CARTA PARA UM BRASIL QUE NUNCA SE QUIS INDÍGENA

CARTA PARA UM BRASIL QUE NUNCA SE QUIS INDÍGENA

Por Dinamam Tuxá e Felipe Tuxá
 Foto Cicero Bezerra

Quase que em momentos equidistantes, chegamos ao final do ano com mais uma morte violenta de um jovem indígena. No décimo oitavo dia de 2023, em janeiro, estivemos consternados com a perda de dois jovens Pataxó assassinados por pistoleiros, numa área de reocupação territorial na Terra Indígena Barra Velha, no extremo sul da Bahia. Eram eles Nawir Brito de Jesus de 17 anos e Samuel Cristiano do Amor Divino de 25 anos. Agora, faltando nove dias para o final do ano, recebemos a notícia de mais uma perda. Trata-se do Cacique Lucas Kariri-Sapuyá, do povo Pataxó Hahahãe de 31 anos, alvo de emboscada por pistoleiros na entrada da Aldeia do Rio Pardo, próximo a aldeia Caramuru no Sul da Bahia. Assim começamos e encerramos o ciclo 2023.

Embora separadas por meses, engana-se quem pensa se tratarem de casos isolados. Quase como uma violência lenta, em conta-gotas, assassinatos como esses encontram-se dispersos ao longo dos anos. Aparecem na mídia como notícias desconexas, convidando o leitor ou expectador a pensar brevemente sobre o contexto cotidiano de vida de povos indígenas. A morte de nossos jovens suscita a urgência de se pensar sobre o que se convencionou chamar de “questão indígena”. Distante dos espetáculos culturais que a sociedade civil aceitou consumir acerca dos povos indígenas, “danças”, “mitos”, “lendas”, “folclore”, “cantos”, “pajelanças” e o crescente “turismo étnico espiritual” existe um Brasil indígena repleto de conflitos, onde mães, pais, avós, esposas, esposos e filhos pranteiam a iminência da morte de familiares, ameaçados e criminalizados ao buscarem seus direitos. Por mais incômodo que seja, é necessário falar desse Brasil indígena.

A narrativa de um país diverso, multicultural e democrático fabula realidades indígenas obscuras cujas cenas, acerca da violência, constrange a sociedade civil diante de um contexto de vida dramático. São cenas de crianças yanomami desnutridas ou sugadas por maquinários de garimpo ilegal, vidas jovens ceifadas cedo demais, o drama Guarani em Mato Grosso do Sul, a ameaça do Marco Temporal e um continuum de turbulências. Foi essa teia de violência que quisemos denunciar na tese de Doutorado em Antropologia Social onde tratamos da Letalidade Branca defendida na Universidade de Brasília em 2022. Com a letalidade branca refletimos sobre as experiências indígenas em um país que nunca se quis indígena! Onde o senso comum nos compele para existências marginais ao mesmo tempo em que promove ideias absurdas como a de que indígenas possuem “direitos demais”.

Como a alcunha convencional coloca quando tratamos das demandas indígenas através do rótulo de “questão indígena”, situamos esses povos a partir de uma interrogação, um problema a ser resolvido. Qual é, portanto, o problema dos povos indígenas? Olhar seriamente para as nossas demandas é ainda, falar de demarcação territorial e proteção daqueles que já estão demarcados. Afinal, vivemos em um país que situa a presença indígena como um empecilho, obstáculos para acesso a territórios. Embora os direitos territoriais e o dever do Estado de cumprir com as demarcações e desintrusões estejam previstos em nossa Carta Magna, o sem número de projetos de leis que atacam esses mesmos direitos mostram o tamanho das adversidades que enfrentamos para efetiva-los. Ultimamente, temos lutado para preservar os direitos de retrocessos, enquanto deveríamos estar vendo os mesmos sendo efetivados. São centenas de processos demarcatórios parados, presos numa morosidade violenta, vários povos vivendo em acampamentos improvisados em beiras de estradas, velhos e velhas que morrem clamando por justiça diante de vulnerabilidades históricas.

Olhar pro Brasil indígena precisa, urgentemente, ser mais que uma celebração de diversidade. Precisa ser enfrentar a História desse país. A história de sua ocupação e o legado que cinco séculos desde a invasão deixaram para as comunidades indígenas no presente. A violência que acomete os povos indígenas, não é contingencial. Precisa ser enfrentada como elemento fundante de uma nação erguida em cima de saque e pilhagem de territórios indígenas. É essa memória que é o mastro para a condução de um futuro para um Brasil que seja, também, indígena. Um Brasil onde culpados sejam encontrados e responsabilizados, onde o Ministério dos Povos Indígenas e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas estejam fortalecidos, e onde os direitos indígenas sejam efetivados e não atacados.

Lembraremos de Nawir, Lucas, e Samuel, assim como lembramos de Galdino, Paulino e tantos outros e outras. Eles vivem em nós. Justiça e demarcação já.

Dinamam Tuxá é indígena do povo Tuxá e Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, APIB e Assessor jurídico da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, APOINME. Felipe Cruz é indígena do povo Tuxá, professor de Antropologia da Universidade Federal da Bahia, membro da Articulação Brasileira de Antropologues Indígenas, vice-presidente da Associação Nacional Indigenista (ANAÍ). Correio eletrônico: [email protected]
Referências:
Cruz, Felipe S. M. 2022. “Letalidade branca: Negacionismo, violência anti-indígena e as políticas de genocídio”. Tese de Doutorado, Universidade de Brasília, Brasília.
Apib, Apoinme e Conselho Terena enviam parecer inédito na CIDH sobre povos indígenas e crise climática

Apib, Apoinme e Conselho Terena enviam parecer inédito na CIDH sobre povos indígenas e crise climática

O documento tem o objetivo de firmar o posicionamento do movimento indígena sobre emergência climática. As organizações também indicaram uma série de obrigações para os Estados. 

No dia 18 de dezembro, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) e o Conselho Terena enviaram um parecer inédito para a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre povos indígenas e crise climática. O documento tem como objetivo firmar o posicionamento dos indígenas brasileiros sobre a emergência climática, além de aprofundar e colaborar com o debate perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Além da Apib, Apoinme e Conselho Terena, organizações parceiras como Instituto Socioambiental, Justiça Global e Associação Interamericana para Defesa do Ambiente também assinam o documento.

O parecer também apresenta obrigações estatais essenciais para garantir e proteger direitos humanos frente à crise climática. Dentre essas obrigações, as organizações do movimento indígena brasileiro defendem que os Estados reconheçam e valorizem a importância dos territórios indígenas, realizem a demarcação de terras indígenas em tempo hábil em todos os biomas, e estabeleçam programas de formação continuada. Esses programas devem oferecer informações acessíveis nas línguas indígenas, abrangendo as políticas nacionais e internacionais sobre mudanças climáticas e dialogando com as diversas realidades dos povos originários.

