Governo recria Selo Indígenas do Brasil para identificar e valorizar a produção dos povos originários

Governo recria Selo Indígenas do Brasil para identificar e valorizar a produção dos povos originários


O Selo Indígenas do Brasil foi desenvolvido com o objetivo de valorizar e identificar a origem dos produtos produzidos por pessoas físicas ou jurídicas indígenas. No dia 05/01, uma portaria interministerial oficializou a iniciativa conjunta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).

“Para a Funai e para os povos indígenas, é um avanço no reconhecimento dos produtos de origem indígena, que têm sido caracterizados pela sustentabilidade, trabalho coletivo, a importância da terra, de sua demarcação e proteção. Os povos indígenas têm muito ainda a contribuir, principalmente a partir da identificação dos produtos indígenas com o Selo Indígena, uma iniciativa conjunta do MDA, Funai e MPI, que visa valorizar e promover esses produtos”, destaca a presidenta da Funai, Joenia Wapichana.

A recriação do selo levou em conta a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), instituída pelo Decreto nº 7.747, de 5 de junho de 2012, que prevê a identificação de procedência étnica e territorial da produção dos povos e comunidades indígenas. Tanto a PNGATI, quanto o selo eram políticas que já existiam, mas foram descontinuadas após o golpe sobre a presidenta Dilma Rousseff, agora, puderam ser retomadas. O Selo Indígenas do Brasil está associado e articulado à expedição do Selo Nacional da Agricultura Familiar (SENAF).

Para ter o emblema de reconhecimento é necessário fazer uma solicitação junto ao MDA e atender a algumas condicionantes como o manejo exclusivo por indígenas e a concordância da comunidade que desenvolve o produto. O uso do selo é gratuito.
Dessa forma, o governo exige a apresentação de uma lista de documentos que comprovem a origem dos produtos, de acordo com as portarias do MDA nº 37, DE 17 DE NOVEMBRO DE 2023 e do MDA/MPI/FUNAI Nº 1, DE 4 DE JANEIRO DE 2024.

Organize a documentação conforme listado abaixo e adquira o selo para seu produto. A concessão do selo tem prazo de dois anos, podendo ser renovada e a lista dos autorizados ficará disponível nos sites do MDA e da Funai.

1 – Faça uma ata de reunião deixando clara a concordância da comunidade indígena ou entidade representativa em utilizar o selo;
2 – Apresente a ata à Funai e solicite o documento da Fundação, contendo a lista dos produtos a serem identificados, breve descrição dos processos produtivos, relação de produtores requerentes e informações sobre os povos aos quais pertencem;
3 – Faça uma declaração afirmando que os processos de produção respeitam as legislações ambiental e indigenista vigentes;
4 – Cadastre-se na plataforma digital Vitrine da Agricultura Familiar e envie os documentos.

A resposta chegará em até 30 dias, quando você receberá a imagem do selo identificado, um Código QR e um número de série. Após a validação e a concessão do SENAF será emitido o certificado ao obtentor do selo.

ACESSE AQUI O MODELO DE DOCUMENTO QUE DEVERÁ SER SOLICITADO À FUNAI

No STF, Apib protocola ação e pede que lei do genocídio seja declarada inconstitucional

No STF, Apib protocola ação e pede que lei do genocídio seja declarada inconstitucional

Apib pede que a lei nº 14.701/2023 seja declarada inconstitucional e suspensa até a finalização do julgamento na Corte

Após a lei nº 14.701/2023, considerada como lei do genocídio para o movimento indígena, ser promulgada nesta quinta-feira (28/12) pelo presidente do Senado Rodrigo Pacheco, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em conjunto com os partidos políticos REDE e PSOL, protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF). Na ação, a Apib pede que a lei seja declarada inconstitucional e suspensa até a finalização do julgamento na Corte. 

“Enquanto a ADI tramita no STF, nós povos indígenas não podemos sofrer os danos da lei. É por isso que estamos solicitando uma medida cautelar, ou seja, que a lei seja suspensa durante o processo da ação de inconstitucionalidade”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib. 

Em sessão conjunta no dia 14 de dezembro, o Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, agora lei 14.701. Com isso, parlamentares transformaram a tese ruralista do marco temporal em lei e aprovaram diversos crimes contra os povos indígenas. A sessão terminou com 321 deputados contrários aos vetos e 137 favoráveis. No Senado a votação foi de 53 a 19 pela retirada dos vetos.

A Apib, junto com suas sete organizações de base, reforçam que direitos não se negociam.  No mesmo dia da votação, a Apib protocolou no STF uma solicitação de audiência para tratar sobre as ameaças aos direitos indígenas e a Constituição Federal, que existem nesta nova lei. 

Na ADI, o departamento jurídico da Apib pede que a ação tenha como relator o Ministro Edson Fachin. O Ministro foi relator do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365, no qual o STF rejeitou o marco temporal, ou seja, a possibilidade de adotar a data da promulgação da Constituição Federal como marco para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas. 

“A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição”, diz trecho da decisão do Supremo. O julgamento do marco temporal no STF foi finalizado no dia 27 de setembro com 9 votos contra e 2 a favor da tese.

Abaixo veja quais crimes estão ou não na lei do genocídio:

Crimes que viraram lei

  1. Tese do marco temporal em 05 de outubro de 1988. Povos indígenas precisam comprovar conflitos e/ou que foram expulsos do seu território por ação judicial até a data fixada;
  2. Demarcação de terras indígenas com participação dos Estados e municípios;
  3. Cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas;
  4. Demarcações dos territórios ancestrais podem ser contestadas a qualquer momento.
  5. Direito de usufruto exclusivo não pode se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional, permitindo intervenções militares sem consulta prévia;
  6. Invasão de terra indígena pode ser considerada de boa-fé com direito a indenização. O invasor pode continuar no território até a finalização do processo de demarcação;
  7. Proibido o redimensionamento de terra indígena demarcada, mesmo quando houver erro do Estado;
  8. Insegurança jurídica nos processos de demarcação em curso, para que se adequem à Lei do Genocídio Indígena. 

O que não entrou na lei do Genocídio

  1. Flexibilização da política de não contato com povos isolados e de recente contato;
  2. Permissão de cultivo de transgênicos em terras indígenas;
  3. Retomada de áreas indígenas reservadas em caso de “perdas de traços culturais” (perspectiva racista e assimilacionista).
O ano mais quente e a luta indígena!

O ano mais quente e a luta indígena!

Enquanto organizamos nossa retrospectiva, outra liderança indígena foi assassinada e uma criança Yanomami foi estuprada, no Brasil. Começamos a construção da nossa memória das lutas de 2023 reforçando a nossa Emergência Indígena. Cacique Lucas Pataxó-hã-hã-hãe foi assassinado a tiros em uma emboscada, no dia 21 de dezembro, na estrada de Pau Brasil, no município de Itajú do Colônia, no sul da Bahia. Uma criança de 11 anos foi violentada por quatro pessoas, em Boa Vista, Roraima.

Basta de violência! Seguiremos mobilizados em luta, tocando nossos maracás, para ecoar nossas vozes por justiça e pelo fim das violências contra os povos indígenas.

2023 foi um ano que mesmo diante de diversos avanços nas nossas lutas, as ameaças sobre nossos direitos, culturas e territórios seguiram acirradas. Retomando o “Emergência Indígena”, pois somos obrigados a enfrentar no nosso cotidiano a violência do racismo enraizado na sociedade e nas estruturas do Estado.

O ano mais quente da história ficou marcado pelas ações de resistência e violações de direitos dos povos indígenas. Seguimos afirmando que não existe solução para a crise climática sem povos e territórios indígenas.

Mobilizações nas aldeias, nas redes sociais e nas cidades, pautaram a importância da continuidade das demarcações das Terras Indígenas e a necessidade da tese ruralista do Marco Temporal ser anulada definitivamente. 2023 também foi um período único sobre representatividade indígena nos diversos espaços de poder.

Neste balanço, destacamos as principais mobilizações, ações jurídicas e incidências políticas, que envolveram a Apib e suas organizações regionais dentro e fora do Brasil.

Exaltamos os trabalhos da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpinsudeste), da Comissão Guarani Yvyrupa, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), do Conselho do Povo Terena e da Assembléia Geral do Povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu).

A Apib junto com suas regionais promoveram cerca de 300 mobilizações em todo o Brasil durante o ano. Mais de 21 milhões de pessoas foram alcançadas nas redes sociais e mais de 17 mil matérias foram publicadas durante o ano, em 93 países.

Confira nossa retrospectiva ‘DIGA AO POVO QUE AVANCE’!

Leia também a retrospectiva feita pelo coordenador jurídico da Apib, Mauricio Terena, e a Carta de fim de ano para um Brasil que nunca quis ser indígena do coordenador executivo da Apib Dinamam Tuxá e do professor Felipe Tuxá.

Mobilizações

Marco Temporal

Conseguimos uma vitória no Supremo Tribunal Federal (STF) com o término do julgamento, que decidiu decretar a ilegalidade do Marco Temporal, mas o grito de vitória não durou muito tempo.

Setores ligados ao agronegócio seguiram travando uma queda de braço no Congresso Nacional com o STF. Parlamentares aprovaram, no dia 14 de dezembro, a derrubada dos vetos de Lula ao PL 2903 e transformaram o Marco Temporal e outros crimes contra os povos indígenas, em lei.

Agora será novamente o STF quem deve decidir, em 2024, sobre a legalidade da lei 14.701/2023 (antigo PL 2903). A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) vai entrar no STF com uma ação para pedir a anulação da lei aprovada pelo Congresso Nacional.

Acampamento Terra Livre

O Acampamento Terra Livre deste ano reuniu, em Brasília, entre os dias 24 e 28 de abril, mais de 6 mil indígenas de todos os cantos do Brasil. A 19ª edição do nosso acampamento, foi a primeira grande mobilização, na capital federal, após os atos golpistas do dia 8 de janeiro e mais uma vez a Apib e todas as organizações do movimento indígena deram uma lição de luta democrática.

Com o tema “O FUTURO INDÍGENA É HOJE. SEM DEMARCAÇÃO NÃO HÁ DEMOCRACIA”, o movimento indígena decretou EMERGÊNCIA CLIMÁTICA e promoveu alertas e incidências contra os projetos de morte que estão no Congresso Nacional. O novo ciclo de mobilizações contra a tese do marco temporal foi iniciado durante o ATL 2023 e foi no último dia de mobilização que o Governo Federal atendeu uma reivindicação histórica do movimento.

Demarcação Já

Ao fim do ATL 2023, a Apib e suas sete regionais destacaram a demarcação de terras como ação prioritária do movimento indígena e o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou os decretos de homologação de seis Terras Indígenas (TI), sendo elas:

TI Arara do Rio Amônia (AC)

TI Tremembé da Barra do Mundaú (CE)

TI Rio dos Índios (RS)

TI Avá-Canoeiro (GO)

TI Kariri-Xocó (AL)

TI Uneiuxi (AM)

O ato quebrou um jejum de quase seis anos sem a garantia deste direito fundamental dos povos indígenas. A Apib reconhece as vitórias da mobilização, com o retorno de demarcações de territórios indígenas. Um das TI, Uneiuxi, localizada no estado Amazonas, tem a presença de povos em isolamento voluntário. O processo para sua efetivação já caminhava a passos lentos, há 40 anos. A recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e a criação do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) somam às conquistas desta edição do Acampamento.

No dia 5 de setembro, dia da Amazônia, outras duas TIs foram homologadas:

TI Rio Gregório (AC)

TI Acapuri de Cima (AM)

A Apib e suas organizações seguem cobrando pela demarcação imediata das 6 Terras Indígenas restantes, que estão na relação de 14 Terras, que deveriam ser homologadas nos primeiros 100 dias do Governo Lula, como indicado pelo relatório do Governo de Transição.

Mulheres Indígenas

As mulheres indígenas promoveram duas grandes mobilizações nacionais, em 2023. A pré-marcha das mulheres indígenas entre os dias 29 de janeiro e 01 de fevereiro e a III Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, entre os dias 11 e 13 de setembro, mobilizados pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga). Ambas atividades foram realizadas, em Brasília, e reuniram no total cerca de 8 mil mulheres, que vivem em todos os biomas do Brasil.

As mobilizações fortaleceram as lutas dos povos indígenas e também foram determinantes para as pressões contra a tese ruralista do Marco Temporal. Destacamos também as inúmeras mobilizações que aconteceram nos territórios das organizações de mulheres de todos as regiões e biomas do Brasil.

Fórum de Lideranças

Mais de 50 lideranças de todas as regiões do país, que representam as sete organizações regionais de base da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e compõem o Fórum de Lideranças, estiveram reunidas de 23 a 26 de fevereiro, na Terra Indígena Renascer Ywyty Guaçu, em São Paulo.

Foram quatro dias de atividades de planejamento estratégico para organizar as ações de 2023, olhando o presente e aprendendo com a resistência ancestral dos antepassados. Os desafios do movimento indígena pela garantia de direitos seguem vivos, por isso é necessário estar organizados.

O momento reforçou a proposta de governança indígena da Apib, que quer fortalecer as organizações de base da Apib, ampliar e qualificar a participação e controle social do movimento indígena na construção de políticas públicas.

Retomada do CIMC

Durante a programação do ATL, foi reativado o Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC). O Comitê foi criado em 2015 mas estava paralisado desde o governo Temer, devido à redução ou eliminação dos espaços de participação social no governo federal. O CIMC pretende posicionar o movimento indígena na discussão desse tema a nível nacional e internacional, além de aumentar a interlocução com os governos.

Sinéia do Vale, do povo Wapichana, é referência na temática e está à frente da retomada e da coordenação do CIMC nacional. “A proposta da retomada está sendo construída e debatida com as organizações indígenas, mas a intenção é instituir CIMCs regionais que irão dialogar com o nacional. Agora, a discussão não se restringe mais à Amazônia. Precisamos proteger todos os biomas e territórios”, explica ela.

Juventude

A juventude indígena esteve mobilizada durante todo o ano de 2023. Foram realizadas dezenas de encontros e assembleias de juventude nos territórios de todas as regiões do Brasil. Essas ações buscaram promover debates e formações com o objetivo de fortalecer a juventude com as ações do presente que visam o nosso futuro indígena.

Internacional

A Apib mobilizou agendas de denúncia internacional, em conjunto com suas organizações de base, em agendas centrais para os povos indígenas.

Em meio ao cenário a cada ano mais desafiador para reverter o descaminho que afasta a todos da meta mundial de limitar o aquecimento do planeta em 1.5ºC, os povos indígenas foram mais uma vez reconhecidos como lideranças globais para a sonhada transformação que levaria ao alcance das metas do Acordo de Paris, nos discursos de abertura da 9ª reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP, na sigla em inglês), que tradicionalmente abre as atividades da Conferência do Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Técnico (SBSTA) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), em Bonn, na Alemanha. A atividade aconteceu entre os dias 31 de maio e 3 de junho.

