NUNCA MAIS UM GOVERNO SEM NÓS!!!

NUNCA MAIS UM GOVERNO SEM NÓS!!!

Discurso de posse da Ministra Sonia Guajajara

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Saudação

1. Inicialmente, quero agradecer a presença de todas as pessoas que aqui estão, neste momento tão emblemático para a história do Brasil. Agradeço a presença da Ex-Presidenta Dilma Rousseff, das Ministras e Ministros de Estado em nome da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de todos os parlamentares, em nome do Deputado Federal Guilherme Boulos, de dirigentes partidários em nome de Juliano Medeiros, de todos os movimentos sociais, de toda a frente ampla democrática brasileira, dos representantes da comunidade internacional e da imprensa.

2. Quero saudar de forma especial, todas as lideranças indígenas, que com muito esforço chegaram aqui, e dedico este momento a todos os povos indígenas do Brasil.

3. Cumprimento aqui com muita honra a minha família, pai, mãe, irmãos, irmãs, primos, sobrinhas e filhos, que por muitos anos, tem sentido muita saudade da minha presença. Mas entendem que preciso cuidar de tantos outros filhos desta nossa Nação.

4. Agradeço a presença da primeira Dama, nossa querida Janja e do nosso Ilustre Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o qual parabenizo pela coragem e ousadia de reconhecer a força e o papel dos povos indígenas, neste momento em que é tão importante o reconhecimento deste protagonismo dos povos indígenas frente a preservação do meio ambiente e justiça climática, ao criar este Ministério inédito na história do Brasil.

5. Povos esses, que resistem há mais de 500 anos, a diários ataques covardes e violentos, tão chocantes e aterrorizantes como vimos neste último Domingo aqui em Brasilia, porém sempre menos visibilizados. A partir de agora, essa invisibilidade não pode mais camuflar a nossa realidade.

6. Estamos aqui, de pé! Para mostrar que não iremos nos render.

7. A nossa Posse aqui hoje, minha e de Anielle Franco, é o mais legítimo símbolo dessa resistência secular preta e indígena no Brasil!

Contextualização subjetiva

8. Permitam-me voltar a um passado recente de minha história para compartilhar uma memória com vocês. Quando eu tinha 17 anos, fui chamada por minha tia Maria Santana para conversar. Tia Maria é parteira e uma respeitada liderança espiritual. Como não foi um convite qualquer, eu pensei: “O que será que a tia Maria quer?”. Subi na garupa de uma moto e fui até a Aldeia Lagoa Quieta, no território indígena Araribóia, para encontrar com ela. Chegando, vi Tia Maria me esperando com dois presentes, um colar e um maracá. Ela então me olhou e disse com aquela voz serena: “Ô fia, quero te entregar esses presentes que são símbolos de liderança. E eu passo a você, o poder da palavra. Você vai ter o dom da comunicação, todo mundo vai te ouvir. Você vai crescer e tudo que você tiver para falar vão te escutar. Esse maracá vai ecoar e você será a porta voz do nosso povo.”

9. Então hoje, eu quero dizer para vocês, que aquela Sônia que para estudar trabalhou em casa de família como babá e “empregada doméstica” assim como era chamada essa profissão na época, está aqui, nomeada para o cargo de Ministra de Estado dos Povos Indígenas do Brasil.

10. Se estou aqui hoje, é graças à força ancestral e espiritual de meu povo Guajajara Tentehar, graças a resistência secular da luta dos povos indígenas do Brasil, graças também à minha persistência de nunca desistir.

11. Ressalto também o apoio que recebi dos povos indígenas e da população do Estado de São Paulo que, pelas urnas, me elegeram Deputada Federal, afirmando a todos os brasileiros e brasileiras, que uma mulher indígena é plenamente capaz de contribuir com a reconstrução da democracia neste país.

12. Assumo com honra e coragem este ousado e inovador desafio. Uma missão já anunciada há tantos anos pela tia Maria.

Contextualização coletiva

13. Talvez muitas pessoas nunca irão entender o quanto este momento é significativo para mim e para nossos povos, talvez nem todas as pessoas que estão me ouvindo saibam que a existência dos povos indígenas do Brasil é cercada por uma leitura extremamente distorcida da realidade. Ou nos romantizam, ou nos demonizam.

14. Nós não somos o que, infelizmente, muitos livros de História ainda costumam retratar. Se, por um lado, é verdade que muitos de nós resguardam modos de vida que estão no imaginário da maioria da população brasileira, por outro, é importante saberem que nós existimos de muitas e diferentes formas. Estamos nas cidades, nas aldeias, nas florestas, exercendo os mais diversos ofícios que vocês puderem imaginar. Vivemos no mesmo tempo e espaço que qualquer um de vocês, somos contemporâneos deste presente e vamos construir o Brasil do futuro, porque o futuro do planeta é ancestral!

Contextualização histórica dos problemas enfrentados

15. A invisibilidade secular que impacta e impactou diretamente as políticas públicas do Estado é fruto do racismo, da desigualdade e de uma democracia de baixa representatividade, que provocou uma intensa invisibilidade institucional, política e social, nos colocando na triste paisagem das sub-representações e sub-notificações sociais do País. São séculos de violências e violações e não é mais tolerável aceitar políticas públicas inadequadas aos corpos, às cosmologias e às compreensões indígenas sobre o uso da terra.

16. Durante a pandemia que impactou fortemente o mundo e a população brasileira, os povos indígenas do Brasil tiveram milhares de vidas ceifadas pelo negacionismo científico e criminoso do Governo anterior, democraticamente derrotado nas urnas pelo voto popular em 2022.

17. As dificuldades no acesso aos serviços de saúde, de saneamento e as falsas informações propagadas, potencializaram literalmente um plano de genocídio.

18. Tudo isso levou a um estado de emergência, que através das organizações indígenas mobilizou a criação de barreiras sanitárias, diversas campanhas de arrecadação e distribuição de alimentos, os advogados indígenas conquistaram grandes vitórias judiciais, promovemos também redes de afetos, solidariedade e somas que permitiram evitar que mais vidas indígenas fossem perdidas.

19. É preciso lembrar de problemas estruturais que, recentemente, foram imensamente potencializados e precisam ser encarados como prioridades. São graves os casos de intoxicações provocados por mercúrio dos garimpos, pelos agrotóxicos nas grandes lavouras do agronegócio; as invasões em nossos territórios; as condições degradantes de saúde e saneamento; o aumento da insegurança alimentar que resultou, inclusive, na morte de inúmeras crianças e idosos indígenas e a desproteção dos territórios onde vivem povos indígenas isolados. Lembrando que, na Amazônia brasileira, somam-se 114 grupos de povos de recente contato ou também os que nunca tiveram nenhum contato com a sociedade. Os chamados povos isolados, e que se encontram em estado de alta vulnerabilidade, devido ao desmatamento, garimpo ilegal e a grilagem de terras.

20. O exemplo que mais recentemente voltou a correr os noticiários do mundo, é a situação extrema em que vivem os parentes Yanomami. Não é mais possível convivermos com povos indígenas submetidos a toda sorte de males, como desnutrição infantil e de idosos, malária, violação de mulheres e meninas e altos índices de suicídio.

21. Presidente Lula, arrisco dizer, sem exagero, que muitos povos indígenas vivem uma verdadeira crise humanitária em nosso país e agora estou aqui para trabalharmos juntos, para acabar com a normalização deste estado inconstitucional que se agravou nestes últimos anos.

