12/nov/2020
Chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta (11), aquela que pode ser considerada uma das mais completas e importantes ações socioambientais já apresentadas na corte para exigir a retomada efetiva do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM). A Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) apresentada no tribunal traz um extenso levantamento com dados e análises sobre a destruição da floresta e a desestruturação de políticas ambientais promovidas pelo governo Bolsonaro.
A ADPF foi concebida por um time de dez redes e organizações da sociedade civil: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Artigo 19, Conectas Direitos Humanos, Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Engajamundo, Greenpeace Brasil, Instituto Alana, Instituto Socioambiental (ISA), Observatório do Clima e Terrazul. As organizações pedem participação como amici curiae (“amigos da corte”). Trata-se de instituições ou pessoas que fornecem informações e auxiliam as partes em um processo judicial.
De acordo com os responsáveis pela ação, a administração federal estimula desmates e queimadas por meio de um conjunto de ações e omissões que, na prática, paralisaram o PPCDAM. O plano criado em 2004 e aplicado até 2018 continua em vigor, segundo a legislação.
Entre as demandas da ADPF estão a retomada do cumprimento de metas estabelecidas pela legislação nacional e acordos internacionais assumidos pelo Brasil sobre mudanças climáticas, na prática abandonadas desde 2019. A ação exige, por exemplo, que o desmatamento na Amazônia seja reduzido ao patamar de 3.925 km² até 2021, o que já deveria ter ocorrido em 2020, segundo a Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei n.º 12.187/2009). A meta significa uma redução de cerca de 60% em relação à taxa oficial de desmatamento de 2019-2018 apurada pelo Inpe, que foi de 10,1 mil km2. Os autores da ação pedem uma moratória do desmatamento na Amazônia, por um ano, entre outras medidas, caso esse objetivo não seja alcançado. Nesse caso, o prazo para cumprimento da meta seria postergado no máximo para 2022.
A ADPF solicita ainda a redução contínua, até a extinção, da destruição ilegal das florestas em Terras Indígenas e Unidades de Conservação federais amazônicas. A ADPF aponta, ainda, violações aos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, além dos direitos das presentes e futuras gerações.
Para viabilizar esses objetivos, os responsáveis pela ADPF pedem ainda: um plano de fortalecimento de órgãos federais, como o Ibama, o ICMBio e a Funai; a implantação de um portal na internet com relatórios sobre ações e resultados, em linguagem clara e acessível; e a criação de uma comissão emergencial de deliberação, monitoramento e transparência da política de combate ao desmatamento, com participação da sociedade civil e coordenação do STF.
Recordes de desmatamento e desmonte de políticas
As taxas oficiais de desmatamento crescem gradualmente desde 2012, mas bateram recordes históricos a partir de 2019, com o governo Bolsonaro. Entre agosto de 2018 e julho de 2019, o índice ficou em 10.129 km², 34% a mais que 2017-2018. Trata-se do maior número desde 2008 e a terceira maior alta percentual da história. A taxa para 2019-2020 caminha para ser um novo recorde e deve ser divulgada até o fim do ano. O sistema Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) estima mais um aumento de 34%. Seria a primeira vez na história que o desmatamento na Amazônia tem duas altas seguidas na casa dos 30%.
Apesar da crise ambiental histórica, os indicadores reunidos na ADPF mostram um esforço inédito da administração federal para enfraquecer instituições, normas e políticas que poderiam conter a destruição da floresta. Nos últimos dois anos, o número de multas por destruição à floresta na Amazônia caiu 61% na comparação com 2018, com queda de 29% em 2019 e 46% em 2020.
Embora o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, insista que sua pasta não tem verbas, o Ibama executou apenas 35,3% dos recursos destinados à fiscalização ambiental e meros 41,6% na prevenção e controle dos incêndios florestais, considerada a execução até 5 de outubro. A partir de 2019, o governo paralisou novos financiamentos do Fundo Amazônia, que financia parte importante das ações de órgãos ambientais, como o IBAMA, no combate ao desmatamento no bioma. Além de interromper novas doações, o governo não deu destino algum há pelo menos R$ 2,8 bilhões disponíveis para novas contratações.
Em agosto, sem nenhuma divulgação, o governo publicou o “Plano Nacional para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa 2020 – 2023”. O documento, no entanto, é genérico e não apresenta metas, indicadores, cronograma e formas de monitoramento. Recentemente, o vice-presidente, Hamilton Mourão, disse que propôs a representantes de oito países europeus reduzir o desmatamento em 50%, até 2023. A meta não foi formalizada por nenhuma norma ou comunicado oficial.
Saiba mais sobre a ADPF
A ADPF é um tipo de ação que busca evitar, suspender ou reparar dano a algum princípio básico da Constituição resultante de ato ou omissão do Poder Público. A ação foi elaborada em conjunto e apresentada pelos partidos PSB, PDT, Rede, PV, PT, PSol e PCdoB.
11/nov/2020
No dia 12 de novembro, às 10 horas da manhã, em sessão especial do Conselho Nacional de Direitos Humanos, em Brasília e no espaço cibernético, será lançado oficialmente o relatório de meio período da sociedade civil da Revisão Periódica Universal dos Direitos Humanos no contexto da Covid-19, resultado de cinco meses de trabalho de monitoramento, feito pelo Coletivo RPU Brasil, das recomendações feitas pelos demais Estados da ONU ao Brasil.
No mesmo dia, às 18 horas, o relatório será lançado ao público em um dinâmico debate ao vivo, transmitido via YouTube e Facebook, com diversas organizações que participaram na construção do relatório, com uma sessão de perguntas e respostas com a audiência, e a presença de uma convidada muito especial, a ex-presidente do CNDH e ex-Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão – MPF –, Deborah Duprat, para refletir e comentar sobre os resultados das apresentações e do debate na atual conjuntura brasileira.