O coordenador executivo da Apib, Dinamam Tuxá, esteve, em Genebra, no final do mês de junho, para denunciar as ameaças do Marco Temporal, durante a 138ª Sessão do Comitê de Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU). Na sequência, Dinamam realizou agendas de incidência junto ao Parlamento Europeu, em Bruxelas, para mobilizar aliados internacionais contra a proposta do marco temporal e para dialogar sobre a lei Anti Desmatamento do Parlamento Europeu, que viola o direito dos povos indígenas e não reconhece os diversos biomas do Brasil, ameaçados com o desmatamento.

A Apib tem realizado um trabalho de litigância estratégica perante Tribunais Internacionais, nesse sentido a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil tem eleito a Corte Interamericana de Direitos Humanos como um espaço fertil para denunciar as violações de Direitos Humanos que ocorrem no país em desfavor aos povos indígenas, o JUR/APIB atua nas medidas cautelares do povo Pataxó, Guarani Kaowá, Yanomimi, Munduruku e Guajajara. Além disso, o Departamento Jurídico mantém uma comunicação no Tribunal Penal Internacional, que visa condenar Bolsonaro pelo crime de genocio.

A Semana do Clima, em Nova York, e a COP 28, em Dubai, também foram espaços importantes de incidência política internacional da Apib e suas organizações. Nos Estados Unidos a comitiva indígena reforçou mobilizações contra o Marco Temporal e pela continuidade da demarcação das Terras Indígenas. Já nos Emirados Árabes, a Apib cobrou demarcação como principal compromisso climático e denunciou os riscos de exploração de petróleo em Terras Indígenas.

Vivenciamos com mais frequência eventos climáticos extremos, que afetam em cheio nossos povos. Somos nós, os protetores de 80% de toda a biodiversidade do planeta, segundo dados da ONU. E acessamos diretamente menos de 1% do financiamento climático global.
A responsabilidade da preservação não pode ficar apenas com os povos indígenas. Devemos cobrar os países colonizadores e ricos, mas não podemos esperar que eles façam por nós o que nunca fizeram. Se eles são desenvolvidos, foi às custas das nossas riquezas e do nosso sangue.

Por isso a Apib participa dos principais eventos globais sobre as mudanças climáticas para afirmar: NÃO EXISTE SOLUÇÃO PARA A CRISE CLIMÁTICA SEM POVOS E TERRITÓRIOS INDÍGENAS!

Governança, participação e controle social

Em janeiro de 2023, retomamos os trabalhos do GT de Governança Indígena reafirmando seu caráter autônomo. Para além do período de transição governamental e dos 100 primeiros dias do novo Governo Federal, o GT propõe-se a monitorar permanentemente a implementação das políticas públicas para povos indígenas. Avaliamos que a participação do movimento indígena nas políticas públicas tem se dado de forma reativa, em consequência do cenário de constantes ameaças aos nossos direitos, de intensificação da violência, e de degradação ambiental dos nossos territórios. Assim, esperamos que haja o efetivo comprometimento político para implementação de nossos direitos e que possamos colaborar de forma mais propositiva.

Reconhecemos, portanto, o início de um novo cenário para a política indigenista com a instituição do Ministério dos Povos Indígenas, assim como a nomeação de indígenas para o cargo de presidente da Funai e para a Sesai. Nossa expectativa sobre a presença dos povos indígenas nas instituições de governo, é que possam transformar estes espaços e garantir o fortalecimento de mais uma frente aliada para o avanço na implementação de políticas públicas.

A Apib e suas organizações regionais de base participam dos seguintes espaços de conselhos/comitês como forma de participação e controle social nas políticas voltadas aos povos indígenas:

  • Gabinete de Crise / Povo Pataxó
  • Fórum de Presidentes de CONDISI
  • Conselho Nacional de Meio Ambiente
  • Comitê Gestor da PNGATI
  • Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Meio Ambiente
  • Comitê de Assessoramento do Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos
  • Conselho Nacional de Política Indigenista
  • Comitê Gestor do Fundo Clima
  • Fundo Biomas Indígenas
  • Composição do Comitê Interministerial de Coordenação, Planejamento e Acompanhamento das Ações de Desintrusão de Terras Indígenas
  • Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA)
  • Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf)
  • Conselho Consultivo Sobre Gestão Pública, Saúde e Mudanças Climáticas – Fiocruz
  • Conselho Nacional de Direitos Humanos

Emergência Indígena

2023 foi marcado pela violência contra os povos indígenas. Uma realidade que impõe o empenho e aprofundamento de ações e políticas de defesa dos nossos povos e nesse sentido a Apib relançou a campanha Emergência Indígena.

Luta Guarani Kaiowá

Com a violência sistemática contra os povos indígenas Guarani e Kaiowá, em Mato Grosso do Sul (MS), a Apib apresentou no dia 17 de abril uma nova Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF). A medida é histórica e tem como objetivo combater a violência e as violações de direitos dos povos indígenas no Estado. O protocolo ocorreu após a prisão de dez indígenas dos povos Guarani, Kaiowá e Terena durante a retomada de parte do território ancestral tekoha Yvu Vera, no município de Dourados (MS), que aguarda a demarcação pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

A taxa de homicídios praticados contra a população indígena no estado de Mato Grosso do Sul é alarmante. De acordo com dados do Atlas da Violência de 2021, em 2019 a taxa contra indígenas era de 44,8 para 100 mil habitantes, representando uma média superior à média geral do Estado de 17,7 e mais que o dobro da média nacional de 21,7.

Casal rezadores Kaiowá e Guarani morreram carbonizados em incêndio criminoso, em setembro de 2023. Invasões, torturas e casos de racismo seguiram acontecendo ao longo de todo o ano.

Em 2022, a Apib denunciou ao menos dois casos de homicídios contra os Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. O primeiro deles foi no dia 24 de junho quando o indígena Vítor Fernandes foi morto na retomada do território ancestral Guapoy, atualmente registrada como uma fazenda. Vítor foi vítima de uma ação violenta da Polícia Militar, que deixou cerca de dez feridos e ficou conhecido como Massacre de Guapoy.

Semanas depois, Márcio Moreira foi assassinado em uma emboscada no dia 14 de julho. Lideranças Guarani Kaiowá apontam que o crime foi uma retaliação contra a ação de retomada e a repercussão do massacre.

Luta Pataxó

As violências contra o povo Pataxó, na região sul da Bahia, seguiram intensas nos primeiros meses de 2023. Um processo agravado das violencias nos últimos quatro anos e que levaram ao assassinato de diversos indígenas seguiu no inicio do primeiro semestre. A Apib, Apoinme e diversas organizações indigenistas promoveram denúncias nacionais e internacionais para reverter essa situação e realizaram articulações em instâncias do Governo Federal e Estadual.

Samuel Divino, 25 anos, e Inauí Brito, 16 anos, ambos do povo Pataxó, foram perseguidos e assassinados no dia 17 de janeiro. Este é mais um crime da milícia que tem espalhado o terror entre os indígenas da região. Há meses as comunidades dos Territórios Indígenas de Barra Velha e Comexatibá vem denunciando a atuação dos criminosos, que ameaçam o povo Pataxó diariamente, disparam tiros contra suas casas, impedem a livre circulação no território e matam jovens.

Em setembro de 2022, Gustavo Silva, uma criança de 14 anos, foi executado com um tiro na cabeça pelos mesmos milicianos, no município vizinho, Prado. No dia 27 de dezembro de 2022, a aldeia “Quero Ver”, do povo Pataxó, foi invadida por homens armados e encapuzados que metralharam casas na comunidade.

A TI Barra Velha do Monte Pascoal abrange áreas em quatro municípios do sul da Bahia: Itabela, Itamaraju, Porto Seguro e Prado. A região desperta o interesse não apenas de empresários do setor agropecuário, mas também de empresas do setor de turismo, o que vem desencadeando muita especulação imobiliária. Entenda o histórico da sobreposição de terras AQUI.

Diante desse cenário de violência, a Apib peticionou perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e conseguiu na semana do acampamento terra livre a concessão de Medidas Cautelares para proteção do Povo Pataxó, essa incidência foi articulada por meio do departamento jurídico da Apib com organizações parceiras.

Crise Humanitária Yanomami

O ano de 2023 iniciou com uma série de ações, promovidas pelo Governo Federal, para atender às inúmeras solicitações feitas pelas organizações indígenas sobre as violências sofridas pelo povo Yanomami, no estado de Roraima. A morte de mais de 500 crianças, assassinatos, estupros, trafíco de pessoas, aumento do crime organizado dentro da Terra Indígena Yanomami e da destruição de grandes áreas do território causadas pelo garimpo ilegal, faz parte da gestao anti-indígena do governo Bolsonaro.

No dia 26 de janeiro a Apib e Coiab entraram com representaçao criminal na Procuradoria Geral da República (PGR) contra o ex-presidente do Brasil, Bolsonaro, e seus aliados: Marcelo Xavier, ex-presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Damares Alves, ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e Robson Santos, ex-secretário de saúde indígena da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), para que eles sejam responsabilizados criminalmente pelo genocídio dos Yanomamis, em Roraima.

A representação criminal da Apib também relembra que 21 ofícios com pedidos de ajuda dos Yanomami foram ignorados por Bolsonaro feitas pela Coiab e pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR). No relatório “Yanomami sob ataque”, publicado em 2021, a Hutukara Associação Yanomami e a Associação Wanasseduume Ye’kuana relataram o aumento das doenças decorrentes do garimpo.

Os conflitos seguem na região e a Apib, Coiab, Cir, Hutukara Associação Yanomami, a Associação Wanasseduume Ye’kuana e a Associação URIHI seguem agindo e cobrando ações efetivas do Estado brasileiro contra as violências contra o povo Yanomami.

“Nós ainda estamos sofrendo”. Confira o balanço realizado sobre os primeiros meses da emergência Yanomami.

Dossiê

No dia 9 de junho, o Observatório de Justiça Criminal e Povos Indígenas, iniciativa da Apib, lançou o dossiê “Povos Indígenas e Sistema de Justiça Criminal da América Latina”. “O documento joga luz na invisibilidade contra os povos indígenas dentro do sistema de injustiça. Existem diversos mecanismos legais que dão tratamento especial para os parentes e isso é negado, pois o sistema judicial ainda é muito racista. É comum a gente encontrar em decisões judiciais fundamentações como: ‘não é mais indígena porque fala português’ e ‘não é mais indígena porque usa celular’, por exemplo”, diz Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e integrante do observatório. Confira o dossiê completo aqui.

Mina de Sangue

A Apib, por meio do departamento jurídico, denunciou uma série de violações aos direitos dos povos indígenas no projeto de mineração da empresa Belo Sun em Volta Grande do Xingu, no estado do Pará. A análise foi publicada no relatório “Mina de sangue – Relatório sobre o projeto da mineradora Belo Sun”, produzido pela Apib e publicado, no dia 29 de junho.

No relatório, a Apib pontua as omissões, ilegalidades e intimidações por parte da mineradora contra os povos originários Volta Grande do Xingu, no Pará

Educação Indígena e Políticas ameaçadas

A medida provisória (MP) 1154 do governo Lula que reorganiza os ministérios, publicada no Diário Oficial da União no dia 19 de junho, não cita a educação indígena como uma das competências do Ministério da Educação (MEC) e utiliza o termo “educação geral”. Para a Apib, o termo ignora a existência da educação escolar específica, diferenciada, intercultural, bilíngue/multilíngue e comunitária para os povos indígenas, garantida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e na Constituição Federal de 1988.

Além da educação indígena, a medida retira do MEC atribuições históricas como a educação do campo, de direitos humanos e quilombolas, representando um esvaziamento da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetizada de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) que possui uma diretoria de “Políticas de Educação do Campo, Indígena e para Relações Étnico-raciais”. A pasta foi extinta por Jair Bolsonaro e recriada por Lula.

“A educação indígena é um direito conquistado pelo movimento social. É um absurdo que isso tenha sido ignorado pelo governo, que apresentou o texto ao Congresso Nacional dessa forma”, disse o coordenador executivo da Articulação, Dinamam Tuxá.

No dia 1 de junho, o Senado Federal aprovou a MP 1154 com 51 votos a favor. A MP estava tramitando em regime de urgência no Congresso Nacional e já tinha sido aprovada pela Câmara dos Deputados. Senadores e deputados federais aprovaram o texto-base elaborado pelo deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), relator na comissão mista que analisou a MP.
Com a aprovação, o Ministério dos Povos Indígenas deixou de ser responsável pela homologação de terras indígenas, que passa ser competência do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).

2023 também foi um desafio para o fortalecimento da educação indígena e reforçamos aqui a realização do VII Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena. A Fneei vem articulando a criação de importantes espaços de organização desta política fundamental para nossos povos. A Apib reforça a importância de maior atenção do Ministério da Educação para uma política diferenciada e de qualidade para os povos indígenas.

Uma Diretoria de Educação Indígena na estrutura do MEC e a criação de uma Universidade Indígena são algumas das propostas, que precisam ser atendidas e organizadas pelo Governo.

Conquistas

Advocacia Indígena

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, no dia 20 de junho, a criação de cotas para indígenas nos concursos públicos do Poder Judiciário. A medida estabelece percentual de ao menos 3% das vagas oferecidas nas concorrências e faz parte de uma luta histórica da advocacia indígena.
“Nós do Departamento Jurídico da Apib, fizemos diversas incidências junto aos conselheiros. Encaminhamos memoriais, pedimos audiência, etc… para que o percentual fosse de 5%. A luta continua para que esse percentual aumente. Nunca mais um judiciário sem nós!”, destacou o coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Maurício Terena.

Outra conquista da advocacia indígena no primeiro semestre, que possui incidência da Apib, foi a instauração, no dia 21 de junho, do Grupo de Trabalho criado para analisar o ‘Estatuto dos Povos Indígenas’ (‘Estatuto do Índio’). O ineditismo dessa ação é a representatividade, pois todo o processo será liderado por juristas indígenas. A reformulação e proposições de mudanças nessa legislação, fundamental para os povos, será analisada por advogadas e advogados indígenas. O GT é coordenado pelo MPI.

Para além, dessas articulações a advocacia indigena tem realizado um trabalho importante sobre

Gestão Territorial

A Apib promoveu, entre os dias 3 e 6 de abril, em Brasília, um seminário que pautou o retorno da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). A atividade discutiu ferramentas de implementação e controle da PNGATI e mecanismos de financiamento, além de participar de plenárias e grupos de trabalho onde foi organizado um documento com propostas para o próximo ano da política.