22. Este estado de emergência e de luta cotidiana por sobrevivência, fez com que um direito tão importante como a educação diferenciada, pautada pela Constituição de 88, deixou de ser debatido e implementado.

23. Precisamos voltar a pensar as políticas de educação para os indígenas, valorizando as identidades plurais, formando professores indígenas, ampliando o acesso e a permanência no ensino superior.

24. Além disso, não posso deixar de lembrar os parentes que foram retirados de nosso convívio pela bala do fascismo que imperou no Brasil nos últimos quatro anos, derramando, sem pudor, muito sangue indígena. Lembremos a força daqueles que tombaram na luta como Paulino, Janildo, Jael e Antonio Guajajara, Ari Uru Eu Wau Wau, Dayane Kaingang, Estela Verá Guarani Kaiowa, Wellington Pataxó, Ariane Oliveira, a menina Raissa e tantos outros parentes vitimados pelo garimpo ilegal, pelas invasões de seus territórios e por tantas outras ações e omissões do Estado. Além disso, preciso destacar a força de Bruno Pereira e Dom Philips, em memória de quem saúdo todos os nossos aliados e aliadas defensores do meio ambiente e dos direitos humanos.

25. Gente! Nós não somos os únicos que necessitam aqui viver. Nós apenas coabitamos a mãe Terra junto com milhões de outras espécies. O desprezo por essas outras formas de vida, as práticas de desmatamento intenso feitas sempre em nome da economia de curto prazo, têm efeitos devastadores para o futuro de todos nós. As alterações no uso do solo provocam um grande desiquilibrio em nosso ecossistema, que impactam diversas espécies causando profundas transformações, inclusive, as grandes epidemias.

26. As terras indígenas, os territórios habitados por demais povos e comunidades tradicionais e as unidades de conservação são essenciais para conter o desmatamento no Brasil e para combater a emergência climática enfrentada por toda a humanidade. A proteção dos diferentes biomas é essencial para qualquer produção agrícola, pois garante água, garante a presença de agentes polinizadores e de tantos outros fatores sem os quais, nada se produz.

27. Se, antes, as demarcações tinham enfoque sobretudo na preservação da nossa cultura, novos estudos vêm demonstrando que a manutenção dessas áreas tem uma importância ainda mais abrangente, sendo fundamentais para a estabilidade de ecossistemas em todo o planeta, assegurando qualidade de vida, inclusive nas grandes cidades. Daí a importancia de reconhecer os direitos originários dos Povos Indígenas sob as terras em que vivem.
28. As Terras Indígenas são importantes aliadas na luta contra o aquecimento global e fundamentais para a preservação da nossa biodiversidade. Como já foi considerado no Acordo de Paris, e na Declaração de Nova York para Florestas Tropicais das Nações Unidas, que o conhecimento dos povos e comunidades tradicionais, são também conhecimentos científicos e como uma das últimas alternativas para conter a crise climática. É preciso que este conhecimento saia dos tratados internacionais, e seja valorizado na prática, por todo o território Nacional, por meio de políticas locais, considerando a diversidade de povos, culturas e territórios.

29. Hoje, vocês todos estão presenciando um momento de transição histórica, tal qual foi a singular colaboração indígena, na Assembleia Nacional Constituinte. Naquela ocasião, um passo muito importante foi dado com o fim do paradigma integracionista e da tutela.

30. Hoje, vocês presenciam um passo ainda maior com este Ministério dos Povos Indígenas e esperamos, com isso, fazer respeitar a nossa existência e o nosso protagonismo.

31. O Brasil do futuro precisa dos povos indígenas. Tudo que tradicionalmente é chamado de cultura entre os brasileiros e brasileiras, para nós significa tudo que somos.
32. É nosso modo de vida, nossa comida, nossos rituais, nosso uso da terra, nossas práticas e costumes, tanto aqueles mais cotidianos, quanto outros ritualizados. Cultura é também sinônimo de luta!

33. Lembremos também o que estava sendo empurrado para o esquecimento: o Brasil é plural, é alegria, é colorido e solidário!

34. É com esse espírito que assumo a missão de sensibilizar toda a sociedade brasileira e a convido para juntos, reflorestarmos mentes e corações rumo a uma democracia do bem viver de todos os brasileiros e brasileiras.

35. Os desafios são tremendos. E quero aqui deixar o meu pedido ao conjunto de ministras e ministros, governadoras e governadores, prefeitas e prefeitos, que compreendam o sentido de aldear a política, as políticas indígenas desses novos tempos, como já disse nosso Presidente e também o ministro da casa civil, também são transversais e necessitam do apoio e do diálogo nas diversas áreas.

36. Estamos diante de uma crise humanitária. Por isso, a criação do Ministério dos Povos Indígenas sinaliza para o mundo, o compromisso do Estado brasileiro com a emergência e justiça climática, além de inclusão, reconhecimento e início da reparação histórica, da invisibilidade e da negação de direitos.

37. Quero, ainda, destacar que este Ministério é de todos os povos indígenas do Brasil, além de patrimônio do povo brasileiro, pois cada indígena vivo representa um guardião climático da mãe Terra. Quero aproveitar e apresentar a equipe do Ministério: Eloy Terena, Secretário Executivo; Jozi Kaigang, minha Chefe de Gabinete; Eunice Kerexu, Secretária de Direitos Ambientais e Territoriais; Ceiça Pitaguary, Secretária de Gestão Ambiental e Territorial Indígena; Juma Xipaia, Secretária de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas; e Marcos Xucuru, Assessor Especial do MPI.

38. É urgente promovermos uma cidadania indígena efetiva. Isso não se faz sem demarcação de territórios, proteção e gestão ambiental e territorial, acesso à educação, acesso e permanência à universidade pública, gratuita e de qualidade, ampla cobertura e acesso à saúde integral.
Saibam que este Ministério chega comprometido com tudo isso e com a promoção de uma política indígena em todo o território nacional com potencial de fazer frente às mazelas que tomaram nossos corpos, memórias e vidas.

39. E antes de finalizar, quero aqui já anunciar a recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista, que garante a participação paritária entre representações indígenas de todos os estados brasileiros e órgãos do executivo federal.

40. Sabemos que não será fácil superar 522 anos em 4. Mas estamos dispostos a fazer desse momento a grande retomada da força ancestral da alma e espírito brasileiros. Nunca mais um Brasil sem nós!

Apib condena norma da Funai e do IBAMA que permite exploração madeireira em Terras Indígenas

Apib condena norma da Funai e do IBAMA que permite exploração madeireira em Terras Indígenas

NOTA TÉCNICA N. 05/2022 – AJUR/APIB

EMENTA: INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA N. 12/2022 – IBAMA E FUNAI. ESTABELECE AS DIRETRIZES E OS PROCEDIMENTOS PARA ELABORAÇÃO, ANÁLISE, APROVAÇÃO E MONITORAMENTO DE PLANO DE MANEJO FLORESTAL SUSTENTÁVEL (PMFS) COMUNITÁRIO PARA A EXPLORAÇÃO DE RECURSOS MADEIREIROS EM TERRAS INDÍGENAS. ATO NORMATIVO QUE AFETA DIREITOS E INTERESSES DOS POVOS INDÍGENAS. AUSÊNCIA DE CONSULTA. OFENSA A CONVENÇÃO 169 DA OIT. VIOLAÇÃO A PRECEITO FUNDAMENTAL DOS POVOS INDÍGENAS: USUFRUTO EXCLUSIVO DAS RIQUEZAS DO SOLO, DOS RIOS E DOS LAGOS NELAS EXISTENTES.