O Relatório RPU analisou doze temas relacionados aos direitos humanos no Brasil, agrupando os temas por nível de vulnerabilidade e setores sociais específicos, de acordo com as recomendações da Revisão Periódica Universal: 1. Povos Indígenas e Meio Ambiente; 2. Sistema prisional, Combate à Tortura e Segurança Pública; 3. Saúde; 4. Gênero e sexualidade; 5 Educação; 6. Racismo, Retrocessos, Desigualdades, Austeridade e Direitos; 7. Moradia Urbana, Cidade e Alimentação e Nutrição Adequadas; 8. Direitos Humanos e Empresas; 9. Defensores e Defensoras de DH, Direito à Transparência e Informação e Democracia; 10 Migrantes e Refugiadas/os; 11 Trabalho e Renda; 12 Crianças e Adolescentes.
A partir da análise feita em bases de dados oficiais e cruzamento com estudos produzidos pela sociedade civil organizada, das 190 recomendações avaliadas, 47 são consideradas em parcial cumprimento, apenas 1 cumprida e, a maioria, 142, são consideradas não cumpridas. Destas, o Coletivo RPU Brasil ainda considera que 64 estão em situação de retrocesso. O que significa que, além de não cumprir mais da metade das recomendações, o Brasil está na contramão do cumprimento de, ao menos, 26,44% da totalidade das recomendações do 3o ciclo de recomendações da RPU. Foi identificado que o desmonte de programas socioambientais do governo federal, com severos cortes em diversas áreas devido à Emenda Constitucional 95/2016, ou teto de gastos, é um dos elementos quantitativos determinantes para os retrocessos e estagnação no cumprimento dos direitos humanos no país.
RPU, ou Revisão Periódica Universal, é um mecanismo de monitoramento do Conselho de Direitos Humanos da ONU, criado em 2006, em que os países, a partir de relatórios submetidos ao organismo, fazem recomendações uns aos outros para que melhorem a situação dos direitos humanos em todo o mundo. A revisão e submissão de relatórios são feitas a cada quatro anos e meio, correspondente a um ciclo. No entanto, os governos e a sociedade civil também são encorajados a submeter relatórios de meio período (a cada dois anos) para construir a consistência temporal do monitoramento.
A partir de 2018, um coletivo articulado composto por 26 organizações não governamentais brasileiras, movimentos sociais e redes, sob a liderança do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos – IDDH –, de Joinville, com apoio da FES – Friedrich Ebert Stiftung – e da ONU Brasil, passou a monitorar a situação dos direitos humanos no país utilizando como roteiro o debate que ocorre no organismo multilateral em Genebra. Atualmente o grupo é formado por 30 entidades de todas as regiões do país.
Este é o segundo relatório preparado pelo Coletivo RPU Brasil, que foi impulsionado a produzi- lo devido ao evidente agravamento das violações de direitos humanos durante a pandemia Covid-19 no Brasil. Os números e as histórias falam por si.
EVENTOS DE LANÇAMENTO DO RELATÓRIO | 12.11.2020
10:00–12:00 Conselho Nacional de Direitos Humanos – Brasília (evento fechado)
18:00–19:00 LIVE pública nos canais da Justiça Global
30/out/2020
Por sua luta em defesa dos povos indígenas e do meio ambiente, a coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (@apiboficial), Sonia Guajajara (@guajajarasonia), foi reconhecida entre as 100 personalidades mais influentes na América Latina. O reconhecimento é feito por um conjunto de organizações internacionais que compõem o grupo Latinos por la Tierra.
Sônia é da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão. Nos últimos anos, tornou-se uma das principais vozes indígenas no Brasil, a ecoar no mundo pela luta contra os interesses dos setores mais poderosos da sociedade brasileira, que violam os direitos indígenas.
Neste reconhecimento, Sonia está junto de cantores como Shakira e Carlos Vives (Colômbia), Alejandro Sanz (Espanha), Emmanuel (México) e Camila Cabello (Cuba). A atrizes Alice Braga (Brasil), o ator Joaquin Phoenix (Porto Rico) e a modelo Gisele Bundchen (Brasil) também estão na lista.
Destacam-se também Máxima Acuña, agricultora que ganhou o Prêmio Goldman 2016 por sua resistência contra a Newmont Mining Corporation e o projeto de mineração Conga em Cajamarca, Peru, António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas e Patricia Espinosa, secretária executiva da Convenção das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas.
Sonia tem pautado junto com as organizações de base da Apib denunciar as violações de direitos e apontar caminhos de transformação social com a participação dos povos indígenas. São as vozes dos povos ecoando pelo mundo.
Seguimos firmes na luta junto com Sonia e com a força de nossos ancestrais!
#vidasindígenasimportam
30/out/2020
Noventa organizações da sociedade civil e 72 parlamentares enviaram nesta quinta-feira (29) uma carta à secretária-executiva da Convenção do Clima da ONU, Patricia Espinosa, cobrando providências sobre a presença de agentes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) espionando ambientalistas, diplomatas e congressistas na COP25, a conferência do clima de Madri, no ano passado.
No começo do mês, o jornal O Estado de S.Paulo revelou que quatro arapongas foram enviados para a COP para monitorar atividades de ambientalistas, em especial o chamado Brazil Climate Action Hub, organizado por ONGs brasileiras. Questionado, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, ao qual a Abin é subordinada, admitiu que mandou os agentes para espionar “maus brasileiros”. Heleno não especificou se os parlamentares e diplomatas que integravam a delegação e estiveram sujeitos à arapongagem também entravam na sua classificação.
Leia abaixo a íntegra da carta.