“Este momento é muito importante para os povos indígenas, pois marca o retorno do debate sobre gestão territorial e ambiental de Terras Indígenas longe do desgoverno Bolsonaro. Estamos unindo forças para combater tudo o que foi negligenciado pelo Estado Brasileiro nos últimos quatro anos e construir o futuro indígena a partir da demarcação dos territórios e da garantia dos direitos ancestrais”, afirmou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

A PNGATI é uma política pública vinculada à Funai e criada por decreto presidencial em 2012. Ela é a primeira política indigenista construída de modo participativo e representa um avanço na gestão autônoma e sustentável dos territórios indígenas no Brasil. Paralisada desde 2018, na gestão Bolsonaro. No dia 3 de julho, a Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, anunciou a volta do Comitê Gestor da PNGATI, que foi instituída via decreto, assinado em 28 de abril deste ano, durante o encerramento do ATL 2023, pelo presidente Lula.

RETROSPECTIVA 2023: Direitos indígenas não se negociam

RETROSPECTIVA 2023: Direitos indígenas não se negociam

Por Mauricio Terena, coordenador jurídico da Apib

INTRODUÇÃO

Com a mudança de governo no Brasil, houve uma virada nas decisões políticas sobre meio ambiente e povos indígenas. Apesar do novo governo ser um aliado das pautas de direitos humanos e povos indígenas, o movimento indígena brasileiro tem percebido a necessidade da manutenção da luta organizada, pois diversas conquistas vêm sendo alcançadas pelas incidências jurídicas da APIB, à exemplo, os créditos extraordinários para as ações de desintrusão determinadas pela ADPF(1) 709 e tomada de conhecimento, por parte do STF(2), da crise humanitária vivida pelos Guarani e Kaiowá, em Mato Grosso do Sul. Portanto, assumiu-se um papel de mitigação aos impactos causados pela gestão do antigo presidente Jair Bolsonaro (2018-2022), ao passo que manteve-se uma atuação de observância/cobrança junto ao atual governo, a fim colocar os direitos indígenas em um palanque, em detrimento a acordos e negociações da pauta.

Ainda na seara de preservação aos direitos indígenas, houve a necessidade de intensificação ao combate às ameaças de redução de direitos e garantias fundamentais indígenas por parte dos demais entes da federação, como Estados e Municípios, e, também, por parte do Congresso Nacional, atualmente, maior ameaça, em anos, aos povos e comunidades tradicionais, mediante o protocolos de projeto de lei altamente nocivos à manutenção física e cultural das comunidades indígenas do Brasil. Exemplo é a promulgação da Lei 14.701/2023 e a propositura de diversos projetos que colaboram ao desmonte das políticas indígenas e o acirramento da crise climática, assistimos em meio a conferência do clima das Nações Unidas – a aprovação de uma série legislações que afastam o Brasil da sua meta climática- ironicamente convencionou-se intitular “pacote verde”.

No campo judicial, houve a continuidade de atuação por meio da ADPF 709 E 991, respectivamente, com fins a acompanhar a política de saúde indígena no país, entre outras temáticas relacionadas à proteção territorial. A exemplo disso, pontua-se atualmente encontra-se em estágio de elaboração por parte da união , os planos de desintrusão de 7 (sete) terras indígenas altamente desmatadas no norte do país (com foco à TI Yanomami e TI Apyterewa), e, continuamente, nos mantemos mobilizados no judiciário com fito de proteger os territórios dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (PIIRC).

Na primeira, houve árdua atuação a fim de prover recurso financeiro à manutenção das ações de desintrusão, segurança alimentar, combate à malária e diversas outras, sendo que, na segunda, foi determinada a elaboração de plano do Estado para proteção aos povos isolados, e, como mais recente vitória, a desistência do parte do Estado do Pará em promover a concessão florestal (exploração legalizada) da Floresta do Paru, próxima ao povo Zó´é e de diversos registros de povos isolados.

Nesse ínterim, quanto ao julgamento do RE 1017365, o qual buscou analisar a constitucionalidade da fixação de marco temporal à demarcação de terras indígenas no país, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, com resultado favorável aos indígenas com a declaração de inconstitucionalidade da tese, este departamento jurídico manteve diversas incidências a fim de barrar possíveis votos no sentido de aprovação da tese em questão, a partir da realização de audiência junto aos ministros, protocolo de memoriais, envio de pareceres técnicos (em especial um parecer redigido pelo professor Daniel Sarmento sobre o voto do Ministro Alexandre de Moraes), além da organização das carreatas e mobilizações de indígenas de todo o país em frente ao STF nos dias do julgamento, a fim de realizar pressão política e demonstrar o nível de importância do julgamento às populações indígenas.

No que se refere à atuação em direitos humanos e empresas, campo com crescente priorização e atuação por parte dos movimentos indígenas de proteção ao meio ambiente e às comunidades tradicionais, este departamento jurídico buscou denunciar uma série de violações aos direitos dos povos indígenas no projeto de mineração da empresa Belo Sun em Volta Grande do Xingu, no estado do Pará. A análise foi publicada no relatório “Mina de sangue – Relatório sobre o projeto da mineradora Belo Sun”. Além disso, no campo internacional, houve a atuação em proteção às comunidades indígenas do Brasil diretamente na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, como é o caso dos Pataxós, Yanomami, Guajajara, Mundukuru e Guarani e Kaiowá.

Dessa forma, o ano de 2023 pode ser considerado um ano de intensas mobilizações na pauta de meio ambiente e povos indígenas. A criação do Ministério dos Povos Indígenas mostrou-se uma conquista civilizacional para o povo brasileiro, mas em especial para todos os indígenas deste país. Ao passo que, o movimento indígena organizado, por meio desta Articulação e as organizações parceiras tiveram que enfrentar a correlação de forças dentro do governo Lula 3, com intuito de fortalecer as pautas políticas do MPI.

MOBILIZAÇÕES

O departamento jurídico da APIB atuou ativamente em todas as manifestações realizadas presencialmente em Brasília pelo movimento indígena no primeiro semestre de 2023, como forma de assegurar a efetivação de estratégias, bem como a manutenção e segurança permanente dos acampados. Foram promovidos mais de 125 atos em 21 estados contra a tese do marco temporal entre os meses de abril e junho. Nas redes sociais, mais de 7,5 milhões de pessoas foram alcançadas, com mais de 19 milhões de impressões, em 696 publicações.

Menciona-se, inicialmente, a realização do Acampamento Terra Livre (ATL) deste ano, o qual reuniu, entre os dias 24 e 28 de abril, mais de 6 mil indígenas de todas as regiões do Brasil, em Brasília. A 19ª edição do acampamento foi a primeira grande mobilização, na capital federal, após os atos golpistas do dia 8 de janeiro e foi realizada com o tema “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia”.

O movimento indígena, dessa forma, decretou emergência climática e promoveu alertas e incidências contra os projetos prejudiciais aos direitos indigenistas em trâmite no Congresso Nacional. A APIB e suas sete regionais destacaram a demarcação de terras como ação prioritária do movimento indígena. Nesse sentido, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou os decretos de homologação de seis Terras Indígenas (TI), sendo elas:

TI Arara do Rio Amônia (AC); TI Tremembé da Barra do Mundaú (CE); TI Rio dos Índios (RS); TI Avá-Canoeiro (GO); TI Kariri-Xocó (AL), TI Uneiuxi (AM)

Dessa forma, a assinatura dos decretos quebrou um intervalo de quase cinco anos sem a demarcação de novas terras indígenas. Ressalta-se que uma das TIs, Uneiuxi, localizada no estado Amazonas, tem a presença de povos em isolamento voluntário. O processo para sua efetivação já caminhava a passos lentos, há 40 anos. A recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e a criação do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) somaram às conquistas desta edição do Acampamento.

Continuadamente, no mês de junho, a APIB promoveu a organização de mobilização com indígenas de diversos locais do país a fim de pleitear ao Supremo Tribunal Federal (STF) a defesa de direitos territoriais no Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, o qual foi pauta na Corte e que configurou caso de repercussão geral sobre demarcações de terras indígenas, relacionado com o caso da Terra Indígena Xokleng-La Klanõ, do povo Xokleng, em Santa Catarina. Conforme já mencionado, o julgado foi no sentido de declaração da inconstitucionalidade da tese do marco temporal à demarcação de terras indígenas no país, em favor das comunidades indígenas, o qual, ainda que não finalizado, já apresenta-se como grande vitória ao movimento indígena brasileiro.

Todavia, o movimento indígena brasileiro externa que 2024 será um ano de reforçar questões obscuras que nos preocupa, sobre o regime de indenização estabelecido pelo STF no âmbito do julgamento do recurso extraordinário 1.017.365. Em nossa avaliação as indenizações pode ser um óbice para a continuidade da política de demarcação de terras.

A atenção especial recebida por esta ação se justificou pelo status de “repercussão geral” lhe dada pelo STF, o que significa que sua resolução serviu/servirá de diretriz para o governo federal e todas as instâncias do Judiciário no que diz respeito à demarcação de terras indígenas, além de, teoricamente, servir para balizar propostas legislativas que tratam dos direitos territoriais dos povos originários.

Além das mobilizações no que se refere ao julgamento do RE 1.017.365, este departamento jurídico também participou das organizações para a 3ª Marcha das Mulheres Indígenas, a qual realizar-se-á dos dias 7 a 9 de setembro do corrente ano com o tema “Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade pelas Raízes Ancestrais”, realizado pela ANMIGA(3), em parceria com a APIB.

Durante todo esse período de manifestações, o departamento jurídico da APIB esteve presente, realizando diversas atividades. Primeiramente, foram realizadas diligências prévias necessárias para instalação e manutenção de todos os acampamentos, junto aos órgãos administrativos e de segurança.

Por sua vez, o acompanhamento no andamento do RE Xokleng no STF foi feito de forma ostensiva pelo jurídico, desde as sessões de julgamento até os informes gerais feitos à plenária do acampamento, de forma que todos os indígenas conseguissem entender quais os resultados das sessões plenárias, qual o resultado da votação e quais os impactos para os povos indígenas. Também ressalta-se as entrevistas para a imprensa e vídeos para as páginas e redes sociais da APIB e parceiros.

No decorrer das mobilizações, ainda houve a participação do departamento jurídico em reuniões com órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o acompanhamento de diligências na Polícia Civil do Distrito Federal, a resolução de conflitos internos com público interno, externo e com órgãos fiscalizadores, dentre outras atividades corriqueiras. O departamento jurídico também se colocou como ponto focal de interlocução com as forças de segurança, em regime integral, para a 3 ª Marcha das Mulheres Indígenas.

Por fim, a APIB, por meio de seu departamento jurídico, fez diversas incidências nos mais diversos âmbitos. Dá-se destaque, nessa oportunidade, ao ciclo de debates realizados em parceria com a FGV/SP e comissão ARNS, com o intuito de mobilizar intelectuais, juristas, lideranças indígenas e cientistas para refletir o impacto do marco temporal na vida dos povos indígenas, bem como, também, na vida de toda humanidade. Dessa forma, como fruto desses encontros foi feita publicação científica com informações sobre os impactos do marco temporal, em caso de eventual aprovação. A publicação pode ser encontrada nas redes sociais da APIB(4).

COLABORAÇÃO COM O GOVERNO FEDERAL

Além das articulações e incidências realizadas no âmbito contencioso, legislativo, internacional, dentre os demais citados, ressalta-se a atuação do departamento jurídico da APIB em conjunto ao governo federal mediante, principalmente, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), o qual, ao longo de todo o ano de 2023, foi o responsável por diversas alterações no paradigma indigenista no país, decorrente, frisa-se, da alocação de Sonia Guajarara (antiga coordenadora executiva da APIB) e Luiz Eloy Terena (antigo coordenador jurídico da APIB) à frente da pasta, respectivamente, como Ministra de Estado e Secretário-Executivo.

Precipuamente, necessário frisar a participação deste jurídico nas reuniões realizadas pelo MPI mediante o Comitê Interministerial de Coordenação, Planejamento e Acompanhamento das Ações de Desintrusão de Terras Indígenas, a fim de discutir situações e problemas enfrentados na expulsão de invasores de terras indígenas, com enfoque na situação observada na TI Yanomami, na região Norte, a qual foi alvo de inúmeras invasões por garimpeiros e grileiros. Dessa forma, houve efetiva participação em todas as reuniões realizadas, com a tomada de conhecimento da atual situação e sugestões sobre eventuais incidências.

Situação semelhante é a ocorrida com a Sala de Situação Nacional proposta no bojo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº 709, ajuizada no Supremo Tribunal Federal em 2020 no contexto de negligência e abandono das comunidades indígenas pelo governo federal durante a pandemia da COVID-19. Ocorrida semanalmente, conta com a presença de diversos agentes de proteção aos povos indígenas do país, incluindo o MPI, a FUNAI e a SESAI, de forma a haver apresentação dos atuais problemas no que se refere à saúde indígena, bem como propostas de soluções e colaborações no que concerne à competência de cada pasta/órgão.

Além disso, este departamento jurídico também participou ativamente das reuniões instituídas pelo gabinete de crise Guarani Kawioá, o qual, mediante diversos eixos (demarcação, segurança, políticas públicas e etc.), foi instituído para acompanhar o cenário de crise humanitária, principalmente no que se refere à violência institucional e fornecimento de água potável, vivido pelos indígenas de tais povos, de forma que, ao final, será publicado plano de atuação para tais indígenas do Estado de Mato Grosso do Sul, com os apontamentos e observações sugeridas por este departamento ao longo de todos os encontros.

Ademais, a APIB e suas organizações regionais de base participam dos seguintes espaços de conselhos/comitês como forma de participação e controle social nas políticas voltadas aos povos indígenas: Gabinete de Crise/Povo Pataxó; Fórum de Presidentes de CONDISI; Conselho Nacional de Meio Ambiente; Comitê Gestor da PNGATI; Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Meio Ambiente; Comitê de Assessoramento do Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos; Conselho Nacional de Política Indigenista; Comitê Gestor do Fundo Clima; Fundo Biomas Indígenas; Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA); Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf); Conselho Consultivo Sobre Gestão Pública, Saúde e Mudanças Climáticas – Fiocruz, dentre outros.

Em janeiro de 2023, foram retomados os trabalhos do GT de Governança Indígena reafirmando seu caráter autônomo. Para além do período de transição governamental e dos 100 primeiros dias do novo Governo Federal, o GT propõe-se a monitorar permanentemente a implementação das políticas públicas para povos indígenas. Dessa forma, avaliou-se a participação do movimento indígena nas políticas públicas como reativa, em consequência do cenário de constantes ameaças aos direitos indigenistas, de intensificação da violência, e de degradação ambiental dos nossos territórios.