O parecer é dividido em seis tópicos: 1. Impactos locais da mudança climática sofridos pelos povos indígenas brasileiros; 2. Construção de grandes empreendimentos próximos aos territórios indígenas; 3. Defensoras e defensores do meio ambiente; 4. REDD+ e povos indígenas; 5. Demarcação de terras indígenas para garantia de direitos humanos vinculados à emergência climática; e, por fim, 6. Obrigações estatais que o movimento indígena brasileiro considera essenciais para se garantir e proteger direitos humanos frente à crise climática.

 Leia o parecer completo aqui: https://apiboficial.org/files/2023/12/Minuta-OC-Clim%C3%A1tica.docx.pdf

No documento, as organizações indígenas ressaltam a importância de pautar a demarcação de terras indígenas e ações que fortaleçam a gestão ambiental e territorial no debate climático. Isso porque as terras indígenas são consideradas a última barreira contra o desmatamento e a degradação florestal e os povos indígenas os verdadeiros guardiões das florestas. 

“Não existe justiça climática sem demarcação e proteção dos territórios indígenas. O parecer deixa isso muito claro e nós, do movimento indígena, vamos continuar incidindo para que todos os parentes tenham o direito garantido ao seu território. Isso é um direito originário, garantido pela Constituição e pelo Supremo Tribunal Federal”, afirma Dinamam Tuxá,  coordenador executivo da Apib e coordenador jurídico da Apoinme.

Por meio da conexão com os bens ambientais e da relação íntima com os territórios ancestrais, os povos indígenas protegem 80% da biodiversidade do planeta, como demonstram estudos das Nações Unidas. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa, segundo o MapBiomas. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas.

 Há, ainda, estudos que comprovam a relação da demarcação de terras indígenas com o regime de chuvas e com o resfriamento de determinadas regiões. O Parque Indígena do Xingu (PIX) é emblemático neste sentido. Estima-se que as chuvas que abastecem as fazendas de soja ao redor do PIX tem origem nas florestas protegidas pelos indígenas do Xingu, onde a média da temperatura chega a ser oito graus celsius menor do que nas áreas próximas impactadas pelo desmatamento. Para as organizações isso mostra que a atividade agropecuária da região é dependente dos serviços ambientais prestados gratuitamente pelos indígenas.

Dificuldades 

Apesar disso, o parecer também aponta um subfinanciamento dos planos de gestão territorial e ambiental. Exemplo disso é que a Rainforest Norway Foundation identificou que, entre 2011 e 2020, apenas 1% da Assistência Oficial ao Desenvolvimento para Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas foi destinado à garantia de direitos e gestão territorial e ambiental de povos indígenas e comunidades locais de países de florestas tropicais. 

De cerca de 2,7 bilhões de dólares, apenas 17% dos recursos foram destinados para organizações indígenas ou projetos que as mencionavam diretamente – dos quais 11% tiveram por objetivo garantir a segurança da posse das comunidades indígenas. 

Além disso, Apib, Apoinme e Conselho Terena também apontam a extinção do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), em 2019, como prejudicial para as políticas territoriais e ambientais brasileiras. Considerada pelo movimento indígena como um dos maiores avanços na gestão autônoma e sustentável dos territórios indígenas, a PNGATI foi criada com o objetivo de conectar a implementação das políticas de mudança do clima com a política indigenista.

Para Dinamam Tuxá, a extinção do Comitê Gestor da PNGATI inviabilizou a participação indígena no monitoramento e execução da política pública. “A PNGATI enfrentou diversos desmontes, sobretudo no desgoverno Bolsonaro, até ser extinta. Isso representa um autoritarismo e não condiz com o Estado Democrático de Direito e nem com a própria história de construção da PNGATI, que envolveu mais de mil indígenas em todo o Brasil”. O Comitê Gestor da PNGATI foi reinstalado somente em junho de 2023 pelo Ministério dos Povos Indígenas, criado no Governo Lula.

O coordenador também lembra que a manutenção da Lei nº 14.701/2023  e da tese do marco temporal no Brasil podem dificultar o processo de demarcação de territórios indígenas e levar à revisão das TI’s já demarcadas. Estimativas recentes apontam que, somente na Amazônia, com o avanço da grilagem e da fronteira agrícola sobre as TI’s poderá ocorrer um aumento expressivo do desmatamento de 55 milhões de hectares nos próximos anos, o que resultaria na emissão de 7,6 a 18,7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono para a atmosfera.

No dia 14 de dezembro, o Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, agora lei 14.701/2023, e transformou a tese ruralista do marco temporal em lei. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reforça que ‘Direitos não se Negociam’ e como resposta ao resultado da votação vai protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a anulação desta lei, considerada pela articulação como a lei do genocídio indígena. 

 

COP28: Apib cobra demarcação como principal compromisso climático e denuncia os riscos de exploração de petróleo em Terras Indígenas

COP28: Apib cobra demarcação como principal compromisso climático e denuncia os riscos de exploração de petróleo em Terras Indígenas

Foto: Kamikia Ksedje

A delegação indígena presente em Dubai foi a maior de todas as Conferências do Clima, cobrou que a demarcação dos territórios indígenas seja considerada como política climática e denunciou a entrada do Brasil na Opep+ e os riscos de projetos de exploração de petróleo

A COP28 aconteceu em Dubai com a participação de quase 200 países, e foi concluída no dia 13 de dezembro, com um dia de atraso devido às negociações relacionadas aos compromissos de redução de combustíveis fósseis em uma Conferência do Clima que, ironicamente, foi realizada na principal região petrolífera do mundo.

Uma das demandas mais urgentes da Apib no contexto da  COP28 é que o governo brasileiro vincule a já existente política de demarcação dos territórios indígenas às suas Contribuições Nacionalmente Determinadas, as quais serão revisadas na COP30 em 2025, que será realizada em Belém.

“Saímos de aqui [de Dubai] com o compromisso de cobrar cada vez mais o governo brasileiro para que os mecanismos e medidas de proteção e demarcação dos territórios indígenas sejam implementados”, afirmou Dinamam Tuxá, Coordenador Executivo da Apib, em sua avaliação sobre a COP28. “Não há solução para a crise climática sem os Povos Indígenas e sem os territórios indígenas, precisamos sim ter os nossos territórios demarcados e acreditamos que nossa mensagem chegou a quem deveria chegar”, adicionou Tuxá em referência à carta que a Apib entregou no dia 5 de dezembro ao Presidente Lula em encontro realizado com a sociedade civil na COP28, a qual reitera como imprescindível garantir o respeito aos direitos indígenas e não permitir o avanço de políticas anti-indigenistas como o Marco Temporal, aprovado no dia 14 de dezembro pelo Congresso Nacional, na  Lei 14,701/2023.