*
Brasilia, 29 de outubro de 2020
Sua Excelência Patricia Espinosa Cantellano
Secretária Executiva
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas
Prezada Secretária Executiva,
Ficamos indignados ao descobrir por meio da imprensa que o governo do Brasil designou quatro agentes secretos para monitorar tanto as atividades da sociedade civil, quanto os próprios delegados do Brasil, durante a COP25 em Madri. Esses agentes receberam credenciais rosas de “Party” e amplo acesso às instalações das conferências e reuniões.
Depois que um grande jornal brasileiro divulgou a notícia, o ministro de Segurança Institucional do Brasil, que supervisiona a Agência Nacional de Inteligência (ABIN), admitiu que enviou agentes para monitorar “maus brasileiros”, e que continuaria a fazê-lo no futuro.
O caráter particular dos brasileiros, ou dos nacionais de qualquer outro país, é, naturalmente, irrelevante para a UNFCCC e seus processos. No entanto, a decisão de uma Parte (Estado) de espionar os delegados por qualquer motivo é extremamente preocupante. Viola a segurança dos delegados dentro das instalações da ONU, causando enorme constrangimento. Compromete a privacidade, o pensamento e o discurso da liberdade, e a imunidade consagrada na própria Carta das Nações Unidas. Também viola o código de conduta das reuniões da UNFCCC, que proíbe expressamente o assédio. É antiético e inaceitável.
A participação dos grupos constituintes e das organizações da sociedade civil nos processos da UNFCCC segue pressupostos de colaboração construtiva com as Partes e com a Secretaria, tanto dentro das salas de negociação, quanto nos corredores e eventos paralelos, para proporcionar um clima habitável para a humanidade.
A delegação brasileira presente na COP25, alvo do monitoramento de seu próprio governo, era composta, entre outros, de parlamentares e cientistas. Também participaram da reunião observadores da sociedade civil e representantes de povos indígenas. Estes, inclusive, reconhecidos dentro das resoluções da Convenção que os confere a salvaguarda de seus direitos, dada a importância estratégica de seus territórios e saberes tradicionais para garantir um mundo habitável para a humanidade. Como agravante, cabe registrar que a atitude do atual governo brasileiro ocorre em comunhão com uma série de outras iniciativas que atentam contra a democracia no país, como ameaças à imprensa, tentativas de intimidação de lideranças indígenas e sociais e redução dos espaços de participação da sociedade em instâncias governamentais, entre outros.
Ter agentes do governo sob crachás da UNFCCC nos espionando dentro das instalações da COP é uma situação extremamente constrangedora, criando um ambiente de intimidação e que prejudica os espaços de livre pensar que caracterizam as conferências de clima, caracterizando-se como um perigoso precedente. Contamos com o Secretariado da UNFCCC para agir de modo a evitar que esse abuso aconteça no futuro.
Respeitosamente,
ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE E COLEGIADOS:
- Mobilização Nacional Indígena – MNI
- Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
- Observatório do Clima
- Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME
- Articulação dos Povos Indígenas do Sul – ARPINSUL
- Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB
- Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica – COICA
- Amigos da Terra Amazônia Brasileira
- Artigo 19
- Associação Alternativa Terrazul
- Associação Brasileira de Antropologia – ABA
- Associação Cultural dos Realizadores Indígenas – ASCURI
- Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida – APREMAVI
- Associação de Mulheres Indígenas em Mutirão – AMIM
- Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre – AMAAIAC
- Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-Graduação – ANDHEP
- Associação Terra Indígena Xingu – ATIX
- Aty Guasu Guarani e Kaiowá
- Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis – CDDH
- Centro de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental – CEPEDIS
- Centro de Trabalho Indigenista – CTI
- Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns
- Comissão Guarani Yvyrupa – CGY
- Comissão Pró-índio do Acre – CPI-Acre
- Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos – CBDDH
- Comitê Chico Mendes
- Conectas Direitos Humanos
- Conselho do Povo Terena
- Conselho Indígena de Roraima – CIR
- Conselho Indigenista Missionário – CIMI
- Conselho Nacional de Ouvidorias Públicas
- Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ
- Engajamundo
- Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE
- Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN
- Federação dos Povos Indígenas do Mato Grosso – FEPOIMT
- Frente Parlamentar Ambientalista
- Frente Parlamentar em Defesa da Escola Pública e em Respeito ao Profissional da Educação
- Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas
- Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional
- Frente Parlamentar Mista pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS
- Governos Locais pela Sustentabilidade – ICLEI
- Greenpeace Brasil
- Grupo Carta de Belém – GCB
- Hutukara Associação Yanomami – HAY
- Indigenistas Associados – INA
- Iniciativa Verde
- Instituto BV RIO
- Instituto Catitu
- Instituto Centro de Vida – ICV
- Instituto Clima e Sociedade – ICS
- Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas – IDESAM
- Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos – IDDH
- Instituto de Estudos Ambientais – Mater Natura
- Instituto de Estudos Socioeconomicos – INESC
- Instituto de Manejo Florestal e Certificação Florestal e Agrícola – IMAFLORA
- Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM
- Instituto de Pesquisas Ecológicas – IPÊ
- Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – Iepé
- Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS
- Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social – ETHOS
- Instituto Humanista para Cooperação e Desenvolvimento – Hivos
- Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB
- Instituto Maíra
- Instituto Mulheres da Amazônia – IMA
- Instituto Pólis
- Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN
- Instituto Socioambiental – ISA
- Instituto Vladimir Herzog
- Justiça Global
- Kuñangue Aty Guasu
- Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH Brasil
- Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato – OPI
- Observatório dos Direitos e Políticas Indigenistas – OBIND
- Observatório de Protocolos Comunitários de Consulta e Consentimento Livre Prévio e Informado
- Organização dos Professores Indígenas do Acre – OPIAC
- Operação Amazônia Nativa – OPAN
- Projeto Hospitais Saudáveis
- Projeto Saúde e Alegria
- Rede de Cooperação Amazônica – RCA
- Rede GTA – Grupo de Trabalho Amazônico
- Revista Xapuri
- Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS
- SOS Amazônia
- Teia Carta da Terra Brasil
- Terra de Direitos
- Uma Gota no Oceano
- União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira – UMIAB
- WWF Brasil
- 350 Brasil
DEPUTADOS FEDERAIS
- Afonso Florence – PT/BA
- Airton Faleiro – PT/PA
- Alencar Santana – PT/SP
- Alessandro Molon – PSB/RJ
- Alexandre Padilha – PT/SP
- Arlindo Chinaglia – PT/SP
- Áurea Carolina – PSOL/MG
- Beto Faro – PT/ PA
- Benedita da Silva – PT/RJ
- Bira do Pindare – PSB/MA
- Bohn Gass – PT/RS
- Camilo Capiberibe – PSB/AP
- Carlos Veras – PT/PE
- Célio Moura – PT/TO
- Célio Studart – PV/CE
- David Miranda – PSOL/RJ
- Edmilson Rodrigues – PSOL/PA
- Enio Verri – PT/PR
- Érika Kokay – PT/DF
- Fernanda Melchionna – PSOL/RS
- Frei Anastácio – PT/PB
- Glauber Braga – PSOL/RJ
- Gleisi Hoffmann – PT/PR
- Heitor Schuch – PSB/RS
- Helder Salomão – PT/ES
- Henrique Fontana – PT/RS
- Ivan Valente – PSOL/SP
- João Daniel – PT/SE
- Joenia Wapichana – REDE/RR
- Jorge Solla – PT/BA
- José Airton Cirilo – PT/CE
- José Guimarães – PT/CE
- José Ricardo – PT/AM
- Joseildo Ramos – PT/BA
- Leonardo Monteiro – PT/MG
- Lídice da Mata – PSB/BA
- Luiza Erundina – PSOL/SP
- Luizianne Lins – PT/CE
- Marcelo Freixo – PSOL/RJ
- Marcon – PT/RS
- Margarida Salomão – PT/MG
- Maria do Rosário – PT/RS
- Nilto Tatto – PT/SP
- Odair Cunha – PT/MG
- Padre João – PT/MG
- Patrus Ananias – PT/MG
- Paulão – PT/AL
- Paulo Guedes – PT/MG
- Paulo Pimenta – PT/RS
- Paulo Teixeira – PT/SP
- Pedro Uczai – PT/SC
- Perpétua Almeida PCdoB/AC
- Professor Israel Batista, do PV/DF
- Professora Rosa Neide – PT/MT
- Rodrigo Agostinho – PSB/SP
- Rogério Correia – PT/MG
- Rui Falcão – PT/SP
- Sâmia Bomfim – PSOL/SP
- Talíria Petrone – PSOL/RJ
- Túlio Gadêlha – PDT/PE
- Vicentinho – PT/SP
- Valmir Assunção – PT/BA
- Vander Loubet – PT/MS
- Waldenor Pereira – PT/BA
SENADORES
- Fabiano Contarato – Rede/ES
- Humberto Costa – PT/PE
- Jacques Wagner – PT/BA
- Paulo Paim – PT/RS
- Paulo Rocha – PT/PA
- Randolfe Rodrigues – REDE/AP
- Rogério Carvalho – PT/SE
28/out/2020
Sentença da subseção de Santarém, publicada nesta terça (27), considera que a instrução normativa nº9 da Funai representa um retrocesso na proteção socioambiental, incentiva a grilagem de terras e os conflitos fundiários.
A Justiça Federal de Santarém anulou, ontem (27), os efeitos da Instrução Normativa nº 9 da Fundação Nacional do Índio (Funai), que incentiva o crime de grilagem em territórios indígenas. A decisão é a primeira sentença sobre a normativa, que foi publicada dia 22 de abril, durante a pandemia da Covid-19.
O juiz da 1º Vara Federal Civil e Criminal de Santarém, Domingos Moutinho da Conceição, acatou a Ação Civil Pública (ACP) feita pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a Funai e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) que contesta a Normativa n°9. Para o juiz, a Instrução representa um indevido retrocesso na proteção socioambiental e incentiva a grilagem de terras e os conflitos fundiários.
De acordo com a sentença, a IN 9 “contraria o caráter originário do direito dos indígenas às suas terras e a natureza declaratória do ato de demarcação” e “cria indevida precedência da propriedade privada sobre as Terras Indígenas, em flagrante ofensa ao art. 231, §6º, da Constituição, cuja aplicabilidade se impõe inclusive aos territórios não demarcados”
Em declaração conjunta no processo, Funai e Incra alegam que não existe a possibilidade de violação do direito originário dos povos indígenas, uma vez que as áreas reivindicadas ainda não tiveram processo demarcatório finalizado. No entendimento dos órgãos, a Constituição confere proteção às terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas quando a condição reconhecida após a conclusão do respectivo processo administrativo.
O juiz ainda destaca que Funai e Incra agem contra seus deveres institucionais quando defendem os interesses de particulares em prejuízo à proteção das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas que, segundo a Constituição, são bens da União: “Observa-se tanto dos termos do instrumento normativo impugnado quanto da manifestação dos demandados a clara opção pela defesa dos interesses de particulares em detrimento dos interesses indígenas e, por conseguinte, do próprio patrimônio público, numa aparente inversão de valores e burla à missão institucional daqueles entes.”