Foi reconhecido, portanto, o início de um novo cenário para a política indigenista com a instituição do Ministério dos Povos Indígenas, assim como a nomeação de indígenas para o cargo de presidente da FUNAI e para a SESAI. As expectativas sobre a presença dos povos indígenas nas instituições de governo é que possam transformar esses espaços e garantir o fortalecimento de mais uma frente aliada para o avanço na implementação de políticas públicas.

Nesse sentido, logo no início do ano, este departamento auxiliou o gabinete da deputada Célia Xacriabá a realizar entrevistas com candidatas/os advogadas/os para compor a equipe durante o mandato. Igualmente, também houve participação no planejamento de ações a serem desenvolvidas pela Ministra Sonia Guajajara no âmbito do MPI. Já em fevereiro, houve participação em reunião realizada no MPI junto ao vereador David Almansa, com o intuito de discutir a retomada do território Mbya Guarani no Rio Grande do Sul e a falta de ações do governo, Ministério Público e Defensoria Pública na comunidade indígena.

O cenário de colaboração se manteve no mês de fevereiro mediante a elaboração e encaminhamento, ao MPI, da Nota Técnica n. 01/2022 – AJUR/APIB a respeito da inaplicabilidade do Parecer Normativo 001/2017/GAB/CGU/AGU. Em março, foi encaminhado ao órgão em questão pedido de providências com o intuito de ser instaurada investigação para apurar a atuação da Polícia Militar do estado de Mato Grosso do Sul com relação às comunidades indígenas que vêm sofrendo ataques com escala de violência nos territórios, conforme já mencionado.

Em maio, foi realizada reunião junto ao grupo jurídico do MPI e organizações do terceiro setor para organizar a estratégia jurídica contra o julgamento do marco temporal no STF e a votação do marco temporal no legislativo. Em julho, houve encaminhamento, ao MPI e à FUNAI, de solicitação para acesso à informação sobre a atuação das Forças Armadas nas operações humanitárias na Terra Indígena Yanomami. Em agosto, foi feita reunião junto ao MPI e à DPU para tratar sobre possíveis incidências a respeito de artefatos indígenas que estão fora do país, mês no qual também foi realizada reunião junto às ANMIGAS, no MPI, para realizar alinhamento prévio às reuniões com SSP e SESEC.

Ainda atinente ao trabalho da APIB junto ao governo federal, é de ressaltar que o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) instaurou, no mês de junho, o Grupo de Trabalho criado para analisar o Estatuto dos Povos Indígenas (Estatuto do Índio). O ineditismo dessa ação é a representatividade, pois todo o processo será liderado por juristas indígenas. A reformulação e proposições de mudanças nessa legislação, fundamental para os povos, será analisada por advogadas e advogados indígenas.

O Grupo foi criado pelo MPI, por meio da portaria nº 102 de 18 de de abril de 2023. Compõe o GT, juristas indígenas renomados (os), como: Dr. Luiz Eloy Terena (coordenador); Dra. Samara Pataxó (relatora); Dr. Maurício Serpa França Terena (membro); Dr. Ademar Fernandes Barbosa Júnior Pankararu (membro); Dra. Andressa Carvalho Santos Pataxó (membro); Dr. Ivo Aureliano Makuxi (membro), e a Dra. Maria Judite da Silva Guajajara ( membro).

ATUAÇÃO JUDICIAL

Diante do contexto da política indigenista adotada pelo governo brasileiro, cada vez mais os povos e comunidades indígenas têm recorrido ao judiciário para garantir a proteção dos seus direitos e interesses. Neste sentido, um dos principais eixos de atuação do departamento jurídico da APIB é o contencioso judicial, no qual o corpo jurídico, seja representando a APIB ou comunidades e lideranças indígenas, ingressa no feito judicial.

No ano de 2023, conforme já mencionado, o departamento jurídico da APIB deu continuidade aos trâmites judiciais da ADPF 709, protocolada em junho de 2020 para denunciar as violações sofridas por povos indígenas do país no contexto da pandemia da COVID-19, bem como as diversas implicações resultantes do cenário, como o genocídio iniciado na Terra Indígena Yanonomami. Nesta senda, ao longo do ano, em duas ocasiões, houve protocolo de petição nos autos com solicitação de crédito extraordinário para operações de retiradas de invasores da TI acima mencionada, de forma que, em ambos os peticionamentos, houve êxito e possibilitou a continuidade das operações de desintrusão.

Além disso, houve elaboração e protocolo de petição sobre a manutenção do sigilo dos autos em questão com a indicação do advogado Maurício Terena para acessá-los e, posteriormente, procedeu-se à manifestação sobre a entrada ilegal do Senador Chico Rodrigues na Terra Indígena Yanomami, situação de alerta constante nos referidos autos, com a consequente necessidade de manifestações sobre os gargalos enfrentados pelo Governo Federal. Por fim, este departamento atuou arduamente em vista à manutenção da segurança alimentar Yanomami, tendo em vista as graves falhas de logística do Estado Brasileiro em garantir o fornecimento de cestas básicas e alimentares a tais povos, além da desarticulação das Forças Armadas, recentemente, no território, a qual demandou forte atuação deste jurídico para evitar a continuidade do cenário de desnutrição vivido por tais povos.

Além disso, em vista ao início da operação da Terra Indígena Apyterewa, a mais desmatada do país, este departamento jurídico articulou durante todo o segundo semestre, judicialmente e mediante a Sala de Situação da ADPF 709, a fim de manter as atividades do governo, tendo em vista a atuação política de autoridades locais para fins de suspender a operação, com um nítido boicote em favorecimento aos invasores da Terra Indígena. Recentemente, houve decisão do Ministro Nunes Marques com a suspensão da operação, decisório este que rapidamente foi anulado por decisão do Ministro Luís Roberto Barroso, competente para a análise e julgamento do caso. Este acompanhamento, portanto, deve continuar ao longo do ano de 2025, principalmente por decorrência da determinação do último ministro mencionado para a reformulação dos planos de desintrusão das 7 (sete) terras indígenas, após manifestação da APIB sobre a ineficiência das operações.

No que se refere à ADPF 991, protocolada em junho de 2022 com o objetivo de que sejam adotadas providências voltadas a evitar e reparar graves lesões a preceitos fundamentais da Constituição Federal, relacionadas às falhas e omissões no que concerne à proteção e à garantia dos direitos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (PIIRC), ao longo do primeiro semestre de 2023 foram feitas diversas análises das manifestações e decisões, além de reunião com especialistas para atender aos questionamentos emanados pela relatoria do processo, bem como protocolo de manifestações sobre o tema em discussão na ação, incluindo memoriais a todos os Ministros da Corte.

Nesta senda, em agosto, o Tribunal, por maioria, referendou a decisão que deferiu as medidas cautelares pleiteadas na ADPF em foco, as quais haviam sido concedidas pelo relator do processo, Ministro Edson Fachin, a fim de, entre outras ordens, determinar que a União apresente em 60 (sessenta) dias Plano de Ação para regularização e proteção às terras indígenas com a presença de povos indígenas isolados e de recente contato, conforme pleiteado por este departamento jurídico. Além disso, atendeu, dentre outros, o pedido de aditamento realizado, a fim de detalhar a situação ocorrida com o indígena Tanaru conhecido como “Índio do Buraco”.

Nesse sentido, em agosto, foi protocolada manifestação com informes sobre o pré-edital de concessão florestal lançado pelo Governo do Pará a fim de explorar economicamente a Floresta do Paru, vizinha à comunidade indígena do povo Zó’é (de recente contato) e próxima ao registro de diversos povos isolados. Após o peticionamento feito pelo presente departamento jurídico e o pedido de esclarecimentos por parte do Ministro Edson Fachin (relator do caso), houve a desistência por parte do Governo do Pará em manter o pré-edital de licitação com relação à área próxima ao povo Zó’é, decisório favorável, mas que também demanda a continuidade de ações por parte deste departamento jurídico, tendo em vista a manutenção do pré-edital para as demais áreas.

Quanto à ADPF 921, proposta pelo partido Rede Sustentabilidade contra autorização para realização de atividades de mineração na área denominada “Cabeça do Cachorro”, no Município de São Gabriel da Cachoeira/AM, houveram análises e mapeamento de estratégia para incidência no caso em foco. Na ADI 7273, este departamento protocolou pedido de Amicus Curiae, o que também ocorreu na ACO 3555 e na ADIN 7377.

Ainda no contexto da propositura de Ações de Descumprimento de Preceitos Fundamentais, houve a elaboração e protocolo da ADPF 1059, em face aos atos praticados pelo Estado de Mato Grosso do Sul na elaboração e implementação de sua política de segurança pública, tendo em vista o histórico de violações estatais praticadas contra os povos indígenas Guarani e Kaiowá, no qual a violência tem se constituído de ferramenta de violência contra tais comunidades tradicionais.

Inicialmente, houve o não conhecimento da ADPF retromencionada pelo Ministro Gilmar Mendes, relator do processo, sob a justificativa de inexistir objeto determinado, na medida em que supostamente impugna genericamente a atuação do Estado brasileiro, além de teoricamente demonstrar o caráter difuso do problema relatado, sem especificar o ato ou atos do poder público capaz de gerar lesão a preceito fundamental, o que, na análise do magistrado, gerou a ausência dos requisitos previstos no art. 3º da Lei Lei 9.882/1999.

Nesse sentido, este departamento jurídico interpôs Agravo Regimental em face à decisão em foco, tendo em vista a jurisprudência formada a partir da interposição da ADPF 709, ocasião na qual, em decisão colegiada, após a devida apresentação de memoriais, o Tribunal, por maioria, deu provimento ao recurso e conheceu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental em questão, com a determinação do regular processamento, nos termos do voto da Ministra Rosa Weber (Presidente), redatora para o acórdão, vencidos os Ministros Gilmar Mendes (Relator), Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques.

Igualmente, além da Ação Civil Pública acima informada, este departamento jurídico também buscou contribuir em ação do mesmo tipo movida contra o Estado de Mato Grosso do Sul (DPU/MPF/DPE – MS) com o intuito de impedir a continuidade do ato ilícito praticado pelo governo do Estado de Mato Grosso do Sul, que reiteradamente tem utilizado a Polícia Militar para realizar desforço imediato em ações de despejo sem decisão judicial em áreas de retomada indígena.

Como último ato judicial deste departamento jurídico, tendo em vista a promulgação da Lei 14.701/2023, a qual, dentre diversos outros recessos, institui um marco temporal à demarcação de terras indígenas no país pela via legislativa, haverá o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade em face a todos os dispositivos do instrumento normativo, a qual, já pronta, conta com a participação de diversos outros partidos políticos do país que atuam em auxílio à pauta ambiental.

CENÁRIO INTERNACIONAL

O Departamento Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil elegeu como uma de suas prioridades o eixo Internacional. Em linhas gerais, a atuação nessa esfera consiste na incidência diante dos sistemas internacionais de proteção de direitos humanos e na prática de advocacy.

No que tange ao Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIDH), a Apib realizou diversas incidências. Durante todo o primeiro semestre de 2023, este departamento jurídico buscou realizar incidências junto à Comissão e à Corte Interamericanas de Direitos Humanos, a fim de resguardar diversos direitos garantidos aos povos indígenas brasileiros.

Em abril, a Comissão Interamericana de Direitos Humano (CIDH) concedeu as Medidas Cautelares Nº 61-23 em favor dos Membros do Povo Indígena Pataxó localizado nas Terras Indígenas Barra Velha e Comexatibá no estado da Bahia, a partir de solicitação de janeiro realizada pela APIB e outras peticionárias. Em sua decisão, a CIDH reconheceu que os Pataxó têm sofrido com uma violência intensa, contínua e desproporcional, sendo alvo de ameaças, cercos armados, tiroteios, difamação e campanhas de desinformação. O órgão também determinou que o Estado brasileiro adotasse as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros do povo indígena Pataxó(5).

Há anos, o povo Pataxó aguarda pela conclusão da demarcação destas duas terras. Em junho de 2022, como forma de proteger seu território e resistir à pressão do agronegócio, do setor hoteleiro e da especulação imobiliária, os Pataxó deram início a um processo de autodemarcação. Desde então, o cenário de violência vem se agravando. Entre setembro de 2022 e janeiro de 2023, no intervalo de apenas cinco meses, ao menos três jovens Pataxó foram assassinados na região – entre eles, dois adolescentes. Gustavo Silva da Conceição, de apenas 14 anos, foi assassinado com um tiro nas costas durante um ataque de pistoleiros em setembro do ano passado, na TI Comexatibá.

Em outubro de 2022, o corpo do Pataxó Carlone Gonçalves da Silva, de 26 anos, foi encontrado, depois dele ter desaparecido na TI Barra Velha. Já em janeiro de 2023, Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25 anos, e o adolescente Nauí Brito de Jesus, de 16 anos, foram perseguidos e executados por pistoleiros numa estrada próxima a uma retomada realizada pelos Pataxó na TI Barra Velha do Monte Pascoal. A participação de policiais nos ataques armados contra o povo Pataxó, evidenciada em investigações e relatada à CIDH, também chamou atenção do órgão interamericano.

Para obter a concessão de tais medidas cautelares, foram realizadas diversas reuniões com as lideranças de território e com organizações locais: Movimento Indígena da BAHIA (MIBA), Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) e Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (FINPAT). Para além da petição inicial, em fevereiro e março ainda foram respectivamente enviadas outras duas manifestações contendo informações adicionais solicitadas pelo CIDH. Já em agosto, solicitamos a concessão de audiência sobre com a CIDH para tratar do caso durante o seu 188º Período de Sessões, que ocorrerá entre os dias 30 de outubro a 10 de novembro de 2023.

Além disso, o departamento continuou a acompanhar a medida cautelar que a CIDH concedeu em outubro de 2022 em favor da comunidade Guapo’y, do povo Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul.

Em janeiro de 2023 foi apresentada à CIDH petição contendo observações a respeito do cumprimento da Medida Cautelar. Já em abril deste ano, foi realizada uma reunião de trabalho entre as partes beneficiárias, o Estado brasilei e a própria Comissão, momento no qual foram celebrados alguns acordos alcançados entre as partes. Em junho, participamos também de uma reunião bilateral entre representantes dos beneficiários e a CIDH e, em julho, houve a realização de audiência com a CIDH e o Estado Brasileiro para tratar da cautelar em questão. Por fim, em agosto, o departamento jurídico realizou visita in loco ao território Guarani Kaiowá, com o intuito de poder verificar a situação atual e fortalecer o diálogo com as lideranças locais.

No âmbito da Medida Cautelar em favor dos povos Guajajara e Awá-Guajá, em trâmite na CIDH desde 2020, o departamento jurídico apresentou duas manifestações contendo novas informações em fevereiro e agosto de 2023. Em julho, foi também realizada reunião bilateral com a CIDH para tratar do desenvolvimento do processo.