1. A Coordenação Executiva da APIB solicita manifestação da Assessoria Jurídica a despeito da publicação da Instrução Normativa n. 12, de 16 de dezembro de 2022, assinada de forma conjunta pelos presidentes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que estabelece as diretrizes e os procedimentos para elaboração, análise, aprovação e monitoramento de plano de manejo florestal sustentável (pmfs) comunitário para a exploração de recursos madeireiros em terras indígenas.

2. Feita uma análise preliminar, denota-se que o ato normativo foi publicado e entrará em vigor a partir do dia 14 de janeiro de 2023, trinta dias após a sua publicação.

3. O presente ato busca regulamentar a exploração de recursos madeireiros no interior de terras indígenas, por meio de organizações indígenas bem como por organizações mistas, ou seja, organizações com composição de não indígenas, conforme disposto no art. 2°, inciso II, in verbis:

Art. 2º Para os fins de aplicação desta Instrução Normativa, são adotados os seguintes conceitos:

I – organização indígena: forma de associação ou cooperativa composta exclusivamente por integrantes indígenas;

II – organização de composição mista: forma de associação ou cooperativa onde é admitida a participação de não indígenas, desde que essa participação seja inferior a cinquenta por cento (50 %).

4. Tal norma, configura uma resposta do governo atual à demanda dos madeireiros, visando o incentivo à extração de madeira nas terras indígenas, atividade que por sua própria natureza, não pode ser realizada de forma sustentável.

5. Do ponto de vista formal, o decreto afronta o princípio da consulta e consentimento prévio, livre e informado dos povos indígenas, consagrado no art. 6º, da Convenção 169 da OIT, norma de caráter supralegal no ordenamento jurídico brasileiro, já consubstanciado em recentes decisões do Egrégio Supremo Tribunal Federal (STF), vide decisium, ADPF 709. O Estado tem o dever de consultar previamente os povos indígenas, todas as vezes que atos de caráter administrativo e legislativos, foram capazes de lhes afetar. In casu, o ato normativo em comento, traz previsões legais que afetam diretamente a vida dos povos indígenas e a defesa de seus territórios.

6. E, tratando-se de exploração dentro de terras indígenas, fica estabelecida a necessidade de consulta aos povos que residem nos territórios afetados, a fim de se determinar se seus interesses serão prejudicados. Tais ações são anteriores a qualquer tipo de empreendimento ou autorização legal de pesquisa e lavra dos recursos existentes nas suas terras.

7. A respeito do princípio da consulta e consentimento prévio e livre, é importante salientar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos se pronunciou sobre o dever dos Estados de consultar, determinando que para garantir a participação efetiva dos povos indígenas, o mesmo tem o dever de consultar ativamente a comunidade, de acordo com seus costumes e tradições1 . Vejamos:

“ […] aceite e divulgue informações, o que implica uma comunicação constante entre as partes. As consultas devem realizar-se de boa-fé, através de procedimentos culturalmente apropriados e devem objetivar um acordo. Também se deve consultar o povo, de acordo com suas próprias tradições, nos estágios iniciais do plano de desenvolvimento ou investimento e não apenas quando surge a necessidade de obter a aprovação da comunidade, se for o caso. O alerta precoce proporciona tempo para discussão interna nas comunidades e resposta adequada ao Estado. O Estado deve também garantir que os membros do povo Saramaka tenham conhecimento dos possíveis riscos, incluindo os riscos ambientais e de saúde, a fim de que aceitem o plano proposto de desenvolvimento ou investimento de forma consciente e voluntária. Finalmente, a consulta deve levar em conta os métodos tradicionais do povo Saramaka para a tomada de decisões”.

8. Do ponto de vista material, a instrução normativa viola preceitos constitucionais: O usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre as riquezas de seus territórios. No que tange aos direitos sobre o território a Constituição Federal de 1988 no Título VIII, da Ordem Social, no Capítulo VIII, estabelece:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5o É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º. (g.n).

9. A carta magna, reconheceu o direito originário dos povos indígenas sobre a terra, e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nela existentes. A não observância dessa garantia constitucional, tem promovido uma série de impactos nocivos aos povos indígenas. A Funai, em conjunto com o Ibama, ao expedir a normativa em tela, retroalimenta a violência aos povos indígenas, inclusive os indígenas isolados e de recente contato, colocando-os em situação de risco de vida. Indígenas do povo Guajajara da terra indígena Araribóia, têm denunciado a situação de insegurança na terra indígena, pois a invasão madeireira tem repercutido na estabilidade dos direitos fundamentais dos povos indígenas daquela região. A Instrução Normativa nº 12/2022, está eivada de inconstitucionalidade, para além da lesar o usufruto exclusivo dos povos indígenas, as instituições governamentais que assinam o expediente descaracterizam a autodeterminação dos povos indígenas, pois abre-se um precedente deletério a autonomia dos indígenas e suas organizações em gerir seus territórios. A abertura da exploração econômica em terras indígenas deve ser feita sob o manto da ampla participação via consulta prévia, pois quando não feita, incorre em ilegitimidade do expediente, considerando que a exploração econômica de não indígenas em territórios tradicionais, pode interferir na dinâmica cultural desses povos. Desta forma, o art. 215 da Constituição Federal de 1988, confere ao Estado brasileiro o dever de garantir o pleno exercício dos direitos culturais dos povos indígenas brasileiros, nesse sentido, a exploração de madeira nos territórios indígenas feita por não indígenas, tende a agravar uma situação que tem contribuído para o avanço do desmatamento no interior de terras indígenas, e assassinatos de lideranças que dedicam suas vidas na proteção dos seus territórios. Assim sendo, os impactos da Instrução Normativa, tende a exortar conflitos em territórios indígenas, implicando desta forma nas dinâmicas do cotidiano tradicional.

10. Cabe consignar que os recursos naturais para os povos indígenas, são necessariamente uma condição, se ne quan non, para a garantia a expressão cultura e de vida, portanto, o meio ambiente, é essencial para assegurar o direito fundamental à vida (art. 5º, caput CF 88). Salvaguardar os direitos territoriais dos povos indígenas, impedindo a expropriação do meio ambiente é promover o princípio da ubiquidade, que para Celso Antônio Pacheco Fiorilo:

“este princípio vem evidenciar que o objeto de proteção do meio ambiente, localizado no epicentro dos direitos humanos, deve ser levado em consideração toda vez que uma política, atuação, legislação sobre qualquer tema, atividade, obra etc. tiver que ser criada e desenvolvida. Isso porque, na medida em que possui como ponto cardeal de tutela constitucional a ‘vida’ e a ‘qualidade de vida’, tudo que se pretende fazer, criar ou desenvolver deve antes passar por uma consulta ambiental, enfim, para saber se há ou não a possibilidade de que o meio ambiente seja degradado” (in “Curso de Direito Ambiental Brasileiro”, Ed. Saraiva, 7ª ed., p. 45).

11. Ademais, em que pese a tentativa demasiadamente equivocada de se colocar e enquadrar as organizações indígenas dentro de um parâmetro eurocêntrico, é de grande valia invocar que a Constituição Federal estabeleceu nos seus artigos 231 e 232 a liberdade aos povos indígenas de se organizarem. Assim aduz o advogado indígena Eloy Terena, em recente livro publicado:

“No direito brasileiro temos, nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal, o reconhecimento das formas de organizações tradicionais indígenas. Como visto, a Constituição inovou ao reconhecer o Estado pluriétnico, reconhecendo os indígenas, comunidades e povos enquanto sujeito de direitos. O caput do art. 231 é categórico ao reconhecer as organizações sociais dos povos indígenas […] a organização social indígena é a estrutura política de determinado povo e/ou comunidade que tem na identidade cultural sua fonte normativa para regular as relações intra e extracomunitária.”