Para o assessor jurídico da Apib Luiz Eloy Terena a “decisão é importante porque resguarda os direitos dos povos indígenas, tendo em vista que estamos vivenciando um contexto político muito adverso, onde as pessoas pensam que está liberado invadir e explorar os territórios tradicionais”. Ele relembra ainda, que durante audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ocorrida no dia 06 de outubro, a APIB denunciou esta normativa e naquela ocasião o atual presidente da Funai disse que a normativa visava dar segurança jurídica. No entanto, “vemos que a segurança jurídica era para os ruralistas e não para as comunidades indígenas”, reforça Eloy Terena.
A Instrução Normativa n° 9
O (des)governo Bolsonaro publicou, no dia 22 de abril, outra medida anti-indígena. No meio de uma crise sanitária que já nos custou 865 vidas e impactou diretamente 158 povos, Funai emitiu a Instrução Normativa nº 9 que permite legalizar o crime de grilagem dentro de áreas indígenas. Uma medida inconstitucional e criminosa, que agrava ainda mais a violência contra os povos indígenas e incentiva o aumento de crimes ambientais.
Ainda em abril, o Ministério Público Federal (MPF) emitiu recomendação feita por 49 procuradores de 23 estados para Funai anular a Normativa nº 9. A medida descumpre decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e de Cortes Internacionais que reconhecem os direitos indígenas. Esta norma do governo também desrespeita a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Nosso direito não começa em 1988
No texto da sentença, o juiz relembra o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima, em que o Supremo Tribunal Federal considerou que o direito originário reconhecido na Carta Magna – resultado da articulação política dos povos indígenas – “é um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios”
Embora tenha sido um marco jurídico importante no reconhecimento dos direitos indígenas, a Constituição Federal não garantiu a devida proteção aos territórios tradicionais. É corriqueiro que o direito originário dos povos indígenas sobre as terras que ocupam seja questionado por meio de manobras jurídicas como a Instrução Normativa n°9 da Funai. Outro estratégia utilizada é a tese do marco temporal que relativiza a ocupação dos povos originários.
Um julgamento de repercussão geral no STF estava marcado para esta quarta (28), porém foi retirado de pauta sem previsão de uma nova data. Esse julgamento pode definir o futuro dos povos indígenas, pois servirá como parâmetro para os processos demarcatórios seguintes. A tese do marco temporal representa uma inconstitucionalidade e terá impactos sobre a proteção dos povos indígenas, colocando em risco, inclusive, os povos isolados e de recente contato.
Povos indígenas de todo Brasil se mobilizam para denunciar mais essa estratégia que segue a violência histórica contra os povos originários, é uma ameaça ao direito de existir.
27/out/2020
Relatório inédito da APIB e Amazon Watch revela conexões de instituições financeiras com empresas no Brasil associadas a conflitos em territórios indígenas e violações de direitos. BlackRock lidera com US$ 8,2 bilhões em ações e títulos de nove empresas.
Uma complexa rede de financiamento internacional está diretamente ligada a empresas implicadas em violações de direitos indígenas e conflitos em seus territórios no Brasil, como detalha relatório inédito publicado hoje pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e Amazon Watch.
Cumplicidade na Destruição III – Como corporações globais contribuem para violações de direitos dos povos indígenas da Amazônia Brasileira revela que seis instituições financeiras norte-americanas – BlackRock, Citigroup, J.P. Morgan Chase, Vanguard, Bank of America e Dimensional Fund Advisors – investiram mais de US$ 18 bilhões, somente de 2017 a 2020, em empresas cujas atividades têm envolvimento com invasões, desmatamento e violações de direitos indígenas na Amazônia.
Três setores estratégicos para a economia brasileira – mineração, agronegócio e energia – geraram conflitos com povos indígenas da Amazônia nos últimos anos. Foram mapeados casos envolvendo as mineradoras Vale, Anglo American e Belo Sun; as empresas do agronegócio Cargill, JBS e Cosan/Raízen; e as companhias de energia Energisa Mato Grosso, Equatorial Energia Maranhão e Eletronorte, abrangendo os estados do Pará, Maranhão, Mato Grosso, Amazonas e Roraima.
“O fluxo de investimentos estrangeiros para empresas que atuam no Brasil se expandiu em uma intrincada rede internacional. Na cadeia desses projetos, os povos indígenas são tratados muitas vezes como um ‘entrave para o desenvolvimento’, e as suas terras são invadidas, ocupadas, saqueadas e destruídas”, afirma Eloy Terena, advogado da APIB. “Esses conflitos materializam-se na pressão pela abertura de novas frentes de exploração nos territórios indígenas, levando a ataques diretos de grileiros e outros invasores, junto com o sistemático desrespeito à legislação que protege as terras e direitos indígenas.”
De acordo com dados analisados pela APIB e pela Amazon Watch, a maior gestora de ativos do mundo, a BlackRock, possui investimentos em nove das onzes empresas identificadas neste relatório. Só a BlackRock detém US$ 8,2 bilhões em ações e títulos das empresas JBS, Energisa, Belo Sun, Vale, Anglo American, Cargill, Cosan, Eletrobras e Equatorial Energia. Apesar de ter adotado, no início deste ano, medidas para lidar com seus investimentos em setores que causam danos ao clima, a BlackRock não possui uma política sobre como lidar com investimentos que possam impactar os direitos de povos indígenas. Tampouco tem se comprometido a pressionar as empresas nas quais ela investe para atuar pelo fim do desmatamento nas florestas tropicais como a Amazônia.
A segunda maior gestora de ativos do mundo, a Vanguard, possui ações e/ou títulos em oito dessas empresas: Anglo American, Cargill, Cosan, Eletrobras, Energisa, Equatorial Energia, Vale e JBS, totalizando US$ 2,7 bilhões. O J.P. Morgan Chase, cujo Marco de Política Socioambiental inclui um compromisso específico com a proteção dos direitos indígenas, investiu US$ 2,4 bilhões nas empresas Anglo American, Cargill, Cosan, Eletrobras, Energisa, Equatorial, Vale e JBS.