Já em relação às medidas provisórias em favor os povos indígenas Yanomami, Ye’kwana e Munduruku, que tramitam na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CtIDH), foram elaboradas três manifestações (fevereiro, abril, julho) contendo novas informações e análises a respeito dos relatórios apresentados pelo Estado brasileiro. A Corte IDH também já anunciou que atenderá ao pedido feitos pela representação das vítimas para que haja visita in loco da Corte ao território Yanomami em outubro.

Além disso, a APIB recebeu um convite expresso da Corte IDH para contribuir como amicus curiae na elaboração de uma Opinião Consultiva (OC) sobre direitos humanos e emergência climática. Em janeiro de 2023, a República da Colômbia e a República do Chile submeteram à Corte IDH um pedido conjunto de opinião consultiva contendo 16 perguntas pormenorizadas em relação à Emergência Climática e Direitos Humanos, nos termos do Artigo 64 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH). Diante disto, o departamento jurídico da APIB realizou a efetiva confecção da manifestação, em conjunto com diversos juristas parceiros do movimento, com o objetivo de firmar o posicionamento dos povos indígenas brasileiros a respeito de justiça climática diante do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS

Em janeiro a Amazon Watch também iniciou um processo de incidência na Revisão Periódica Universal (RPU) do Canadá, focando nas violações de direitos causados por mineradoras canadenses na América Latina. O objetivo de longo prazo é demonstrar que há um padrão de violações de empresas e investimentos canadenses na América Latina em decorrência do não cumprimento dos compromissos climáticos e das obrigações extraterritoriais do Estado do Canadá com direitos humanos. Busca-se, ao fim, garantir a fiscalização de empresas nacionais atuando em território estrangeiro e criar mecanismos de proteção e denúncia, garantias judiciais e reparação integral a todas as pessoas afetadas pelo comportamento abusivo das empresas.

A partir dessas incidências, em junho de 2023 a APIB publicou o relatório Mina de Sangue(6), versando sobre as violações de direitos dos povos indígenas pelo projeto da mineradora Canadense Belo Sun, que visa construir a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil na região denominada Volta Grande do Xingu, situada na Floresta Amazônica do estado do Pará (PA).

Devido ao envolvimento do departamento jurídico com o caso de Belo Sun, o departamento jurídico da APIB compareceu ao Planejamento da Aliança da Volta Grande do Xingu (VGX), que ocorreu presencialmente em São Paulo, na Fundação Rosa Luxemburgo. Desde então, a APIB passou a fazer parte da referida Aliança, que se trata de uma coalizão composta por diversas organizações que colaboram na defesa da VGX, situada na Floresta Amazônica do estado do Pará (PA), como um território vivo, saudável e livre de mineração em larga escala por meio do respeito e valorização da autodeterminação de seus povos indígenas, comunidades tradicionais e assentados rurais.

Além da APIB, a Aliança VGX é composta pelas organizações Amazon Watch, Anistia Internacional Brasil, AIDA, Instituto Socioambiental, Mining Watch Canadá, Movimento Xingu Vivo, International Rivers, Earthworks, Law and Development Research Group and Institute of Development Policy of the University of Antwerp.

Em 11 de julho de 2023, a mineradora canadense Belo Sun publicou uma resposta à publicação da APIB(7). Desta vez, uma réplica foi elaborada, agora no âmbito da Aliança VGX(8). Para além disso, estamos acompanhando o GT Jurídico da Aliança e está prevista uma visita das organizações que compõem a Aliança à Volta Grande do Xingu em setembro.

Devido às incidências relacionadas às mineradoras canadenses, também passamos a acompanhar a situação do povo Mura no estado do Amazonas, a partir de reuniões em parceria com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), organização regional de base da APIB:

  • Muras habitantes das Terras Indígenas Soares e Uricurituba, do município de Autazes. Caso que já estamos tendo algum contato no âmbito das incidências junto à Amazon Watch na RPU Canadá. A empresa Potássio do Brasil pretende instalar um porto, uma planta de mineração industrial, uma estrada para conectá-los, uma adutora de água e uma linha de transmissão. Estas estruturas ficariam localizadas precisamente acima da auto-demarcada Terra Indígena Soares/Urucurituba, a menos de 3 km da Terra Indígena Jauary e a 6,33 km da Terra Indígena Paracuhuba(9) – todas pertencentes ao povo indígena Mura, sendo as duas últimas já oficialmente reconhecidas pelo Estado brasileiro.
  • Muras habitantes da Terra Indígena Gavião Real I, localizada no município de Silves – exploração de petróleo e gás pela empresa ENEVA e ameaças graves a liderança.

Por fim, também cabe mencionar a participação do departamento no “Encontro sobre CVM e divulgação de informações climáticas”, promovido pela Conectas Direitos Humanos e pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS), em agosto de 2023, na cidade de São Paulo.

Tal encontro se deu devido ao fato de que, em 2023, entrou em vigor a Resolução CVM nº 59/2021, determinando que as companhias de capital aberto divulguem: fatores de risco e oportunidades sociais, ambientais e climáticas; oportunidades de geração de impacto positivo e inovação; relatórios de sustentabilidade, com indicadores-chave de desempenho ESG (Environmental, Social and Governance), matriz de materialidade, metodologia e auditoria; além de informações sobre diversidade.

Ocorre que, devido à inexistência de critérios objetivos para a divulgação de informações ESG e climáticas, torna-se desafiador ter acesso a informações adequadas sobre riscos climáticos envolvendo companhias abertas. Nesse contexto é que foi proposta a referida reunião de trabalho para apresentação dos critérios utilizados pela CVM em relação a deveres informacionais e avaliação das divulgações publicadas pelas companhias até o momento do encontro.

O objetivo foi gerar um acúmulo de discussões a respeito de aspectos específicos de dados, parâmetros e informações para os principais setores da economia, permitindo que a sociedade civil, em conjunto, estabeleça critérios para uma divulgação de informações ESG e climáticas de qualidade e desenvolva uma metodologia que apresente informações mínimas e satisfatórias para o próximo ciclo de divulgação de informações.

LEGISLATIVO

O Departamento Jurídico da APIB elegeu como pauta prioritária para monitoramento e incidência junto ao Poder Legislativo Federal os “Direitos Territoriais Indígenas e Exploração Econômica dos Territórios”, o que balizou a estruturação de Plano de Trabalho Legislativo para 2023. Uma vez que, com a vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2022, o Congresso Nacional passou a ser arena privilegiada de ataques do agronegócio e da extrema direita aos territórios de ocupação tradicional indígena. Exemplo disso foi a tramitação em regime de urgência do PL nº 490/2007 e apensos – relativos ao Marco Temporal – na Câmara dos Deputados no primeiro semestre de 2023, o qual, ao final do ano, tornou-se a Lei Lei 14.701/2023, após a derrubada dos vetos impostos pelo chefe do Poder Executivo, de forma a tornar-se, atualmente, a maior ameaça aos direitos indígenas em ano.

Registra-se, nesta senda, em diálogo às ações adotadas no âmbito judicial, a elaboração e ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) em face à lei supramencionada por parte deste departamento jurídico, a qual, em conjunto com diversos outros partidos políticos aliados à pauta ambiental, servirá como principal eixo de combate aos retrocessos apresentados por tal instrumento normativo, principalmente no que se refere à instituição do marco temporal à demarcação de terras indígenas no país.

Além disso, estão sendo acompanhadas outras pautas de interesse, tais como educação, saúde e culturas indígenas. Todas as atividades estão sendo feitas em conjunto com o Ministério dos Povos Indígenas – notadamente, com sua Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos – ASPAR – e com a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas – coordenada pela Deputada Federal Célia Xakriabá – PSOL/MG.

O Poder Legislativo Federal – Congresso Nacional, Câmara dos Deputados e Senado Federal – vem sendo regularmente acompanhado por meio de Frentes Parlamentares Mistas, Comissões Permanentes e Temporárias e Plenário.

No âmbito do Congresso Nacional, temos o acompanhamento da tramitação do Leis Orçamentárias (Plano Plurianual, Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias e Projeto de Lei de Lei Orçamentária Anual); Acompanhamento e monitoramento de Medidas Provisórias de interesse; e Monitoramento da Agenda Legislativa de Frentes Parlamentares Mistas – Frente Parlamentar Mista da Agropecuária, Frente Parlamentar Mista da Mineração Sustentável, Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas e Frente Parlamentar Mista Ambientalista.

Na Câmara dos Deputados, realizamos o monitoramento e incidência (articulação com Parlamentares e assessorias) sobre a tramitação de proposições legislativas de interesse da APIB; Acompanhamento semanal da pauta de Comissões de interesse e Plenário para identificar pautas positivas ou negativas; Comissões permanentes de interesse: Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Comissão de Minas e Energia, Comissão de Agricultura, Comissão de Legislação Participativa e Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial.

Por fim, no Senado Federal, realizou-se: Monitoramento e incidência (articulação com Parlamentares e assessorias) sobre a tramitação de proposições legislativas de interesse da APIB; Acompanhamento semanal da pauta de Comissões de interesse e Plenário para identificar pautas positivas ou negativas; Comissões permanentes de interesse: Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Comissão de Meio Ambiente, Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa e Comissão de Assuntos Sociais; Comissão temporária de interesse: Comissão Parlamentar de Inquérito das ONGs.

Como primeira medida do novo Plano de Trabalho de Incidência Legislativa e Advocacy, foi realizado o mapeamento de Frentes Parlamentares Mistas. As Frentes Parlamentares Mistas são compostas por pelo menos um terço do Poder Legislativo e reúnem deputados federais e senadores em articulações suprapartidárias para defesa de interesses, podendo contar com participação da sociedade civil organizada. O monitoramento das FPs permite acompanhar, por exemplo, a agenda legislativa da Bancada Ruralista (FPA) e da Bancada da Mineração e de que forma representam ataques diretos aos direitos territoriais indígenas. Nesta Legislatura, propomos, portanto, o acompanhamento da Frente Parlamentar Mista de Defesa dos Povos Indígenas e Frente Parlamentar Mista Ambientalista e, complementarmente, para mapear possibilidades de retrocessos na pauta serão monitoradas agendas políticas das Frentes Parlamentares Mistas da Agropecuária e da “Mineração Sustentável”.

Realizamos, ainda, diversas articulações para estabelecer estratégias de atuação relacionadas aos projetos em trâmite no legislativo, com a atuação e participação permanente da assessoria jurídica da APIB no coletivo denominado Freio no trator Ruralista, na Frente Parlamentar Mista em defesa dos direitos dos Povos Indígenas e no Grupo de Trabalho Político do Observatório do Clima, espaços de construção e diálogo coletivo com organizações indígenas e indigenistas, socioambientais, e parlamentares líderes de bancadas e partidos bem como parlamentares parceiros, visando a construção coletiva de incidências que possam frear os ataques do legislativo.

Dentre as principais atuações deste departamento jurídico no que se refere ao legislativo nacional encontra-se, primeiramente, o Projeto de Lei nº 2903/2023, antigo Projeto de Lei nº 490/2007, o qual busca regulamentar o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas; e altera as Leis nºs 11.460, de 21 de março de 2007, 4.132, de 10 de setembro de 1962, e 6.001, de 19 de dezembro de 1973. O foco de preocupação do projeto encontra-se na fixação de um marco temporal à demarcação das terras indígenas no país, no retrocesso na política de não contato com povos indígenas isolados e de recente contato, na flexibilização do usufruto exclusivo e na proposta de reaver terras indígenas diante de “perda de traços culturais”.

Nesta senda, em maio do corrente ano foi realizada reunião junto à deputada Célia Xakriabá a respeito do PL acima nominado, e, posteriormente, ainda no mês de maio, foi feita reunião junto com apoiadores e organizações indígenas e indigenistas sobre os efeitos do PL em questão, de forma a ser elaborada, após, Nota Técnica a respeito dos impactos da referida proposta legislativa, bem como mobilização contra o PL ainda no mês de maio.

Em junho, houve a realização de audiência pública sobre o meio ambiente na Câmara dos Deputados, na qual houve a participação do departamento jurídico com os apontamentos cabíveis à temática indígena. Em julho, foi realizada reunião, no Senado Federal, para tratar sobre o PL em foco, no intuito de discutir os impactos às comunidades indígenas do país, de forma que, em igual mês, foi realizada reunião de trabalho entre a APIB e a ASPAR(10) para a construção de estratégia jurídica em conjunto com a pauta legislativa no congresso nacional, situação semelhante ocorrida no mês de agosto junto ao MNI.

Ainda no mês de agosto, tivemos participação do Departamento Jurídico em reuniões de alinhamento junto à Liderança do Governo no Senado, ao Gabinete do Senador Beto Faro e apresentamos, em conjunto com parceiros, as propostas de emendas parlamentares de nº 01 ao 10, protocoladas pela Senadora Eliziane Gama e pelo Senador Beto Faro, no bojo da proposição legislativa.

Após acompanhamento de audiência pública e votação do PL 2903 na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária realizada no dia 23 de agosto, a qual restou prejudicial aos direitos e garantias indigenistas, ocorreu alinhamento estratégico para tratar sobre possíveis incidências do departamento para impedir a aprovação do texto final, e, por consequência, a ocorrência de inconstitucionalidade, além das devidas articulações de trabalho junto ao julgamento do marco temporal no STF.

Foram solicitadas agendas com Senadores estratégicos – a exemplo dos Presidentes do Senado Federal, Presidentes e Relatores da matéria na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária. Bem como com Líderes dos Blocos Parlamentares, a fim de incidir sobre a distribuição da matéria para mais comissões de mérito – como a Comissão de Direitos Humanos, Comissão de Meio Ambiente e Comissão de Assuntos Sociais – e para que não seja pautado o Requerimento de Urgência, que abrevia o rito de apreciação da proposição.

Dessa forma, após diversos alinhamentos políticos e reuniões com parlamentares, bem como a inauguração do movimento “VETA TUDO”, oriundo da pressão de diversos agentes e lideranças indígenas do país, o presidente Lula vetou parcialmente os dispositivos do que viria a se tornar a Lei 14.701/2023, mantendo artigos referentes à sopreposição do interesse público às terras indígenas e a atuação conjunta com Estados e Municípios. Continuadamente, conforme já mencionado, o Congresso Nacional realizou a derrubada parcial dos vetos, o que motivou o futuro ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade em face à lei em comento.