Além do encontro com o Presidente Lula, a Apib também se reuniu com os negociadores brasileiros para apresentar suas demandas transversais e específicas em relação às negociações climáticas. Entre elas, se destacam a participação efetiva dos Povos Indígenas no processo de negociações e tomada de decisões, e a vinculação da política de demarcação e proteção dos territórios indígenas às Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, por sua sigla em inglês) do Brasil. Com uma sensação de relativa satisfação por ter conseguido mobilizar a maior delegação de representantes indígenas do Brasil em uma COP, com cerca de 60 representantes indígenas da sociedade civil, o movimento indígena centralizou o debate sobre a importância das Terras Indígenas para as políticas de mitigação climática a nível nacional e internacional.

Os povos indígenas são protagonistas na luta contra as mudanças climáticas: através da íntima relação com os territórios ancestrais, os povos indígenas protegem 80% da biodiversidade do planeta, como demonstram estudos das Nações Unidas. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa, segundo o MapBiomas. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Não há como considerar a preservação de todos os biomas e políticas consistentes contra as mudanças climáticas sem garantir o pleno usufruto dos povos indígenas em seus territórios.

Um dos principais resultados da COP28 foi o Balanço Global, mecanismo de avaliação sobre o status de implementação dos compromissos das Partes no âmbito do Acordo de Paris. O texto final do Balanço Global faz sete menções aos Povos Indígenas, as quais se referem à responsabilidade das Partes em respeitar suas obrigações com os direitos dos Povos Indígenas; à participação dos Povos Indígenas nas soluções sustentáveis e justas para a crise climática e no processo de negociações; à implementação de soluções integradas e multissetoriais com base no conhecimento dos Povos Indígenas; ao respeito ao conhecimento indígena como forma de proteção do patrimônio cultural em relação aos impactos das mudanças climáticas; além do fortalecimento dos mecanismos de capacitação para promover o engajamento dos Povos Indígenas tanto nas negociações, como na criação de políticas e desenvolvimento de ações climáticas.

Para que isso tudo seja de fato cumprido, o Brasil precisa começar garantindo o acesso das populações aos seus territórios como primeiro direito inegociável, assim como respeitar a convenção 169 da OIT sobre a consulta livre, prévia e informada em relação aos projetos que impactem os territórios indígenas. Da mesma forma, os acordos relacionados ao Artigo 6 do Acordo de Paris precisam estabelecer mecanismos de denúncia que sejam efetivamente acessíveis aos povos indígenas. “O texto [do Balanço Global] reflete o compromisso político, que precisa ser agora evidenciado na prática. Não estamos satisfeitos apenas em ter os povos indígenas mencionados. E isso se dá com a inserção dos povos indígenas na ocupação dos espaços de decisão, no beneficiamento do financiamento direto, em políticas governamentais”, enfatiza Kleber Karipuna, Coordenador Executivo da Apib.

Novos projetos de petróleo em Terras Indígenas: contradição na luta contra as mudanças climáticas 

Seguido de uma dificuldade em atingir consenso nas negociações, o texto final da COP28 propôs a redução do consumo global de combustíveis fósseis. No entanto, a sensação de boa parte dos negociadores e da sociedade civil é de certo fracasso em relação à ausência de uma menção mais contundente e específica sobre a eliminação gradual do uso de petróleo, gás e carvão, ao invés de  redução. A COP28 atingiu o recorde de credenciamento de representantes do lobby petrolífero, com 2.456 inscritos.

Uma das maiores contradições no que se refere ao posicionamento climático do Brasil foi a  adesão do país ao grupo da Opep+ (extensão do grupo central da Opep, Organização de Países Exportadores de Petróleo) que preocupa os Povos Indígenas sobre a exploração de combustíveis fósseis nos seus territórios, além dos impactos climáticos de tais atividades. “Saímos daqui [da COP28 em Dubai] um pouco consternados por entender que nessa COP, ainda que o Brasil tenha protagonizado as negociações do clima, o país tenha ingressado no grupo da Opep+. Isso vai de contramão com o que está inclusive sendo debatido: transição energética justa”, explicou Tuxá.

A proposta de eliminação do uso de combustíveis fósseis chegou a formar parte do rascunho do texto do acordo da COP28, mas foi retirada após pressão da Opep com os países associados ao grupo da Opep+, que votaram para eliminar tal compromisso. A proposta que figura no texto final é contraditória com a meta de manter o aquecimento global em 1,5º pois, segundo alertam os cientistas, o único caminho para que isso seja possível é a neutralidade de carbono até 2050, zerando o uso de combustíveis fósseis.

O Brasil contribuiu ao cenário de contradições que caracterizaram essa edição da Conferência do Clima, já que, além da adesão do país à Opep+, no mesmo dia do fechamento da COP28 (13 de dezembro), aconteceu no Rio de Janeiro um leilão de projetos de combustíveis fósseis. O 4º ciclo de Oferta permanente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) ofereceu um total de de 602 blocos exploratórios e uma área com acumulação marginal, totalizando uma área de 183.569 km2. Segundo os dados do Instituto Arayara, 15 desses blocos exploratórios afetam 156 milhões de hectares (47 mil km2) de terras indígenas.

Na Área de Influência Direta (AID) desses projetos se encontram um total de 23 Terras Indígenas de 9 etnias: Sateré Mawé, Mundukuru, Mura, isolados do Pitinga/Nhamunda- Mapuera, isolados do Rio Kaxpakuru/Igarapé Água Fria, Kahyana, Katxuyana, Tunayana e Xokleng, com uma população afetada estimada em 21.910 indígenas. As terras indígenas estão de forma predominante localizadas na Amazônia Legal (63,64% dos blocos) na Bacia do Amazonas (estados do AM e PA), e também em Santa Catarina.

“Desses 23 blocos que impactam Terras Indígenas, duas são de povos isolados. Imaginem as estruturas que serão montadas, ao lado dos territórios indígenas, nas Unidades de Conservação, nos territórios quilombolas e nos territórios de todas as comunidades tradicionais do Brasil. É importante que a gente se junte e faça um compromisso entre nós: dia 13 não faço L de leilão, petróleo e gás, no meu território não”, declarou Kretã Kaingang, Coordenador Executivo da Apib, que acompanhou o leilão da ANP no Rio de Janeiro, fazendo referência à manifestação “Faz o L” de apoiadores do Presidente Lula durante sua campanha eleitoral.

A exploração, perfuração, extração, transporte e até refino e consumo causam devastação ambiental, violência e empobrecimento local. Em todas as fases há desmatamento e degradação de ecossistemas, contaminação dos corpos d’água, chuvas ácidas resultantes da queima do gás associado de petróleo, ruído e poluição insuportáveis – fatos que se estendem às redes naturais de circulação de água e vento, segundo explica o Instituto Arayara.