“As pesquisas realizadas apontam que grandes empresas do setor financeiro como BlackRock, Vanguard e J.P. Morgan Chase estão usando o dinheiro de seus clientes para permitir ações hediondas de empresas ligadas a violações de direitos indígenas e à devastação da floresta amazônica”, afirma a Christian Poirier, diretor de programas da Amazon Watch. “Esta cumplicidade do setor financeiro com a destruição contradiz os compromissos com o clima e os direitos humanos apregoados por algumas dessas empresas, expõe seus investidores a graves riscos e contribui de forma dramática com as crescentes crises mundiais da biodiversidade e do clima.”
Mundialmente conhecida por sua falta de compromisso em rastrear fornecedores indiretos, a JBS comprou gado criado ilegalmente dentro das terras indígenas Uru-Eu-Wau-Wau (RO) e Kayabi (MT) – nesse caso, de um pecuarista que que acumula mais de R$ 20 milhões em multas ambientais desde os anos 2000 por desmatar a Amazônia.
Em 2019, a Energisa Mato Grosso foi indiciada pelo Ministério Público Federal por fornecer eletrificação rural a posseiros ilegais que vêm promovendo invasões ao território indígena Urubu Branco desde 1998. A empresa negou acesso aos dados pessoais dos invasores, enquanto rejeitou consistentemente eletrificação às aldeias alegando que o território estava sob disputa.
Já a mineradora canadense Belo Sun tem 11 onze processos de pesquisa em análise na Agência Nacional de Mineração que ameaçam diretamente as terras indígenas Arara da Volta Grande do Xingu e Trincheira Bacajá, no Pará. Embora negue, a Vale também tem centenas de requerimentos para explorar dentro de terras indígenas na Amazônia. E a Estrada de Ferro Carajás afeta diretamente quatro terras indígenas: Rio Pindaré, Mãe Maria, Xikrin e Arariboia. A Vale é acusada por indígenas de descumprir seguidamente os acordos firmados para amenizar os impactos.
Conflitos nos territórios e violações aos direitos indígenas envolvendo as outras empresas são descritos no relatório.
Cumplicidade na Destruição III parte de pesquisas feitas pelo observatório jornalístico De Olho nos Ruralistas (DONR) e pela instituição de pesquisa holandesa Profundo. O DONR mapeou as atividades de empresas brasileiras e internacionais a fim de identificar abusos como invasões de terras indígenas, desmatamento ilegal e outras violações de direitos indígenas em todo o Brasil. Com base nesse levantamento inicial, a Profundo analisou cadeias produtivas, compradores e investidores internacionais, em um cruzamento de dados que levou à identificação das 11 companhias citadas no relatório. O documento também fornece recomendações para empresas atuando no Brasil, companhias importadoras, instituições financeiras e também para governos e legisladores em todo o mundo.
23/out/2020
Inicialmente marcado para o dia 28 de outubro, julgamento que pode definir futuro das terras indígenas ainda não tem nova data definida
O Supremo Tribunal Federal (STF) retirou de pauta o julgamento que pode definir o futuro das demarcações das Terras Indígenas. A decisão, publicada na noite de ontem (22), foi feita pelo presidente do Supremo, Luiz Fux, e o julgamento de repercussão geral segue sem data definida.
O cancelamento da pauta, que estava prevista para o dia 28 de outubro, coincide com a aposentadoria do Ministro Celso de Mello e ocorre no dia da aprovação pelo Senado do novo ministro indicado por Bolsonaro, Kassio Marques, desembargador federal que atuava no TRF 1, em Brasília.
O julgamento é alvo de pressões de setores do agronegócio e da mineração, que junto ao Governo Federal buscam retirar direitos dos povos indígenas para legalizar crimes contra os territórios, ao meio ambiente e a vida de milhares de pessoas.
Os ministros do STF devem julgar o Recurso Extraordinário 1.017.365 relativo a reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra a demarcação da TI Ibirama-Laklanõ. Como o Supremo reconheceu a “repercussão geral” do caso, ele vai fixar orientações gerais para todas as demarcações.
A corte também deve decidir neste mesmo julgamento sobre mantém ou não a medida cautelar deferida pelo ministro Edson Fachin, em maio de 2020, que suspendeu os efeitos do Parecer 001/2017, instrumento usado para institucionalizar o “marco temporal” como norma dos procedimentos administrativos de demarcação.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), junto com todas as suas organizações de base e organizações indigenistas parceiras do movimento indígena, segue mobilizada pela garantia dos direitos constitucionais dos povos indígenas, pelas nossas vidas e pela vida do planeta. Sangue indígena: nenhuma gota a mais!
Entenda o que está em jogo, acesse aqui
22/out/2020
Justiça Federal em Mato Grosso do Sul (MS) emitiu, na primeira quinzena de outubro, duas decisões favoráveis à continuidade do processo de demarcação da Terra Indígena (TI) Cachoeirinha, localizada nos municípios de Miranda e Aquidauana. A portaria que declara os limites e a demarcação da área tradicionalmente ocupada por indígenas do povo Terena foi publicada em 2007 e, agora, cabe à Fundação Nacional do Índio (Funai) realizar as visitas técnicas para que seja feita a demarcação física da área, com a fixação de marcos e placas e (re)avaliação de benfeitorias.
No entanto, de acordo com a Funai, os ocupantes dos imóveis rurais apresentam resistência ao ingresso dos técnicos, impedindo a continuidade dos trabalhos demarcatórios. Uma das decisões obriga 55 produtores rurais a permitirem o acesso de técnicos da Funai aos imóveis rurais a fim de promover a vistoria e a avaliação da área. Na decisão, a JF destaca que o processo administrativo demarcatório obedeceu a todas as regras legais e que a Funai deseja apenas cumprir o que determina a portaria de demarcação.