Na Câmara Federal, atuamos apresentado o acúmulo da APIB em três momentos, a saber quando da votação em plenário do Projeto de Lei nº 6.579/2019 – que objetiva incluir o município de Pacaraíma (RR) na Área de Livre Comércio de Boa Vista -, na formulação de Pacote de Projetos de Lei referentes ao dia internacional dos povos indígenas, de autoria da Deputada Federal Célia Xakriabá – que previam a obrigatoriedade de intérpretes de línguas indígenas em órgãos públicos, autorizavam o uso de indumentárias tradicional indígena em fotos oficiais e incluíam na Constituição Federal título específico sobre os Direitos da Natureza -, bem como na redação de parecer da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários, de autoria do Deputado Federal Chico Alencar, que estabelece percentual de cotas para pessoas indígenas em concursos públicos.

No que se refere à tramitação da chamada “CPI das ONGs”, destinada a investigar a liberação, pelo Governo Federal, de recursos públicos para ONGs, e OSCIPs(11), bem como a utilização desses recursos de maneira indevida, em julho, ocorreu participação deste departamento jurídico em reunião com a sociedade civil, a ASPAR MS, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, o Ministério da Justiça, a Controladoria Geral da UNIÃO, a FUNAI e a assessoria do Senador Beto Faro.

No âmbito da sociedade civil organizada, acompanhamos o encontro das Lideranças Indígenas do Projeto de Lei de Iniciativa Popular Amazônia de Pé, apresentando subsídios técnicos e políticos para o aprimoramento da proposição legislativa, no que concerne à garantia dos direitos originários dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam e para inscrição de mecanismos que vedem a sobreposição de inscrição de Cadastro Ambiental Rural sobre terras indígenas.

OUTRAS ARTICULAÇÕES E INCIDÊNCIAS

Como demais articulações e incidências mantidas por este departamento jurídico, destaca-se que oConselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, no dia 20 de junho do corrente ano, a criação de cotas para indígenas nos concursos públicos do Poder Judiciário. A medida estabelece percentual de ao menos 3% das vagas oferecidas nas concorrências e faz parte de uma luta histórica da advocacia indígena. O departamento jurídico da APIB realizou diversas incidências junto aos conselheiros. Foram encaminhados memoriais, solicitações de audiência, dentre outros atos, no intuito de atingir o percentual de 5%.

Além disso, como parte da estratégia de luta pela demarcação de territórios indígenas, a coordenação executiva e jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em conjunto com lideranças do povo Xokleng e Kaingang se reuniram, vem se reunindo junto aos Ministros do Supremo Tribunal Federal a fim de garantir votação que garanta cenário favorável aos direitos indigenistas.

Não obstante, Diante já narrado contexto trágico enfrentado pelo povo Pataxó, o Departamento Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em parceria com a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), esteve em visita, ao longo dos dias 25 de julho a 1º de agosto de 2023, ao território Pataxó na Bahia, com o objetivo de efetivar esse diálogo, informar e também coletar informações a respeito da violência e das situações de risco que o território vem sofrendo.

Nos dias 28 e 29 de julho na Reserva Pataxó da Jaqueira, os departamentos jurídicos da APIB e da APOINME realizaram uma Oficina de Direitos Indígenas com as lideranças e membros das comunidades indígenas Pataxó que estiveram presentes no Aragwaksã, festa que ocorre anualmente na Reserva e atrai indígenas de todas as aldeias Pataxó, além várias etnias convidadas e de outros estados, além de muitos visitantes que praticam o etnoturismo na região. Na oficina, foram tratadas as principais incidências que os povos indígenas vem passando na atualidade, trazendo assim uma formação mais ampla sobre as necessidades dos povos tradicionais.

A abertura da oficina contou com a participação de mais de 40 indígenas Pataxó, dentre os quais lideranças, jovens e mulheres. Para além dos membros do departamento jurídico da APIB, se fizeram presentes também os coordenadores executivos da organização, Dinaman Tuxá e Kleber Karipuna, bem com o assessor jurídico da APOINME Jorge Tabajara.

Na fala inicial da oficina, na tarde do dia 28, Dinaman se apresentou e falou do apoio da APOINME e da APIB ao povo Pataxó. Dando sequência, Kleber fez uma apresentação da estrutura da APIB, desde seus coordenadores aos departamentos, discutindo as incidências nacionais e internacionais em defesa dos nossos territórios, da vida, e contra o marco temporal, ressaltando as ações que foram realizadas nos Pataxó em 2022 e 2023 e incluindo o apoio presencial que realizaram no território Comexatibá.

Já no dia 29, no período da manhã, houve apresentação do departamento jurídico, na qual se debateu a respeito da advocacia indígena, do marco temporal, da conjuntura no Congresso Nacional, da Medida Cautelar na CIDH e outros. Por fim, no período da tarde, foi realizada a mesa “O futuro indígena é hoje: Sem demarcação não há democracia”, com exposições de Aléssia Tuxá, indígena Defensora Pública Estadual da União; Gabriel César, Defensor Público da União; e da advogada indígena Samara Pataxó, hoje assessora de diversidade no Tribunal Superior Eleitoral.

Em 30/07, a delegação foi ao encontro da comunidade Pataxó da Aldeia Kaí, na Terra Indígena Comexatibá, próxima à cidade de Cumuruxatiba, para dialogar com as lideranças locais, promover o processo de escuta das demandas internas e também fornecer explicações jurídicas simplificadas.

A Terra Indígena Comexatibá é hoje o território com o maior número de contestações administrativas no âmbito do processo de sua demarcação, dado que já revela simbolicamente a propensão do território para conflitos.

Por sua vez, a Aldeia Kaí se encontra perto do local onde o jovem Gustavo Pataxó foi assassinado em setembro de 2022. Sua mãe, inclusive, estava presente na reunião e nos forneceu impactantes relatos. Na semana anterior à nossa visita, houve o julgamento dos réus acusados pelo assassinato de Gustavo, os quais ganharam liberdade provisória, o que gerou às comunidades receio de novos ataques e retaliações, para além da sinalização de impunidade. Neste sentido, o departamento jurídico da APIB está ingressando com um pedido de Habilitação como Assistente de Acusação no processo, representando a mãe de Gustavo, para poder acompanhar a ação, mantê-la informada e buscar a punição dos responsáveis.

Para além disso, ficamos cientes de outras situações e problemáticas pontuais do território, envolvendo questões ambientais, contaminação por agrotóxico, desmatamento para plantação de eucalipto, dentre outros.

(1) Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental
(2) Supremo Tribunal Federal
(3) Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade.
(4) Disponível em: https://apiboficial.org/2023/06/07/apib-lanca-relatorio-de-riscos-e-violacoes-de-direitos-associados-a-tese-do-marco-temporal/. Acesso em setembro de 2023.
(5) Disponível em: <https://www.oas.org/pt/cidh/decisiones/mc/2023/res_25-23_mc_61-23_br_pt.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2023.
(6) Disponível em: <https://www.business-humanrights.org/pt/%C3%BAltimas-not%C3%ADcias/relat%C3%B3rio-mina-de-sangue-relat%C3%B3rio-sobre-o-projeto-da-mineradora-belo-sun/>. Acesso em: 05 set. 2023.
(7) Disponível em: <https://www.business-humanrights.org/pt/%C3%BAltimas-not%C3%ADcias/resposta-da-belo-sun-sobre-relat%C3%B3rio-da-articula%C3%A7%C3%A3o-dos-povos-ind%C3%ADgenas-do-brasil-apib/>. Acesso em: 05 set. 2023.
(8) Disponível em: <https://www.business-humanrights.org/pt/%C3%BAltimas-not%C3%ADcias/r%C3%A9plica-da-apib-%C3%A0-resposta-da-belo-sun-sobre-o-relat%C3%B3rio-mina-de-sangue/>. Acesso em: 05 set. 2023.
(9) According the Public Civil Action No. 0019192-92.2016.4.01.3200
(10) Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos.
(11) Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.
CARTA PARA UM BRASIL QUE NUNCA SE QUIS INDÍGENA

CARTA PARA UM BRASIL QUE NUNCA SE QUIS INDÍGENA

Por Dinamam Tuxá e Felipe Tuxá
 Foto Cicero Bezerra

Quase que em momentos equidistantes, chegamos ao final do ano com mais uma morte violenta de um jovem indígena. No décimo oitavo dia de 2023, em janeiro, estivemos consternados com a perda de dois jovens Pataxó assassinados por pistoleiros, numa área de reocupação territorial na Terra Indígena Barra Velha, no extremo sul da Bahia. Eram eles Nawir Brito de Jesus de 17 anos e Samuel Cristiano do Amor Divino de 25 anos. Agora, faltando nove dias para o final do ano, recebemos a notícia de mais uma perda. Trata-se do Cacique Lucas Kariri-Sapuyá, do povo Pataxó Hahahãe de 31 anos, alvo de emboscada por pistoleiros na entrada da Aldeia do Rio Pardo, próximo a aldeia Caramuru no Sul da Bahia. Assim começamos e encerramos o ciclo 2023.

Embora separadas por meses, engana-se quem pensa se tratarem de casos isolados. Quase como uma violência lenta, em conta-gotas, assassinatos como esses encontram-se dispersos ao longo dos anos. Aparecem na mídia como notícias desconexas, convidando o leitor ou expectador a pensar brevemente sobre o contexto cotidiano de vida de povos indígenas. A morte de nossos jovens suscita a urgência de se pensar sobre o que se convencionou chamar de “questão indígena”. Distante dos espetáculos culturais que a sociedade civil aceitou consumir acerca dos povos indígenas, “danças”, “mitos”, “lendas”, “folclore”, “cantos”, “pajelanças” e o crescente “turismo étnico espiritual” existe um Brasil indígena repleto de conflitos, onde mães, pais, avós, esposas, esposos e filhos pranteiam a iminência da morte de familiares, ameaçados e criminalizados ao buscarem seus direitos. Por mais incômodo que seja, é necessário falar desse Brasil indígena.

A narrativa de um país diverso, multicultural e democrático fabula realidades indígenas obscuras cujas cenas, acerca da violência, constrange a sociedade civil diante de um contexto de vida dramático. São cenas de crianças yanomami desnutridas ou sugadas por maquinários de garimpo ilegal, vidas jovens ceifadas cedo demais, o drama Guarani em Mato Grosso do Sul, a ameaça do Marco Temporal e um continuum de turbulências. Foi essa teia de violência que quisemos denunciar na tese de Doutorado em Antropologia Social onde tratamos da Letalidade Branca defendida na Universidade de Brasília em 2022. Com a letalidade branca refletimos sobre as experiências indígenas em um país que nunca se quis indígena! Onde o senso comum nos compele para existências marginais ao mesmo tempo em que promove ideias absurdas como a de que indígenas possuem “direitos demais”.

Como a alcunha convencional coloca quando tratamos das demandas indígenas através do rótulo de “questão indígena”, situamos esses povos a partir de uma interrogação, um problema a ser resolvido. Qual é, portanto, o problema dos povos indígenas? Olhar seriamente para as nossas demandas é ainda, falar de demarcação territorial e proteção daqueles que já estão demarcados. Afinal, vivemos em um país que situa a presença indígena como um empecilho, obstáculos para acesso a territórios. Embora os direitos territoriais e o dever do Estado de cumprir com as demarcações e desintrusões estejam previstos em nossa Carta Magna, o sem número de projetos de leis que atacam esses mesmos direitos mostram o tamanho das adversidades que enfrentamos para efetiva-los. Ultimamente, temos lutado para preservar os direitos de retrocessos, enquanto deveríamos estar vendo os mesmos sendo efetivados. São centenas de processos demarcatórios parados, presos numa morosidade violenta, vários povos vivendo em acampamentos improvisados em beiras de estradas, velhos e velhas que morrem clamando por justiça diante de vulnerabilidades históricas.

Olhar pro Brasil indígena precisa, urgentemente, ser mais que uma celebração de diversidade. Precisa ser enfrentar a História desse país. A história de sua ocupação e o legado que cinco séculos desde a invasão deixaram para as comunidades indígenas no presente. A violência que acomete os povos indígenas, não é contingencial. Precisa ser enfrentada como elemento fundante de uma nação erguida em cima de saque e pilhagem de territórios indígenas. É essa memória que é o mastro para a condução de um futuro para um Brasil que seja, também, indígena. Um Brasil onde culpados sejam encontrados e responsabilizados, onde o Ministério dos Povos Indígenas e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas estejam fortalecidos, e onde os direitos indígenas sejam efetivados e não atacados.

Lembraremos de Nawir, Lucas, e Samuel, assim como lembramos de Galdino, Paulino e tantos outros e outras. Eles vivem em nós. Justiça e demarcação já.

Dinamam Tuxá é indígena do povo Tuxá e Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, APIB e Assessor jurídico da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, APOINME. Felipe Cruz é indígena do povo Tuxá, professor de Antropologia da Universidade Federal da Bahia, membro da Articulação Brasileira de Antropologues Indígenas, vice-presidente da Associação Nacional Indigenista (ANAÍ). Correio eletrônico: [email protected]
Referências:
Cruz, Felipe S. M. 2022. “Letalidade branca: Negacionismo, violência anti-indígena e as políticas de genocídio”. Tese de Doutorado, Universidade de Brasília, Brasília.
Apib, Apoinme e Conselho Terena enviam parecer inédito na CIDH sobre povos indígenas e crise climática

Apib, Apoinme e Conselho Terena enviam parecer inédito na CIDH sobre povos indígenas e crise climática

O documento tem o objetivo de firmar o posicionamento do movimento indígena sobre emergência climática. As organizações também indicaram uma série de obrigações para os Estados. 

No dia 18 de dezembro, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) e o Conselho Terena enviaram um parecer inédito para a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre povos indígenas e crise climática. O documento tem como objetivo firmar o posicionamento dos indígenas brasileiros sobre a emergência climática, além de aprofundar e colaborar com o debate perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Além da Apib, Apoinme e Conselho Terena, organizações parceiras como Instituto Socioambiental, Justiça Global e Associação Interamericana para Defesa do Ambiente também assinam o documento.

O parecer também apresenta obrigações estatais essenciais para garantir e proteger direitos humanos frente à crise climática. Dentre essas obrigações, as organizações do movimento indígena brasileiro defendem que os Estados reconheçam e valorizem a importância dos territórios indígenas, realizem a demarcação de terras indígenas em tempo hábil em todos os biomas, e estabeleçam programas de formação continuada. Esses programas devem oferecer informações acessíveis nas línguas indígenas, abrangendo as políticas nacionais e internacionais sobre mudanças climáticas e dialogando com as diversas realidades dos povos originários.

O parecer é dividido em seis tópicos: 1. Impactos locais da mudança climática sofridos pelos povos indígenas brasileiros; 2. Construção de grandes empreendimentos próximos aos territórios indígenas; 3. Defensoras e defensores do meio ambiente; 4. REDD+ e povos indígenas; 5. Demarcação de terras indígenas para garantia de direitos humanos vinculados à emergência climática; e, por fim, 6. Obrigações estatais que o movimento indígena brasileiro considera essenciais para se garantir e proteger direitos humanos frente à crise climática.