12. Sabe-se que as atividades regulamentadas pela instrução normativa impactam diretamente o meio ambiente, trazendo profundas mudanças aos povos indígenas e culturais, portanto, a doutrina estrangeira como a nacional reconhece a existência do princípio da proibição do retrocesso ambiental. Neste sentido Canotilho lesiona:

“No âmbito interno, o princípio da proibição do retrocesso ecológico, espécie de cláusula rebus sic stantibus, significa que, a menos que as circunstâncias de fato se alterem significativamente, não é de admitir o recuo para níveis de proteção inferiores aos anteriormente consagrados. Nesta vertente, o princípio põe limites à adoção de legislação de revisão ou revogatória. As circunstâncias de fato às quais nos referimos são, por exemplo, o afastamento do perigo de extinção antropogênica, isto é, a efetiva recuperação ecológica do bem cuja proteção era regulada pela lei vigente, desde que cientificamente comprovada; ou a confirmação científica de que a lei vigente não era a forma mais adequada de proteção do bem natural carecido de proteção. Internamente, o princípio do retrocesso ecológico significa, por outro lado, que a suspensão da legislação em vigor só é de admitir se se verificar uma situação de calamidade pública, um estado de sítio ou um estado de emergência grave. Neste caso, o retrocesso ecológico será necessariamente transitório, correspondendo ao período em que se verifica o estado de exceção.”

13. Ademais, cabe ressaltar que o ato normativo centraliza suas atividades econômicas na exploração de recursos naturais, sob argumento de regulamentação sob o crivo da sustentabilidade de tal atividade. Dados do Relatório violência contra os povos indígenas do Brasil: Dados 2021, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI)4 revelam que as invasões em terras indígenas, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, triplicaram desde o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, passando de 108 casos em 2018, para 305 no ano de 2021, atingindo 226 terras indígenas em 20 estados do país.

14. No contexto geral, os ataques aos territórios indígenas, está diretamente ligado a medidas do poder Executivo, que ao fim do mandato, edita normas que favorece e incentiva a exploração e a apropriação privada de terras indígenas por parte de não indígenas, dando a invasores confiança para avançarem em suas ações ilegais dentro dos territórios.

15. Nesse cenário, órgãos estatais como a Funai, que tem como missão institucional a proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas, tornou-se uma agência reguladora de negócios criminosos, tendo como prova disto a operação deflagrada pela Polícia Federal5 no dia 15 de dezembro de 2022, que visa combater o desmatamento e grilagem de terras indígenas, onde cumpriu com 16 mandados de busca e apreensão em 4 estados e na sede da Funai em Brasília, tendo como principal alvo das investigações a diretoria de proteção territorial (DPT) e servidores do alto escalão do órgão indigenista, que atuavam para dificultar a proteção dos territórios.

16. O governo Bolsonaro naturalizou as violências praticadas por invasores para a extração de recursos naturais e o loteamento das terras da União – afinal, as terras indígenas são bens da União, conforme estabelece a Constituição Federal. Tais práticas se intensificaram pois os órgãos de fiscalização e proteção mudaram seus objetivos, tornando-se intermediadores de crimes em terras indígenas.

17. Nesta senda, fere princípios sensíveis que resguardam os direitos e interesses dos povos indígenas, razão pela qual, cabe a APIB, manifestar sua preocupação e repúdio, bem como acionar as instâncias legais competentes com o fito de reprimir tais violações a direito das comunidades indígenas.

16 de dezembro de 2022

Nossa União para reconstruir o Brasil indígena

Nossa União para reconstruir o Brasil indígena

Carta aberta da Apib ao presidente Lula, com a indicação de uma lista tríplice para o Ministério dos Povos Indígenas.  

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), apresenta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma lista tríplice indicada pelo movimento indígena para a escolha do comando do Ministério dos Povos Indígenas.

De forma democrática, encaminhamos os nomes de maior consenso para ocupar o cargo deste novo Ministério, com intuito de fortalecer as políticas indígenas e indigenista no Governo Lula. Para assegurarmos o Bem Viver e autodeterminação dos povos, o respeito às diversidades culturais e espirituais, a Justiça Social e Climática, o enfrentamento ao racismo e a garantia de plenas condições de vida, saúde, educação e sustentabilidade dos povos indígenas e de todo povo Brasileiro apresentamos nossa lista tríplice com os nomes a seguir: 

Sonia Guajajara | Joenia Wapichana | Weibe Tapeba

Acreditamos na importância da escuta e participação do movimento indígena nesse momento de reconstrução da democracia no Brasil, após o Golpe de 2016 e os anos de política de morte dos últimos quatro anos. Decidimos encaminhar esta lista tríplice ao senhor, presidente Lula, por acreditarmos que seu Governo será participativo e está atento aos anseios do nosso movimento, que luta pelo fortalecimento dos direitos dos povos indígenas. 

Sonia Guajajara, deputada federal eleita por São Paulo, liderança reconhecida nacional e internacionalmente pela luta por direitos dos povos indígenas. 

Weibe Tapeba, liderança com vasta participação nas políticas indígenas, advogado, vereador de segundo mandato na cidade de Caucaia/CE e nome de consenso dos povos e organizações Indígenas do nordeste.

Joenia Wapichana, deputada federal por Roraima, sendo a primeira mulher indígena a ocupar o cargo e também a primeira advogada indígena a exercer a profissão no país com ampla experiência na luta por direitos dos povos indígenas

Assinam essa carta as organizações regionais de base da Apib: Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE), Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpin Sul), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o Conselho do Povo Terena, a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e a Grande Assembléia do povo Guarani (ATY GUASU). A Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) também assinam a carta.

Nos colocamos à disposição do diálogo e seguimos unidos para construirmos a democracia e as políticas para os povos indígenas do Brasil.

Brasília, 12 de dezembro de 2022.

GT Povos Indígenas e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil alertam para crise sanitária entre povos indígenas

GT Povos Indígenas e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil alertam para crise sanitária entre povos indígenas

O Grupo Temático Povos Indígenas, do governo de transição e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib),  faz um alerta sobre o risco de colapso do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena e uma nova crise sanitária entre os povos indígenas. Além do corte de 60% do orçamento da saúde indígena para 2023, temos informações de que as entidades conveniadas, responsáveis pela contratação de trabalhadores, a logística e compra de insumos para os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), não estão recebendo novos recursos necessários. Dessa forma, a continuidade da assistência à saúde da população indígena no Brasil está prejudicada e pode se agravar nos próximos meses, pois as renovações devem ser pactuadas com antecedência para evitar a descontinuidade da atenção. Até o momento, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) não confirmou se os contratos das conveniadas estão sendo renovados. Medidas urgentes devem ser tomadas agora, com a prioridade na recomposição e ampliação do orçamento da saúde indígena e garantia dos contratos necessários para a garantia da assistência nos 34 DSEIs.

O Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI) é uma conquista do movimento indígena construído em conjunto com a reforma sanitária brasileira. Somente em 1988, os indígenas foram reconhecidos como sujeitos de direito das políticas de saúde e apenas em 1999 se criou uma política específica a partir da lei 9.836/99. A lei garante “ações e serviços de saúde voltados para o atendimento das populações indígenas, em todo o território nacional, coletiva ou individualmente” e institui o “Subsistema de Atenção à Saúde Indígena [SASI], componente do Sistema Único de Saúde (SUS), tem como base os Distritos Sanitários Especiais Indígenas.”

A formulação de uma política específica de atenção à saúde dos povos indígenas se justifica pela diversidade sociocultural e de ocupação territorial, mas também devido às desigualdades sociais e de saúde que lhes afetam devido a invisibilidade histórica, violência e racismo que os povos indígenas sofrem no Brasil.

Apesar dos dados do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI) não serem públicos, como os demais sistema de informação do SUS, informações disponíveis mostram que, antes da pandemia, a mortalidade de crianças indígenas menores de 5 anos já era 98% maior do que em crianças brancas, sendo que na faixa etária de 1 a 4 anos chega a ser 382% maior. Observa-se que as causas de óbito evitáveis, e de manejo da atenção primária, eram altíssimas para crianças indígenas. A mortalidade de crianças indígenas menores de 5 anos por diarreia encontrada é 14 vezes maior do que em crianças brancas, já por influenza e pneumonia é 6 vezes maior e por desnutrição 16 vezes maior do que em crianças brancas.

Notícias recentes mostram evidências atuais de uma grave crise sanitária e humanitária em várias regiões, sendo urgente a organização de planos emergenciais numa ação intersetorial e interinstitucional direcionada particularmente aos povos Yanomami (RR), Awá Guarani (PR), Gamela (MA) e os Guarani Kaiowá (MS). Ressalta-se que essas situações são todas decorrentes da falta de demarcação e proteção territorial, portanto, a desintrusão de invasores é medida necessária para reverter esse quadro sanitário.

Durante a pandemia da Covid-19, essas desigualdades se mantiveram, pois, a mortalidade pela Covid-19 em indígenas, no primeiro ano da crise sanitária, foi 29% maior que a dos não indígenas. Os impactos nos primeiros 6 meses foram mais graves, particularmente para crianças e adolescentes, que tiveram taxas de mortalidade de 7 e 3 vezes maiores que as não indígenas. A letalidade de indígenas pela Covid-19 chegou a ser 25% e 17% maior do que para não indígenas nas regiões Centro- Oeste e Norte, respectivamente.

Diante de uma nova onda da Covid-19, nesse momento, alertamos que, apesar da inclusão de indígenas no grupo prioritário do Plano Nacional de Imunização (PNI), a cobertura vacinal da Covid-19 é menor em indígenas do que não indígenas, particularmente entre jovens de 10 a 19 anos, e nas regiões Norte e Sul. Alguns DSEIs na região Norte possuem cobertura da 2ª dose do esquema inicial menor que 75%. Medidas imediatas devem ser tomadas para priorizar e retomar a vacinação contra a Covid-19 e dos demais esquemas vacinais para os indígenas, dentro e fora de territórios demarcados.

Além disso, cerca de 2.500 doses da vacina contra a Covid-19 estavam vencidas no DSEI do estado Maranhão e foram incineradas em dezembro de 2021. Existe uma retenção de medicamentos no DSEI que não são enviados para os pólos quando estão perto de vencer. As aldeias precisam de vacina e essa atitude é omissa com a saúde indígena.

A fome e insegurança alimentar está afetando diversos povos e carecemos de informações atuais sobre a situação nutricional dessa população. Sabemos que o saneamento básico e acesso à água potável é insuficiente nos territórios indígenas. Mas alertamos que a garantia ao direito à alimentação e ao saneamento básico devem ser construídos em conjunto com os povos indígenas, sendo adequado aos nossos modos de vida e tradições.

Nesse cenário de transição de governo também não podemos deixar de denunciar o racismo que os indígenas sofrem nos serviços de saúde, expresso pelas notificações como ‘pardo’ no registros, nas barreiras linguísticas, na discriminação no uso das práticas tradicionais, entre outras violências. Ressaltamos que a Lei 9.936/99 preconiza a corresponsabilidade de gestores municipais e estaduais pela atenção diferenciada em todos os níveis de atenção sem discriminações, sendo necessário o compromisso de todos os gestores na garantia do direito à saúde integral, diferenciada e de qualidade aos indígenas.

Alertamos que a equipe de transição encontra diversas dificuldades na obtenção das informações, que deveriam ser públicas, sobre a situação saúde dos povos indígenas e o funcionamento do SASI, além da apresentação de dados inconsistentes e incompletos. Ressaltamos que a falta dessas informações prejudica um diagnóstico preciso da situação atual e o planejamento das ações de saúde indígena e inviabilizam a dramática situação que vivem os povos indígenas. De qualquer forma, as informações acima indicam um grave cenário de desassistência e baixa efetividade das ações que se configuraram pela omissão e má gestão dos últimos anos. Finalizamos afirmando que a construção das soluções para esse grave cenário deve ser feita com a efetiva participação dos povos indígenas, particularmente por suas entidades e lideranças representativas.

Além da garantia da participação dos povos indígenas na reconstrução urgente da saúde indígena, buscamos a total garantia de que nós, movimento indígena do Brasil, assumamos as administrações da saúde indígena no atual governo, regionais e locais de saúde indígenas. Mas do que nunca estamos preparados para retomar a direção do nosso país.

GT Povos Indígenas da Transição de Governo

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

1 Rebouças et al. Ethnoracial inequalities and child mortality in Brazil: a nationwide longitudinal study of 19 million newborn babies The lancet – Global Health. VOLUME 10, ISSUE 10, E1453-E1462, OCTOBER 01, 2022.

2 PONTES, A.L.M.; et al. Pandemia de Covid-19 e os povos indígenas no Brasil: cenários sociopolíticos e epidemiológicos. In: Matta, G. C. (Org).  Os impactos sociais da Covid-19 no Brasil: populações vulnerabilizadas e respostas à pandemia. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2021. p. 123-136.

Carta política da X Assembleia da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME

Carta política da X Assembleia da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME

CARTA POLÍTICA DA X ASSEMBLEIA DA ARTICULAÇÃO DOS POVOS E ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DO NORDESTE MINAS GERAIS E ESPÍRITO SANTO – APOINME.

“Eles arrancaram nossas folhas, quebraram nossos galhos, derrubaram nossos troncos. Mas, esqueceram do fundamental: arrancar nossas raízes!”

 -Maninha Xukuru

A Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME, organização indígena que representa os 10 (dez) estados da federação, pertencentes ao Nordeste brasileiro e dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, vem através das lideranças indígenas dos povos Pataxó, Tuxá, Tupinambá, Tremembé, Tapeba, Pankararu, Tupinikim, Anacé, Mendonça Potiguara, Pankaru, Pitaguary, Jenipapo- Kanidé, Tabajara, Potiguara, Guegues, Tapuia Tarairiú, Katokim, Pankará, Xokó, Guarani, Truká, Wassu Cocal, Kapinawá, Xukuru- Kariri, Kariri, Tapuia Kariri, Kamakã Mongoio, Kaxixó, Xakriabá, Pataxó Hãhãhãe, Maxakali, Krenak e Xukuru, presentes na X Assembleia da APOINME, realizada entre os dias 29 de novembro a 01 de dezembro, na Aldeia Sede Pataxó, no município de Carmésia-MG, evento que marca os 30 anos de fundação desta Articulação, tornar pública a presente carta política.