A segunda decisão nega pedido ajuizado pela Estância Portal da Miranda Agropecuária e por Roberto Pacheco de Angelis, que pleiteava a suspensão do processo demarcatório da TI e a declaração de posse e propriedade integral do imóvel rural de 14,7 mil hectares, dos quais 4,1 mil constam no relatório antropológico elaborado pela Funai como área de ocupação tradicional indígena. Na decisão, a JF ressalta que a tradicionalidade da ocupação da terra pelos indígenas apontada no trabalho realizado por antropólogo a serviço da Funai foi confirmada por laudo antropológico produzido a pedido da própria Justiça Federal.
Caso antigo – O processo demarcatório da Terra Indígena Cachoeirinha se arrasta há 38 anos, desde que foi iniciado em 1982. Trata-se da revisão dos limites de uma área de 2.660 ha, conforme delimitado pelo Marechal Cândido Rondon na primeira década do século XX, para uma área de 36.288 ha e perímetro de 100 km. Os estudos antropológicos para identificação da área indígena foram realizados e culminaram com a edição da Portaria nº 791/2007 do Ministério da Justiça, que estabeleceu os limites da Terra Indígena Cachoeirinha, declarou-a como sendo de posse permanente do grupo indígena Terena, determinando, ainda, a demarcação física.
Em setembro de 2019, o Ministério Público Federal em Campo Grande obteve sentença judicial com antecipação dos efeitos (espécie de liminar) que determinava prazo de 18 meses para os procedimentos finais de demarcação da TI Cachoeirinha. No entanto, conforme explicado acima, a Funai alega dificuldades de acesso aos imóveis rurais em questão.
Enquanto a demarcação em si não for efetivada, permanecem os índios sem a garantia de posse das terras, aumentando as disputas internas nas aldeias em razão do pequeno espaço, e produtores rurais sem segurança jurídica, diante de um procedimento praticamente parado no âmbito da Funai.
22/out/2020
Brasília – O processo que definirá os rumos das demarcações das terras indígenas no Brasil está pronto para ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O que está em jogo é o reconhecimento ou a negação do direito mais fundamental aos povos indígenas: o direito à terra.
Há duas teses em disputa: de um lado, a chamada “teoria do indigenato”, que reconhece o direito territorial dos povos indígenas como “originário”, segundo os termos da Constituição; do outro lado, está uma proposta que restringe os direitos desses povos às suas terras ao reinterpretar a Constituição com base na tese do chamado ‘marco temporal’. Nessa interpretação, defendida por ruralistas, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição, ou que, nessa data, estivessem sob disputa física ou judicial comprovada.
Entenda o caso
Tramita no STF um pedido de reintegração de posse (Recurso Extraordinário 1.017.365) movido pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Farma) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, envolvendo a Terra Indígena Ibirama-Laklanõ, área reivindicada e já identificada como parte de seu território tradicional, também habitado por populações Guarani e Kaingang.
O Recurso teve a repercussão geral reconhecida pelo plenário do STF em 2019. Isso significa que o que for julgado nesse caso servirá para fixar uma tese para todos os casos envolvendo demarcações de terras indígenas, em todas as instâncias do judiciário.
O que está em jogo?
Por isso, a decisão da Suprema Corte irá impactar o futuro de centenas de populações indígenas, já que a aplicação do marco temporal pode dificultar ainda mais as demarcações, indispensáveis à sobrevivência desses povos, à pacificação de conflitos territoriais históricos, além de coibir a violência resultante de invasões e atividades ilícitas, como grilagem de terras, garimpo e extração madeireira.
A existência dos povos indígenas isolados também estará ainda mais ameaçada caso a votação seja favorável à tese do marco temporal. Isso porque, por seu modo de vida nômade e avesso ao contato, é impossível comprovar a presença desses grupos em 5 de outubro de 1988 nas terras que hoje habitam ou que estivessem reivindicando formalmente o reconhecimento de seus territórios. O Estado brasileiro até hoje não conseguiu confirmar exatamente quantos são e onde estão essas comunidades especialmente vulneráveis.
Na avaliação de indigenistas, juristas, lideranças indígenas e do Ministério Público Federal (MPF), o marco temporal é uma tese perversa, pois legaliza e legitima as violências a que os povos foram submetidos até a promulgação da Constituição de 1988, em especial durante a Ditadura Militar.
“Essa posição ainda ignora o fato de que, até 1988, os povos indígenas eram tutelados pelo Estado e não tinham autonomia para lutar, judicialmente, por seus direitos. É por esse motivo que o mote para a campanha de mobilização indígena para derrubar a tese do marco temporal é: “Nossa história não começa em 1988”, explica Rafael Modesto, advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
O julgamento foi colocado em pauta pelo presidente do Supremo, o ministro Luiz Fux, e será realizado de forma telepresencial, devido a pandemia do novo coronavírus. As partes terão até 15 minutos para se manifestar, já os amici curiae – amigos da corte -, terão ao todo, 30 minutos para sustentação oral.
20/out/2020
Artigo de Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da Apib
O julgamento mais importante sobre as terras indígenas está na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF). No próximo dia 28 de outubro, a Suprema Corte irá analisar o recurso extraordinário n. 1.017365, da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que discute a posse da Terra Indígena Ibirama Laklaño, do povo Xokleng, localizada em Santa Catarina.
O Supremo terá que decidir sobre o estatuto jurídico das terras indígenas. Isto porque, estarão em análise duas teses jurídicas: a) a teoria do indigenato e b) a tese do marco temporal.
A teoria do indigenato consiste no fato de que os povos indígenas têm direito aos seus territórios tradicionalmente ocupados, conforme expresso no artigo 231 da Constituição brasileira, não podendo haver nenhuma limitação a este direito, devendo o poder público federal demarcar e proteger todas as terras. Essa tese remonta ao período colonial, onde as leis que foram editadas, respeitaram a posse dos povos originários, como senhores naturais de suas terras.