“No primeiro governo Lula em 2000, ele ratificou a convenção 169 da OIT, que nos dá direito à consulta livre, prévia e informada. Para esse leilão de hoje, nós não fomos consultados, nenhuma população tradicional atingida foi consultada. Durante a COP28, o Lula fez um discurso emocionado, chorou, falou da redução do desmatamento, mas com todos os impactos desses projetos de petróleo que estão sendo discutidos com as maiores empresas de petróleo mundiais, para se instalarem em territórios indígenas, mas sem deixarem entrar a nós povos indígenas que estamos aqui na porta do hotel onde o encontro acontece?”, questiona Kaingang, na porta do Hotel Windsor Barra na capital fluminense.

O Brasil de Lula, que já foi referência mundial em políticas climáticas, precisará trabalhar duro para aclarar suas contradições, questionar se continua sujando sua imagem internacional com a adesão ao chamado cartel petrolífero da Opep+ e cumprir seus compromissos e metas, entre eles o respeito das Terras Indígenas, que são guardiãs dos biomas e de boa parte da biodiversidade. O país tem dois anos para definir uma posição de liderança antes da COP30 de 2025, que será organizada pelo Brasil na cidade de Belém, e onde os países terão a grande responsabilidade de revisar suas metas climáticas, as NDCs. No entanto, a Apib questiona sobre a efetividade dos compromissos climáticos do Brasil enquanto as políticas de demarcação e proteção dos territórios não estiverem no centro desse debate.

 

PGR cobra urgência de Lula em plano para indígenas isolados

PGR cobra urgência de Lula em plano para indígenas isolados

STF determinou que governo brasileiro crie plano de proteção de territórios com indígenas isolados e de contato recente. A decisão ocorreu por meio da ADPF 991, proposta pela Apib

Em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral da República (PGR) expressou sua expectativa de que o governo liderado por Lula aja com urgência na elaboração de um plano para proteger territórios com indígenas isolados e de contato recente.

“Mesmo compreendendo que a consolidação de planejamento dessa magnitude demanda tempo, cautela e empenho dos órgãos envolvidos, é imperioso reforçar o pedido de apresentação do plano pela União, com a máxima brevidade”, escreveu a procuradora-geral da República interina, Elizeta Maria Ramos, ao ministro Edson Fachin.

Na manifestação, a PGR cita a insistência de invasores e grileiros no entorno da Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt e solicita que a Força Nacional permaneça na terra indígena por mais seis meses.

Em agosto de 2022, o STF confirmou uma decisão anterior do ministro Edson Fachin, emitida durante o governo de Jair Bolsonaro, ordenando que o governo desenvolvesse o plano de proteção. Na ocasião, os ministros deram um prazo de 60 dias para sua conclusão.

De acordo com a decisão do STF, o plano deve incluir cronogramas para “vigilância, fiscalização e proteção”, além de planos para concluir a demarcação de territórios onde vivem indígenas isolados, como os Kawahiva do Rio Pardo, em Mato Grosso, e relatórios sobre terras como a Tanaru, em Rondônia, onde o último indígena isolado da etnia, conhecido como “Índio do Buraco”, faleceu em 2022.

A decisão foi feita no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 991, ajuizada em junho de 2022 pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em virtude das “ações e omissões” promovidas pelo governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) que colocaram em risco os povos indígenas isolados e de recente contato no país.

No processo, a Apib também tem indicado preocupação com os territórios Zo’é e Tanaru. O primeiro território enfrenta a possibilidade de concessão para manejo na Floresta Estadual do Paru, no Pará, nas imediações do território indígena. Já relação ao território Tanaru, a apreensão gira em torno da destinação a ser dada pela União ao território onde vivia o último indígena da etnia.

Genocídio Legislado: Congresso derruba vetos, aprova lei do Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas

Genocídio Legislado: Congresso derruba vetos, aprova lei do Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas

Apib vai entrar com uma ação de inconstitucionalidade, no STF

O Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, agora lei 14.701/2023, nesta quinta-feira (14/12). Com isso, transformaram a tese ruralista do Marco Temporal em lei e aprovaram outros crimes contra os povos indígenas. 

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reforça que ‘Direitos não se Negociam’ e como resposta ao resultado da votação vai protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a anulação desta lei, considerada pela articulação como a lei do genocídio indígena. O protocolo só pode ser feito após a promulgação da lei, que ocorrerá em 48 horas e a ação será proposta em conjunto com os partidos políticos PT, REDE, PSOL e PSB.

“Esta lei é inconstitucional e deve ser analisada pelo STF. Porém, enquanto a ADI não for julgada pelos ministros do Supremo, os parentes estão enfrentando invasões nos territórios, assassinatos e a devastação do meio ambiente. É por isso que solicitamos que seja concedida a tutela de urgência antecipada! Não podemos ficar esperando enquanto as comunidades estão morrendo”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

A Apib protocolou no STF, na tarde desta quinta-feira, uma solicitação de audiência no tribunal para tratar sobre as ameaças aos direitos indígenas e a Constituição Federal, que existem nesta nova lei (14.701/2023). A Apib e suas sete organizações regionais de base (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa) reforçam que a luta continua e que o movimento indígena segue mobilizado nacionalmente e internacionalmente. 

“O Futuro da humanidade depende dos povos e da demarcação das Terras Indígenas. A principal Conferência, que trata sobre mudanças climáticas, a COP 28, foi encerrada nesta semana e o Congresso Nacional mais uma vez reforça seu compromisso com a morte. O Marco Temporal é uma proposta criada pelo agronegócio e já foi anulada pelo STF”, reforça Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib. 

Os únicos pontos dos vetos que foram mantidos e portanto foram RETIRADOS da Lei do Genocídio foram:

  • as ameaças aos povos indígenas isolados
  • a proposta que pretendia autorizar o uso de transgênicos nas Terras Indígenas 
  • a proposta racista sobre a alteração de traços culturais

Em sessão conjunta, entre deputados e senadores, desta quinta-feira, que derrubou os vetos de Lula terminou com um placar de 321 deputados contrários aos vetos e 137 favoráveis. No Senado a votação foi de 53 a 19 pela retirada dos vetos.

Inconstitucionalidades 

Além do Marco Temporal, outras inconstitucionalidades da lei já estão vigentes e violam artigos da Constituição Federal, bem como aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Estado Brasileiro. 

A participação efetiva de Estados e municípios em todas as fases do processo de demarcação e a regulamentação da cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas, são pontos destacados pela Apib como inconstitucionais. De acordo com a articulação, esses pontos da lei podem inviabilizar as demarcações e ampliar assédios de não indígenas sobre as TIs.

A nova lei também afirma que o direito de usufruto exclusivo não pode se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Lideranças indígenas da Apib ressaltam que o trecho pode abrir margem para violar o usufruto exclusivo dos povos indígenas sob o pretexto do “interesse de política de defesa”.