Articulamos e organizamos a X Assembleia Geral durante meses, foram dias de discussões e preparos constantes, presencial e de maneira remota, para que esse momento fosse concretizado e que tivesse a participação das lideranças jovens, mulheres e dos nossos anciões, para além dos Coordenadores e Coordenaras Indígenas eleitos. Todavia, em virtude de uma nova onda da pandemia do novo coronavírus e dos empecilhos da vulnerabilidade socioeconômica encontrados nas diversas comunidades indígenas da nossa área de abrangência, muitas outras lideranças de base não tiveram a possibilidade de se fazer presente nesse momento de construção, reestruturação, avaliação e renovação da nossa Organização. 

Durante esse último ano de mandato, a partir do mês de junho desse ano de 2022, aconteceram as eleições nas microrregiões da APOINME, dos 10 (dez) estados brasileiros, os quais foram eleitas as coordenadoras do departamento de mulheres, a representação de jovens para compor o departamento de juventude e as lideranças para constituir a coordenação de microrregião. Na mesma oportunidade, se fizeram presente uma equipe da coordenação da APOINME, composta pelo jurídico, coordenação geral/executiva, equipe técnica e comunicação, para acompanhar os diálogos e supervisionar as discussões, no que diz respeito também aos tramites legais e socioculturais das eleições, em cada uma das regiões de base da APOINME.

A APOINME é a representação legítima, pela defesa e promoção dos direitos indígenas do Nordeste do Brasil, e dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. É com essa mesma legitimidade e responsabilidade que evidenciamos os interesses e anseios dos povos, que lutamos pelas reivindicações históricas de cerca de 80 povos indígenas, e que reivindicamos ao Estado brasileiro a construção de uma agenda positiva, que tenha como prioridade absoluta, e que possibilite assim a regularização dos territórios indígenas reivindicados legitimamente pelos nossos povos. 

Vivemos, lutamos e defendemos nossos territórios ancestrais a mais de 522 anos de invasão territorial. Nossos antepassados defenderam, cuidaram e nos ensinaram também a lutar e a cuidar da nossa Mãe Terra. Nossa área de abrangência foi a primeira a enfrentar o projeto colonial que expropriou e se apossou de grande parte dos nossos territórios sagrados, fazendo com que esses mesmos territórios servissem de sede para a catequização dos povos indígenas do Nordeste. Os antecessores a sofrerem uma série de violações aos direitos humanos e consuetudinários, a terem os corpos tombado frente ao projeto colonizador, a sofrerem a tentativa racista de integração dessas comunidades à sociedade não indígena e a experimentar a expropriação dos territórios indígenas, onde muitos desses são objetos de reivindicação ou áreas já devidamente retomadas e ocupadas.

Destarte, é notório que o cenário nacional em que cerca de 54% das terras indígenas no Brasil não possuem nenhum tipo de segurança jurídica e que a maioria dessas terras indígenas estão localizadas em nossa região. São nesses territórios, em que o cenário de conflitos e ameaças se dão de forma mais acentuada, que é possível analisar o resultado do processo de violações de direitos, individuais e coletivos, a partir, por exemplo, da criminalização e das ameaças às nossas lideranças, bem como das vidas dos nossos jovens indígenas que estão sendo ceifadas diariamente pela disputa territorial.

Ademais, no campo da regularização de terras indígenas, o atual governo de extrema direita, cumpriu com a promessa de não demarcar nenhuma terra indígena, destruindo a Política Indigenista brasileira, extinguindo instâncias de controle social e fragilizando todas as instituições que atuam com os nossos povos.

Dessa forma, temos consciência e convicção do importante papel desempenhado pelos povos indígenas do Brasil, em especial, os da região Nordeste e Leste, o qual exercemos com propósito principal de derrotar o projeto bolsonarista nas eleições em favor da possibilidade de um governo que atue em respeito a política indigenista, a partir de seu projeto progressista que tem como objetivo a reconstrução do nosso país e das suas instituições democráticas. Foi nessa perspectiva, que ainda na campanha eleitoral, apontamos o interesse de ajudar o presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva, a governar. Lula assumiu com os nossos povos o compromisso pela criação do Ministério dos Povos Originários e de fazer a nossa pauta avançar com a devida consulta e participação das nossas Organizações de base da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil- APIB, e portanto, não podemos perder a oportunidade de incidir diretamente no próximo governo. É com essa disposição que a APOINME apresenta as seguintes reivindicações prioritárias:

  1. Retomar os processos de regularizações fundiárias das terras indígenas no Brasil, priorizando áreas emblemáticas localizadas na nossa região de abrangência, por todo o processo histórico de violações cometidas contra os nossos povos indígenas;
  2. Fortalecer a Fundação Nacional do Índio- FUNAI, por meio da ocupação dos mais de mil cargos vagos, realização de concurso público regionalizado e com reserva de vagas para indígenas, ampliação de orçamento priorizando recursos para a regularização, gestão e proteção dos nossos territórios e a regulamentação do poder de polícia para os servidores que atuam na linha de frente junto aos nossos povos e territórios;
  3. Recompor o orçamento da Política Nacional de Atenção a Saúde dos Povos Indígenas, assegurando a continuidade dos serviços de saúde e saneamento em nossas comunidades, assegurando a inclusão de comunidades indígenas no  Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena – SIASI, ampliação da força de trabalho e aperfeiçoamento do controle social mais alinhado com as instâncias representativas do Movimento Indígena Brasileiro e implantação imediata da Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena nos estados em que os povos ainda não são assistidos;
  4. Criar o Ministério dos Povos Indígenas com a capacidade de implementar ações finalísticas de assistência às Comunidades Indígenas para a promoção e defesa de direitos, com dotação orçamentária própria a fim de viabilizar a retomada da regularização dos territórios indígenas, constituição de um fundo destinado a regularização, gestão e proteção de nossos territórios instituindo uma Ouvidoria para denunciar violações de direitos humanos em nossas comunidades, realizando ações interministeriais, intersetoriais e interinstitucionais com a capacidade de dialogar com os nossos povos por meio da recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista- CNPI;
  5. Assegurar o cumprimento e obediência ao nosso direito a consulta prévia, livre e informada e ao consentimento ou não, quando empreendimentos de qualquer dimensão ou alguma medida administrativa ou legislativa for capaz de afetar os nossos modos de vida e os nossos territórios;
  6. Realizar o “revogaço” de todas as medidas adotadas pelo atual governo que resultou na retirada ou na violação dos nossos direitos, atuando ainda junto ao Congresso Nacional para impedir a tramitação de proposições legislativas que também tenham como objeto, a violação ou retirada dos nossos direitos;
  7. Nomear como Ministro dos Povos Indígenas o nome da liderança indígena, Ricardo Weibe Nascimento da Costa (Weibe Tapeba), conforme deliberação da X Assembleia Geral da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo – APOINME.

Ademais, daremos um recado: a APOINME é uma das maiores organizações indígenas do Brasil e da América Latina, se fazendo necessário que os espaços de discussão sejam concedidos a partir, também, da importância dessa Articulação e da magnitude das suas ações junto à suas bases. 

Finalmente, permaneceremos nas nossas bases fortalecendo as nossas comunidades indígenas e dando visibilidade as nossas lutas diárias. E, reafirmamos mais uma vez o compromisso pela defesa dos nossos direitos, anteriormente firmados pelos nossos antepassados, nossos guerreiros e guerreiras que já tombaram na luta pela vida dos povos indígenas, das nossas crianças, dos anciões, mulheres e jovens. E seguiremos vigilantes às violações de direitos humanos e consuetudinários na defesa da vida das comunidades indígenas do Leste e Nordeste, caminhando pela união dos nossos povos e do fortalecimento da nossa APOINME.