Já a tese do marco temporal restringe os direitos indígenas e é defendida pelos ruralistas, representados pela bancada ruralista no Congresso Nacional Brasileiro. Para eles, os povos indígenas só têm direito as terras que estavam ocupando no dia 05 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. Além de limitar o direito das comunidades indígenas, essa tese visa anistiar os crimes cometidos contra os indígenas, especialmente aqueles perpetrados durante o período da ditadura militar. Neste período, muitas terras indígenas, consideradas originalmente como terras públicas, foram invadidas e griladas.
A Constituição Federal completou 32 anos e, mesmo assim, muitas comunidades indígenas aguardam a demarcação de suas terras desde então. O recente Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas (2020), divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), apontou de forma inequívoca que das 1.298 terras indígenas no Brasil, 829 (63%) apresentam alguma pendência por parte do Estado para a finalização de seu processo demarcatório e o registro como território tradicional indígena na Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Destas 829, um total de 536 terras (64%) não teve ainda nenhuma providência adotada pelo Estado. Ou seja, o atual presidente da república, além de ter cumprido sua promessa de não demarcar um centímetro de terra indígena, atuou por meio do Ministério da Justiça, na qual devolveu 27 processos de demarcação à Fundação Nacional do Índio (Funai) para que fossem revistos, no primeiro semestre de 2019.
Resumo do caso
No ano de 2009, a Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina – FATMA entrou com ação de reintegração de posse em face da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e do grupo indígena Xokleng. A Fundação estadual alegou ser legítima possuidora de uma área de 80.006,00m² (oitenta mil e seis metros quadrados), localizada na Linha Esperança-Bonsucesso, distrito de Itaió (SC), que exercia a posse mansa, pacífica e ininterrupta por mais de sete anos, e, que essa reserva teria sido invadida pelos indígenas.
Há época, a FUNAI ofereceu contestação, refutando a tese inicial e demonstrando que a área da qual a autora se diz proprietária está abrangida pelos efeitos da Portaria nº 1182/2003 do Ministério da Justiça, que declarou de posse permanente dos grupos indígenas Xokleng, Kaingang e Guarani a Terra indígena Ibirama-La Klãnõ, com superfície aproximada de 37.108ha (trinta e sete mil cento e oito hectares), localizada nos Municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, José Boiteux e Vitor Meireles, no estado de Santa Catarina.
A ação foi julgada procedente na primeira instância e a decisão mantida no Tribunal Regional Federal (TRF4). Após este percurso, a ação chegou ao Supremo por meio de recurso interposto pela Funai. O relator, ministro Edson Fachin, ao admitir o recurso, apontou que é necessário que se fixe uma tese para resolver sobre a “definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena, nos termos do artigo 231 do texto Constitucional”.
O direito indígena na Constituição de 1988
O texto constitucional de 88 foi categórico ao vaticinar em seu artigo 231 “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Não há dúvida, portanto, que o constituinte originário elegeu a tese do indigenato.
Os direitos dos povos indígenas aos seus territórios possuem respaldo constitucional antes mesmo de 1988. Na Carta Constitucional de 1934 é reconhecida a posse dos indígenas das terras que tradicionalmente ocupam: “Art. 129. Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las”.
Seguindo a ordem Constitucional, a Lei n. 6.001/73, também conhecida como Estatuto do Índio, previu em seu art. 65 que o “Poder Executivo fará, no prazo de cinco anos, a demarcação das terras indígenas, ainda não demarcadas”. Ou seja, até 1978 todas as terras indígenas deveriam ser demarcadas. Sobreveio a Constituição de 1988 e novamente impôs o mesmo prazo vaticinando no art. 67 da ADCT, que a “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”.
A teoria do indigenato foi desenvolvida por João Mendes Junior. A subprocuradora-geral da República Déborah Duprat, aponta que essa tese teve início em conferência proferida na antiga Sociedade de Ethnografia e Civilização dos Índios, em 1902, quando o professor João Mendes Junior afirmou: “[…] já os philosophos gregos afirmavam que o indigenato é um título congenito, ao passo que a occupação é um título adquirido. Com quanto o indigenato não seja a única verdadeira fonte jurídica da posse territorial, todos reconhecem que é, na phrase do Alv. de 1º de abril de 1680, ‘a primária, naturalmente e virtualmente reservada’, ou, na phrase de Aristóteles (Polit., I, n. 8), – ‘um estado em que se acha cada ser a partir do momento do seu nascimento’. Por conseguinte, não é um facto dependente de legitimação, ao passo que a occupação, como facto posterior, depende de requisitos que a legitimem”.
O Alvará de 1º de abril de 1680, referido no texto, ao cuidar das sesmarias, ressalvou as terras dos índios, considerados “primários e naturais senhores delas”.
Portanto, tem-se nesta norma o reconhecimento expresso do instituto do indigenato, como sendo um direito originário, anterior ao próprio Estado, anterior a qualquer outro direito. Nas palavras do professor José Afonso da Silva “o indigenato é a fonte primária e congênita da posse territorial; é um direito congênito, enquanto a ocupação é título adquirido. O indigenato é legítimo por si, não é um fato dependente de legitimação, ao passo que a ocupação, como fato posterior, depende de requisitos que a legitimem”.
Neste sentido, a Constituição de 1988 adotou a teoria do indigenato ao reconhecer o direito originário dos povos indígenas as terras tradicionalmente ocupadas.
Sobre o autor: Luiz Henrique Eloy Amado é Terena da aldeia Ipegue (MS), advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional (UFRJ). Pós-doutorando na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris, França.