígenas”, ressalva.

Outro impacto informado pelos caciques foi sobre a perda dos alimentos cotidianos dos povos. “Com a passagem dos helicópteros hoje nossas caças fogem e já sentimos essa dificuldade de achar alimento que antes eram comuns.

Queremos que sigam o nosso protocolo de consulta prévia porque nós, povos indígenas trabalhamos na coletividade. Nossas decisões são de todos. Vamos avaliar, cada povo, como queremos que seja. E queria pedir que tenha uma identificação nos helicópteros para saber se é da Funai, da polícia, da Petrobras”, protestou o Cacique Edmilson.

Aty Guasu recebe comitiva do Governo Federal no território de retomada Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul

Aty Guasu recebe comitiva do Governo Federal no território de retomada Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul

Foto: Léo Otero

Na ocasião, lideranças indígenas falaram sobre a importância da demarcação e da proteção do território e das famílias que vivem na comunidade de Laranjeira Nhanderu.

A Aty Guasu, uma das setes organizações regionais de base que compõe a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), recebeu no último sábado (20/03) uma comitiva do Governo Federal na comunidade de Laranjeira Nhanderu, território de retomada do povo Guarani e Kaiowá no município de Rio Brilhante, no Mato Grosso do Sul. 

A comitiva foi liderada pelo Ministério dos Povos Indígenas, representado pela ministra Sonia Guajajara e pelo secretário-executivo Eloy Terena. Também participaram da agenda a presidenta da Funai, Joenia Wapichana, o secretário da Sesai Weibe Tapeba, a deputada federal Célia Xakriabá, representantes dos Ministérios dos Direitos Humanos e Cidadania,  e do Planejamento e Orçamento.

Na ocasião, lideranças indígenas locais falaram sobre a importância da demarcação e da proteção do território e das famílias que vivem na comunidade. No dia 3 de março, o povo Guarani e Kaiowá retomou a sede da fazenda Inho, no território Laranjeira Nhanderu, e a polícia cercou os indígenas e ameaçou despejar o grupo sem ordem judicial. Além disso, três lideranças indígenas foram presas.

O povo Guarani e Kaiowá enfrenta um histórico de violações que se intensificou em junho de 2022, quando o indígena Vitor Fernandes foi assassinado e dezenas de pessoas ficaram feridas durante uma ação violenta da polícia militar na TI Guapoy, em Amambai. A Aty Guasu e a APIB têm denunciado a truculência da polícia e cobrando urgência na demarcação da TI.