Na ADI, o departamento jurídico da Apib pede que a ação tenha como relator o Ministro Edson Fachin. O Ministro foi relator do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365, no qual o STF rejeitou o marco temporal, ou seja, a possibilidade de adotar a data da promulgação da Constituição Federal como marco para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas. 

“A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição”, diz trecho da decisão do Supremo. O julgamento do marco temporal no STF foi finalizado no dia 27 de setembro com 9 votos contra e 2 a favor da tese.

O desmatamento e a destruição da biodiversidade nas terras indígenas representam uma ameaça internacional para o equilíbrio climático global. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Além disso, os territórios indígenas concentram 80% da biodiversidade do planeta, mas estão ameaçados pelo avanço do agronegócio e das indústrias extrativistas, de desenvolvimento e turismo, tal como alerta o relatório da ONU Estado dos Povos Indígenas no Mundo, publicado em 2021.

Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da Apib, afirma que a Lei nº 14.701/2023, possui vícios de inconstitucionalidade e revanchismo parlamentar, onde o Senado pautou o PL no mesmo dia do julgamento do marco temporal no STF. O coordenador também reforça que um dos papéis do Supremo é garantir os direitos fundamentais de grupos sociais minoritários e que tem expectativas de que isso seja cumprido por meio da ADI.

“Vivemos em um sistema de freios e contrapesos e o limite imposto pelo Poder Legislativo é o de não aprovar leis que atentem contra cláusulas pétreas estabelecidas na Constituição Federal. Os direitos dos povos indígenas são originários e foram reconhecidos em 1988 e isso precisa ser respeitado”, diz Terena.

PL 2903 e veto parcial de Lula

Ao longo do ano de 2023, o PL 2903 representou uma das maiores ameaças aos direitos dos povos indígenas do Brasil. O Projeto de Lei defende os interesses latifundiários em detrimento dos direitos indígenas e foi aprovado em caráter de urgência no Senado Federal no dia 27 de setembro, mesma data em que o STF encerrou o julgamento do marco temporal.

Em contramão à demanda do movimento indígena pelo veto completo ao PL, o presidente Lula anunciou seu veto parcial no dia 20 de outubro. Lula retirou o marco temporal da proposta, assim como o cultivo de espécies transgênicas em Terras Indígenas e a construção de grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias, sem consulta prévia, livre e informada. O veto do presidente também retirou a flexibilização das políticas de proteção aos povos indígenas em isolamento voluntário do PL.

“A aprovação de projetos que interessam ao Executivo, tal como a Reforma Tributária no último dia 8 de novembro, fazem parte desse toma lá dá cá e reafirmamos que DIREITOS NÃO SE NEGOCIAM! Essas ações apenas perpetuam o império dos interesses do capital representado principalmente pela bancada ruralista e evangélica, entre outras, que alavancam a sobrevida da extrema direita que nos últimos anos infernizou a vida do povo brasileiro. A negociata dos nossos direitos para aprovar a Reforma Tributária implicou em o Governo Federal acenar para os parlamentares sinal verde para a derrubada dos vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, que pretende transformar o Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas em lei”, diz nota da Apib.

À época, a votação dos vetos ao PL 2903 estava prevista para 9 de novembro, mas foi adiada algumas vezes, até a votação no dia 14 de dezembro. Leia aqui a nota completa publicada pela Apib no dia 10 de novembro.

A Apib ressalta que as atitudes do Congresso Nacional são resultados da ligação direta de políticos brasileiros à invasão de terras indígenas, como mostra o dossiê “Os invasores” do site jornalístico “De olho nos ruralistas”. De acordo com o estudo, representantes do Congresso e do Executivo possuem cerca de 96 mil hectares de terras sobrepostas às terras indígenas.

Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de TIs, que doaram R$ 3,6 milhões para a campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).

Nesta última semana, uma comitiva das organizações e lideranças indígenas, que compõem a Apib, estiveram em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, para a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a COP28. A participação indígena foi a maior de todas as conferências e a Apib promoveu uma série de denúncias de violações de direitos e incidências políticas internacionais. 

Na COP28, a comitiva reforçou as Emergências Indígenas e exigiu a garantia dos direitos e demarcação das Terras Indígenas. Para a Apib e suas organizações regionais de base, não é possível combater a crise climática sem a demarcação e é necessário frear as violências financiadas pelo agronegócio contra as vidas indígenas.












Ações judiciais e mobilização social buscam retirar blocos exploratórios de petróleo e gás do Leilão do Fim do Mundo da ANP

Ações judiciais e mobilização social buscam retirar blocos exploratórios de petróleo e gás do Leilão do Fim do Mundo da ANP

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O quarto ciclo da oferta permanente acontece nesta quarta-feira (13), no Windsor Barra Hotel, na cidade do Rio de Janeiro. Estão em risco territórios quilombolas, indígenas, unidades de conservação, entre outros, além de representar uma bomba climática em emissões potenciais

O Instituto ARAYARA, organização socioambiental com trajetória de 30 anos, acionou judicialmente os órgãos públicos envolvidos no certame que acontece nesta quarta (13) promovido pela Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP). O objetivo é a retirada dos blocos em sobreposição e em área de influência direta de territórios quilombolas, indígenas, unidades de conservação e impedir o impacto climático da oferta permanente de concessão que está em seu 4o ciclo. O estudo diagnóstico e as Ações Civis Públicas (ACPs) podem ser lidas e baixadas em leilaofossil.org.

Uma cobrança presencial será feita mais uma vez às autoridades e petroleiras participantes em forma de protesto pacífico, em frente ao local da oferta pública (Windsor Barra Hotel, na cidade do Rio de Janeiro). As comunidades afetadas estão mobilizadas e estarão presentes no ato, marcado para se iniciar a partir das 8h do dia 13 de dezembro.

Os esforços unem diversos atores da sociedade civil brasileira e internacional, protestando sobre os impactos e consequências da continuidade e aumento da exploração e produção desses combustíveis fósseis, que além de causar grande preocupação às comunidades tradicionais que serão afetadas diretamente, também colocam em risco as metas climáticas do Brasil. Além do agravamento da crise climática, a exploração de petróleo e gás gera diversos impactos socioeconômicos e ambientais negativos, afetando os meios físico (água, ar e solo) e biótico (fauna e flora).

“A extração de petróleo é uma ameaça direta à nossa subsistência. Nossas florestas, rios e fauna são fundamentais para nossa prática cotidiana de pesca, caça, agricultura e coleta de recursos naturais”, explica Geovane Valente da Silva de 20 anos, que é quilombola da área que está totalmente sobreposta no Ceará, Quilombo Córrego de Ubaranas, localidade próxima à Canoa Quebrada, cartão postal do estado.

“Tenho 35 anos de pesca e 9 quilômetros de manguezais na APA Costa dos Corais. São 14 municípios preocupados com a venda dos blocos de petróleo. A gente não quer isso pra nós”, manifesta Izabel Cristina, pescadora da APA Costa dos Corais, localizada no estado de Alagoas. Em Maceió, o perigo se agrava com a proximidade de blocos com a área que está afundando devido à exploração da Braskem.

Utilizando as diretrizes ambientais propostas pela ANP sobre os blocos exploratórios, o Instituto Internacional Arayara realizou uma análise de risco socioambiental e climático sobre todos os setores ofertados no 4o ciclo de oferta permanente de concessão, utilizando análises geoespaciais dos blocos exploratórios foram avaliados: Unidades de Conservação; Zonas de Amortecimento das UCs e Faixas de Restrição; Território Quilombolas; Terras Indígenas; Áreas Prioritárias para a Conservação (em especial Corais, Manguezais e Espécies Ameaçadas) e Áreas com potencial para aplicação de fracking. Segundo o estudo, todas as diretrizes foram feridas de alguma forma.

Foram identificadas 22 terras indígenas que estão localizadas na Área de Influência Direta (AID) de 15 blocos, sendo que 21 (95%) estão na Amazônia Legal, onde cerca 47 mil km2 de Terras Indígenas podem ser afetados, incluindo 9 etnias: Sateré Mawé, Mundukuru, Mura, isolados do Pitinga/ Nhamunda-Mapuera, isolados do Rio Kaxpakuru/Igarapé Água Fria, Kahyana, Katxuyana, Tunayana e Xokleng.

Além do componente indígena, o 4o Ciclo da oferta permanente de concessão ameaça territórios quilombolas por terem blocos ofertados que estão diretamente sobrepostos a 5 territórios que estão sendo sobrepostos em seus limites por 12 blocos exploratórios, sendo eles os Quilombos do Linharinho, São Domingos e São Jorge no ES; Abobreiras em AL; e Córrego de Ubaranas no CE. No caso do Ceará, no Quilombo do Córrego de Ubaranas, a situação é tão crítica que todo o território está sobreposto por blocos que serão ofertados.

Uma carta de repúdio endereçada ao Governo Fedral já recolhe assinaturas de mais de 160 organizações da sociedade civil, juventudes, movimento de mulheres, movimento negro, de periferias e favelas e organizações indígenas e quilombolas, expressando a contrariedade gerada por esse leilao que oferece 602 blocos e uma área de acumulação marginal. O pedido é para que o leilão seja interrompido, muitas das organizações participaram ativamente das discussões contra os combustíveis fósseis na COP 28.

Sobre a ARAYARA – O Instituto Internacional ARAYARA é uma organização brasileira sem fins lucrativos dedicada à defesa dos direitos humanos, do meio ambiente e da justiça social. Foi fundado em 1992, no contexto da Eco 92 e tem como objetivo promover ações para a construção de uma sociedade mais sustentável e justa. Atua em todos os estados brasileiros e em países latino-americanos, sendo responsável por evitar a emissão de mais de 3GtCO2 até 2022, equivalente a três bombas de carbono, resultando na preservação de 675.000 vidas e prevenção de 1,2 trilhão de dólares em prejuízos.

*Texto: reprodução do Instituto Internacional ARAYARA

Apib irá entrar com uma ação de inconstitucionalidade da Lei do Genocídio Indígena, no STF

Apib irá entrar com uma ação de inconstitucionalidade da Lei do Genocídio Indígena, no STF

foto Matheus Alves – @imatheusalves

A Apib solicita a declaração de inconstitucionalidade e a suspensão da Lei nº 14.701/2023, resultado do PL 2903, na Corte. A ação será proposta em conjunto com os partidos políticos PT, REDE, PSOL e PSB

Em sessão conjunta, deputados e senadores devem votar no dia 14 de dezembro a manutenção ou derrubada dos vetos do Presidente Lula no Projeto de Lei 2903. Após a votação no Congresso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) irá entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a declaração de inconstitucionalidade da lei. Uma mobilização nacional também está sendo convocada pelo movimento indígena.

A sessão no Congresso Nacional estava prevista para esta quinta-feira (07/12), mas foi adiada. Os artigos que não foram vetados por Lula já estão em vigor na Lei nº 14.701/2023, considerada como Lei do Genocídio pelo movimento indígena.

No entendimento dos advogados indígenas da Apib, a ação deve ter a medida cautelar concedida para que os povos indígenas não sofram os danos da lei, até a finalização do julgamento. 

“Esta lei e o PL são inconstitucionais e devem ser analisados pelo STF. Porém, enquanto a ADI não for julgada pelos ministros do Supremo, os parentes estão enfrentando invasões nos territórios, assassinatos e a devastação do meio ambiente. É por isso que solicitamos que seja concedida a tutela de urgência antecipada! Não podemos ficar esperando enquanto as comunidades estão morrendo”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib. 

A Ação Direta de Inconstitucionalidade tem o objetivo de declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. A ADI é proposta no STF quando se tratar de inconstitucionalidade no âmbito federal ou estadual perante a Constituição Federal. Na Corte, ela será julgada procedente ou improcedente e declarará a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma ou ato.

A Apib e suas sete organizações regionais de base (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa) também convocam uma mobilização nacional nos territórios, nas cidades e nas redes sociais para o dia 14 de dezembro. O objetivo é que movimentos sociais e sociedade civil reivindiquem a manutenção dos vetos do presidente Lula e a garantia da demarcação de todas as terras indígenas no Brasil. 

Inconstitucionalidades 

No dia 27 de setembro, o Senado Federal aprovou o PL 2903, que pretende legalizar o marco temporal e uma série de crimes contra os povos indígenas do Brasil, como aponta a Apib. Indo contra o que foi pedido pelo movimento indígena, o Presidente Lula vetou parcialmente o PL. Agora, o Congresso Nacional deve analisar os vetos do Governo Federal, mas tem postergado a votação

A Lei nº 14.701 entrou em vigor no dia 20 de outubro de 2023. Entre as inconstitucionalidades que já estão vigentes e violam artigos da Constituição Federal, bem como aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Estado Brasileiro, a organização destaca: a participação efetiva de Estados e municípios em todas as fases do processo de demarcação e regulamentação da cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas, o que pode inviabilizar as demarcações e ampliar assédios de não indígenas sobre as TIs.

Além disso, a lei afirma que o direito de usufruto exclusivo não pode se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Lideranças indígenas da Apib ressaltam que o trecho pode abrir margem para violar o usufruto exclusivo dos povos indígenas sob o pretexto do “interesse de política de defesa”.

Na ADI, o departamento jurídico da Apib pede que a ação tenha como relator o Ministro Edson Fachin. O Ministro foi relator do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365, no qual o STF rejeitou o marco temporal, ou seja, a possibilidade de adotar a data da promulgação da Constituição Federal como marco para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas. 