 Leia o parecer completo aqui: https://apiboficial.org/files/2023/12/Minuta-OC-Clim%C3%A1tica.docx.pdf

No documento, as organizações indígenas ressaltam a importância de pautar a demarcação de terras indígenas e ações que fortaleçam a gestão ambiental e territorial no debate climático. Isso porque as terras indígenas são consideradas a última barreira contra o desmatamento e a degradação florestal e os povos indígenas os verdadeiros guardiões das florestas. 

“Não existe justiça climática sem demarcação e proteção dos territórios indígenas. O parecer deixa isso muito claro e nós, do movimento indígena, vamos continuar incidindo para que todos os parentes tenham o direito garantido ao seu território. Isso é um direito originário, garantido pela Constituição e pelo Supremo Tribunal Federal”, afirma Dinamam Tuxá,  coordenador executivo da Apib e coordenador jurídico da Apoinme.

Por meio da conexão com os bens ambientais e da relação íntima com os territórios ancestrais, os povos indígenas protegem 80% da biodiversidade do planeta, como demonstram estudos das Nações Unidas. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa, segundo o MapBiomas. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas.

 Há, ainda, estudos que comprovam a relação da demarcação de terras indígenas com o regime de chuvas e com o resfriamento de determinadas regiões. O Parque Indígena do Xingu (PIX) é emblemático neste sentido. Estima-se que as chuvas que abastecem as fazendas de soja ao redor do PIX tem origem nas florestas protegidas pelos indígenas do Xingu, onde a média da temperatura chega a ser oito graus celsius menor do que nas áreas próximas impactadas pelo desmatamento. Para as organizações isso mostra que a atividade agropecuária da região é dependente dos serviços ambientais prestados gratuitamente pelos indígenas.

Dificuldades 

Apesar disso, o parecer também aponta um subfinanciamento dos planos de gestão territorial e ambiental. Exemplo disso é que a Rainforest Norway Foundation identificou que, entre 2011 e 2020, apenas 1% da Assistência Oficial ao Desenvolvimento para Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas foi destinado à garantia de direitos e gestão territorial e ambiental de povos indígenas e comunidades locais de países de florestas tropicais. 

De cerca de 2,7 bilhões de dólares, apenas 17% dos recursos foram destinados para organizações indígenas ou projetos que as mencionavam diretamente – dos quais 11% tiveram por objetivo garantir a segurança da posse das comunidades indígenas. 

Além disso, Apib, Apoinme e Conselho Terena também apontam a extinção do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), em 2019, como prejudicial para as políticas territoriais e ambientais brasileiras. Considerada pelo movimento indígena como um dos maiores avanços na gestão autônoma e sustentável dos territórios indígenas, a PNGATI foi criada com o objetivo de conectar a implementação das políticas de mudança do clima com a política indigenista.

Para Dinamam Tuxá, a extinção do Comitê Gestor da PNGATI inviabilizou a participação indígena no monitoramento e execução da política pública. “A PNGATI enfrentou diversos desmontes, sobretudo no desgoverno Bolsonaro, até ser extinta. Isso representa um autoritarismo e não condiz com o Estado Democrático de Direito e nem com a própria história de construção da PNGATI, que envolveu mais de mil indígenas em todo o Brasil”. O Comitê Gestor da PNGATI foi reinstalado somente em junho de 2023 pelo Ministério dos Povos Indígenas, criado no Governo Lula.

O coordenador também lembra que a manutenção da Lei nº 14.701/2023  e da tese do marco temporal no Brasil podem dificultar o processo de demarcação de territórios indígenas e levar à revisão das TI’s já demarcadas. Estimativas recentes apontam que, somente na Amazônia, com o avanço da grilagem e da fronteira agrícola sobre as TI’s poderá ocorrer um aumento expressivo do desmatamento de 55 milhões de hectares nos próximos anos, o que resultaria na emissão de 7,6 a 18,7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono para a atmosfera.

No dia 14 de dezembro, o Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, agora lei 14.701/2023, e transformou a tese ruralista do marco temporal em lei. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reforça que ‘Direitos não se Negociam’ e como resposta ao resultado da votação vai protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a anulação desta lei, considerada pela articulação como a lei do genocídio indígena. 

 

COP28: Apib cobra demarcação como principal compromisso climático e denuncia os riscos de exploração de petróleo em Terras Indígenas

COP28: Apib cobra demarcação como principal compromisso climático e denuncia os riscos de exploração de petróleo em Terras Indígenas

Foto: Kamikia Ksedje

A delegação indígena presente em Dubai foi a maior de todas as Conferências do Clima, cobrou que a demarcação dos territórios indígenas seja considerada como política climática e denunciou a entrada do Brasil na Opep+ e os riscos de projetos de exploração de petróleo

A COP28 aconteceu em Dubai com a participação de quase 200 países, e foi concluída no dia 13 de dezembro, com um dia de atraso devido às negociações relacionadas aos compromissos de redução de combustíveis fósseis em uma Conferência do Clima que, ironicamente, foi realizada na principal região petrolífera do mundo.

Uma das demandas mais urgentes da Apib no contexto da  COP28 é que o governo brasileiro vincule a já existente política de demarcação dos territórios indígenas às suas Contribuições Nacionalmente Determinadas, as quais serão revisadas na COP30 em 2025, que será realizada em Belém.

“Saímos de aqui [de Dubai] com o compromisso de cobrar cada vez mais o governo brasileiro para que os mecanismos e medidas de proteção e demarcação dos territórios indígenas sejam implementados”, afirmou Dinamam Tuxá, Coordenador Executivo da Apib, em sua avaliação sobre a COP28. “Não há solução para a crise climática sem os Povos Indígenas e sem os territórios indígenas, precisamos sim ter os nossos territórios demarcados e acreditamos que nossa mensagem chegou a quem deveria chegar”, adicionou Tuxá em referência à carta que a Apib entregou no dia 5 de dezembro ao Presidente Lula em encontro realizado com a sociedade civil na COP28, a qual reitera como imprescindível garantir o respeito aos direitos indígenas e não permitir o avanço de políticas anti-indigenistas como o Marco Temporal, aprovado no dia 14 de dezembro pelo Congresso Nacional, na  Lei 14,701/2023.

Além do encontro com o Presidente Lula, a Apib também se reuniu com os negociadores brasileiros para apresentar suas demandas transversais e específicas em relação às negociações climáticas. Entre elas, se destacam a participação efetiva dos Povos Indígenas no processo de negociações e tomada de decisões, e a vinculação da política de demarcação e proteção dos territórios indígenas às Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, por sua sigla em inglês) do Brasil. Com uma sensação de relativa satisfação por ter conseguido mobilizar a maior delegação de representantes indígenas do Brasil em uma COP, com cerca de 60 representantes indígenas da sociedade civil, o movimento indígena centralizou o debate sobre a importância das Terras Indígenas para as políticas de mitigação climática a nível nacional e internacional.

Os povos indígenas são protagonistas na luta contra as mudanças climáticas: através da íntima relação com os territórios ancestrais, os povos indígenas protegem 80% da biodiversidade do planeta, como demonstram estudos das Nações Unidas. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa, segundo o MapBiomas. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Não há como considerar a preservação de todos os biomas e políticas consistentes contra as mudanças climáticas sem garantir o pleno usufruto dos povos indígenas em seus territórios.

Um dos principais resultados da COP28 foi o Balanço Global, mecanismo de avaliação sobre o status de implementação dos compromissos das Partes no âmbito do Acordo de Paris. O texto final do Balanço Global faz sete menções aos Povos Indígenas, as quais se referem à responsabilidade das Partes em respeitar suas obrigações com os direitos dos Povos Indígenas; à participação dos Povos Indígenas nas soluções sustentáveis e justas para a crise climática e no processo de negociações; à implementação de soluções integradas e multissetoriais com base no conhecimento dos Povos Indígenas; ao respeito ao conhecimento indígena como forma de proteção do patrimônio cultural em relação aos impactos das mudanças climáticas; além do fortalecimento dos mecanismos de capacitação para promover o engajamento dos Povos Indígenas tanto nas negociações, como na criação de políticas e desenvolvimento de ações climáticas.

Para que isso tudo seja de fato cumprido, o Brasil precisa começar garantindo o acesso das populações aos seus territórios como primeiro direito inegociável, assim como respeitar a convenção 169 da OIT sobre a consulta livre, prévia e informada em relação aos projetos que impactem os territórios indígenas. Da mesma forma, os acordos relacionados ao Artigo 6 do Acordo de Paris precisam estabelecer mecanismos de denúncia que sejam efetivamente acessíveis aos povos indígenas. “O texto [do Balanço Global] reflete o compromisso político, que precisa ser agora evidenciado na prática. Não estamos satisfeitos apenas em ter os povos indígenas mencionados. E isso se dá com a inserção dos povos indígenas na ocupação dos espaços de decisão, no beneficiamento do financiamento direto, em políticas governamentais”, enfatiza Kleber Karipuna, Coordenador Executivo da Apib.

Novos projetos de petróleo em Terras Indígenas: contradição na luta contra as mudanças climáticas 

Seguido de uma dificuldade em atingir consenso nas negociações, o texto final da COP28 propôs a redução do consumo global de combustíveis fósseis. No entanto, a sensação de boa parte dos negociadores e da sociedade civil é de certo fracasso em relação à ausência de uma menção mais contundente e específica sobre a eliminação gradual do uso de petróleo, gás e carvão, ao invés de  redução. A COP28 atingiu o recorde de credenciamento de representantes do lobby petrolífero, com 2.456 inscritos.

Uma das maiores contradições no que se refere ao posicionamento climático do Brasil foi a  adesão do país ao grupo da Opep+ (extensão do grupo central da Opep, Organização de Países Exportadores de Petróleo) que preocupa os Povos Indígenas sobre a exploração de combustíveis fósseis nos seus territórios, além dos impactos climáticos de tais atividades. “Saímos daqui [da COP28 em Dubai] um pouco consternados por entender que nessa COP, ainda que o Brasil tenha protagonizado as negociações do clima, o país tenha ingressado no grupo da Opep+. Isso vai de contramão com o que está inclusive sendo debatido: transição energética justa”, explicou Tuxá.

A proposta de eliminação do uso de combustíveis fósseis chegou a formar parte do rascunho do texto do acordo da COP28, mas foi retirada após pressão da Opep com os países associados ao grupo da Opep+, que votaram para eliminar tal compromisso. A proposta que figura no texto final é contraditória com a meta de manter o aquecimento global em 1,5º pois, segundo alertam os cientistas, o único caminho para que isso seja possível é a neutralidade de carbono até 2050, zerando o uso de combustíveis fósseis.

O Brasil contribuiu ao cenário de contradições que caracterizaram essa edição da Conferência do Clima, já que, além da adesão do país à Opep+, no mesmo dia do fechamento da COP28 (13 de dezembro), aconteceu no Rio de Janeiro um leilão de projetos de combustíveis fósseis. O 4º ciclo de Oferta permanente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) ofereceu um total de de 602 blocos exploratórios e uma área com acumulação marginal, totalizando uma área de 183.569 km2. Segundo os dados do Instituto Arayara, 15 desses blocos exploratórios afetam 156 milhões de hectares (47 mil km2) de terras indígenas.

Na Área de Influência Direta (AID) desses projetos se encontram um total de 23 Terras Indígenas de 9 etnias: Sateré Mawé, Mundukuru, Mura, isolados do Pitinga/Nhamunda- Mapuera, isolados do Rio Kaxpakuru/Igarapé Água Fria, Kahyana, Katxuyana, Tunayana e Xokleng, com uma população afetada estimada em 21.910 indígenas. As terras indígenas estão de forma predominante localizadas na Amazônia Legal (63,64% dos blocos) na Bacia do Amazonas (estados do AM e PA), e também em Santa Catarina.

“Desses 23 blocos que impactam Terras Indígenas, duas são de povos isolados. Imaginem as estruturas que serão montadas, ao lado dos territórios indígenas, nas Unidades de Conservação, nos territórios quilombolas e nos territórios de todas as comunidades tradicionais do Brasil. É importante que a gente se junte e faça um compromisso entre nós: dia 13 não faço L de leilão, petróleo e gás, no meu território não”, declarou Kretã Kaingang, Coordenador Executivo da Apib, que acompanhou o leilão da ANP no Rio de Janeiro, fazendo referência à manifestação “Faz o L” de apoiadores do Presidente Lula durante sua campanha eleitoral.

A exploração, perfuração, extração, transporte e até refino e consumo causam devastação ambiental, violência e empobrecimento local. Em todas as fases há desmatamento e degradação de ecossistemas, contaminação dos corpos d’água, chuvas ácidas resultantes da queima do gás associado de petróleo, ruído e poluição insuportáveis – fatos que se estendem às redes naturais de circulação de água e vento, segundo explica o Instituto Arayara.

“No primeiro governo Lula em 2000, ele ratificou a convenção 169 da OIT, que nos dá direito à consulta livre, prévia e informada. Para esse leilão de hoje, nós não fomos consultados, nenhuma população tradicional atingida foi consultada. Durante a COP28, o Lula fez um discurso emocionado, chorou, falou da redução do desmatamento, mas com todos os impactos desses projetos de petróleo que estão sendo discutidos com as maiores empresas de petróleo mundiais, para se instalarem em territórios indígenas, mas sem deixarem entrar a nós povos indígenas que estamos aqui na porta do hotel onde o encontro acontece?”, questiona Kaingang, na porta do Hotel Windsor Barra na capital fluminense.

O Brasil de Lula, que já foi referência mundial em políticas climáticas, precisará trabalhar duro para aclarar suas contradições, questionar se continua sujando sua imagem internacional com a adesão ao chamado cartel petrolífero da Opep+ e cumprir seus compromissos e metas, entre eles o respeito das Terras Indígenas, que são guardiãs dos biomas e de boa parte da biodiversidade. O país tem dois anos para definir uma posição de liderança antes da COP30 de 2025, que será organizada pelo Brasil na cidade de Belém, e onde os países terão a grande responsabilidade de revisar suas metas climáticas, as NDCs. No entanto, a Apib questiona sobre a efetividade dos compromissos climáticos do Brasil enquanto as políticas de demarcação e proteção dos territórios não estiverem no centro desse debate.

 

PGR cobra urgência de Lula em plano para indígenas isolados

PGR cobra urgência de Lula em plano para indígenas isolados

STF determinou que governo brasileiro crie plano de proteção de territórios com indígenas isolados e de contato recente. A decisão ocorreu por meio da ADPF 991, proposta pela Apib

Em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral da República (PGR) expressou sua expectativa de que o governo liderado por Lula aja com urgência na elaboração de um plano para proteger territórios com indígenas isolados e de contato recente.