Terra demarcada, vida garantida! APOINME somos todos nós!

(Paulo Tupinikim Coordenador Geral da APOINME)

Nota de apoio a indicação de Marivelton Baré ao GT de Transição do Governo

Nota de apoio a indicação de Marivelton Baré ao GT de Transição do Governo

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) prestam solidariedade ao nosso parente Marivelton Baré, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), e repudia a perseguição política, que está sendo feita por uma minúscula parte do Setorial Nacional de Assuntos Indígenas do Partido dos Trabalhadores, contra Marivelton. 

O então coordenador do PT que trata nacionalmente sobre assuntos indígenas lançou uma nota pública, no dia 18 de novembro, para atacar o presidente da Foirn. O documento questiona a legitimidade de Marivelton para compor o Grupo de Trabalho do Governo de Transição para o tema de Povos Indígenas. “Marivelton e sua cúpula passaram quase quatro anos dizendo amém para o governo de Bolsonaro. Ele é um dos apoiadores da extrema direita”, afirma de forma mentirosa e leviana trecho da nota. 

A setorial do PT, reclama que foi ignorada pelo próprio partido, mas o coordenador, que assina o documento, prefere atacar Marivelton ao invés de exigir mais participação indígena na equipe de transição do Partido dos Trabalhadores. 

A Apib acredita ser legítimo que a setorial do PT busque ter assento no GT de transição para assuntos indígenas, mas jamais iremos tolerar ataques que deslegitimem o trabalho das nossas lideranças reconhecidas do movimento indígena, em especial nesse caso ao dirigente da Foirn, que desenvolve ações na defesa dos direitos dos povos indígenas, reconhecida nos territórios de atuação da organização, a nível nacional e internacionalmente também.  

Quando a equipe de transição anunciou os primeiros nomes que iriam compor o GT para Povos Indígenas, a Apib fez a pressão necessária para pedir mais participação de lideranças de outras regiões do Brasil com a finalidade de buscar um equilíbrio de representatividade política da diversidade dos povos indígenas neste espaço. O pedido foi aceito e não foi necessário atacar a legitimidade de nenhum parente para isso. 

A Apib, Coiab e todas as nossas organizações regionais de base reafirmam que apoiam a indicação de Marivelton Baré, da mesma forma que apoiamos todos os outros membros indígenas que estão compondo a equipe de transição do Governo Lula. Exigimos respeito com nosso parente Marivelton e acreditamos que a setorial do PT deve recorrer às instâncias devidas do seu próprio partido para articular participação nos espaços políticos criados. 

Brasília, 20 de novembro de 2022

O Ministério dos Povos Originários deve ser uma construção coletiva com o movimento indígena brasileiro

O Ministério dos Povos Originários deve ser uma construção coletiva com o movimento indígena brasileiro

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) está reunida em Brasília com grupo de lideranças indígenas políticas e técnicas que integram o “Grupo de Trabalho – Governança Indígena”

Além da incansável luta pelas demarcações e o direito à vida, a governança indígena tornou-se uma pauta essencial do movimento indígena. Desde a campanha eleitoral, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) dentro de suas estratégias de luta sempre priorizou a ocupação de espaços institucionais na perspectiva de ser protagonista na tomada de decisões nas instâncias de poder. Neste sentido, constitui exemplo importante a vitória nas últimas eleições das deputadas federais Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, lideranças do movimento indígena.

Para a Apib, a vitória do presidente Lula contra o candidato da extrema direita constitui uma conquista histórica. Durante sua participação na 18ª edição da maior mobilização indígena do Brasil, o Acampamento Terra Livre (ATL), realizado em abril de 2022 e com a participação de mais de 8.000 (oito mil) indígenas, Lula prometeu, se eleito, que criaria o Ministério dos Povos Originários e faria um “revogaço” de todas as medidas anti-indígenas adotadas pelo atual governo.

No decorrer da campanha eleitoral, Lula reiterou que o Ministério dos Povos Originários seria criado e conduzido por uma liderança indígena e que a participação em outros espaços de governo seria consultada, debatida e indicada pelo movimento indígena. Após eleito, o Presidente Lula, anunciou a partir do Gabinete de Transição e durante a COP 27, a criação do Ministério dos Povos Originários.

A Apib e suas organizações regionais decidiu criar um Grupo de Trabalho (GT) para construir o “Plano de Governança Indígena” visando subsidiar a equipe que irá compor o Grupo Temático “Povos Originários” do Comitê de Transição Governamental, priorizando medidas para os 100 primeiros dias de governo.

O Plano é dividido em seis grandes eixos, sendo eles: 1. Direitos Territoriais Indígenas: Demarcação e Proteção Territorial; 2. Restabelecimento de/ou criação de instituições e políticas sociais para povos indígenas; 3. Retomada e/ou criação de instituições e espaços de participação e/ou controle social; 4. Agenda Legislativa: interrupção de iniciativas anti-indígenas no congresso e ameaças no judiciário; 5. Agenda ambiental; e 6. Articulação e incidência internacional e composição de alianças e parcerias.

Na manhã da quarta-feira, 16 de novembro, o Gabinete de Transição Governamental anunciou os nomes que vão compor o grupo temático “Povos Originários”, onde constam 8 (oito) indígenas designados pela equipe de transição. No entanto, reforçamos que a participação da Apib, maior organização indígena do Brasil, deve ser considerada, levando em conta a diversidade regional que a organização e o movimento indígena brasileiro têm como estrutura e de acordo com as indicações encaminhadas previamente pela organização ao Gabinete de Transição.

Neste momento, o “Grupo de Trabalho – Governança Indígena” indicado pelas organizações de base da Apib, está reunido em Brasília, e reitera a importância da decisão do movimento indígena incidir na transição de governo bem como na estrutura governamental do próximo período.

 

Sobre proteção urgente do Cerrado e outros ecossistemas naturais

Sobre proteção urgente do Cerrado e outros ecossistemas naturais

Nós da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais e Quilombolas (CONAQ) ressaltamos a nossa posição em defesa de todos os ecossistemas naturais do Brasil. É de extrema relevância que as negociações climáticas levem em conta florestas, mas também savanas, campos, áreas úmidas e todas as diversas expressões da natureza ao redor do mundo. Essas paisagens também contribuem para a luta contra a mudança do clima e fazem parte de soluções para um mundo com mais sustentabilidade, inclusão e justiça social.

Nós instamos à União Europeia a tomar as medidas necessárias urgentes para prevenir o desmatamento importado a partir de florestas, e também o desmatamento importado de outras áreas arbóreas nativas. Isso é crucial no contexto do Cerrado, uma vez que a maior parte da soja exportada para a União Europeia é produzida neste bioma tão ameaçado.

O Cerrado não é área degradada, é a savana mais rica do Planeta. É casa de centenas de povos, culturas e territórios indígenas, quilombolas, geraizeiros* e outras  populações e culturas  tradicionais. Também é a maior fronteira agrícola do mundo e de maior impacto da soja importada na Europa. Ferramentas de monitoramento já estão disponíveis para garantir a proteção do Cerrado – é só ter vontade política!

O mesmo vale para todos os outros ecossistemas naturais que não são florestas: Pampa, Pantanal, Caatinga e também Mata Atlântica.