“A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição”, diz trecho da decisão do Supremo. O julgamento do marco temporal no STF foi finalizado no dia 27 de setembro com 9 votos contra e 2 a favor da tese.

O desmatamento e a destruição da biodiversidade nas terras indígenas representam uma ameaça internacional para o equilíbrio climático global. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Além disso, os territórios indígenas concentram 80% da biodiversidade do planeta, mas estão ameaçados pelo avanço do agronegócio e das indústrias extrativistas, de desenvolvimento e turismo, tal como alerta o relatório da ONU Estado dos Povos Indígenas no Mundo, publicado em 2021.

Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da Apib, afirma que a tramitação do Projeto de Lei 2903, que resultou na Lei nº 14.701/2023, possui vícios de inconstitucionalidade e revanchismo parlamentar, onde o Senado pautou o PL no mesmo dia do julgamento do marco temporal no STF. O advogado indígena também reforça que um dos papéis do Supremo é garantir os direitos fundamentais de grupos sociais minoritários e que tem expectativas de que isso seja cumprido por meio da ADI.

“Vivemos em um sistema de freios e contrapesos e o limite imposto pelo Poder Legislativo é o de não aprovar leis que atentem contra cláusulas pétreas estabelecidas na Constituição Federal. Os direitos dos povos indígenas são originários e foram reconhecidos em 1988 e isso precisa ser respeitado”, diz Terena.

PL 2903 e veto parcial de Lula

Ao longo do ano de 2023, o PL 2903 representou uma das maiores ameaças aos direitos dos povos indígenas do Brasil. O Projeto de Lei defende os interesses latifundiários em detrimento dos direitos indígenas e foi aprovado em caráter de urgência no Senado Federal no dia 27 de setembro, mesma data em que o STF encerrou o julgamento do marco temporal.

Em contramão à demanda do movimento indígena pelo veto completo ao PL, o presidente Lula anunciou seu veto parcial no dia 20 de outubro. Lula retirou o marco temporal da proposta, assim como o cultivo de espécies transgênicas em Terras Indígenas e a construção de grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias, sem consulta prévia, livre e informada. O veto do presidente também retirou a flexibilização das políticas de proteção aos povos indígenas em isolamento voluntário do PL.

Agora, a Apib alerta que os vetos podem ser derrubados pelo Congresso Nacional no dia 14 de dezembro. A sessão que irá anular ou manter os vetos de Lula está sendo adiada há quase um mês, onde no processo os direitos indígenas têm sido usados como moeda de troca entre os parlamentares e o Governo Lula.

“A aprovação de projetos que interessam ao Executivo, tal como a Reforma Tributária no último dia 8 de novembro, fazem parte desse toma lá dá cá e reafirmamos que DIREITOS NÃO SE NEGOCIAM! Essas ações apenas perpetuam o império dos interesses do capital representado principalmente pela bancada ruralista e evangélica, entre outras, que alavancam a sobrevida da extrema direita que nos últimos anos infernizou a vida do povo brasileiro. A negociata dos nossos direitos para aprovar a Reforma Tributária implicou em o Governo Federal acenar para os parlamentares sinal verde para a derrubada dos vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, que pretende transformar o Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas em lei”, diz nota da Apib.

À época, a votação dos vetos ao PL 2903 estava prevista para 9 de novembro, mas foi adiada para 23 de novembro. Leia aqui a nota completa publicada pela Apib no dia 10 de novembro.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil ressalta que as atitudes do Congresso Nacional são resultados da ligação direta de políticos brasileiros à invasão de terras indígenas, como mostra o dossiê “Os invasores” do site jornalístico “De olho nos ruralistas”. De acordo com o estudo, representantes do Congresso e do Executivo possuem cerca de 96 mil hectares de terras sobrepostas às terras indígenas.

Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de TIs, que doaram R$ 3,6 milhões para a campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).

Nesta semana, uma comitiva das organizações e lideranças indígenas, que compõem a Apib, estão ecoando denúncias sobre as violações de direitos indígenas na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a COP28. O evento ocorre até o dia 12 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Na COP28, a comitiva está reforçando as Emergências Indígenas e exigindo a garantia dos direitos e demarcação das Terras Indígenas. Para a Apib e suas organizações regionais de base, não é possível combater a crise climática sem a demarcação e é necessário frear as violências financiadas pelo agronegócio contra as vidas indígenas.

Saiba mais sobre o marco temporal: https://apiboficial.org/marco-temporal/ 



A Pauta Verde virou Cinzas às vésperas da COP 28

A Pauta Verde virou Cinzas às vésperas da COP 28

O departamento jurídico da Apib elaborou um relatório sobre os desmontes promovidos pelo congresso nacional à “pauta verde”, ou seja, às políticas ambientais e iniciativas de combate à crise climática. Enquanto o governo federal especula sobre suas intenções em tornar o Brasil um oásis de cuidados com a natureza, o legislativo ruralista continua tratorando as leis para favorecer o agronegócio.

O maior exemplo disso é “a aprovação em tempo recorde do Projeto de Lei nº 2903/2023 (Marco Temporal de Terras Indígenas) no Senado Federal – matéria que se encontra na iminência de apreciação da derrubada do Veto Presidencial”, afirma a análise.

A nota técnica aborda os projetos de lei Nº 1459/2022 do Senado, o PL 11247/2018 e o PL 412/2022 da Câmara dos Deputados. Os projetos anti-indígenas, aprovados na última semana, perpassam a financeirização da natureza e o incentivo aos combustíveis fósseis e ao uso de agrotóxicos, alguns deles proibidos em muitos países de economia desenvolvida, por exemplo, entre os integrantes da União Europeia.

Confira a nota no link: Informe AJUR_APIB – A Pauta Verde virou Cinzas às vésperas da COP 28

Contraindo STF, ministro Kassio considerou marco temporal em decisão sobre terras indígenas

Contraindo STF, ministro Kassio considerou marco temporal em decisão sobre terras indígenas

A Secretaria-Geral da Presidência da República disse que continuará cumprindo a decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso sobre o caso, na qual decidiu pela continuidade da desintrusão

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Kassio Nunes Marques, determinou a paralisação da desintrusão das terras indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá, localizadas no Pará, no dia 28 de novembro, utilizando a tese do Marco Temporal, como mostra o site Metrópoles. A decisão utilizando a tese anti-indígena, que foi derrubada pelo STF em setembro de 2023, tenta passar por cima da decisão do colegiado do STF. 

O marco temporal estabelece que somente são reconhecidos os direitos territoriais indígenas para as áreas ocupadas por essas comunidades na data da promulgação da Constituição Federal, em 1988.

Na decisão, Nunes Marques disse: “ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes”. 

Barroso determina que União continue com plano de retirada de invasores

A Secretaria-Geral da Presidência da República disse que continuará cumprindo a decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso sobre o caso, na qual decidiu pela continuidade da desintrusão.

No dia 30 do mesmo mês, Barroso determinou que a União continue com o plano de retirada de invasores das terras indígenas. A decisão foi tomada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, protocolada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que tem por objeto ações e omissões por parte do Poder Público que colocam em risco a saúde e a subsistência da população indígena no país. 

No texto o ministro Barroso, que é presidente do STF e relator da ADPF 709, explica que a Advocacia-Geral da União (AGU) o comunicou sobre a decisão do ministro Nunes Marques, apontando suposta contradição com o plano de desintrusão. Porém, a decisão de Marques ocorreu no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1467105 e Barroso afirma que ela não interfere na decisão tomada por ele na ADPF, pois refere-se apenas ao processo do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).





Povos indígenas do Paraná compartilham saberes ancestrais na 20ª Jornada de Agroecologia

Povos indígenas do Paraná compartilham saberes ancestrais na 20ª Jornada de Agroecologia

Com forte presença feminina, indígenas convocaram o povo da cidade para barrar a crise climática e pensar a saúde popular*

A Jornada de Agroecologia é um evento de fôlego que busca discutir de maneira profunda os desafios e possibilidades da agroecologia como projeto de transformação da sociedade. Ao longo da programação da 20ª edição, que aconteceu entre os dias 22 e 26 de novembro na UFPR – Rebouças em Curitiba, seminários, oficinas, palestras, conferências e apresentações culturais foram organizadas para que os povos do campo, da floresta, dos rios e da cidade pudessem se articular e se fortalecer a partir dos saberes e fazeres agroecológicos. Uma proposta como essa não poderia ser realizada sem a presença indígena.

Para garantir essa aliança, a cacique Andrea Guarani foi uma das lideranças presentes na programação e, além de assistir a jornada, também participou de debates sobre saúde popular e luta feminina. “É a primeira vez que eu participo da Jornada, e eu não vim sozinha. Junto com outras mulheres falamos sobre as ervas medicinais e a luta pela saúde popular”, contou em entrevista.

Para ela, o evento reforçou a intuição que já tinha sobre a necessidade abrir os territórios e os saberes originários para os povos não-indígenas. “A gente vê que todo o pensamento sobre saúde está muito industrializado, tem tudo muito fácil na farmácia. E a gente quer mostrar que por fora dessa indústria tem uma espiritualidade que nos ajuda a encontrar a cura”, comenta.

A indígena Kixirrá Jimamadi explicou que seu trabalho segue a mesma linha. “Para nós, mulheres indígenas Jamamadi, a cura brota da natureza, das medicinas naturais bem plantadas, em terra sadia e sem veneno”, reforça. Kixirrá trouxe para a programação da Jornada debates sobre mulheres, ervas medicinais e sobre a Cannabis medicinal.

“Por que não aprendemos mais sobre essa planta milenar que está dentro da farmácia viva de tantos povos? Por que o Brasil insiste em criminalizar uma planta por conta de um cigarro natural, sendo que o outro, que comprovadamente mata, é vendido normalmente? O que eu tentei foi fazer essa discussão dentro da lógica da saúde popular, porque mesmo com toda a potência medicinal, eu sei que há muito preconceito dentro das aldeias e dos nossos territórios”, questionou Kixirrá Jimamadi.

Artesanato, natureza e belezas vivas

Além dos seminários e oficinas, a presença dos povos indígenas também teve grande expressividade artística e cultural. A Feira da Agrobiodiversidade, parte da programação da Jornada, contou com um setor de artes e artesanato que teve joias indígenas como um de seus destaques. “O nosso artesanato traz um discurso muito ideológico e até filosófico, porque se tratam de joias vivas, feitas a partir de plantas que não foram mortas para se transformar em acessórios. Ao contrário, são sementes selecionadas, e são deixadas na terra aquelas que podem ainda se regenerar. Você tem o pau brasil, a sororoca, e se você não usa essas joias, elas morrem como as pérolas”, conta Kixirrá. “é uma beleza viva, traz o entendimento de que eu não preciso desmatar para ficar bonita”, conclui.

Além do artesanato, os povos indígenas levaram apresentações culturais, rezas e mística para vários momentos da jornada, como o seminário de discussão sobre a luta das mulheres, que teve uma linda abertura com cânticos indígenas. “É preciso compreender que a nossa presença não se dá só pela fala, ou pela formação. A nossa presença é nosso canto, nosso espírito, nossas cores, nossa voz”, proclama a indígena Jovina Renhga, do povo Kaingang.

Uma luta de mulheres

É notável, quando observamos a atuação dos indígenas na Jornada, que há uma presença forte de mulheres. Os homens estão muito presentes, mas mais de uma vez a liderança, representação e articulações são assumidas pelas mulheres, que falam e ensinam. Para a cacique Andrea Guarani, essa é uma surpresa apenas para quem está fora dos territórios indígenas.

“A luta da mulher indígena é a mesma do povo indígena, é a luta pelo território, para manter a nossa cultura e pelos nossos direitos. E ela é muito mais forte e mais difícil por sermos mulheres. Dentro dos territórios é comum ver mulher na liderança, mas fora ainda existe a expectativa de que o cacique seja aquele senhor, homem, mais velho, e a gente vem quebrando essa barreira, que existe fora do território e não dentro”, explica a Cacique.

Para ela, a mensagem dos indígenas está chegando aos poucos. “A participação indígena nesse meio, nesses eventos importantes como a Jornada, ainda é menor do que a gente gostaria. Somos muitos povos com a sabedoria de viver e preservar o território e a floresta, o certo seria estarem todos aqui, mas a gente vai melhorando”, conclui.

Para Kixirrá, a participação dos povos indígenas cumpre a tarefa de trazer provocações. “Como diz uma música que eu ajudei a criar quando eu ainda era adolescente: ‘eu tô aqui pra cutucar, cutuca aqui, cutuca lá’, eu tô cutucando, sabe? Eu não quero chamar atenção, eu quero acordar mentes, cutucar para ver se o povo entende que se trata de defender a nossa casa, o nosso planeta. E essa casa comum é a única, não tem Plano B. Eu espero estar cutucando e acordando as pessoas para isso” conclui.

A 20ª Jornada de Agroecologia recebeu povos guarani, Kaingang e Jamamadi. Entre as participações, os povos indígenas trouxeram os seguintes seminários e oficinas: “Cannabis medicinal na saúde popular” com Coletivo Urbano Indígena; Feminismo, segurança e soberania alimentar na construção da agroecologia: o protagonismo das mulheres do campo, da floresta e das águas”; “Corpo e Natureza com mulheres indígenas – Ervas”; “Erva-mate e o povo Guarani”; “Movimento das Mulheres Guaranis”.

*Por Isabela Cunha, Da Página do MST.