“Mesmo compreendendo que a consolidação de planejamento dessa magnitude demanda tempo, cautela e empenho dos órgãos envolvidos, é imperioso reforçar o pedido de apresentação do plano pela União, com a máxima brevidade”, escreveu a procuradora-geral da República interina, Elizeta Maria Ramos, ao ministro Edson Fachin.

Na manifestação, a PGR cita a insistência de invasores e grileiros no entorno da Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt e solicita que a Força Nacional permaneça na terra indígena por mais seis meses.

Em agosto de 2022, o STF confirmou uma decisão anterior do ministro Edson Fachin, emitida durante o governo de Jair Bolsonaro, ordenando que o governo desenvolvesse o plano de proteção. Na ocasião, os ministros deram um prazo de 60 dias para sua conclusão.

De acordo com a decisão do STF, o plano deve incluir cronogramas para “vigilância, fiscalização e proteção”, além de planos para concluir a demarcação de territórios onde vivem indígenas isolados, como os Kawahiva do Rio Pardo, em Mato Grosso, e relatórios sobre terras como a Tanaru, em Rondônia, onde o último indígena isolado da etnia, conhecido como “Índio do Buraco”, faleceu em 2022.

A decisão foi feita no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 991, ajuizada em junho de 2022 pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em virtude das “ações e omissões” promovidas pelo governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) que colocaram em risco os povos indígenas isolados e de recente contato no país.

No processo, a Apib também tem indicado preocupação com os territórios Zo’é e Tanaru. O primeiro território enfrenta a possibilidade de concessão para manejo na Floresta Estadual do Paru, no Pará, nas imediações do território indígena. Já relação ao território Tanaru, a apreensão gira em torno da destinação a ser dada pela União ao território onde vivia o último indígena da etnia.

Genocídio Legislado: Congresso derruba vetos, aprova lei do Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas

Genocídio Legislado: Congresso derruba vetos, aprova lei do Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas

Apib vai entrar com uma ação de inconstitucionalidade, no STF

O Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, agora lei 14.701/2023, nesta quinta-feira (14/12). Com isso, transformaram a tese ruralista do Marco Temporal em lei e aprovaram outros crimes contra os povos indígenas. 

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reforça que ‘Direitos não se Negociam’ e como resposta ao resultado da votação vai protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a anulação desta lei, considerada pela articulação como a lei do genocídio indígena. O protocolo só pode ser feito após a promulgação da lei, que ocorrerá em 48 horas e a ação será proposta em conjunto com os partidos políticos PT, REDE, PSOL e PSB.

“Esta lei é inconstitucional e deve ser analisada pelo STF. Porém, enquanto a ADI não for julgada pelos ministros do Supremo, os parentes estão enfrentando invasões nos territórios, assassinatos e a devastação do meio ambiente. É por isso que solicitamos que seja concedida a tutela de urgência antecipada! Não podemos ficar esperando enquanto as comunidades estão morrendo”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

A Apib protocolou no STF, na tarde desta quinta-feira, uma solicitação de audiência no tribunal para tratar sobre as ameaças aos direitos indígenas e a Constituição Federal, que existem nesta nova lei (14.701/2023). A Apib e suas sete organizações regionais de base (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa) reforçam que a luta continua e que o movimento indígena segue mobilizado nacionalmente e internacionalmente. 

“O Futuro da humanidade depende dos povos e da demarcação das Terras Indígenas. A principal Conferência, que trata sobre mudanças climáticas, a COP 28, foi encerrada nesta semana e o Congresso Nacional mais uma vez reforça seu compromisso com a morte. O Marco Temporal é uma proposta criada pelo agronegócio e já foi anulada pelo STF”, reforça Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib. 

Os únicos pontos dos vetos que foram mantidos e portanto foram RETIRADOS da Lei do Genocídio foram:

  • as ameaças aos povos indígenas isolados
  • a proposta que pretendia autorizar o uso de transgênicos nas Terras Indígenas 
  • a proposta racista sobre a alteração de traços culturais

Em sessão conjunta, entre deputados e senadores, desta quinta-feira, que derrubou os vetos de Lula terminou com um placar de 321 deputados contrários aos vetos e 137 favoráveis. No Senado a votação foi de 53 a 19 pela retirada dos vetos.

Inconstitucionalidades 

Além do Marco Temporal, outras inconstitucionalidades da lei já estão vigentes e violam artigos da Constituição Federal, bem como aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Estado Brasileiro. 

A participação efetiva de Estados e municípios em todas as fases do processo de demarcação e a regulamentação da cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas, são pontos destacados pela Apib como inconstitucionais. De acordo com a articulação, esses pontos da lei podem inviabilizar as demarcações e ampliar assédios de não indígenas sobre as TIs.

A nova lei também afirma que o direito de usufruto exclusivo não pode se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Lideranças indígenas da Apib ressaltam que o trecho pode abrir margem para violar o usufruto exclusivo dos povos indígenas sob o pretexto do “interesse de política de defesa”.

Na ADI, o departamento jurídico da Apib pede que a ação tenha como relator o Ministro Edson Fachin. O Ministro foi relator do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365, no qual o STF rejeitou o marco temporal, ou seja, a possibilidade de adotar a data da promulgação da Constituição Federal como marco para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas. 

“A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição”, diz trecho da decisão do Supremo. O julgamento do marco temporal no STF foi finalizado no dia 27 de setembro com 9 votos contra e 2 a favor da tese.

O desmatamento e a destruição da biodiversidade nas terras indígenas representam uma ameaça internacional para o equilíbrio climático global. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Além disso, os territórios indígenas concentram 80% da biodiversidade do planeta, mas estão ameaçados pelo avanço do agronegócio e das indústrias extrativistas, de desenvolvimento e turismo, tal como alerta o relatório da ONU Estado dos Povos Indígenas no Mundo, publicado em 2021.

Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da Apib, afirma que a Lei nº 14.701/2023, possui vícios de inconstitucionalidade e revanchismo parlamentar, onde o Senado pautou o PL no mesmo dia do julgamento do marco temporal no STF. O coordenador também reforça que um dos papéis do Supremo é garantir os direitos fundamentais de grupos sociais minoritários e que tem expectativas de que isso seja cumprido por meio da ADI.

“Vivemos em um sistema de freios e contrapesos e o limite imposto pelo Poder Legislativo é o de não aprovar leis que atentem contra cláusulas pétreas estabelecidas na Constituição Federal. Os direitos dos povos indígenas são originários e foram reconhecidos em 1988 e isso precisa ser respeitado”, diz Terena.

PL 2903 e veto parcial de Lula

Ao longo do ano de 2023, o PL 2903 representou uma das maiores ameaças aos direitos dos povos indígenas do Brasil. O Projeto de Lei defende os interesses latifundiários em detrimento dos direitos indígenas e foi aprovado em caráter de urgência no Senado Federal no dia 27 de setembro, mesma data em que o STF encerrou o julgamento do marco temporal.

Em contramão à demanda do movimento indígena pelo veto completo ao PL, o presidente Lula anunciou seu veto parcial no dia 20 de outubro. Lula retirou o marco temporal da proposta, assim como o cultivo de espécies transgênicas em Terras Indígenas e a construção de grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias, sem consulta prévia, livre e informada. O veto do presidente também retirou a flexibilização das políticas de proteção aos povos indígenas em isolamento voluntário do PL.

“A aprovação de projetos que interessam ao Executivo, tal como a Reforma Tributária no último dia 8 de novembro, fazem parte desse toma lá dá cá e reafirmamos que DIREITOS NÃO SE NEGOCIAM! Essas ações apenas perpetuam o império dos interesses do capital representado principalmente pela bancada ruralista e evangélica, entre outras, que alavancam a sobrevida da extrema direita que nos últimos anos infernizou a vida do povo brasileiro. A negociata dos nossos direitos para aprovar a Reforma Tributária implicou em o Governo Federal acenar para os parlamentares sinal verde para a derrubada dos vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, que pretende transformar o Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas em lei”, diz nota da Apib.

À época, a votação dos vetos ao PL 2903 estava prevista para 9 de novembro, mas foi adiada algumas vezes, até a votação no dia 14 de dezembro. Leia aqui a nota completa publicada pela Apib no dia 10 de novembro.

A Apib ressalta que as atitudes do Congresso Nacional são resultados da ligação direta de políticos brasileiros à invasão de terras indígenas, como mostra o dossiê “Os invasores” do site jornalístico “De olho nos ruralistas”. De acordo com o estudo, representantes do Congresso e do Executivo possuem cerca de 96 mil hectares de terras sobrepostas às terras indígenas.

Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de TIs, que doaram R$ 3,6 milhões para a campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).

Nesta última semana, uma comitiva das organizações e lideranças indígenas, que compõem a Apib, estiveram em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, para a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a COP28. A participação indígena foi a maior de todas as conferências e a Apib promoveu uma série de denúncias de violações de direitos e incidências políticas internacionais. 

Na COP28, a comitiva reforçou as Emergências Indígenas e exigiu a garantia dos direitos e demarcação das Terras Indígenas. Para a Apib e suas organizações regionais de base, não é possível combater a crise climática sem a demarcação e é necessário frear as violências financiadas pelo agronegócio contra as vidas indígenas.












Ações judiciais e mobilização social buscam retirar blocos exploratórios de petróleo e gás do Leilão do Fim do Mundo da ANP

Ações judiciais e mobilização social buscam retirar blocos exploratórios de petróleo e gás do Leilão do Fim do Mundo da ANP

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O quarto ciclo da oferta permanente acontece nesta quarta-feira (13), no Windsor Barra Hotel, na cidade do Rio de Janeiro. Estão em risco territórios quilombolas, indígenas, unidades de conservação, entre outros, além de representar uma bomba climática em emissões potenciais

O Instituto ARAYARA, organização socioambiental com trajetória de 30 anos, acionou judicialmente os órgãos públicos envolvidos no certame que acontece nesta quarta (13) promovido pela Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP). O objetivo é a retirada dos blocos em sobreposição e em área de influência direta de territórios quilombolas, indígenas, unidades de conservação e impedir o impacto climático da oferta permanente de concessão que está em seu 4o ciclo. O estudo diagnóstico e as Ações Civis Públicas (ACPs) podem ser lidas e baixadas em leilaofossil.org.

Uma cobrança presencial será feita mais uma vez às autoridades e petroleiras participantes em forma de protesto pacífico, em frente ao local da oferta pública (Windsor Barra Hotel, na cidade do Rio de Janeiro). As comunidades afetadas estão mobilizadas e estarão presentes no ato, marcado para se iniciar a partir das 8h do dia 13 de dezembro.

Os esforços unem diversos atores da sociedade civil brasileira e internacional, protestando sobre os impactos e consequências da continuidade e aumento da exploração e produção desses combustíveis fósseis, que além de causar grande preocupação às comunidades tradicionais que serão afetadas diretamente, também colocam em risco as metas climáticas do Brasil. Além do agravamento da crise climática, a exploração de petróleo e gás gera diversos impactos socioeconômicos e ambientais negativos, afetando os meios físico (água, ar e solo) e biótico (fauna e flora).

“A extração de petróleo é uma ameaça direta à nossa subsistência. Nossas florestas, rios e fauna são fundamentais para nossa prática cotidiana de pesca, caça, agricultura e coleta de recursos naturais”, explica Geovane Valente da Silva de 20 anos, que é quilombola da área que está totalmente sobreposta no Ceará, Quilombo Córrego de Ubaranas, localidade próxima à Canoa Quebrada, cartão postal do estado.

“Tenho 35 anos de pesca e 9 quilômetros de manguezais na APA Costa dos Corais. São 14 municípios preocupados com a venda dos blocos de petróleo. A gente não quer isso pra nós”, manifesta Izabel Cristina, pescadora da APA Costa dos Corais, localizada no estado de Alagoas. Em Maceió, o perigo se agrava com a proximidade de blocos com a área que está afundando devido à exploração da Braskem.

Utilizando as diretrizes ambientais propostas pela ANP sobre os blocos exploratórios, o Instituto Internacional Arayara realizou uma análise de risco socioambiental e climático sobre todos os setores ofertados no 4o ciclo de oferta permanente de concessão, utilizando análises geoespaciais dos blocos exploratórios foram avaliados: Unidades de Conservação; Zonas de Amortecimento das UCs e Faixas de Restrição; Território Quilombolas; Terras Indígenas; Áreas Prioritárias para a Conservação (em especial Corais, Manguezais e Espécies Ameaçadas) e Áreas com potencial para aplicação de fracking. Segundo o estudo, todas as diretrizes foram feridas de alguma forma.

Foram identificadas 22 terras indígenas que estão localizadas na Área de Influência Direta (AID) de 15 blocos, sendo que 21 (95%) estão na Amazônia Legal, onde cerca 47 mil km2 de Terras Indígenas podem ser afetados, incluindo 9 etnias: Sateré Mawé, Mundukuru, Mura, isolados do Pitinga/ Nhamunda-Mapuera, isolados do Rio Kaxpakuru/Igarapé Água Fria, Kahyana, Katxuyana, Tunayana e Xokleng.

Além do componente indígena, o 4o Ciclo da oferta permanente de concessão ameaça territórios quilombolas por terem blocos ofertados que estão diretamente sobrepostos a 5 territórios que estão sendo sobrepostos em seus limites por 12 blocos exploratórios, sendo eles os Quilombos do Linharinho, São Domingos e São Jorge no ES; Abobreiras em AL; e Córrego de Ubaranas no CE. No caso do Ceará, no Quilombo do Córrego de Ubaranas, a situação é tão crítica que todo o território está sobreposto por blocos que serão ofertados.

Uma carta de repúdio endereçada ao Governo Fedral já recolhe assinaturas de mais de 160 organizações da sociedade civil, juventudes, movimento de mulheres, movimento negro, de periferias e favelas e organizações indígenas e quilombolas, expressando a contrariedade gerada por esse leilao que oferece 602 blocos e uma área de acumulação marginal. O pedido é para que o leilão seja interrompido, muitas das organizações participaram ativamente das discussões contra os combustíveis fósseis na COP 28.

Sobre a ARAYARA – O Instituto Internacional ARAYARA é uma organização brasileira sem fins lucrativos dedicada à defesa dos direitos humanos, do meio ambiente e da justiça social. Foi fundado em 1992, no contexto da Eco 92 e tem como objetivo promover ações para a construção de uma sociedade mais sustentável e justa. Atua em todos os estados brasileiros e em países latino-americanos, sendo responsável por evitar a emissão de mais de 3GtCO2 até 2022, equivalente a três bombas de carbono, resultando na preservação de 675.000 vidas e prevenção de 1,2 trilhão de dólares em prejuízos.

*Texto: reprodução do Instituto Internacional ARAYARA