Se a regulação europeia contra o desmatamento se restringir apenas a proteger florestas, ela terá um impacto muito limitado, já que cerca de 75% do Cerrado continuariam desprotegidos. Também 76% do Pantanal e dos Pampas e quase 90% da Caatinga. Além disso, a regulação europeia ainda teria um efeito perverso, pois aumentaria a pressão de destruição sobre esses ecossistemas  e seus povos.

Em última instância, ao restringir-se a florestas, a regulação europeia contra o desmatamento teria o efeito contrário do seu objetivo original. Portanto, essa lei precisa também incluir áreas de “outras áreas arbóreas nativas” (savanas primárias), e não apenas florestas nativas.

Isso permitiria aumentar a proteção do Cerrado de 26% para 82%, do Pantanal de 24% para 42% e da Caatinga de 11% para 93%. O Cerrado brasileiro está perdendo quase um milhão de hectares a cada ano, e essa destruição está aumentando. Uma eventual revisão da lei a ser discutida daqui a 2 anos não vai evitar a perda de milhões de hectares de ecossistemas valiosos, a emissão de milhões de toneladas de carbono, nem as agressões violentas a centenas de territórios e povos tradicionais. Por isso, reiteramos o nosso pleito:

A LEGISLAÇÃO EUROPEIA SOBRE DESMATAMENTO DEVE GARANTIR OS DIREITOS HUMANOS DE TODOS OS POVOS INDÍGENAS, QUILOMBOLAS E TRADICIONAIS E  CONTEMPLAR TODO O CERRADO E OUTROS ECOSSISTEMAS NATURAIS DESDE JÁ, INCLUINDO “OUTRAS ÁREAS ARBÓREAS” NATIVAS E PRIMÁRIAS NO ESCOPO DO TEXTO DE LEI A SER APROVADO AINDA NESTE ANO.

Para detalhes técnicos sobre esse tema, acesse os seguintes documentos: 

Egito, Sharm el Sheikh, 15 de Novembro de 2022

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB

Governo Bolsonaro apresenta relatório mentiroso no Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra

Relatório afirma que Brasil se engajou na proteção dos povos indígenas durante a pandemia da Covid-19, o que não ocorreu

Neste 14 de novembro a situação dos direitos humanos no Brasil foi analisada na Revisão Periódica Universal (RPU) do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, um processo único que envolve uma revisão dos registros de direitos humanos de todos os Estados Membros da ONU. 

O relatório apresentado pelo Governo do Brasil afirma mentirosamente que desde o início da pandemia da Covid-19 o Brasil se engajou na proteção dos indígenas. Não podemos esquecer que o governo Bolsonaro utilizou-se da pandemia para exterminar os povos indígenas, com negligência e descaso em relação à vacinação e oferta de assistência médica aos povos originários. O  Brasil não efetivou uma política diferenciada para os povos indígenas durante a pandemia e contribuiu para as invasões territoriais e para o agravamento de problemas em todas políticas públicas e serviços às populações indígenas. Foi necessário que a Apib, em meio à pandemia, acionasse o Supremo Tribunal Federal para que o governo mantivesse medidas de proteção aos povos indígenas. 

A Apib denunciou ao mundo essa prática genocida de Bolsonaro, inclusive ao Tribunal Penal Internacional em Haia, uma vez que o sistema de justiça brasileiro se mostrou incapaz de investigar, processar e julgar essa conduta criminosa. 

Nós aguardamos que o relatório mentiroso apresentado pelo Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU seja enfaticamente criticado pelos Governos, sociedade civil e comunidade internacional como um todo.

COP27: Demarcar Terras e Mentes para o futuro do planeta

COP27: Demarcar Terras e Mentes para o futuro do planeta

Nota da Apib para o novo Governo Lula e para o mundo 

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em conjunto com suas organizações regionais de base, está presente na 27ª Conferência da ONU sobre Mudanças climáticas para reafirmar o que é preciso ser feito para que a crise global do clima seja enfrentada de frente: DEMARCAR NOSSAS TERRAS INDÍGENAS! 

Estamos no Egito com uma delegação indígena composta por mulheres, homens e jovens, que vivem em todos os 6 biomas existentes no Brasil. Ocupamos este espaço, pois sabemos que para que nossas Terras e Vidas sejam protegidas ainda é preciso demarcar as mentes da humanidade. Representantes de governos, ativistas, dirigentes de organizações de direitos humanos e socioambientais, precisam compreender e apoiar os povos indígenas nessa missão ancestral de cuidados com nossa MÃE TERRA. 

Para todo o mundo esta é a COP que marca a volta do Brasil para a discussão das agendas sobre mudanças climáticas, direitos humanos e socioambiental, depois dos últimos quatro anos de um desgoverno genocida e ecocida. A vitória eleitoral do presidente Lula, apoiada pela Apib e todas as suas organizações, marca um novo momento do Brasil no cenário nacional e internacional. 

Sem nossos territórios, os índices de emissão de gases de efeito estufa seriam ainda mais drásticos. Apenas em 2021, o Brasil registrou a maior alta no despejo de CO2 na atmosfera dos últimos 19 anos. Foram despejados 2,42 bilhões de toneladas desses poluentes. 

No cenário internacional, o Parlamento Europeu está em processo de aprovação da lei anti desmatamento e precisa garantir rastreabilidade de commoditiies para além das florestas.  Obrigar empresas produtoras de commodities a respeitarem a preservação da nossa biodiversidade e os direitos dos povos indígenas é fundamental neste momento. A lei da União Europeia precisa cobrar rastreabilidade das commodities de todos as vegetações nativas. Só assim os mercados consumidores estarão tomando ações para uma cadeia livre de desmatamento e sangue indígena. O Cerrado, a Caatinga, o Pampa e o Pantanal também precisam estar enquadrados no conceito de vegetação da Lei, para além das florestas como Amazônia e Mata Atlântica, independentemente da definição de florestas da Organização da ONU para a Alimentação e Agricultura (FAO). 

Da promessa feita por países e instituições filantrópicas na última COP26, em 2021, de garantir 1,7 bilhões para povos indígenas e comunidades locais, apenas 19% foi aplicado. Desse montante, somente 7% foi destinado diretamente para organizações de povos indígenas, segundo relatório do grupo de financiadores desta proposta. Ou seja, por mais um ano, povos indígenas seguem sendo diretamente impactados pela crise climática, mas sem acesso direto aos mecanismos financeiros para fortalecerem suas ações de enfrentamento.

Diante deste cenário nós do movimento indígena, representados pela Apib, reforçamos ao presidente Lula e toda sua equipe de transição que: 

  1. As demarcações das Terras Indígenas sejam colocadas como agenda central no enfrentamento das mudanças climáticas do Governo Lula; 
  2. As cinco Terras indígenas, que estão com todo o seu processo de Demarcação realizados e aguardam apenas o decreto de homologação, sejam assinados como ato de compromisso com os povos indígenas nos primeiros dias de governo; 
  3. O Governo Lula apoie a inclusão dos biomas Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampa, Pantanal e Amazônia na Lei Anti Desmatamento do Parlamento Europeu;
  4. Compromisso com o desmatamento ZERO;
  5. Resposta sobre pedido feito pela Apib ao Governo de Transição de incluir a participação de lideranças indígenas nos espaços de construção do processo de transição para rediscussão sobre a agenda indígena dentro do Governo (Funai, Sesai…) e do recém criado Ministério dos Povos Originários;

 Egito, Sharm el Sheikh, 14 de novembro de 2022

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB